Os primeiros dias foram marcados pelas mudanças que ter um bebê na casa traziam, principalmente o sono e os horários em que Mawey sentia fome. Eram inusitados e inesperados para seus pais e seu irmão.
Era típico que Varang se levantasse primeiro, por mais que Miles também acordasse junto com ela. Sua esposa insistia que podia acalmar a filha com seus atributos, fosse por oferecer leite ou sua voz suave cantando uma antiga canção a fazendo adormecer.
Houve ocasiões em que Miles conseguiu ser mais rápido que a esposa e criar suas próprias estratégias para acalmar Mawey. Ele a aninhava em seu peito e andava devagar em círculos, até que ela adormecesse. Descobrindo que a estratégia funcionava, o casal decidiu se revezar na tarefa.
Spider eventualmente segurou a irmãzinha no colo, coisa que ele só conseguia fazer se ficasse sentado, já que ela equivalia ao tamanho de uma criança humana de 2 anos. Era muito comum ela abrir um grande sorriso para ele, o que o menino sempre apreciava.
Aos poucos, eles foram se habituando às necessidades de Mawey, Miles se responsabilizou por cuidar da menina enquanto a esposa se ocupava com seus afazeres de olo'eyktan. Mesmo assim, era comum ver a herdeira dos líderes amarrada às costas da mãe por uma cesta durante as reuniões com os ancestrais e as visitas que Varang fazia aos necessitados e todo aquele na aldeia que precisasse vê-la.
Depois de alguns dias em que a família já estava mais habituada a ter Mawey com eles, Miles decidiu se ocupar com um presente especial para filha. Ele e Spider mais uma vez se uniram para uma caçada, até então para o garoto era apenas algo que eles faziam sempre, mas na volta, eles pararam na cabana de um dos artesãos.
Spider reconheceu o homem mais velho, só uns anos mais velho que o seu pai, como o ferreiro da aldeia. Em frente à sua cabana, havia uma fornalha que, como todo lugar em torno deles, mantinha fogo aceso. Mas um pouco de fogo que se encaixava com o ambiente da Ilha do Clã das Cinzas.
-Eu vejo você, Jytaw - Miles cumprimentou.
-Eu vejo você, ma'Miles - respondeu o ferreiro - eu vejo você, Spider, meus parabéns pelo nascimento de Mawey.
-Obrigado, Jytaw, é justamente por isso que estamos aqui - Miles se explicou - quero um pouco do melhor rochedo da montanha que tiver.
-Será um prazer - disse o homem, não denorando para atender o pedido dele.
Miles agradeceu e caminhou para a praia com o filho, onde explicaria quais eram suas intenções.
-É um costume entregar presentes aos bebês - ele contou a Spider - eu pretendo esculpir um arco e uma faca para sua irmã.
-Não acha que é cedo demais pra isso? - o garoto cruzou os braços.
-Pode até ser, mas eles dizem que é para despertar o espírito guerreiro desde cedo - Miles esclareceu pacientemente.
-Entendi - ele assentiu - e eu vou ficar só olhando?
-Claro que não, você vai me ajudar - o pai sorriu para ele - quero que escolha a madeira e a esculpa, também tem que preparar o couro do cabo.
-Sim, senhor, vai ser divertido - Spider se empolgou com a ideia e se pôs a trabalhar.
Enquanto isso, Varang preparava uma refeição depois de conversar com os anciãos, nos próximos dias, Mawey seria apresentada ao povo. A menina olhava para ela com curiosidade, fazendo sua mãe sorrir de volta.
-Você é amada e preciosa, ma'Mawey - declarou Varang para ela com todo amor.
-Chegamos! - Spider anunciou, contente pelo cheiro do cozido.
-Sejam bem vindos - ela os recebeu, beijando Miles suavemente.
-Estávamos ocupados com os presentes da Mawey, o que acha? - seu marido mostrou o arco e a faca.
-Perfeitos, com certeza - Varang os aprovou.
A família saboreou a refeição com certo silêncio, até a olo'eyktan interrompê-lo.
-Meu amado, preciso que fique com Mawey agora, tenho algo para mostrar para Spider também - ela anunciou, o que deixou o menino espantado e curioso, mas Miles confiou nela.
-Pra onde vamos? - Spider questionou.
-Você verá, prometo ser algo muito bom - ela garantiu, sendo honesta e gentil, seu enteado decidiu confiar nela também.
Assim Mawey foi deixada aos cuidados de seu pai, enquanto Varang e Spider se prepararam com arco e flecha e o menino a seguiu floresta a dentro em um ponto da ilha que ele ainda não conhecia. Miles o tinha levado para vários lugares, menos até ali.
A paisagem foi mudando, deixando a fumaça e fuligem para trás e dando lugar a um pouco de verde, ou melhor ainda, a um pouco de bioluminescência. Eles entraram em uma caverna que tinha os pontos brilhantes e chamativos que o menino conhecia da floresta dos Omatikaya, que tinha deixado para trás. A visão o deixou com saudade de seus velhos amigos, mas também foi um alívio ver algo familiar.
-Por que estamos aqui? - ele perguntou a Varang
Ela então respondeu, virando-se para ele de forma gentil.
-Notei sua dificuldade para comer e se movimentar em geral, usando o seu equipamento para respirar, então consultei Meyti e ela me disse que seria possível você respirar o ar de Pandora, sem te fazer mal.
-Por Eywa, como isso seria possível? Eu nunca ouvi falar de algo assim e eu ouvi que muitos como eu já morreram sem oxigênio! - reagiu o menino a algo que até então era impossível.
-Posso compreender o seu medo e incredulidade, porém me certifiquei de que nada de ruim aconteceria a você, apenas confie em mim, você confia, meu filho? - ela estendeu uma mão para ele, esperando que ele segurasse de volta.
Spider deu um longo suspiro, tudo parecia ser um sonho novamente, como se tudo fosse demais para ser verdade. No entanto, ele se lembrou que a mulher ã sua frente tinha sido mais sua mãe do que qualquer outra pessoa com esse papel que ele pôde conhecer ou que realmente fosse sua mãe.
Lembrando-se de toda a bondade e o amor que Varang sempre teve com ele. Spider então segurou sua mão. Ela fez a conexão com a Árvore das Almas com seu próprio cordão neural. Ambos fecharam os olhos, Spider sentiu um arrepio, algo sussurrou em seus ouvidos para que não tivesse medo. Teve certeza que era a própria Eywa falando com ele.
Varang então tocou o seu rosto e o fez beber uma bebida que não conhecia. Era doce e agradável. Ele então sentiu os músculos da garganta até o nariz e as costas tremerem levemente, e então retirou a máscara devagar, com os olhos fechados. Deu um longo suspiro e expirou, maravilhado.
O ar tinha entrado e saído de seus pulmões normalmente.
Ele abriu os olhos compreendendo que fosse o que tivesse acontecido, tinha dado certo. Ele correu até Varang, abraçando-a da forma mais apertada e desesperada que tinha feito isso até agora.
-Obrigado, mãe - ele finalmente a chamou.
Ela também emocionada, respondeu de coração.
-De nada, meu filho.
