Mal chegou pela noite na Ilha dos perdidos, correu até o castelo, parou assim que entrou, observou todo o local antes de deixar a ira a consumir.

E quando a consumiu, foi como se perdesse todos os sentidos, como se, ali, o poder do sangue de seus pais aparecesse.

Cada móvel, cada item, completamente destruído, ela subiu correndo para o quarto. Quando abriu a porta numa batida que a tirou do lugar, notou a carta ali, remendada em pedacinhos que ela mesma rasgou.

- Não era amor – ela dizia em meio ao choro. – Não era – deixou-se cair de joelhos, ainda encarando a carta.

Evie se encontrou com o Harry naquela noite, ambos não sabiam bem como começar a falar, mas Evie decidiu que a primeira fala deveriam ser dele, era ele que ia para a Baía dos Piratas.

Ela respirou fundo antes de falar, ignorou o frio que os rodeava, já estava acostumado, porém, Evie, não.

- Desculpa, Evie... mas não é nada com você, não entendo por qual razão não podemos continuar a isso.

- Harry... você decidiu ir para a Baía dos Piratas

- Foi pelo meu pai – ele interrompeu.

- Me deixe terminar de falar – pediu Evie. – Tudo atualmente vem girando em volta de seu pai – confessou.

- Sua mãe não é tão diferente.

- Diferente de você, eu fui contra a minha mãe por você.

- Eu não pedi isso – ele cruzou os braços.

- Viu? É a isso que estou me referindo, você mudou! Não é mais a pessoa por quem eu me apaixonei! – soltou. – Eu não vou continuar com você se for se juntar a eles, não vou dar as costas para a Mal como você.

- Mal é sua prioridade então, não eu?

- Você não pensou em mim quando decidiu trocar de lado – soltou.

- Então acaba aqui? – perguntou Harry.

- Sim – disse séria.

E sem mais nem uma palavra, ele deu as costas e saiu. De novo...

Evie caminhou pensativa até o castelo abandonada, não se permitiu chorar, não por Harry.

Assim que chegou em frente a ele, notou alguns vidros quebrados, e entrou com cuidado.

- Ah, não... Mal – Subiu as escadas correndo.

A cena que viu, não desejaria a ninguém, mas se aproximou, ajoelhando-se ao lado de Mal e encarou o que ela encarava.

- Eu... colei pra você – confessou.

Mal tentou falar, mas a voz não saiu.

- Imaginei que iria querer ler algum dia. Você colocou um ponto final, não foi? – perguntou baixinho, abraçando a amiga.

Mal concordou, balançando a cabeça levemente.

Evie suspirou.

– Eu e Harry terminamos, não ia dar pra continuar com ele no time da Uma – não precisou olhar para Mal pra ver um sorrisinho no canto dos lábios dela. E riu com aquilo. – Sabemos que foi melhor assim.

- Quer fazer alguma coisa? – Mal perguntou com a voz meia rouca.

- Quer ler a carta? – Evie se levantando indo até o papel, pegando-o, depois se virou, encarando Mal, e estendeu a mão a ajudando a se levantar.

- Não agora... – falou baixinho, mas pegou a carta e a guardou no bolso.

- Quer falar o que aconteceu... com Ben? – Evie tomou cuidado ao perguntar.

- Não era amor – disse Mal, e logo encarou os olhos de Evie. A de cabelos azuis a abraçou fortemente. No fundo, entendia a dor de Mal, sempre entendeu.

- Quer dormir lá em casa? – Evie perguntou, Mal sorriu antes de responder com um sim.

Mal respirava fundo, reuniu o grupo em uma região deserta da Ilha, há algum tempo eles precisavam conversar, precisavam daquela reunião, principalmente depois do último episódio.

Evie estava inquieta, sentada no tronco de uma árvore caída, completamente distante de Harry, Carlos estava sentado ao seu lado, Allyson estava encostada numa rocha próxima, Harry estava em pé aguardando quando Jay chegou junto de Mal.

- Vamos ser verdadeiros nós mesmo, Harry – Mal indicou – Tem certeza da sua saída?

Ele engoliu em seco e confirmou com a cabeça.

- Quero arriscar, faz um tempo que não ando com vocês como antes – Jay franziu o cenho, como se eles andassem juntos antes de Ben chegar. – Melhor o afastamento para não gerar conflitos entre aquilo que cada um acredita.

Mal confirmou.

– Saiba que apesar de ser uma escolha sua, de seu pai – enfatizou – Não me agrada em nada você na tripulação de Uma – Mal estalou a língua – Um juramento antes de tudo. Tudo o que você viu sobre nós, o que viveu juntos de cada um aqui, vai ser mantido eternamente em segredo – ela encarava cada um, parou por mais tempo em Evie. – Certo?

- Eu juro – ele quase travou.

- Ótimo, saiba que, na dúvida, existem consequências a respeito de qualquer coisa vazada – foi uma ameaça clara. – Agora pode ir – Mal o ordenou – Sem despedidas – e assim Harry fez, saiu.

Mal suspirou fundo, o brilho de seus olhos mudou de uma forma maléfica.

- Allison – Mal se aproximou e a garota já esperava o que estava por vir. – Que merda foi aquela?

Ela sabia do que se tratava, todos ali sabiam.

- Mal, eu estava certa em agir assim, todos vimos como ficou depois da partida do Ben.

- Você não tem nenhum direito ou ordem de intervir em algo assim! Se não fosse por Harry, sabe o problema que você teria trazido? Tem realmente noção de seus atos?

Mal a empurrou e Allison bateu com as costas na rocha, soltando um grunhido de dor.

- Eu quero você fora – Mal falou com desdém.

- O quê? – todos falaram juntos.

Carlos se aproximou.

– Mal, não acha que está-.

Mal o olhou, seus olhos faiscavam em um verde intenso e ele se calou na hora.

- Você não pode fazer isso! – Allison quase gritou. – Depois de tudo, Mal! Eu só queria o seu bem, entenda isso! – A garota começou a se desesperar, não queria perder Mal, não depois de tudo o que aconteceu antes e principalmente na fortaleza proibida, se foi verdade mesmo ou obra ilusória da magia que predominava a região.

- Você pode sair como Harry, ou podemos intervir da nossa forma com os capangas de Malévola – Mal falava de forma séria e autoritária.

- Inacreditável! – Allie começou a chorar. – Quantos erros cada um de vocês cometeram? – relembrou. – Quantas vezes fechou os olhos para as burradas de Jay e de Evie – ela apontou para a filha da Rainha Má – Como sempre destrataram Harry e Carlos – Mal revirou os olhos.

Jay se manteve na defensiva.

- E lá vamos nós – suspirou.

- Na próxima vez que apontar o dedo para alguém dos meus, não será o dedo somente que irar perder – Mal serrou os dentes em fúria.

Allison xingou e simplesmente sumiu, como antes fazia.

O clima pareceu mudar, o vento mais forte e o ar mais gélido.

Mal dirigiu o olhar para Evie.

– Fique longe da Baía dos Piratas – olhou rápido para os amigos – Todos vocês – eles assentiram.

Jay pediu direito de fala.

- Eu achei o que me pediu, Mal.

Eles cruzaram a região. Jay pegou uma pedra e a jogou no letreiro. O portão abriu e eles observaram a escuridão da escada que levava ao topo do esconderijo.

Naquela torre capenga, eles subiram os degraus.

Pararam em uma plataforma, notaram o chão sujo e úmido do chão e seguiram até um lance de escadas que levava ao esconderijo.

- Então era isso que não queria me contar – comentou Evie, maravilhada.

De maravilhoso aquilo estava longe de ser, mas quando arrumassem direito, poderia ficar bom. Era uma espécie de galpão de uma antiga fábrica, talvez? Estava vazio, com uns pedaços papelão jogados a cada canto.

- Vai ficar bem melhor depois que arrumarmos, ficar em casa não está sendo uma opção mais, e pedi pra Jay procurar um lugar pra gente, bem distante de nossos pais.

Isso explicava ser do outro lado de sua região, mas por qual razão era próximo a Baía dos piratas?

Carlos sorriu, um alívio sincero percorreu seu corpo, uma certa liberdade. Por mais que ainda estivesse preso na ilha, não estaria a mercê de sua mãe, pelo menos era isso que ele achava.

- Jay, ainda vai continuar trabalhando para seu pai? – Mal perguntou, e ele deu de ombros.

- Ainda não sei.

- Me avise qualquer coisa e tome cuidado se for continuar, ninguém além de nós pode saber daqui – todos confirmaram com a cabeça. — Principalmente nossos pais.

- Podemos começar, já? – Evie sorriu, batendo palminhas.

Jay e Carlos ficaram encarregados dos móveis, porque Evie não confiava em Jay sozinho para isso, e Carlos tinha um ótimo talento para a moda, talvez fosse a herança dos De Vil para o garoto.

Mal ficou com as pinturas das paredes, e Evie, com a limpeza.

Evie aproveitou para separar os quartos de cada um.

O quarto de Evie era o central, o de Mal o primeiro cômodo do lado direito, Carlos ficava no segundo cômodo do lado esquerdo, próximo do de Evie, e Jay no comodo ao lado do mesmo.

Eles passaram todo o dia assim, e na madrugada, metade dos desenhos estavam prontos e metade dos móveis instalados, só o básico, agora era adicionar somente o que cada um quisesse.

Mal estava jogada no sofá, brigando com o Jay pelo espaço.

Carlos e Evie chegaram.

- Amanhã precisamos ir ao Dragon Hall – Evie avisou. E logo ouviu Jay e Mal reclamarem. – E vocês vão, sim.

- Me obrigue – lançou Mal, e em um segundo Evie a derrubou do sofá.

- Corra, princesa mirtilo – Mal praguejou e Evie já não estava ali, correu até o quarto de Evie, mas ela se trancou no quarto gargalhando. Assim que Mal virou, Carlos estava no seu lugar do sofá. – Ah, não!

- Sente no outro sofá – Carlos jogou.

Jay riu.

- É que ela me ama – o filho do Jafar jogou os braços atrás da cabeça de maneira convencida.

- Ama tanto que hoje quase te jogou pela janela – Carlos lembrou, e Jay gargalhou com a lembrança.

Mal se jogou no outro sofá, estirada quase escorregando do sofá, encarava o teto quando Evie saiu do quarto.

- E... acho que está na hora de ler a carta... – ela sussurrou encarando os olhos cor de chocolate da amiga.

- Tem certeza, M? – Evie sussurrou, ajoelhando ao lado da amiga.

- É agora ou nunca, E...

Jay e Carlos se entreolhavam, sem entender.

Mal carregava consigo o pequeno papel, antes rasgado em pedaços incontáveis, agora colado com todo o cuidado.

Não se recordava se chegou a ler, mas na situação que foi encontrado, imaginou que não, pois a dor do dia ainda era sentida e reprisada.

Ela estava em seu jardim pessoal, na parte secreta e bela da Ilha, sentada entre as flores observando de onde o sol vinha, ou melhor, iluminava.

A visão feita pelas mãos dos deuses, trouxe consigo o melhor em suas mãos.

Ainda não ousava abrir a carta, ver que coisa continha, ou se um dia ela saberia as coisas que lhe foram escritas.

Como poderia ela ousar abrir depois de tudo? Que maldita maldição lhe foi lançada para estar assim?

Ardia em suas mãos, mas de maneira doce, ao ponto em que o fascinara e a deixava triste.

Aquele segredo que envolvia a Ilha e Auradon, a dúvida de enterrar aquele segredo e não querer saber mais ou demais. Valia a pena guardar esse segredo por baixo de seus próprios olhos? Deixar com que fosse esquecido ou se o tornasse uma lembrança?

A garota levantou, amassou o papel em mãos, as ondas se agitaram conforme o grito que lhe foi dado, agora, caída de joelhos, o mundo parecia gritar de volta.

O papel começou a pesar, veio a tentação de jogá-lo ao fundo do mar. Ou talvez queimá-lo, e cinzas se espalhariam e não restaria uma sobra sequer, nem remorso.

Sentiu de inicio uma mão no ombro, agora havia se tornado um abraço, sua visão embaçada pelas lágrimas, os olhos fechados com força.

Seja quem fosse que estivesse ali, viu-a como submissa, mas se agora se abrisse e revelasse mesmo em forma de erro, o alívio seria.

Mas se calou, carregaria o peso até a morte para pela manhã tudo se repetir.

Perdê-lo estava sendo como perder a si própria.

Ela sabia, sabia que não havia escolhido aquilo, jamais escolheria se apaixonar por Ben, nunca pensou em sentir uma dor como aquela.

- Você não está sozinha- a voz era a de Jay. Maldito herdeiro do Jafar; ladrão soturno a perseguir-lá até lá.

Mas com aquilo, Mal segurou o choro, não deixava de ser verdade, ela não estava sozinha, e sabia que, para sempre com os amigos, ela seria um elo forte e indestrutível, independente de qualquer queda, eles a levantariam.

Mal caiu nos braços do amigo, ainda de costas.

Eles foram educados para a maldade.

Cheirando flores de perigo, vestindo medo, produzindo o caos.

Nasceram no escuro com o destino já traçado, incompleto. Sem escolha, sem direção, a não ser seguir os passos ou o que seus pais ordenassem.

E com tudo que lhe foi imposto, ela fugiu... refugiando-se no amor, e naquele dia, o amor faltou.

Ficou com medo de si, do moreno em suas costas, temeu o destino. Mas assim foram criados...

Após o dia de aula caótico em Dragon Hall.

O cair de tarde veio de maneira demorada, ainda podia ver o sol sumindo no horizonte.

Jay preparava uma fogueira para acabar com aquela noite fria que chegava, tomando todo o cuidado para não acabar com o paraíso da Ilha.

Os amigos vieram conforme a noite chegou. Menos Allison e Harry. O filho de Gancho era improvável, porém a garota não foi impedida por Mal, mas pela traição da mentira.

Mal se sentou em frente a fogueira que queimava madeira, ao seu lado direito estava Evie, e Carlos estava a sua frente, tendo apenas o fogo como distância. Jay se sentou do lado esquerdo e abriu a carta para Mal. Ele ofereceu, mas ela nem esticou a mão para pegar, somente encarou o papel. Ela queria ler, queria mesmo, mas não conseguia. Foi Evie que esticou a mão para pegar a carta e tomou coragem para ler.

Quando eu estava em Auradon, tinha que ter altas expectativas para viver – para conseguir viver.

Mirando e desejando as estrelas quando eu não conseguia alcançar o sucesso.

Mas eu sempre tive uma visão, a sua visão, sempre a bela garota de olhos verdes e cabelo na cor de ameixas secas, sempre me salvando, sempre me oferecendo liberdade.

Não sabia o que fazer, tremia em febre para alcançar você, temendo que não fosse real, mas sempre tive a sensação que iria te encontrar, mesmo que a chance fosse uma em um milhão.

Minha mãe sempre dizia para seguir meu coração e meu pai dizia para fazer algo maior, construir um legado.

Manifestei meu destino e consegui vir para a ilha te encontrar, ignorando as histórias de antigamente. – Eles queriam tudo, sempre quiseram.

Nunca fui ambicioso a esse ponto, só cobiçava estar ao seu lado.

Minha mãe me ensinou sobre o passado e me ensinou a reescrever os contos para criar os meus próprios, iluminando meus sonhos selvagens neste vasto mundo.

Por outro lado, meu pai exibia minhas vitórias e glorificava as suas todos os dias.

Apesar de tudo, da complexidade, minha mãe nunca me fez querer desistir.

Nossa relação pode ser complicada na visão das pessoas e sem amor...

Mas... eu odiaria ver você esperando e sofrendo, da mesma forma que estarei longe de você.

As coisas são difíceis para os que pensam diferentes. Os heróis mais estranhos nunca são amadores e os requisitos e os românticos nunca mudam.

Meu amor, não desista, sei que é um pouco complicado, mas pense... lembre...

Eles pesam que isso é apenas algo a beneficiar eles. Mas eles não viram o melhor de mim.

Eu sei que não tenho uma chance...

Mas tenho altas expectativas e sei que você, carregando a coroa, vai ser uma bela vista-

Mal arrancou o papel da mão de Evie e o jogou na fogueira, o fogo crepitou, dominando a carta.

Mal engoliu em seco, ainda não disse nada, os olhos concentrados no fogo, até a carta sumir completamente, junto com o amor que sentia pelo pequeno príncipe.