O príncipe Benjamin seria encarregado de assumir a reunião do conselho cuja que iria apresentar sua primeira proclamação que o colocaria em definitivo na corte real como príncipe herdeiro.

Ben batia nervosamente os dedos da mão com o anel de Fera enquanto esperava pelos membros do Conselho entrarem e tomarem seus lugares em volta da mesa de conferência do Rei naquela manhã. As recomendações de seu pai ecoavam em seus ouvidos. Forte: tenha pulso firme. Poderoso: mostre quem é o Rei.

— Forte e poderoso rei – ele sussurrou para si mesmo.

O garoto dobrou seus dedos, pensando no punho enorme de seu pai. Fera não quis dizer aquilo literalmente, mas Ben estava preocupado mesmo assim. Ele teria que improvisar.

— Está pronto, senhor? – perguntou Horloge.

Ben respirou fundo e tentou soar tão sério quanto podia.

— Sim, peça para eles entrarem, obrigado.

Horloge fez uma reverência. Apesar de fazer muito tempo desde que ele fora transformado em um relógio, havia algo nele que ainda lembrava um. Ben podia facilmente imaginar o tilintar dos ponteiros em sua face.

Horloge sabe quem é, e está feliz de ser apenas Horloge. Será que é realmente mais complicado ser um Rei de um relógio?

O pensamento confortou Ben por um momento. Logo depois, o Conselho entrou na sala, e ele descobriu que a visão dos conselheiros reais não era nada confortável.

Na verdade, eles eram assustadores, pensou o rapaz.

E ele não sabia direito por quê. Eles estavam conversando de forma amigável, discutindo o placar dos jogos de tourney do dia anterior e quem estava se saindo bem na Liga Tourney da Fantasia. Todos se sentaram e fofocaram um pouco. Cálices de sidra foram distribuídos, além de pratos com biscoitos doces da cozinha do castelo.

Benjamin nunca soube até então quem fazia parte do que eles se autonomearam Cidadão Unidos.

Quem estava representando os ajudantes eram os já tradicionais Sete Anões, que ainda usavam suas roupas de mineiros e gorros vermelhos. Sentados ao lado deles (ou melhor, sentados na porta do livro Leis e Regras Civis de Auradon, que se encontrava em cima da mesa, pois eram pequenos demais para se acomodarem na cadeiras) estavam os mesmos ratinhos que ajudaram Cinderela com o Príncipe: o astuto Jaq, o rechonchudo Tatá e a doce Mary. A porção roedora do Conselho falava em sons pequenos e esganiçados, que Ben não conseguia compreender sem o comunicador em sua orelha, que traduzia tudo que os animais diziam na reunião.

Todos na mesa estavam usando o mesmo aparelho, uma das poucas invenções mágicas permitidas no reino. Os barulhinhos dos ratos: tudo era traduzido para que eles fossem compreendidos.

Além dos ratinhos, algumas das irmãs de Ariel (Ben nunca sabia qual era qual, principalmente porque os nomes começavam todos com A, assim como suas filhas).

A sereia estava "brincando" com a taça de água, deixando Horloge bastante insatisfeito e fazia uma careta toda vez que o menor pingo de água caía para fora.

— Cuidado com essa água, por favor! Acabei de limpar o assoalho. Sabem que isso não é um hotel de praia, não é? Exatamente. É uma reunião oficial rrrrreal – gritou o antigo relógio, enrolando os rr com pompa. Andrina – ou teria sido Adella? – apenas deu uma risada e agitou com o dedo na água molhando-o.

Do outro lado da mesa estavam as três fadas madrinhas de Aurora – Fauna, Flora e Primavera -, com as bochechas rosadas e felizes, vestindo seus chapéus e capas de cor verde, vermelha e azul, sentadas ao lado do azul e famoso Gênio de Agrabah. Eles estavam batendo papo e trocando figurinhas sobre viagens. As fadinhas preferiam visitar florestas, enquanto o Gênio apreciava os vastos desertos.

Ben não entendeu exatamente o porquê deles, sabia que os reis e rainhas eram ocupados, mas ao ponto de não participar realmente de uma reunião sequer ao menos uma vez?

— Vamos começar? – arriscou Ben, limpando a garganta.

Ninguém ouviu. Os ratinhos estavam rindo sem parar, caindo de costas e rolando sobre o livro. No fim das contas, até que era um grupo amigável, ou ao menos parecia. Ben começou a relaxar.

E por que não deveria? Diferente dos infames vilões presos na Ilha dos Perdidos, os bons cidadãos de Auradon pareciam não ter envelhecido nada nos últimos 20 anos. Ben tinha que admitir: todos os conselheiros ainda se pareciam com as imagens nas fotos sobre a fundação de Auradon. Os ratinhos continuavam pequenos e fofinhos. As sereias – fossem quais fossem seus nomes – continuavam tão viçosas quanto flores de ninfeia-azul e as fadinhas esbanjavam boa saúde. O Gênio de Agrabah até havia dado uma acalmada em seu estilo exagerado e performático. Dunga continuava quieto e singelo. Mestre talvez estivesse alguns poucos cabelos brancos a mais que antes, e Zangado parecia quase... contente.

Exceto por uma coisa.

— O quê? Não tem bolinho de creme? – Zangado encarou a bandeja e teve de pegar um biscoito mesmo.

— É uma reunião, não uma festa – disse Mestre.

— Com certeza não é uma festa agora – resmungou Zangado, examinando os biscoitos. — Não tem de groselha ou com gotas de chocolates? Hoje é dia de discutir o orçamento?

Benjamin tinha total convicção que na sua vez de ser Rei, mudaria a corte real para os herdeiros primogênitos.

— Como eu ia dizendo – Ben interrompeu, afastando a bandeja para longe de Zangado -, bem-vindos todos. Eu declaro oficialmente aberta a reunião do Conselho do Rei. Vamos começar?

Cabeças assentiram ao redor da mesa.

Ben deu uma olhada nas anotações escondidas embaixo de sua mãe direita. Ele esperava estar fazendo isso corretamente.

Ele tossiu. — Excelente. Muito bem. Então...

— Não precisamos esperar seu pai, garoto? – perguntou o Gênio, colocando os pés sobre a mesa. Agora que a magia era evitada em Auradon, a criatura azul tinha forma física, não era mais uma nuvem flutuante.

— É. Onde está o Rei Fera? – emendou Jaq.

— Seu pai não vai se juntar a nós hoje, Ben? – perguntou Mary com gentileza.

O rosto de Ben corou.

— Não, desculpem. Meu pai – quer dizer, o Rei Fera – me pediu para liderar a reunião hoje.

Todos o encararam. Os ratinhos se sentaram. Zangado deixou o biscoito cair.

— Enfim – Ben limpou a garganta e tentou fingir uma autoconfiança que não tinha -, aos negócios. — Ele hesitou. Olhou a pilha de papéis à sua frente. Petições, cartas, pedidos e propostas de ajudantes de todos os cantos do reino...

Mostre a eles quem é o Rei. É o que meu pai diria.

Ele tentou mais uma vez.

— Como futuro Rei de Auradon, estudei seus pedidos e, embora eu aprecie sugestões, acredito que...

— Nossos pedidos? Está falando sobre o Ato dos Ajudantes Unidos? – Zangado parecia incomodado.

— Sim, acho que nós não podemos outorgar essas petições...

— Como assim, nós? – perguntou Mary.

Dunga parecia confuso.

— Eu quis dizer eu. O que quero dizer é que li suas sugestões, mas acho que elas não devem ser aprovadas, pois...

Uma das sereias inclinou a cabeça.

— Não devem ser aprovadas? Por que não?

Ben começou a ficar agitado.

— Bem, porque eu...

Mestre fez que não com a cabeça.

— Desculpe, filho, mas já colocou os pés para fora deste castelo? O que sabe sobre o reino? Por exemplo, nossos primos duendes da Ilha dos Perdidos gostariam de pedir perdão, já estão exilados há bastante tempo.

Em volta da mesa, os conselheiros começavam a sussurrar e murmurar. Ben sabia que a reunião estava saindo de controle e desesperadamente começou a rever suas opções. Não havia nada em suas anotações sobre o que fazer caso os conselheiros se revoltassem.

Um. O que meu pai faria?

Dois. O que minha mãe faria?

Três. Posso sair correndo? O que aconteceria?

Ben ainda estava pensando na solução números três, quando Zangado falou.

— Se posso interromper... – disse ele, soando como o exato oposto de Feliz, sentado a seu lado. — Como vocês sabem, há 20 anos, nós, os anões, trabalhamos nas minas, coletamos diamantes e pedras preciosas para as coroas e cetros do reino, para um príncipe ou uma princesa usarem como presente de casamento, para adornar as vestes de coroação. – Ben ficou ainda com mais vergonha, observando os botões de ouro de sua camisa. Zangado olhou para ele de forma severa e continuou: — E por 20 anos não recebemos nada por nossos esforços.

— Ora, vamos, senhor Zangado – disse Ben. — Senhor.

— É só Zangado – murmurou o anão.

Ben olhou para os ratinhos.

— Posso?

— À vontade – disse Tatá, pulando para a mesa.

Ben retirou o livro de leis de Auradon debaixo dos ratinhos. Ele procurou um gráfico em um dos apêndices do grande volume.

— Muito bem, Zangado, como cidadão de Auradon, parece que você e os outros anões ganharam férias de dois meses... 20 feriados... e folgas por doenças ilimitadas. – Ele encarou os ajudantes. — É isso mesmo?

— Mais ou menos – disse Mestre. Zangado cruzou os braços e lançou aquele olhar emburrado de novo.

Ben pareceu aliviado, fechando o livro.

— Então não podem dizer que estão trabalhando por 20 anos exatamente, certo?

— A matemática não é o ponto, jovem rapaz...

— Ou deveríamos dizer jovem Fera? – Zangado exclamou logo depois da primeira frase de Mestre, que estava se esforçando para enfiar seu gorro na boca do irritadiço anão e mantê-lo quieto.

— Príncipe Ben está bom – disse Ben, com elegância. Não era por acaso que o anão era chamado de Zangado. O rapaz nunca havia conhecido alguém tão mal-humorado!

— Se me permite interromper, e não quero ofender, mas estamos cansados de não ter voz nem contrato – disse Dengoso. Pelo menos, Ben achava que esse era seu nome, pois ele havia ficado vermelho só de falar.

— Estão aqui agora, não é? Não dá para dizer que "não têm voz", certo? – Ben sorriu de novo. Dois a dois. Uau. Talvez eu seja melhor nesse lance de Rei do que eu pensava.

— Mas o que vai acontecer com nossas famílias quando a gente se aposentar? - perguntou Dengoso, sem parecer convencido.

— Estou certo de que meu pai tem um plano para cuidar de todos – disse Ben, esperando que fosse verdade.

Uma vozinha ecoou esganiçada na mesa. Ben se abaixou para ouvir.

– E alguém já notou que nós, os ajudantes, fazemos todo o trabalho neste reino? Desde que a Fada Madrinha abandonou a magia, nós, os ratinhos, temos que fazer todos os vestidos! – disse Mary, indignada. A ratinha subiu no livro de leis para ser ouvida. – Com nossas patinhas!

— Isso é muito... – disse Ben, mas foi interrompido. Ele já não tinha controle nenhum sobre a reunião. E isso estava muito claro.

— Sem falar nos animais da floresta que fazem todos os trabalhos domésticos para a Branca de Neve – disse Jaq. — Eles também não estão nada felizes.

Mary concordou.

— Além do mais, Branca de Neve precisa de um guarda-roupa novo, pois ela vai anunciar as novas da coroação em breve. A sua coroação, aliás!

Ben vasculhou desesperadamente os papéis à sua frente.

— Todo cidadão tem direito a fazer... fazer um...

— Linguado ainda coleta tudo para Ariel – sussurrou uma das irmãs da sereia — O tesouro dela aumentou, mas o que ele ganha com isso?

Ben tentou novamente.

— O trabalho dele é apreciado... – sussurrou.

Ela continuou.

— E nós, as sereias, oferecemos tours pelo oceano o ano inteiro de graça. Inclusive nas férias!

As outras irmãs de Ariel assentiram, indignadas, e suas caudas começaram a espalhar a água da banheira por toda a sala. Horloge tapou os olhos, desesperado, e Lumière pegou em seu braço, em sinal de apoio.

Ben assentiu.

— Ok, isso é realmente algo que devemos conside...

— E, se me permite acrescentar, viver sem magia está nos dando nos nervos – resmungou Primavera. — Flora não consegue mais costurar, Fauna não consegue mais cozinhar, e eu não consigo mais limpar sem nossas varinhas. Nossa petição está ali no fim, garoto. — Flora enfiou o papel na cara de Ben, e ele se encolheu na cadeira, surpreso.

Fauna se intrometeu.

— Embora apreciemos tudo o que a Fada Madrinha fez, um pouco de mágica não faria mal a ninguém.

— Mas não é só um pouco de... – Ben começou.

Um enorme vulto azul apareceu na frente de Ben.

— Para ser claro, Príncipe Ben, isso é péssimo – disse o Gênio, mandando um beijinho zombeteiro.

Os anões aplaudiram animadamente.

As irmãs de Ariel riram baixinho, e a água na taça agora estava formando um pequeno redemoinho. Horloge fugiu da sala, e até Lumière fez um sinal para o Príncipe Ben finalizar a reunião.

Se ao menos Ben soubesse como fazer isso.

A sala começou a virar um caos conforme os ajudantes e os anões gritavam uns com os outros, a fadinhas reclamavam sobre as tarefas que machucavam suas costas e todo o resto também falava sobre como aliviar seus problemas.

Era difícil entender o que cada um dizia, pensou Ben enquanto afundava em sua cadeira, tentando não entrar em pânico.

Respire, disse ele a si mesmo. Respire. E pense.

Mas era impossível pensar no meio da loucura da sala. As sereias reclamavam que os turistas jogavam lixo em todo lugar, os anões se queixavam porque ninguém mais gostava de assoviar enquanto trabalhava, e até o Gênio estava mais agitado que de costume.

Ben tapou as orelhas. Isso não era mais uma reunião. Era uma verdadeira briga. Ele tinha que dar um jeito nisso, antes que as pessoas começassem a atirar coisas – ou ratos.

O que meu pai faria? O que ele quer que eu faça? Como pôde me colocar nessa situação e esperar que eu soubesse o que fazer?

Quanto mais ele pensava, mais bravo ficava. Finalmente, Ben se levantou. Ninguém se importou.

Ele subiu em sua cadeira. Ainda assim, ninguém percebeu.

É isso!

Seu pai disse para ele ser como um Rei, e os reis eram ouvidos!

— JÁ CHEGA! – gritou ele do alto da mesa. — ESSA REUNIÃO SERÁ ADIADA!

Um silêncio chocante preencheu a sala.

Ben apenas ficou parado ali.

— O quê? Eu nunca... – rosnou Mary. — Quer rude! Falar conosco dessa maneira!

— Impertinente e ingrato, com certeza - suspirou Flora.

— Basta – disse Zangado. — Onde está o Rei Fera? Não somos surdos! Não tem educação, filho?

— Juro que nunca fui tão maltratada – disse Primavera.

Os anões e ajudantes saíram da sala, disparando olhares magoados para Ben. As sereias jogaram água no chão de propósito, enquanto Lumière as levava para fora, balançando a cabeça. Os ratinhos empinaram seus narizes conforme passaram, sem dar um pio, e até Dunga dirigiu um olhar triste e silencioso para o príncipe.

Ben deixou a cabeça cair, morrendo de vergonha. Ele tentou liderar como seu pai e havia falhado. Não conseguiu falar sobre a petição e não conseguiu inspirar confiança no Conselho do Rei. Talvez ele até estivesse piorado a situação.

É por isso que eu seria um terrível Rei, pensou Ben ao descer da mesa.

Ele não havia provado seu valor.

Ele só havia provado uma coisa...

Que o Príncipe Ben não era digno de usar o anel de Fera em seu dedo.