Eu achei que já tinha visto de tudo durante meu tempo como detetive espiritual. Que nada mais me impressionaria.

Queria que isso fosse verdade.

O que veio anos depois me assombra até hoje.

Não sei dizer como tudo começou, mas se eu tivesse que precisar, diria que foi no maldito encontro com Koenma naquele dia chuvoso. Eu tentava me esquivar das pessoas o máximo que eu podia. Todo mundo parecia pisar em ovos comigo desde o que aconteceu com a Keiko, e ficar sozinho vinha sendo o melhor remédio dos últimos anos.

Mas naquele dia chovia canivetes e esbarrei com Koenma por acaso.

Lembro como se fosse ontem. O céu escuro, a marquise estreita que mal nos protegia da chuva, meu cigarro só acendendo na terceira tentativa por causa do vento. Nós dois preferindo olhar para a rua molhada do que encarar um ao outro.

Devia ter desconfiado, claro. Não era todo dia que se via o líder do Mundo Espiritual andando por aí. E ele estava mais sério que o habitual. As coisas não andavam boas, até eu sabia disso. A guerra do Makai tinha forçado Koenma a voltar com a barreira entre os mundos, uma decisão que, eu suspeito, ele se ressente até hoje. Para alguém que fazia de tudo para se distanciar das atitudes do pai, ter que voltar atrás nesse tipo de coisa era quase uma admissão de derrota.

Mas os pepinos do Makai sempre foram só do Makai. O problema era quando os conflitos do lado de lá também acabavam respingando por aqui. E o Reikai não tinha mais detetives espirituais fazia um bom tempo — outra maneira que Koenma achou para se desvincular do governo de Enma. Eu me perguntava quanto mais tempo levaria até que isso também fosse desfeito.

No fundo eu sempre suspeitei que, mais cedo ou mais tarde, Koenma iria acabar me convocando de novo. Me pedindo ajuda. Se ele nunca fez isso, foi porque já sabia da resposta.

Nesse dia ele tinha admitido que se preocupava com os youkais vivendo no Mundo dos Humanos. Com a segurança deles, foram as palavras que usou. A passagem entre os mundos ficou aberta por anos, e isso trouxe uma enxurrada de demônios para o lado de cá — acho que bem mais do que o Reikai previa. A vantagem é que, naquela altura do campeonato, ao menos a existência de demônios deixou de ser tabu; a desvantagem é que isso não significava que eles eram aceitos. Com exceção de alguns poucos, a maioria hoje em dia vivia em guetos, amontoados na Cidade Alta. Marginalizados.

— Por que não deixa que a polícia se preocupe com essas coisas pra variar? Não é esse o papel dela? — Eu sugeri.

Koenma sorriu de um jeito tão triste que chegou a me incomodar. Continuava olhando para frente, para a água correndo como um rio sujo pela sarjeta da avenida.

— Você sabe muito bem que a polícia não vai mexer um dedo para investigar qualquer coisa, Yusuke.

Aquela fala me pegou. Senti uma dor no estômago que há muito tempo não sentia, como se alguém tivesse me espremendo por dentro. O nó chegou até a garganta.

Eu sabia que ele estava certo. Tão certo que ouvir assim, em voz alta e com todas as letras, era desconfortável. Parte do motivo que tinha me levado a seguir na carreira como detetive não era justamente por isso, para pegar os casos que ninguém mais queria?

— E desde quando o Reikai se preocupa tanto assim com a segurança dos youkais? — eu devolvi, talvez soando um pouco mais amargo do que devia. Culpei a queimação no estômago.

E a resposta dele me pegou de novo.

— As preocupações do Reikai e as minhas preocupações são coisas completamente diferentes — ele disse.

Não entrou em detalhes, mas foi nesse instante que eu soube que alguma coisa estava acontecendo.