O Pikachu estava bastante machucado, encolhido em um canto do armazém. Em suas mãos estava uma pecha berry, metade comida. Ele estava encarando Red com olhos temerosos, eletricidade chiando em suas bochechas.

Por toda a vida de Red, ele se perguntou se ele estava quebrada. Quando sua mãe desatava a chorar por saudades de seu pai, quando Leaf sorria cheia de melancolia falando de seus pais, ou quando Blue se frustrava e gritava de raiva quando Red não respondia às suas provocações. Red havia presenciado essas situações várias vezes, desde que podia se lembrar, e em nenhuma dessas vezes, Red havia sentido alguma coisa. Desde que Red podia se lembrar, ele jamais havia sentido algo que verdadeiramente o movesse.

Foi naquele dia, aos dez anos de idade, encarando os olhos cheios de medo de um Pokémon mal-tratado, que o coração de Red começou a bater de verdade.

Nas semanas seguintes, era mais comum encontrar Red chamuscado, do que o contrário. Blue ria toda vez que o encontrava, balançando a cabeça e falando "eu te avisei". Aquele Pikachu havia sofrido nas mãos de humanos e por isso, era uma criatura raivosa perigosa. Jamais estaria apto para ser um Pokémon doméstico novamente.

Desde que Red havia nascido, ele e Blue estavam juntos. Eles eram vizinhos e seus pais haviam feito amizade, então desde que Red havia aprendido a falar ou dado os primeiros passos, Blue estava lá. Desde que Red se lembrava, Blue nunca esteve errado.

Blue era neto do grande Professor Carvalho, pesquisador e primeiro campeão da Liga Índigo. Seus pais eram pesquisadores Pokémon, antes de desaparecerem. Daisy também gostava bastante de ciência. Então todos da família de Blue eram bastante inteligentes e Blue sempre conhecia muito de coisas que Red nem sabia que existiam. Blue nunca estava errado, quando se tratava de Pokémon. Em 10 anos de vida, Red nunca havia ganho em suas batalhas simuladas, nem superado Blue na escola ou vídeo-games.

Vestindo aquelas luvas de borracha que o Professor o havia presenteado outra vez para entrar na gaiola onde haviam prendido o Pikachu, a certeza de Red que dessa vez Blue estava errado só se fomentou.

Pois aquela vez o cumprimentava de novo. "Saia daqui, humano cretino. Não que sentir seu cheiro podre." Era o Pikachu, o encarando do fundo da cela, com olhos cheios de ódio.

Depois que o Pikachu havia entendido que Red não pretendia tocar nele, seu medo foi substituído pela raiva e desprezo. Toda vez que Red vinha visitá-lo, ele ouvia aquelas palavras de ódio.

A primeira vez que Red ouviu a voz havia sido no armazém, procurando os ingredientes que sua mãe havia pedido. A voz de alguém implorando por ajuda. Red havia considerado ter enlouquecido, naquela época. Agora, ele tinha certeza que era real. Ele entendia esse Pikachu e sabia que por baixo de toda aquela marra, ainda havia alguém que precisava de ajuda.

– … – Red ofereceu uma pecha, estendendo sua mão. O Pikachu retaliou com uma onda de choque, fazendo Red se recolher e derrubar a fruta.

Apesar de Red saber que Pikachu precisava de ajuda e ouvir sua voz claramente, ele nunca havia sido bom com as palavras. Blue era diferente, tinha 10 anos, mas todos os professores elogiavam a forma que ele usava as palavras. O Professor Carvalho era um poeta por hobby e parecia que seu neto o havia puxado.

Talvez fosse por isso que Red acompanhava Blue, mesmo depois de todos os desentendimentos. Blue falava demais, Red; de menos. Se Red acompanhasse Blue, as pessoas não prestavam atenção nele e o tratavam feito uma sombra.

O pequeno conforto agora fazia Red se sentir inadequado de forma que nunca havia sentido antes.

"Saia daqui", o Pikachu estava avisando, "saia daqui antes que eu te torre de novo". Red suspirou, outra derrota para sua crescente lista.

Quando Red saiu da gaiola, o Pikachu foi cautelosamente até as pecha que ele havia deixado para trás e começou a comer.

– Meu avô disse que é melhor devolver aquele Pikachu para a natureza logo. – Blue disse um dia, quando voltavam para o laboratório da escola. – Deixar ele preso naquela gaiola só está deixando ele mais estressado.

Red não respondeu, olhando apenas para frente. O professor não podia devolver o Pikachu para a natureza ainda. Red ainda não havia conseguido descobrir como ajudá-lo.

– Pikachus vivem em grandes grupos, sabia? Tem vários escondidos na Floresta de Viridian. Para ele ter parado aqui machucado daquele jeito e sozinho, só pode ter sido expulso do grupo. Uma pária que não se dá bem com ninguém! – Blue sorriu. – Parece até você, Red!

Parecido com Red. Aquelas palavras o fez dar uma pausa. Sozinho, machucado e com ódio do mundo. Isso era Red, também? Red achava que não. Ele não sentia nada, desde aquele puxão que havia sentido em direção daquele Pikachu. Red estava vazio desde que havia nascido.

– Quer dizer, sem mim, você seria só um garoto estranho no canto da sala! Já que você não fala com ninguém além de mim e da Leaf. Então acho que você deveria estar muito agradecido que eu aceitei ser seu amigo! – Blue se gabou, sorrindo largamente.

Todas aquelas crianças faziam Red ficar desconfortável, então ele evitava interagir com elas. Ele tinha Blue como escudo, desde que havia nascido. Blue estava sempre atraindo toda a atenção para ele, então estava tudo bem se Red nunca falasse nada.

Mas se Red não tivesse Blue… Seria uma grande pressão. Red se perguntava se Pikachu havia se sentido daquela forma também, quando estava com seu grupo. Como se ele fosse um animal de uma espécie completamente diferente, ou como se ele estivesse tentando vestir roupas que não serviam de verdade nele. Alguém que nunca seria parte do grupo.

Red realmente não entendia nada. Desde que se lembrava, emoções eram coisas abafadas, facilmente controladas e guardadas. Red não entendia como os outros se sentiam. Sua mãe com saudade, Leaf com aquela mistura de sentimentos agridoce e Blue que estava tendo picos aleatórios de emoção. Red não entendia nada disso, então ele só ignorava e fingia que estava tudo normal.

Mas o sentimento de não pertencer a um lugar Red entendia muito bem. Então pela primeira vez desde que começou suas tentativas fúteis de se aproximar do Pikachu, Red encontrou algo com que ele pudesse se conectar.

– Blue, muito obrigado. – Red deu um pequeno sorriso para o seu mais antigo amigo.

Blue o olhou surpreso, antes de empinar o nariz e sorrir convencido.

– Eeeh?! Finalmente mostrando um pouco de humildade, Red?! De nada por ser um amigo tão incrível! Aaah, como é bom ser reconhecido! Espera até eu contar para a Leaf!

Aquele filhote de humano veio de novo, como vinha todos os dias. Os olhos vermelhos dele eram tão horripilantes quanto no dia anterior. Toda vez que eles focavam em Pikachu, frios e distantes, ele se sentia ameaçado.

Então, como fazia todos os dias desde que o haviam preso naquela maldita gaiola, Pikachu se colocou em posição de ataque e começou a armazenar eletricidade em suas bochechas, pronto para eletrocutar aquele humano se ele se aproximasse demais.

Como fazia todos os dias, o humano trouxe aquelas frutas doces. Pikachu gostava delas, eram macias e suculentas. Mas comer da mão de um humano era degradante, então quando a criança estendeu a fruta na palma de sua mão, Pikachu o eletrocutou de novo.

Normalmente, essa era a parte que o humano ia embora e o Pikachu podia se deliciar das frutas que ele deixava para trás. Hoje a preciosa rotina a qual Pikachu havia se acostumado havia sido quebrada.

O humano largou a fruta no chão, entre ele e Pikachu, e se sentou contra a parede da gaiola. Pikachu rosnou ameaçadoramente, o intimando para que fosse embora. O humano ficou ali, o encarando com aqueles olhos vermelhos.

Um humano que o olhava de cima. Pikachu sentia sua fúria florescer. Ele odiava esse tipo de humano arrogante, todos os humanos que usavam aquelas roupas negras o encaravam assim. Pikachu havia mostrado que ele não era um oponente para se lidar levianamente, mesmo aprisionado. Ele deveria mostrar para essa criança, também.

– Você se sentia separado também? – A criança perguntou, emitindo o primeiro som desde que Pikachu o havia conhecido. A voz dele era grossa demais para uma criança. – Quando estava com os outros Pikachu. Você também ficava… longe?

A surpresa de ouvir a voz da criança fez Pikachu esquecer seus pensamentos homicidas, por um instante. Ele pensou em sua infância, na floresta de Viridian. Se ele estava separado? Ele se lembrava das desculpas meia-boca de sua mãe, antes de abandoná-lo.

Crianças que nasciam defeituosas eram um peso para seus pais e colocavam em risco a sobrevivência de seus outros irmãos, então Pikachu havia sido deixado para trás. O grupo não lhe dava mais do que sobras, se ele tivesse sorte, e nem um único Pikachu do grupo esperava que ele vivesse por muito tempo. Pikachu os havia provado errados, pois ao contrário do que pensavam, Pikachu era muito melhor do que todos eles.

Então sua resposta para a criança foi: "Mas é claro que eu fiquei longe. Criaturas fracas como aquelas não mereciam minha atenção."

O garoto parecia considerar aquelas palavras. Apesar de ser um humano imundo, era interessante que o garoto pudesse entender o que ele dizia. A compreensão de Pikachu sobre a fala humana também havia melhorado bastante depois dele ter sido capturado pelos homens de preto, então talvez o garoto tivesse passado um longo tempo ao redor de Pokémon também? Improvável, ou o garoto já estaria muito mais desfigurado.

Sorrindo para si mesmo imaginando aquela criança desmembrada, morrendo em um canto qualquer numa floresta, Pikachu se aproximou da fruta, a eletrocutando até seu ponto favorito. Aquelas frutas eram perfeitas.

"Você é igual, não é?" Pikachu deu um sorriso de lado para a criança. "Com esse olhar de desprezo para todos à sua volta. Nenhum deles é seu igual de verdade, não é?"

A expressão fria do menino foi substituída por uma expressão perturbada. Pikachu se deliciou pela pequena vitória.

– … O meu amigo Blue me disse que talvez nós fôssemos parecidos. – O menino murmurou. – Eu não gosto de me aproximar dos outros. Pensei que você também não gostasse. Quando os outros tentam se forçar em mim ou são amigáveis demais, eu fico desconfortável.

Os olhos vermelhos daquele garoto se moveram para a fruta que Pikachu estava comendo.

– Eu também odeio fazer coisas que eu não quero. Se você fosse como eu, a única forma seria você querer ficar mais perto, ou não iria dar certo. Fazer você escolher se aproximar de mim… Acho que eu estava certo?

"Você brincou comigo." A acusação fez o gosto daquela fruta se tornar como o de cinzas. O menino era uma cobra ardilosa, como aqueles homens de preto. Quem diria que um humano havia mentido.

– Leaf sempre diz que temos que entender os outros… Eu te entendi, então agora somos amigos.

O Pikachu não respondeu, ao invés disso, acertou uma descarga elétrica no garoto com intensidade o suficiente para matar. O menino arfou, saliva saindo de sua boca enquanto seus olhos se arregalaram com a dor. "Você não entende nada. Você é só uma criança que se acha demais. Não apareça de novo na minha frente."

Os adultos em jaleco branco entraram correndo no cativeiro, antes que Pikachu pudesse acabar com aquela criança. O tranquilizador que eles jogaram perto de Pikachu o fez apagar, sua única memória foi ver a criança sendo carregada para longe.

– Professor, esse Pokémon quase matou o Red. Ele não tem condições de viver entre humanos.

– Eu sei. É uma pena, me pergunto o que ele passou para chegar a esse ponto. Ele já está recuperado o suficiente, acho que é hora de devolvê-lo à Viridian.

O professor se afastou da gaiola, com ambas as mãos atrás das costas.

– Na próxima semana temos uma excursão marcada. Nesse dia, vamos retornar esse Pikachu à natureza.

Como se Pikachu fosse voltar para fodendo Viridian.

Já estava de noite. Red olhou pela janela de seu quarto, vendo as primeiras estrelas aparecerem. Ele havia acordado naquela tarde, numa maca no laboratório do Professor Carvalho. Sua mãe e Leaf estavam do lado de sua cama e sua mãe chorou de alívio quando Red abriu os olhos. Leaf o deu um sermão por ser tão descuidado. Blue havia chegado mais tarde, com biscoitos feitos por Daisy e zombarias. O Professor também havia solto umas anedotas engraçadas, antes de Leaf o pôr de joelhos com um sermão afiado.

Red os desprezava? Ele olhou para cada um deles, rodeando sua maca. Red não os odiava, mas também não sabia se gostava deles. Red descobriu que não se importava com a presença deles, mas quando pensou em nunca mais ver nenhum deles, não se sentiu incomodado. Isso fazia de Red uma pessoa ruim?

Ele havia voltado para casa, com sua mãe ainda agitada com a situação. Sua mãe havia feito todos os seus pratos favoritos e havia dispensado ele e Leaf de suas tarefas diárias. Leaf havia jogado os jogos que Red quisesse e depois os três haviam assistindo juntos um filme sobre quatro garotos em uma aventura.

Não havia nada que Red pudesse apontar em toda aquela tarde como ruim. Na verdade, havia sido tudo muito bom, com todas as suas coisas favoritas. Quando Leaf havia perguntado se Red estava feliz, ele havia respondido que sim. No entanto, o contentamento era que aquele fim de dia não tinha intensidade alguma. Será que era por que Red considerava sua família inferior, como Pikachu havia considerado a dele?

Red se lembrou daquela voz pedindo por ajuda. Ele estava sendo enganado pela voz que falava, ao invés da voz que sentia. Pikachu estava muito triste. Tão triste que Red havia sentido sua tristeza como se fosse a dele, quando haviam se conhecido. Pikachu falava com propriedade e confiança. Mas por baixo, ele estava muito assustado.

– Prontinho! – Leaf entrou no quarto que ambos dividiam, secando seu cabelo. – Pode ir tomar banho, Red!

Leaf era filha de amigos da família. Red nunca os havia conhecido, nem Leaf conhecia Red e sua mãe, antes de chegar em Pallet para morar com eles, três anos atrás. Os pais de Leaf eram exploradores e haviam sido comidos vivos por Pokémon. Leaf havia assistido tudo e por conta disso, ela tinha uma fobia debilitante de Pokémon. Por isso, Leaf tinha que ser a pessoa mais fraca que Red conhecia. Criaturas fracas não merecem atenção, Pikachu havia dito.

– Leaf. – Red estava sentado no chão do quarto, contra o beliche. Leaf havia sentado na cama de baixo e continuou secando o cabelo, então Red a estava olhando de baixo. – Você acha que eu desprezo os outros?

Leaf parou de secar o cabelo com a toalha, lentamente olhando para Red. Leaf era bem madura para sua idade, todos os adultos diziam isso. Blue era eloquente e muito inteligência, mas Leaf sempre sabia o que fazer.

– Eu acho que você não sabe se expressar muito bem, por isso pode acabar parecendo arrogante e rude. – Ela falou cuidadosamente. – As crianças da escola estão mexendo com você de novo, Red? Eu vou acabar com elas–

– Não é nada disso. – Ele a cortou. – Você disse que para fazer amigos, eu preciso entender os outros. Eu entendi alguém, mas ele só ficou bravo comigo.

Os olhos de Leaf eram inquisitivos. Era difícil saber o que ela estava pensando, quando ela ficava quieta desse jeito. Blue teria enchido esse silêncio com seu papo incessante, nesse momento. Por isso os três deveriam sempre ficar juntos.

– É verdade que para ser amigo de alguém, você precisa entender os seus sentimentos. Mas a abordagem também é importante. Você não pode aparecer só falando "Aha! Eu sei que você está sentindo X!". Isso é desdenhoso.

– Então eu preciso entender a pessoa, mas não posso falar que entendi a pessoa? Isso não faz sentido, Leaf. – Red enrugou o nariz.

– As pessoas devem ser livres para compartilharem o que sentirem confortáveis, no tempo que quiserem e da maneira que quiserem. Você não pode encurralar uma pessoa a te falar o que sente, Red.

– Então eu fiz certo. Ele estava falando o que queria. Não entendi porque ficou bravo.

Leaf estava com aquela expressão difícil de ler, de novo. Ela se levantou da cama e se sentou ao lado de Red, o puxando para encostar sua cabeça em seu ombro. Leaf o envolveu com o braço direito.

– Está tudo bem não entender ainda. Você ainda vai aprender muita coisa, Red. Só de estar se esforçando para entender o que fez de errado já é um grande passo, estou bem orgulhosa.

Leaf tinha a mania de fazer coisas pequenas parecerem grandes. Red achava que esse era um desses momentos. Leaf era bem inteligência e sempre tirava notas boas, entretanto ela podia ser bem estúpida, às vezes. Quando chegou em Pallet, Leaf nunca parava de chorar, e o último acontecimento só fomentou sua certeza de que Pokémon eram criaturas do inferno. Ela também falava como se fazer amigos fosse uma grande coisa.

Entretanto, Leaf batia em quem tentava intimidá-lo e podia colocar até o Professor Carvalho de joelhos quando ficava irritada. Ela era fraca, mas Red também a achava forte, de certa forma. Então certamente, Red não a desprezava.

Ele teria que contar ao Pikachu, na próxima vez que o visitasse.

– O Pikachu escapou! – Blue exclamou, no meio da sala de aula.

A professora foi rápida em confiscar o Pokégear que Blue havia trazido para ficar conversando com seu avô, não que importasse, pois amanhã Blue certamente teria um novo e a escola estava sendo evacuada pois um Pokémon selvagem e agressivo estava à solta em Pallet.

Red queria ir atrás do Pikachu, mas desde o momento que Blue havia gritado que o Pokémon havia escapado, Leaf agarrou seu braço como se soltá-lo fosse causar sua morte. Ela tinha uma expressão que até Red sabia ser aterrorizada.

– Não se preocupe, Leaf. Se o Pikachu aparecer, eu te protejo. – Blue garantiu, tirando uma Pokébola da bolsa. – Eu tenho a Eevee, afinal de contas!

– Obrigada… – Leaf murmurou, distraidamente.

A professora os estava pastoreando para o ginásio, onde eles ficariam isolados e protegidos. A escola era pequena, mais um armazém com divisórias do que uma escola, mas a sala de Red tinha a visão privilegiada para a floresta que cercava Pallet. Leaf estava encarando a janela, fitando qualquer movimento do lado de fora, como se o Pikachu fosse aparecer de repente e eletrocutá-los todos.

Apenas Red sabia que o Pikachu odiava grupos, então ele nunca viria para um lugar onde tinha muitas pessoas. Então o povo de Pallet deveria ficar segurando, contanto que estivesse junto. A única coisa que o Pikachu gostava era Pecha Berry. Isso, e delirar com violência.

– Humph! Vou me sair muito melhor, ao contrário do Red, que se o Pikachu aparecer é capaz dele virar um pára-raios de novo tentando ser amiguinho dele! – Blue deu um sorriso maldoso para Red.

– Hmm… – Leaf não parecia estar ouvindo.

Ambos Red e Blue deram um olhar avaliativo para Leaf. Embora fosse muito educada e madura, Leaf odiava quando Blue agia de forma maldosa e por isso sempre o repreendia, sem falhas. Agora, ela parecia fora de si, seus olhos enegrecidos pelo terror.

Eles estavam atravessando o pátio agora, logo estariam no ginásio e Leaf poderia se sentir segura de novo.

– Não tem com o que se preocupar, de toda forma… O vovô provavelmente está preparando um time de abate. Um Pokémon raivoso assim vai acabar sendo sacrificado.

Red parou de andar.

– Como é?

Blue olhou para Red, com uma expressão confusa.

– Pokémon que são perigosos demais para humanos e para Pokémon são sacrificados. É uma pena, mas é uma conduta normal, principalmente depois dele quase ter morto uma criança. Sinceramente Red, você não pensou nisso? É uma conclusão tão óbvia. O vovô deveria ter feito antes de se tornar um problema de verdade, isso sim.

O Pikachu amava Pecha Berry. Ele deveria estar no armazém, onde a cidade inteira colocava mantimentos para compartilhar. Ficava um pouco mais afastado da cidade, então talvez não tivessem chegado lá ainda.

Red puxou seu braço de Leaf, que soltou um som incoerente quando viu Red correndo para fora da escola. Blue gritou para ele voltar, mas Red não ouviu. Ele tinha que contar para o Pikachu que ele estava errado. Ele tinha que ajudar aquele Pikachu. O Professor não tinha permissão de acabar com ele ainda.

O Pikachu não estava no armazém, como Red havia previsto. Mas havia uma clara trilha de pechas meio comidas e eletrocutadas levando para dentro da floresta. O que era bom, pois queria dizer que o Professor não havia encontrado o Pikachu ainda. Red precisava chegar nele primeiro e fazer alguma coisa.

– Te peguei! – Blue agarrou o braço de Red, Eevee ao seu encalço.

Red levou um susto com o toque súbito. Ele não havia percebido, mas Blue estava atrás dele desde que ele havia saído da escola, assim como Leaf, que estava vindo mais atrás. Blue havia solto Eevee, para o caso de Pikachu aparecer. Agora, a Pokémon estava mordendo a calça de Red, o puxando para trás, assim como Blue.

– Você é burro? Aquele Pokémon já tentou te matar uma vez! Se tiver azar, dessa vez é pra valer! Eu sei que você é um idiota egoísta, mas pelo menos pensa um pouco dessa vez!

– Vee!

Solta. – Red olhou de canto de olhos para Eevee, que lentamente soltou sua calça.

Os olhos vermelhos, brilhando como se estivessem pegando fogo, fitaram Blue. Olhos que aterrorizaram Kanto com uma força imparável, anos depois. Blue afrouxou sua mão, chocando pela intensidade do olhar. Red usou a oportunidade para continuar caminhando em direção a floresta.

Não demorou muito para Blue voltar a si, vergonha e raiva queimando em seu rosto. Ele voltou a seguir Red, lívido.

– Ah, é? Tá bom, idiota, vá em frente e se mate numa floresta infestada de Pokémon! A Eevee e eu vamos assistir de camarote! Quem sabe até derrotamos aquele Pikachu ao qual você é tão obcecado! Aposto que ele nem é nada demais e você só apanhou dele porque foi frouxo!

Como um fantasma, Leaf os seguiu silenciosamente. Ela estava tremendo, sua visão estava turva e as sombras se moviam como se fossem engoli-la. Entretanto, havia apenas um único caminho que ela podia seguir. Leaf focou nas costas de Blue e Red e os seguiu para dentro da escuridão.

A trilha estava bem destacada, mesmo dentro do matagal. Quase como se tivesse sido deixada de propósito. Blue havia se calado, após ter atraído alguns Pokémon. Eevee havia conseguido lidar com eles facilmente, mas agora Leaf estava hiperventilando e por isso, Blue estava sendo o mais cuidadoso possível para não atrair mais atenção. O que era difícil, pois Red seguia a trilha sem se importar com os seus arredores.

– Red, não anda tão na frente! – Blue sussurrou com urgência, tendo ficado mais atrás para guiar Leaf.

Sem escutar o que seu mais antigo amigo dizia, Red começou a andar mais e mais rápido. Ele estava perto, ele conseguia sentir o Pikachu, logo ali na frente. A eletricidade dele estava chiando, seu sangue estava correndo. O Pikachu estava animado. Red queria ver o que o havia deixado tão feliz.

A floresta se abriu em uma grande clareira. Atrás dele, ele ouviu ambos Blue e Leaf soltarem grunhidos de desespero. No alto da clareira, uma revoada de Spearows estava gritando, furiosamente atacando a única criatura abaixo deles. O Pikachu estava lá, com um sorriso presunçoso, eletrocutando os Pokémon voadores com seu choque do trovão.

Eles não teriam sido notados, se Red não tivesse andando para dentro da clareira, seus olhos fixos em Pikachu. Os Spearow piaram ameaçadoramente para os recém-chegados, parte deles voltando sua furiosa atenção para Blue, Leaf e a Eevee.

Com um último olhar para o seu amigo desaparecendo entre as aves, Blue agarrou a mão de Leaf com força e começou a puxá-la pelo caminho de volta. Eevee não seria capaz de lidar com tantos deles, e Pokémon voadores eram complicados quando você só conseguia atacar corpo-a-corpo. Leaf começou a se debater, se jogando na direção que Red havia ido.

– A gente precisa do vovô, Leaf! Não tem como… Não tem como tirar o Red de lá agora! – Blue agarrou Leaf pela cintura, começando a arrastá-la de lá à força.

Ela parecia ainda entender o que estava sendo dito, pois pelo menos parou de se debater. Eevee estava tentando afastar os Spearow deles, mas eram muitos, rápidos e Eevee estava começando a ficar machucada. Blue esperava que seu avô estivesse por perto. Pois do contrário, não tinha como saber o que iria acontecer com Red.

Os Spearow atacam Red a partir do momento que ele pisou na clareira. Suas garras e bicos eram afiados e seus ataques doíam bastante. Mas Red tinha um único objetivo, dentre todos aqueles pássaros, havia o Pokémon que Red mais queria no mundo inteiro.

"Que ousadia mostrar seu rosto depois de eu já ter dito para nunca mais aparecer!" O Pikachu estava sorrindo e com outro choque do trovão, afastou os pássaros que estavam atacando Red. "E ainda está com esses olhos irritantes! Mas tudo bem. Vai ser a primeira vítima da minha surpresinha!"

– Você está errado, Pikachu. – Red chegou perto, cambaleando com todo o caos ao seu redor. – Eu não desprezo os outros. Acho que você também não despreza.

"Aaah, sim! Você entende tudinho sobre mim, não é? Veio testar a sorte de novo?" O próximo choque do trovão passou muito perto do rosto de Red.

Mesmo naquela situação, Red não sentia nada. Ele definitivamente era uma criança quebrada. Leaf e até mesmo Blue haviam ficado com medo. Entretanto, Red não sentia nada além de absoluta certeza.

– Você está implorando por ajuda, o tempo todo. Implorando para alguém olhar por você. Mas você e eu somos iguais…

"Está me chamando de fraco, seu cretino? Não sou nenhuma criança para precisar que alguém segure minha mão!" Dessa vez o raio realmente pegou em Red, o eletrocutando junto dos Spearow que o estavam bicando.

–... Então nós não sabemos nos expressar. Por isso, você fica dizendo todas essas coisas rudes… E ficamos comparando os outros, procurando coisas parecidas com a gente… Pois realmente queremos ser compreendidos

"Que papinho! E daí se eles não queriam nada a ver comigo? Eu derrotei eles! Posso me virar muito bem sozinho!" O céu começou a clarear de Spearows.

– Mas você não quer! – A voz de Red ressoou pela clareira, fazendo Pikachu olhar para ele com total atenção.

A criança estava toda machucada, com vários cortes. Um de seus irritantes olhos vermelhos estava coberto pelo sangue do corte que algum Spearow havia feito em sua têmpora. Suas roupas estavam rasgadas e ele parecia que iria despencar a qualquer momento. Ele ainda estava encarando Pikachu, mas seu olho vermelho estava menos intenso, quase sincero.

– Você e eu somos os mesmo… Só fazemos o que queremos… Por quê você está fingindo que não quer alguma coisa? Do que você tem medo?

Os treinadores de preto o haviam achado forte. Então o levaram com eles, para longe do massacre que ele havia feito em Viridian. Pikachu achou que finalmente havia encontrado pessoas como ele, que o entendiam, que eram fortes. Os homens de preto o haviam prendido em uma cela e o colocado para batalhar em uma rinha subterrânea.

Era medo, esse tempo todo? De que esses humanos estavam fazendo o mesmo com ele. De que os homens de preto viriam atrás dele.

Dentre as nuvens naquele céu azul, desceu o verdadeiro desafiante de Pikachu. Aquela Fearow também era de Viridian, depois de tudo, e Pikachu havia deixado uma bela cicatriz nela e agora estava espancando seus filhos. Pikachu não era tolo o suficiente para achar que não viriam atrás de alguém forte como ele, então havia preparado essa pequena armadilha para o velho.

Entretanto, agora era o menino que estava em perigo. E Pikachu havia sido generoso na eletricidade gasta contra os Spearow.

"Consegue correr?"

– Não.

"Que droga."

A Fearow não teve piedade em descer do céu com um ataque de asa. Pikachu não conseguiu se mover para fora do caminho a tempo, então foi arremessado contra uma árvore. "Acho que estou enferrujado", Pikachu comentou, limpando o sangue de sua boca. A desafiante gritou, intimidadora.

Então ela virou os olhos para o menino e Pikachu não podia deixar ela tocar naquele garoto, que era enjoativamente interessante. Sua última carga elétrica foi usada contra a Fearow, para atrair sua atenção de volta para ele. "Eu vou levar um sacode."

Dito e feito. A Fearow voou para cima dele em alta velocidade, o encurralando entre a árvore. Suas garras não tinham misericórdia. Pikachu pelo menos esperava que sua morte servisse para que o menino fugisse. Ele havia feito Pikachu perceber algo importante, então pelo menos isso ele poderia pagar de volta.

O teimoso menino começou a arremessar pedras em Fearow, que o olhou com os olhos frios de uma assassina. Red a encarou de volta, seus olhos vermelhos queimando em desafio.

"Foje, seu burro!"

– Eu faço o que quero.

Foi difícil conter a risada, mas quando Pikachu viu o menino ser derrubado pela Fearow e ter seu estômago perfurado pelas bicadas, foi menos divertido. O menino tentou se debater para longe, sem sucesso.

O Professor os havia encontrado semimortos, com uma Fearow se preparando para oferecê-los de comida para sua revoada. O Professor foi capaz de afastá-los facilmente e Red e Pikachu foram retornados ao laboratório, onde o Professor os colocou um do lado do outro.

"Que velho tolo. Na hora que ele virar as costas, acabo com ele por ter me colocado em uma gaiola." Pikachu comentou, olhou indignado para o velho.

O menino não respondeu, apenas sorrindo. Parecia ter voltado ao seu costume de não falar nada, ao contrário do discurso que havia feito na floresta. "Ainda não sei seu nome, garoto."

Do lado de fora, o sol já estava se pondo, então quando o menino virou para Pikachu, os raios do sol poente refletiram em sua face, fazendo os olhos brilharem como se fossem labaredas.

– Meu nome é Red.