QUANDO NOS TOCAMOS

BY DAMA 9

Nota: Os personagens de Saint Seya não me pertencem, pertencem a Masami Kuramada e a Toei Animation.

-o-

Capítulo 13: Tic-Tac.

.I.

Deixou a mansão a passos rápidos, por mais que seus primeiros impulsos fossem de correr até o aeroporto impedindo a decolagem do jatinho e por consequência não deixar que os dois viajassem, seguiu para o trabalho. Queria gritar de raiva, Saori não podia ter enviado Shun para escoltar Cora, não depois dele ter ficado tanto tempo longe; ela pensou, tentando se convencer de que era apenas isso, quando uma voz soou em meio a seus pensamentos.

Você não passa de uma menina que nada sabe sobre a vida;

Deteve seus passos por alguns instantes, lançando olhares frenéticos a sua volta, mas não viu ninguém.

-Você viveu naquela ilha esquecida pelos deuses e acha que aqui as coisas são da mesma forma. MAS não são...;

Estancou de repente ao reconhecer aquela voz, sentiu um arrepio correr por suas costas, enquanto flashes de lembranças surgiram do nada em sua mente, pensou que havia simplesmente obliterado aquela noite de seus pensamentos.

-Você é infantil demais para entender que mesmo com isso, temos que seguir em frente. Uns morrem, outros vivem, é a lei natural das coisas, o pior será para você mesma quando a ficha cair e você perceber que a vida passou e você não fez absolutamente nada por ela;

-Eu...; ela balbuciou para si mesma, piscando desnorteada.

-Moça, você está se sentindo bem? - um senhor que passava pela rua perguntou, ao vê-la cambalear.

-Acho que sim, só me desequilibrei um pouco; June murmurou, respirando fundo. –Obrigada;

Ele assentiu, antes de afastar-se. Encostou-se em um poste, enquanto via o senhor seguir em frente. Durante aquele ano havia prometido a si mesma que o tempo que permanecesse no Japão, seria para que pudesse estudar e dar um rumo a sua vida, mas agora se dava conta de que no fim, usara isso como desculpa para se prender a Shun novamente.

Odiava admitir, mas o cavaleiro de Peixes tinha razão, estava tentando viver a vida de Shun por ele, por medo de seguir seu próprio caminho. Embora no seu íntimo soubesse que não havia um futuro com Shun, ainda estava apegada demais ao passado para aceitar a verdade. Suspirou pesadamente, ainda tinha mais um ano e meio de curso, talvez fosse o momento de repensar sua volta para casa.

.II.

Estavam no céu já a algum tempo, após o embarque haviam terminado o café da manhã como ele havia dito antes de saírem e depois o cavaleiro havia se recolhido em um canto do jatinho, sentando-se numa das confortáveis poltronas reclináveis e permanecido ali.

Vez ou outra, lançava olhares esporádicos em sua direção para saber se ele havia dormido ou não. Embora Shun estivesse de olhos fechados, pelo músculo que pulsava em seu maxilar, sabia que estava acordado e tenso, como se necessitasse empregar muito esforço para ignorar o que estava a sua volta.

Também pudera, concluiu dando um suspiro cansado, quanto mais próximo estavam da Áustria mais inquieta ficava, restavam muitas horas de voo ainda, mesmo que não fossem tantas horas quanto levara para cruzar da Grécia até o Japão a quase dois anos atrás, a questão não era exatamente o tempo ou a distância que ainda tinham a percorrer. Uma parte de si estava conformada que seu tempo na Terra havia acabado muito antes de Valentine aparecer, mas outra, se rebelava contra isso, quando pensava na visível conexão que surgira entre si e o cavaleiro de bronze desde a primeira vez que se viram.

Embora houvesse aceitado passar aquele tempo com Athena no Japão, não conseguira deixar de pensar nas coisas que havia sentido naquele pouco tempo que passara com ele na Grécia e dos conflitos e lembranças que isso havia desencadeado.

Sempre ouviu falar que ele era o mais calmo e doce dos cavaleiros, sendo muitas vezes provocado por conta disso, mas quando estavam juntos ele era tão intenso e imprevisível. Tal como o marido, ele era como fogo frio incandescente, capaz de consumir, sem jamais se extinguir; ela pensou suspirando.

-Com licença, senhorita; um dos comissários de bordo falou, aproximando-se.

-Sim? – Cora respondeu, desviando o olhar de onde o cavaleiro estava.

-Gostaria de saber se posso lhe servir algo? Uma bebida, talvez? – Ele perguntou com um sorriso caloroso, porém o rapaz engoliu em seco ao sentir os cabelos de sua nuca arrepiarem e seu olhar automaticamente ser atraído para o outro lado do avião, de forma a deparar-se com os orbes verdes do cavaleiro lhe mirando.

-Por enquanto não, obrigada; Cora respondeu, seguindo o olhar dele.

-Se precisar é só chamar, com licença; o rapaz falou, afastando-se rapidamente.

-Cora; Shun falou, voltando-se para ela.

-Sim? –ela indagou, vendo-o acenar para que se aproximasse. Novamente sentia aquela aura sombria rodear o cavaleiro, os orbes antes de um verde cálido estavam mais escuros e sombrios agora. Levantou-se da poltrona que estava e foi sentar-se ao lado dele. -Algum problema, Shun? – Cora perguntou tocando-lhe o braço delicadamente com a ponta dos dedos.

-Não gosto quando você fica assim, tão longe de mim; ele murmurou, colocando a mão sobre a dela, deixando os dedos entrelaçarem-se nos seus.

Estremeceu diante de seu toque, lá fora as nuvens antes azuis, pouco a pouco ficavam mais escuras e tempestuosas como os olhos dele.

-Pensei que estivesse dormindo; ela balbuciou, sentindo o coração se apertar ao vê-lo afastar o olhar momentaneamente e franzir a testa.

-Eu...; Shun murmurou. –Desculpe, estávamos falando de algo? – ele indagou confuso. Foi então que ela notou que seus olhos haviam voltado ao normal.

-Estranho; Cora murmurou, pensativa.

-Algum problema? –o cavaleiro perguntou ao sentir a mão da jovem apertar com força seu braço.

-Não, só disse que pensei que estivesse dormindo; ela desconversou com um sorriso caloroso, aliviando a pressão sobre ele.

Podia ser só coincidência, mas aqueles lapsos de Shun, quando seu cosmo se descontrolava, pareciam ter algo a ver com quem se aproximava de si, a primeira vez que isso havia acontecido fora quando o Escorpião havia se colocado em seu caminho no Santuário e de repente Shun estava lá. Hoje fora a mesma coisa quando Ikki tentou trocar de lugar com ele para lhe escoltar. Era difícil de acreditar, mas ao que parecia o gatilho que disparava o descontrole de seu cosmo, ou melhor, a força que o impulsionava a agir de forma atípica era o ciúme. Hades nunca agiria de maneira impulsiva somente por ciúme, o marido era extremamente controlado. Controlado até de mais as vezes, mas novamente, ele e Shun não eram a mesma pessoa, embora compartilhassem algumas peculiaridades; ela pensou, torcendo o nariz sentindo-se incomodada ao ver-se comparando os dois novamente.

.III.

Com um suspiro cansado, deixou a sala de jantar e seguiu para a biblioteca, sendo acompanhada pelos três cavaleiros em silêncio, depois da saída intempestiva de Shun e Cora, uma nuvem negra havia baixado sobre a mansão. Não que já não houvesse previsto a tempestade que chegaria quando June soubesse da viagem, mas isso não tornava as coisas mais fáceis quando ainda tinha que lidar com Ikki; ela pensou.

-Saori; a voz do cavaleiro de Sagitário soou hesitante a suas costas.

Engoliu em seco, enquanto sentava-se em uma poltrona e indicava os demais acentos da sala, aos três. Com um resmungo seco, Ikki ignorou o movimento dela e postou-se em frente à janela, ainda taciturno e visivelmente contrariado.

-Desculpem, com tudo que aconteceu acabei não conseguindo conversar direito com vocês ontem; a jovem de melenas lavanda falou, voltando-se para o geminiano que acabara de recostar-se no sofá a seu lado.

-Não, nós que pedimos desculpas por surgir assim sem avisar, Saori; Saga começou lançando um olhar de alerta a Aioros.

Haviam chegado no final da tarde no dia anterior e antes que tivessem a oportunidade de explicar por que estavam ali, já haviam sido bombardeados por Seiya e Tohma que queriam todas as informações e novidades sobre o andamento do Santuário desde que haviam deixado a Grécia. Apenas Aioros tivera poucos minutos a sós com Saori quando ela terminara uma reunião por vídeo conferência em seu escritório na mansão e mesmo isso fora breve, já que com o surgimento de Cora e o anúncio de sua partida havia mudado o curso das coisas, ainda mais com a decisão de Shun de escoltá-la.

-Não se preocupe Saga, vocês podem ir e vir do Santuário a hora que quiserem, não precisa me dar explicações; ela respondeu com um sorriso cálido para o geminiano.

Desde que haviam voltado, Saga andava cauteloso com relação aos outros, ainda carregando peso demais por conta do passado. Antes de partir havia conversado com Shion sobre isso, a única coisa que desejava a todos os cavaleiros era que agora eles tivessem a oportunidade de aproveitar a vida que não puderam ter em meio a todas as guerras que travaram. Embora não pudesse ainda lhes contar o motivo, o porquê tinha tanta certeza de que não teriam mais problemas com isso, esperava que eles confiassem o suficiente para lhe atender esse pequeno desejo.

Fora com surpresa que os recebera no dia anterior, a última vez que conversara com Shion, o Grande Mestre havia lhe dito que Saga e Aioros vinham trabalhando incansavelmente entre o último templo e o observatório para compensar os anos negligenciados, por isso, não imaginou que eles fariam essa viagem do nada.

-Mas, nós...;

-Estávamos preocupados; Aioros o cortou, antes que o amigo acabasse confessando que fora coagido por si a fazer aquela viagem.

Respirou fundo, cerrando os punhos sobre o colo, a praticamente um ano não via a jovem de melenas lavanda, até então, não havia percebido o quanto sentira sua falta desde que deixara o Santuário. Era estranho, mas havia se acostumado com a presença constante dela, mesmo que todos estivessem preocupados com a recuperação de Shun, lhe alarmara e fora verdadeiramente pego de surpresa por um comentário que Shaka havia feito a poucos dias.

Nunca imaginou que, como Shun, Saori pudesse estar tendo problemas com a variação de seu cosmo, ou possíveis infernos astrais. Não podia negar que sentira uma pontinha de inveja de Saga por saber mais da jovem do que ele, não que tivesse algum motivo para se ressentir do amigo, apenas, não sabia explicar por que sentira aquela necessidade desesperadora de chegar até ela e constatar com seus próprios olhos que ela estava realmente bem.

-Como podem ver, Shun se recuperou bem; Saori respondeu, interpretando errado sua preocupação.

-Puff! – Veio o resmungo de Ikki, do outro lado da sala.

-Sim, Ikki... Shun está bem; ela insistiu, cerrando os olhos em forma de alerta.

-Você pensa assim, mas não acredito nisso Saori. Shun não é dado a rompantes desse tipo e aquela garota, porque não nos avisou que ela era esposa daquele maldito Hades? – o cavaleiro exasperou, virando-se para ela.

-Controle-se Ikki; Saga ordenou, lhe lançando um olhar de alerta.

-O tempo todo tínhamos uma cobra entre nós; o cavaleiro escarneceu, ignorando o alerta do geminiano.

-Cora nunca lhes fez mal algum Ikki... é injusto que diga isso; Saori respondeu, em tom de censura.

-Nossos problemas eram com Hades, Ikki; Aioros o lembrou. – Em momento algum, aquela menina deu sinais de que pretendia nos fazer mal.

-Quem nos garante que ela não passou esse tempo todo nos espionando? Ainda mais que o Santuário não está em cem por cento de suas forças; ele ressaltou, embora inconscientemente soubesse o quão ridículo era aquela afirmação.

-Independente de quem é, Cora sempre ajudou o Santuário quando as guerras terminavam Ikki. Dessa vez não seria diferente; Saori falou, surpreendendo os dois cavaleiros. –Da mesma forma que Asclépio, Nikki e Aurora, que somente após o último cavaleiro estar totalmente recuperado, deixam o Santuário. Por isso afirmo, é injusto duvidar das boas intenções de Cora.

-Acha mesmo que permitíramos que ela ficasse no Santuário, se representasse algum risco para o bem-estar de Athena, ou dos outros? – Saga rebateu, ofendido.

-Independente disso, qualquer um de nós poderia ter acompanhado ela, você poderia ter dito algo! - Ikki insistiu.

-Não que Saori lhe deva alguma explicação, cavaleiro; Aioros o cortou, com um olhar frio, nunca visto antes no cavaleiro. –Mas quem se ofereceu para ir, foi seu irmão;

-Provavelmente Shun não sabia quem ela era; ele teimou.

-Ikki, sei o quanto você se preocupa com Shun, mas lhe dê algum crédito. Ele não é mais criança; Saga ressaltou. –É capaz de tomar as próprias decisões, não precisa ficar lhe consultando o tempo todo;

-Mas...;

-Ele sempre soube; Saori o cortou, chamando a atenção dos três.

-Do que está falando, Saori? – Aioros indagou, voltando-se para ela.

-Shun sempre soube que Cora e Perséfone eram a mesma pessoa; a jovem respondeu, vendo o olhar espantado dos três. –Esse é o tipo de coisa que não se pode esconder por muito tempo, mesmo porque, a ligação que existe entre os dois é forte demais para ser ignorada;

-Não entendo; ele murmurou, dando-se por vencido e indo sentar-se num sofá, próximo a eles.

-Existem coisas que as lendas não contam, você mais do que ninguém já deveria saber disso; Saga o repreendeu.

-Shun precisava desse tempo longe de todos para ter certeza do que realmente eram seus sentimentos e o quanto da alma de Hades havia permanecido com ele. As transformações que um cavaleiro pode sofrer em seu cosmo, ou em seu corpo por conta da possessão de uma divindade não são coisas documentadas. Não há registros, acredite, nós procuramos; Saori continuou apontando o geminiano e a si mesma em seguida. – Não restou nada dos séculos anteriores que nos ajudasse a lidar com isso, porque os hospedeiros normalmente morriam durante as guerras. Shun foi o único que conseguiu se livrar do poder de Hades com vida, talvez por já estar no Inferno quando a alma de Hades deixou seu corpo e buscou o próprio, isso nunca saberemos; Saori explicou calmamente. –De qualquer forma, só existe uma coisa capaz de superar o desejo de destruir a Terra, para Hades;

-O amor por Cora; Aioros murmurou, pensativo.

Algumas coisas agora faziam sentido, como o comentário de Milo sobre a possível mudança de personalidade do cavaleiro quando o vira se aproximar da jovem na Fonte, ou a preocupação de Shaka com o fato de ele poder ter adquirido uma dupla personalidade por conta dos traumas que sofreu. Embora Saga houvesse descartado essa possibilidade, ninguém ao certo sabia o que o cavaleiro estava sofrendo com tudo que havia acontecido. Ele mesmo, havia sido mantido na ignorância com o que vinha acontecendo a Saori; ele pensou, lembrando-se que depois daria um jeito de conversar sozinho com ela e tirar a história a limpo.

-Hades amava Cora mais do que a própria vida; Saori ressaltou. –Por isso Shun se obrigou a ficar esse ano afastado de tudo, para que fosse capaz de separar as coisas e colocar seus sentimentos em perspectiva... e convenhamos Ikki, ele não iria lhe contar isso;

-Por que não? – Ele exasperou. Shun era seu irmão, sempre haviam apoiado e cuidado um do outro. Embora não houvesse contado a ele ainda sobre estar mantendo contato com Pandora no último ano, o irmão deveria ter lhe contado sobre o que vinha passando entre ele e Cora.

-Sei o quanto você o ama Ikki, mas o cuidado que você vem tendo com ele é sufocante; ela falou exasperada. –Você não pode simplesmente enrolá-lo em um monte de plástico bolha e trancá-lo num quartinho para garantir que nada irá machucá-lo, até eu me sinto sufocada com essa obsessão que você e June tem de mantê-lo numa redoma de vidro;

-Hei, eu n-...;

-Vocês não são os únicos a acompanhar o treinamento dele em Jamiel; ela o cortou, vendo os três desviarem o olhar, envergonhados. –Nos últimos meses Shaka e Mú quase lhe mandaram para o Meikai; ela exasperou andando de um lado para o outro na sala com irritação, antes de voltar-se para ele novamente. –Isso porque os dois são os cavaleiros mais calmos e controlados que eu conheço e eu sequer poderia culpá-los se um dos dois realmente fizesse isso com você;

-Hei; Saga e Aioros reclamaram, ofendidos por não terem sido incluídos na lista.

-Desculpe, sem ofensas; Saori completou, com um sorriso sem graça. –Mas o que eu quero dizer é, Shun é um cavaleiro como qualquer um de vocês, essa superproteção é sufocante e ridícula. Tenha um pouco mais de confiança nele, Shun é mais do que capaz de fazer e tomar as melhores decisões, sem o peso de ter que agradar gregos e troianos... Literalmente; ela completou.

-Só não queria que ele carregasse todo esse peso sozinho; o cavaleiro falou, dando um pesado suspiro.

-Essa escolha não é sua Ikki; a jovem respondeu, dando um suspiro cansado. -Você não tem como saber o que ele pode ou não suportar, ainda mais quando você também está escondendo a verdade dele; ela completou, lançando lhe um olhar perspicaz.

-Do que está falando? – ele gaguejou, engolindo em seco.

-Pandora é tão irmã dele quanto você. Quando pretendia contar a Shun que ela está viva? Porque, até onde sei, em todas as suas idas e vindas a Jamiel, em momento algum você contou isso a ele;

-Como você sabe disso? –Ikki falou, empalidecendo e surpreendendo os outros dois.

-Ikki, agora você está subestimando a mim e isso não é inteligente, da mesma forma que faz com Shun... Só dessa vez irei perdoar; a jovem respondeu em tom quase benevolente, embora os olhos verdes tivessem um brilho de aviso, pouco comum a jovem. –Em breve você terá mais problemas com o que pode lidar ao que tudo indica e eu não gostaria de estar na sua pele; ela sentenciou.

.IV.

Distraidamente passou a ponta dos dedos pelo beiral da lareira, ao longe podia ouvir a movimentação dos criados pelo castelo, desde que avisara Fran da chegada iminente de Shun, todos estavam se esforçando ao máximo para deixar o castelo impecável.

Entretanto, não podia negar que estava receosa de encontrá-lo depois de tanto tempo, sendo que a última vez que estivera perto do irmão, ele se encontrava literalmente possuído pela alma de Hades; ela lembrou, dando um pesado suspiro.

-Menina Pandora; Fran chamou, aproximando-se.

-Sim;

- Os dois quartos na torre já estão prontos como pediu; a senhora respondeu.

-Obrigada, quem sabe se dermos sorte ele fica mais tempo aqui, mesmo após a partida da Imperatriz; ela respondeu esperançosa.

-Confesso menina, que mesmo depois de tanto tempo, ouvir sobre essas coisas me surpreende; Fran comentou, sentindo-se inquieta ao lembrar-se das histórias que Pandora lhe contara do tempo em que deixara o castelo.

-Eu sei; Pandora murmurou, voltando-se para a janela sentindo o calor do sol atravessar os vidros tocando calidamente sua pele, era triste pensar que jamais voltaria a ver esse brilho e que por mais que tentasse viver com normalidade, sempre que olhava para fora só via o cinza. –Não consigo me lembrar de algum momento em que isso não tenha sido parte da minha vida; ela completou pensativa.

Desde que abrira as portas do templo selado em Heinstein para Hypnos e Thanatos, não via mais o mundo como as outras pessoas, mesmo após voltar ao castelo e Fran lhe obrigar a passar com os melhores oftalmologistas da Áustria, ninguém fora capaz de explicar por que seus olhos só enxergavam cinza. Quem sabe aquele fosse um dos muitos castigos divinos que deveria ainda suportar pelo que fizera.

-Não vamos perder a fé menina; Fran falou, dando um abraço caloroso na jovem. –Além do mais, é melhor se animar. Não vai querer estar com essa carinha triste quando o jovem senhor chegar;

-Se ao menos ele soubesse que eu estou viva; Pandora comentou. –Não acredito que Ikki não contou a ele;

-Agora isso não importa; a senhora falou, dando-lhe uma breve sacudidela no ombro. –Ele teve a chance de contar, se não fez, é a consciência dele que cobrara o preço depois. Você precisa se animar, independente de quanto tempo seu irmão ficar, cabe a você aproveitar ao máximo da estadia dele aqui; ela completou.

-Obrigada Fran, não sei o que eu faria sem você; Pandora agradeceu abraçando a senhora.

-Tenha fé menina, logo os dias cinzentos terminarão; a senhora murmurou retribuindo o abraço carinhosamente.

.V.

Pouco a pouco sentiu o corpo relaxar e se deixou levar pela inércia, ainda tinham mais algumas horas de voo até desembarcarem na Turíngia e de lá, seguiriam de trem ao povoado próximo a Heinstein. Em outros tempos talvez se sentisse inquieto por ter de voltar lá, não tinha nenhuma lembrança boa daquele lugar, apenas de morte e destruição, mas agora, não sabia o que pensar ou sentir.

Um dia Pandora lhe contara que nem sempre Heinstein fora daquele jeito, o imponente castelo erguia-se em meio a um vale florido e verdejante, sendo rodeado por um vilarejo tradicional que existia ali a séculos, mas que todo tipo de vida havia se perdido nas terras do castelo quando o lacre de Hypnos e Thanatos rompera, dando início a última grande guerra.

Pouco se lembrava do tempo que passara com Pandora, enquanto estava preso dentro de seu próprio corpo, tendo de servir de recipiente para Hades. Às vezes, quando parava para pensar sobre isso, imaginava se as coisas teriam sido diferentes se tivesse reencontrado Pandora em outra situação, mas isso parecia tão distante como a vida que tinha antes das guerras e a de agora, aquela na qual se via à deriva num mar a calmaria, sem vento algum que soprasse em qualquer direção.

Ouviu um baixo suspiro a seu lado, enquanto sentia os braços da jovem apertarem-se em sua cintura e a cabeça dela aconchegar-se melhor em seu peito. Baixou os olhos, contemplando a expressão serena com que Cora dormia. Distraidamente deixou a ponta dos dedos correr sobre os fios negros, afastando alguns que ousadamente cobriam-lhe os olhos.

Se em qualquer outro momento alguém houvesse lhe dito que ela era a Imperatriz, chamaria de louco, porém, não precisava que ninguém lhe dissesse isso para ter certeza de quem ela era. Talvez o louco fosse ele mesmo; o cavaleiro pensou, porque desde o momento em que a encontrara em seus sonhos, tinha certeza de quem Cora era, porém, esperou que as coisas que vinha sentindo por ela fossem ainda reflexos da alma de Hades que havia ficado em si e que eventualmente despareceriam, mas mesmo depois daquele tempo em que se obrigara a ficar longe, treinando e aprendendo a controlar a expansão de seu cosmo e as novas habilidades que haviam surgido no processo, esses sentimentos não haviam mudado.

Estar com ela era tão essencial quanto respirar, se não mais. Embora sempre se sentisse diferente quando ela estava por perto e porque não dizer, quando ela se afastava também, várias foram as vezes que se questionou, porque não fora capaz de ter aqueles mesmos sentimentos por June, mas uma voz aguda e irritante em sua mente sempre lhe respondia: –Porque ela não é Cora; depois disso, havia desistido de se questionar. Via June apenas como uma amiga, alguém que lhe deu apoio nos momentos difíceis e o fardo de se tornar cavaleiro por vezes ameaçava lhe sufocar, porém, era só isso.

Agora Cora... Ah... Bela e doce Cora; ele pensou, dando um suspiro. Seu sorriso era capaz de lhe aquecer e levar para longe as trevas que ameaçavam consumir sua alma, mas aquilo era possível não porque ela era a Imperatriz, menos ainda por ser filha de Deméter, mas sim, por ser simplesmente Cora.

Gostaria de mantê-la numa redoma de vidro, impedindo que qualquer um a ferisse, mas seria o mesmo que prender um belo pássaro em uma gaiola dourada, por mais linda e bela que a gaiola fosse, ainda assim, seria uma prisão. Ele não seria diferente de Deméter ou Hades, se colocasse algum percalço no caminho que Cora deveria seguir.

Sabia o que acontecera entre os dois pouco antes das guerras começarem. Aquela fora uma parte das lembranças mais difíceis de suportar, por tempo demais o poder de escolha dela fora ignorado, mesmo que com boas intenções.

Aliás, havia até um ditado sobre isso – "de boas intenções, o inferno estava cheio", agora sabia o quão verdadeiro era isso, porque do contrário, cometeria o mesmo erro 'dele' se impedisse que Cora voltasse ao mundo dos mortos.

Quando visitaram o templo da Coroa do Sol havia dito a Cora que a única verdade que nunca mudaria, não importando em qual universo, tempo ou espaço que estivessem era que Hades amava Cora e por mais que ela houvesse levado séculos para admitir, também sentia o mesmo por ele, do contrário, ela jamais teria conseguido desviar a flecha de Harmonia e mudar o destino.

Tentando não a acordar, levou uma das mãos para dentro da jaqueta que usava, do bolso interno retirou a corrente dourada com o pingente em forma de pentagrama, segurou-o fortemente entre os dedos, embora a corrente não parecesse possuir nenhum poder mágico, ela não fora destruída nem mesmo durante as batalhas que haviam lutado.

No início Hades achara que aquilo seria capaz de proteger Cora enquanto ela estivesse na Terra, mas antes mesmo disso acontecer, ele comprovara que, se alguma divindade estivesse realmente disposta a ferir a Imperatriz, o pingente não teria poder suficiente, por isso, Hades decidira usá-lo posteriormente como um link entre suas almas e o deixou aos cuidados de Hypnos e Thanatos, até passar pelas mãos de Pandora e chegar até si, quando era pouco mais do que um bebê recém-nascido.

Sabia por que Valentine viera até si, avisando que Cora deveria partir e o acordo tinha que ser mantido, ele poderia ter ido até Athena e pedido que ela rompesse o lacre, mas teria que explicar a todos como era possível que estivesse vivo e com a ajuda de quem fora capaz de deixar o mundo dos mortos para escoltar a Imperatriz.

Tinha certeza de que isso não iria acontecer, mesmo porque, esse seria um dos muitos segredos bem guardados entre os deuses nos últimos tempos, estando ao lado da verdade sobre quem os trouxera de volta... Todos eles; Shun pensou, lançando um último olhar ao pingente antes de guardá-lo de volta no bolso.

-Droga de livre arbítrio; ele resmungou, aborrecido.

Sentiu a respiração quente chocar-se contra seu pescoço e um arrepio cruzou suas costas, fazendo-o baixar os olhos na direção da jovem. Encontrou o olhar intenso dela sobre si e por alguns segundos, se perguntou quem realmente ela via ao olhar para si, para em seguida, recriminar-se.

-Ainda falta muito tempo, volte a dormir; Shun murmurou, tocando-lhe a face delicadamente com a ponta dos dedos.

-Faltam menos de três dias para o outono começar; Cora murmurou insegura, desviando o olhar e distraidamente mordendo o canto dos lábios.

-Chegaremos a Heinstein em tempo; Shun respondeu, deixando os dedos entrelaçarem-se em alguns fios negros de seu cabelo, atraindo o olhar dela para si. –Não se preocupe; ele completou, puxando-a delicadamente para cima.

-Shun; Cora murmurou, para no momento seguinte sentir o coração disparar e a face aquecer-se febrilmente quando a respiração do cavaleiro lhe tocou a pele, enquanto a língua dele corria por seus lábios, de maneira segura pedindo passagem.

Um suspiro perdeu-se entre seus lábios, enquanto seu corpo era pouco a pouco consumido pelo calor emanado pelo cavaleiro, porém aquela proximidade ainda não era suficiente. Qualquer preocupação foi mandada para o espaço quando ergueu o tronco e num rápido movimento posicionou-se sentada sobre o colo dele, enquanto seus braços contornavam sua cintura, apertando-a contra o tórax definido.

Quem sabe por um momento pudesse simplesmente se perder em seu calor, deixando-se consumir no prazer de estar com ela entre seus braços, sem nada para atrapalhar, enquanto o corpo suave moldava-se ao seu, ansiando tanto por aquilo quanto ele.

Um gemido estrangulado escapou de seus lábios, enquanto ofegante deixou as unhas afiadas aranharem o abdome definido do cavaleiro por baixo da camisa. Os lábios quentes e úmidos dele desceram pela linha do queixo dela como se queimassem sua marca por onde passavam. O som abafado das turbinas do avião parecia transportá-los para um local remoto, longe de tudo e de todos, como se estivessem perdidos em outro tempo e espaço, onde nada mais importava.

-Shun;

- Livre arbítrio;

Uma voz ecoou em sua mente vindo de um lugar escuro e sombrio, por um milésimo de segundo pensou em ignorar, até desejou ignorar como não desejava algo a muito tempo, mas não... Não era justo! Maldição! NÃO ERA... Afastou a jovem com relutância, segurando seus braços em suas mãos, tentando ser o mais delicado possível e não a machucar - mesmo ainda sentindo o calor de sua pele penetrar em seu corpo como ondas de energia e estática fervilhando por cada terminação nervosa.

-Shun!? – ela falou num sussurro rouco olhando-o, confusa.

-Droga de livre arbítrio; ele rosnou entre dentes novamente, colocando-a delicadamente de volta em seu próprio acento.

Jogou a cabeça sobre o encosto de sua poltrona, levando as mãos ao próprio rosto, deixando os dedos se entrelaçarem aos fios esverdeados com desespero, como se ao fazer isso, pudesse manter suas mãos ocupadas até recobrar o controle sobre si mesmo e não a agarrar novamente.

-Do que está falando? -ela indagou, erguendo uma das mãos, tencionando se aproximar, mas o viu se retesar e recuou.

-Senhorita Cora, senhor Amamya, pousaremos em trinta minutos; a voz do comissário de bordo soou atrás deles. -Se puderem colocar os cintos;

-Claro; o cavaleiro resmungou, ajeitando-se desconfortavelmente sobre a poltrona.

-Shun; Cora chamou hesitante. Aquilo era confuso, em um momento nada mais parecia importar e no outro, ele recuara para tão longe de si, como se nem mesmo sua consciência estivesse por perto. Qual era o problema? - ela se perguntou.

-Sinto muito Cora, não é você; ele murmurou, desviando o olhar dela e virando-se para a janela. –"Sou eu"; completou em pensamentos.

Sentiu as emoções dela chegarem até si como ondas em um maremoto, sabia que a magoara ao seu afastar, odiava sequer a ideia de causar qualquer tipo de dor a ela, mas não era justo, com nenhum dos dois, seguir adiante com algo que não poderia ser terminado. Pelo menos, não sem matar uma parte importante de si mesmo no processo, mas a principal questão ali era, será que não valeria a pena?

Continua...

Olá pessoal

Depois me contem o que acharam das novidades e cenas adicionais colocadas nos capítulos anteriores.

Esperarei ansiosa o comentário de vocês.

Um grande abraço

Dama 9