O príncipe Benjamin olhava pela janela de seu privilegiado ponto de vista do Castelo de Fera, perdido em seus pensamentos.

O jovem garoto não teve coragem de dizer ao seus pais como o desastre que foi a reunião. O jantar foi um completo silêncio.

É o fato que seu pai tinha dito a ele que seria um bom Rei, mas, secretamente, Ben se perguntava se o pai estaria certo. Se o próprio pai realmente acreditasse nele.

Ele olhou para o céu, como se fosse achar as respostas ali. Estava tingido de azul, brilhante e claro como sempre, e ele podia ver até o horizonte, onde as fronteiras de Auradon se convertiam em nada além da neblina da costa e o mar azul.

Não.

Não é apenas nada.

Ben pensou em Mal, não foi um adeus. Não foi.

Ele se voltou para os papéis em sua mão, tentando esquecer a moça.

Ben leu a reclamação dos Ajudantes Unidos – a primeira do tipo – e seu coração bateu um pouco mais rápido ao pensar que tinha que falar com toda essa gente novamente e convencê-los de que aquele nível de descontentamento não se justificava.

Ele suspirou, e então uma voz familiar interrompeu seu devaneio.

- Cuidado com os ajudantes, filho. Mais cedo ou mais tarde, eles vão roubar a cena.

Ben ergueu a cabeça, surpresa ao ver o pai na porta. O Rei Fera estava com o mesmo aspecto de sempre, sorrindo feliz e contente como nos cartazes. Por toda Auradon e Ilha, podia-se ler Bom trabalho sendo bom! Continue assim! O Rei Fera ruge de aprovação!

Seu pai se dirigiu à montanha de papéis na mesa de Ben.

– Parece que está trabalhando duro.

Ben esfregou os olhos.

– Pois é.

Ele fixou o seu olhar no nada.

– Pai, eu quero mudar o conselho.

Adam se esticou na cadeira em frente à mesa.

– As leis?

- Não – Ben se jogou em sua cadeira – Os próprios membros – passou a mão pelo rosto e Adam se ajeitou na cadeira.

- Olha, filho, não é porque não deu certo de primeira que deva mudar, eles estão anos com o reino comigo, desde que formamos os Estados Unidos de Auradon.

- Exatamente, isso foi há o quê? Vinte anos atrás? Pai, assim como reis e rainhas renovam, o conselho também, e assim como estou me preparando, quero eles também.

Ben confessou, mesmo que estivesse derrubando o abismo que os amigos já estavam.

- E quem faria parte do conselho?

- Sobre isso também, acho que os futuros reis e membros da corte. Se cada cidadão quiser fazer parte, as reuniões sempre vão ser uma bagunça.

Adam confirmou com a cabeça, levou uma mão ao queixo.

– E como seria?

Ben sorriu com aquela carta branca.

- Representantes de reinos dos hemisférios, dois para cada região, ainda estou pensando nos candidatos para representar no conselho.

- Apesar de tudo, parece ser uma boa escolha. Essa seria sua proclamação? Ou algo em tese? – Ben negou.

Suspirou.

- Primeiro vou falar com esse conselho e depois anuncio em público, para vocês.

O Rei Fera se levantou e deu um tapinha no ombro do filho.

- Este é o meu garoto. Então, o que eles querem exatamente?

Ben coçou a parte de trás da orelha com a caneta.

- Parece que estão chateados, pois fazem todo o trabalho por aqui e não são bem recom- Pera, você não leu?

Adam riu.

- Devo ler todas essas folhas quando eles mesmo podem falar na reunião?

Ben agora entendeu o falatório e por quê zangado ficou tão zangado, seu pai nem se dava o trabalho de ler, ele só tinha a voz para conseguir o possível de melhorias para eles.

- Hum – o Príncipe Benjamin assentiu. – Todo mundo tem voz em Auradon. Embora não deva permitir que muitas vozes afoguem a razão, é claro – Ele suspirou. – É isso que significa ser rei – disse ele, talvez com um pouco mais de ênfase do que necessário, mais para ele próprio do que para o pai.

- Se continuar levantando a sua voz, meu querido, vai quebrar toda a louça, e a Madame Samovare nunca mais vai oferecer um copo de leite ou um banho quente de novo – A mãe de Ben, a bondosa Rainha Bela, entrou na sala e deslizou a mão por baixo do braço musculoso de seu marido (mais uma qualidade bestial que o Rei parecia ainda possuir a força de uma criatura selvagem em uma forma meramente humana).

A partir do momento em que viu sua mãe, Ben ficou mais relaxado.

- E assim que se faz. Ouça seu povo, mas exerce seu direito de governar. Lidere com o coração. Esse é o caminho para se tornar rei – Bela sorriu. – Não importa o que aconteça, eu e seu pai acreditamos em você. É por isso que queremos que comece a fazer as reuniões com o conselho. É hora de aprender a governar. Será um rei maravilhoso, do seu jeito. Eu garanto.

- Espero que sim – disse Ben, meio inseguro.

- Eu tenho certeza – insistiu Bela, dando um beijo na bochecha do rapaz.

Conforme o som dos passos leves de sua mãe e os passos pesados de seu pai desaparecia, ele pegou a caneta e voltou aos papéis.

Ben jurou que deixaria seus pais cheio de orgulho.

Apenas seja você mesmo, há outras maneiras de demonstrar força além do jeito de seu pai. As palavras da mãe de Ben ecoavam em seus ouvidos enquanto ele aguardava Zangado, que fora escolhido para representar os Sete Anões e os ajudantes em suas petições.

Ótimo. Maravilha. Simplesmente perfeito. Encontrar Zangado cara a cara.

Ben balançou a cabeça, Ele suspeitava que qualquer um fosse um interlocutor mais adequado para negociar do que o velho ranzinza.

Da última vez que se encontraram, o sujeitinho se sentiu ofendido por causa de um doce...

Aquela conversa estava condenada.

Ben queria que as pessoas parassem de dizer a ele para ser ele mesmo. Parecia um conselho simples – e talvez fosse, desde que ele tivesse alguma ideia de quem ele era.

Mas quem era ele?

Príncipe Ben, filho do Rei Fera, herdeiro do trono do grande reino de Auradon?

Ele definitivamente não era nem um pouco igual a seu pai, que sabia fazer valer suas regras sem impô-las à força a seus súditos. O garoto estremeceu ao se lembrar de como havia subido na mesa e gritando.

Ele não era assim.

Ele era o Príncipe Ben, filho do Rei Fera e da Rainha Bela, herdeiro do trono do grande reino de Auradon.

E, se assim como seu pai ele estivesse destinado a herdar o trono, seria então em seus termos, como filho também de sua mãe, e não apenas como herdeiro da Fera.

Porque, assim como Bela, Ben era calmo e gentil, e para ele não havia nada melhor do que desaparecer atrás de um grande e volumoso livro. Na infância, ele não havia caçado ou lutado com espadas, nem tinha vencido alguém em uma batalha.

Ben passara o tempo todo dentro de uma biblioteca.

Compartilhava a paixão de sua mãe pela leitura desde sempre. As memórias mais queridas do rapaz eram das ocasiões em que ele se sentava junto da Rainha Bela, na frente da enorme lareira de sua magnífica biblioteca, e lia com ela. Ele vivia enterrado em uma pilha de livros das prateleiras mais baixas. A pilha dela era composta de obras tiradas das mais altas. Era o paraíso.

Certa vez, quando Fera descobriu que tinham passado o dia todo se escondendo na biblioteca e deu uma bronca neles porque perderam um banquete real "por causa de uma história", Bela apresentou uma defesa apaixonada.

— Não são apenas história – disse sua mãe. — São reinos inteiros. São mundos. Perspectivas e opiniões que você não pode oferecer, de vidas que não são a sua. São mais valiosas que moedas de ouro e mais importantes que um banquete de Estado. Eu esperava que você, sendo o rei, soubesse disso!

Os olhos do Rei Fera piscaram, e ele levantou a Rainha Bela em seus braços fortes com um simples movimento.

- E, eu te amo por isso! – ele se juntou ao seu filho pequeno, e os três lancharam bolinhos de creme no jardim.

É claro.

Ben sorriu. Não pensava nesse dia havia um bom tempo.

Ele ainda estava imerso naquela recordação quando Lumière entrou na sala, mostrando o caminho para o velho anão.

Zangado agradeceu a ele e se sentou na frente do príncipe, suas pernas curtas balançando como as de uma criança.

- Para que tudo isso, meu jovem? – ele limpou a garganta. — Não estou no clima para seus chiliques. – Ele olhou para a mesa apreensiva, como se o garoto fosse subir nela a qualquer momento. Nem tocou no prato de doces e no cálice de sidra à sua frente.

— Obrigado por se reunir comigo hoje – disse Ben. — Achei que seria mais fácil se fôssemos apenas nós dois conversando. Já que tudo ficou meio... alto... da outra vez.

— Sei – disse Zangado. — Vamos ver. Não está pensando em subir na mesa de novo ou gritar como um animal, não é?

Ben corou.

— Eu peço desculpas pelo meu comportamento naquele dia. Eu fui... um tolo.

— Você... o quê? – Zangado foi pego desprevenido.

Ben encolheu os ombros.

— Admito. Eu não sabia o que estava fazendo, provoquei uma confusão. E certamente não culpo você por não me levar a sério agora.

Zangado o encarou com um olhar... zangado, mas agradavelmente surpreso.

— Continue.

Ben sorriu. Era um começo, e ele aproveitaria.

— Veja bem, chamei você aqui porque li as mil e uma páginas da petição.

— Sério? Todas as mil? – perguntou Zangado, soando impressionado.

— E uma – Ben sorriu de novo. Ele lia rápido e era um ouvinte atento, e, se ia ser ele mesmo, precisaria usar os dois talentos a seu favor para resolver essas queixas de uma vez por todas. — Pelo que entendi, parece que você e seus colegas estão pedindo para ser ouvidos, de forma que possam decidir sobre seu futuro. Algo além de apenas uma cadeira no Conselho.

— Não é pedir muito, é? – perguntou Zangado, com sutileza.

— Não, não é – Ben concordou. — E acho que podemos chegar a um simples acordo.

— Qual é sua proposta?

Ben mexeu nos papéis à sua frente. E pensou em como diria. Como sua mãe tinha falado? Perspectivas e opiniões que você não pode oferecer, de vidas que não são a sua.

Ben sorriu.

— Proponho ouvir as pessoas que mais sabem.

Zangado levantou uma das sobrancelhas.

Ben consultou suas anotações.

— Vamos começar com as sereias. Elas podem cobrar pelo turismo e passeios subaquáticos. Com as regras que elas decidirem impor em relação ao oceano.

Zangado assentiu.

— Parece razoável. Certo. Mas e os mineradores?

— Metade de tudo que vocês escavarem ainda deve permanecer como propriedade do governo – disse Ben. Ele sabia que seu pai não aceitaria menos que isso.

— Metade? E o resto dos diamantes? Para onde vai? – perguntou Zangado, com um tom alarmado.

— A outra metade vai para um plano de previdência. Um fundo de aposentadoria para os anões, para cuidar de suas famílias e de seus filhos. Peça para Dengoso não se preocupar.

— E a restrição à magia? Cá entre nós, aquelas três fadinhas sabem fazer barulho.

— Elas terão que levar sua reclamação para a Fada Madrinha. Não posso fazer nada, infelizmente. Mas vou arranjar uma reunião entre elas. É tudo que posso fazer.

— E o pedido de Gênio para viagens ilimitadas pelo reino? – Zangado fez uma careta. Àquela altura, ele parecia sofrer para encontrar motivos para ficar bravo.

Esse era uma concessão difícil de fazer, pois seu pai não queria o "maníaco de pele azul aparecendo em todo lugar sem avisar".

- Levarei o pedido também para Fada Madrinha, ao Rei Fera, para comigo decidimos algo a respeito – Talvez ele conseguisse convencer o Rei Fera de que, contanto que os súditos fossem alertados da chegada do Gênio, tudo estaria bem.

Zangado cruzou os braços.

— E as criaturas da floresta? Estão trabalhando com suas pata e cascos até os ossos.

— Se for sobre as criaturas da floresta do Oeste, sabemos que Camelot não aceita muita modernidade, irei fazer o possível para eu pessoalmente ir averiguar o que cada um precisa e como poderei ajudar – Ben sorriu. - Já é hora de perceber que estamos vivendo no século XXI, não acha? Inclusive as criaturas da floresta, por mais que eles tenham receio de mudança...

— Nhé – disse Zangado. — Não ligo para a modernidade, mas acho que nossos amigos da floresta vão gostar. É difícil lavar pratos na mão, sabe, quando você não tem... mãos.

Ben tentou não rir.

— Quando a Mary e os ratinhos, a partir de agora, serão bem recompensados, férias maiores entre outros pontos, visto sua lealdade desde sempre, não somente com Cinderela e com o Rei Encantado, mas com o reino de Auradon – Ben deixou o último papel cair.

— Justo – concordou o anão.

— Então nós temos um acordo?

Zangado esticou a mão.

— Fechado.

Ben apertou a mão dele. Ele estava mais aliviado do que deixava transparecer. Ao menos esperava que não estivesse demonstrando – ele havia suado tanto que não tinha muita certeza.

— Sabe de uma coisa, meu jovem? – bufou Zangado, franzindo o rosto.

Ben se preparou para um comentário maldoso, mas esse nunca veio.

— Vai ser um bom Rei – disse o anão, abrindo um sorriso. — Mande minhas lembranças a seu pai e meu carinho à sua mãe.

— Pode deixar – disse Ben, satisfeito com o fato de a reunião ter corrido bem. Ele empurrou a própria cadeira para longe da mesa. Seu trabalho estava feito, ao menos por hoje. Se isso é ser rei, talvez não seja tão difícil quanto eu pensava.

O anão pegou seu gorro e pulou de seu assento, dirigindo-se à porta da sala.

Então ele fez uma pausa.

— Sabe, filho, às vezes, você lembra dela. A Rainha Bela era muito querida no reino.

Ben sorriu.

— Sabe, eu espero que sim.

Zangado encolheu os ombros, abrindo a porta.

— Mas não é tão bonito quanto ela. Isso eu posso dizer. E sua mãe teria se certificado de que haveria um ou outro bolinho de creme. E pelo menos alguns biscoitos recheados.

Ben riu, e a porta se fechou com uma batida.