Rosette Black sempre soube que um dia levaria suas filhas para pegar um trem e partirem para longe de casa. Contudo, ela sonhou que seria quando as meninas fossem para Hogwarts, aos onze anos, alegremente se preparando para o primeiro ano na escola de magia e bruxaria. A realidade que estavam vivendo era o oposto daquele momento de felicidade que ela anteviu.
Marguerith chorava copiosamente agarrada ao pescoço do pai, recusando-se a soltá-lo, enquanto Betelgeuse fitava emburrada a ponta dos sapatos.
Próximos deles, Pepe e Maria se beijavam, enquanto Francesco segurava protetoramente a mão de Giovanna.
-Ti voglio tanto bene, amore mio - ele falou, ao soltar-se da esposa - Guarda i bambini fino a quando possiamo incontrarci.
- Anch'io ti voglio bene, tesoro. - ela respondeu, passando suavemente a mão no rosto do marido.
A estação estava apinhada de famílias. Mães se despedindo dos filhos, maridos se despedindo de suas esposas e suas crianças. Desde o ataque à Polônia o governo começou a evacuação de milhares de civis para o interior do país. A iniciativa partira do prefeito de Londres, Herbert Morrison, e fora batizada de Operação Pied Piper. O Flautista. Rose se lembrava de uma história que a mãe lhe contara quando criança, de um bruxo que enfeitiçara todas as crianças de uma cidade e as levara para longe. Pelo visto, os trouxas tinham uma fábula parecida.
Cada criança ali carregava em torno de seu pescoço uma pequena caixa de papelão quadrada contendo uma máscara de gás, e na lapela de seus casacos estava preso um cartão de identificação.
O primeiro ministro bruxo, Spencer-Moon, estava propagando uma campanha semelhante de evacuação, mas alguns feiticeiros ainda não estavam levando tão a sério a ameaça alemã e acreditavam que sua magia era suficiente para protegê-los. Talvez estivessem certos, mas Phineas preferia não se arriscar. Era doloroso, mas mandar as meninas para Weymouth junto com Maria e seus filhos era a melhor opção. Ele colocou Marguerith no chão. A garotinha não conseguia parar de chorar. Betelgeuse, ainda séria e amuada, segurou a mão da irmã. O homem se abaixou até ficar na mesma altura das filhas.
-Tia Maria vai tomar conta de vocês. Vai ser divertido, cidade nova, amigos novos para brincar.
-Você e a mamãe vão com a gente, papai? - Bete perguntou, enquanto Marge enxugava o rosto com as costas das mãos.
Foi Rosette quem respondeu à pergunta da filha, também se abaixando na altura das meninas.
-Hoje vocês vão com a tia Maria, a mamãe vai daqui a uma semana. Lembra que eu ensinei a vocês os dias da semana?
As duas garotinhas anuíram. Até mesmo Marguerith, que parara de chorar.
-Hoje é domingo - ela continuou - Quantos dias faltam para a mamãe ver vocês de novo?
As gêmeas olharam uma para a outra, pensativas, começando a contar nos dedos.
-Sete! - as duas responderam praticamente ao mesmo tempo.
-Isso mesmo. E vai passar rapidinho. Enquanto isso, vão brincar muito com o Frank e a Ginny. - Rose continuou.
Ela abraçou as filhas com força, quase se sentindo fraquejar ao deixá-las partir. Aquilo era tão doloroso para ela quanto era para as meninas. Quando ela se soltou das gêmeas, foi a vez de Phineas se despedir.
-Cuidem bem uma da outra - ele disse, também as abraçando. - Assim que puder, o papai vai visitar vocês.
Maria pegou as meninas pelas mãos depois de se despedir novamente de Pepe e dos amigos. À medida que o trem se afastava e a figura das crianças acenando na janela se tornava uma mancha borrada, Rosette se permitiu chorar, abraçada ao marido.
-Só uma semana, Rose, e você vai rever as meninas... - Phineas tentou consolar a esposa.
-Eu me pergunto quanto tempo vai demorar até podermos voltar de vez para casa. - ela disse.
Fazia dois dias que as filhas haviam partido para o interior, mas para Rosette parecia uma eternidade, por mais cliché que aquilo pudesse soar. A casa parecia vazia de vida. Ela sentia como se estivesse presa dentro de um vira-tempo, os dias e as noites mais longos que o usual.
Naquele dia em questão, ela saíra de casa para comprar algumas coisas de que precisava para a viagem que se aproximava. O racionamento já estava praticamente às portas deles, mas ainda assim ela conseguiu uma quantidade razoável de mantimentos. A vantagem de ser bruxa permitia que ela reduzisse tudo a tamanhos minúsculos, mais fáceis de transportar. Ela adoraria comprar aquelas bolsas de fundo expandido, contudo estavam em falta no mercado.
Apenas quando saiu da loja foi que Rose percebeu que já havia anoitecido. A cidade estava completamente tomada pela escuridão. Desde primeiro de setembro ambos os governos, bruxo e trouxa, haviam instaurado um blackout obrigatório para dificultar os ataques aéreos que certamente viriam dos alemães. Para os bruxos era fácil impedir que a luz no interior das casas fosse vista do lado de fora, bastava escolher o feitiço certo. Para os trouxas era mais difícil, tinham que se contentar com cortinas pesadas, papelão ou tinta para evitar a fuga de quaisquer resquícios luminosos através das portas e janelas.
Rose levantou o rosto, observando o céu. Não se lembrava de ter visto tantas estrelas tão nítidas desde quando era criança. Era quase um alento tamanha beleza vinda daquele pesadelo em que estavam entrando.
Ela saiu de seus devaneios, pensando consigo que deveria se apressar para chegar em casa. Acidentes de carro, pessoas colidindo umas nas outras, furtos e outros crimes já haviam acontecido durante o blackout. Quanto mais cedo chegasse à segurança do seu lar, melhor.
Rosette apressou os passos, procurando um beco para que pudesse aparatar. Apesar da escuridão, preferia ser discreta.
Achou o lugar ideal, mas, antes que pudesse aparatar, uma figura masculina com o rosto escondido por um capuz surgiu na sua frente. Usava uma roupa preta que praticamente fazia com que ele se mesclasse à escuridão. Rose soltou um grito involuntário, mas, apesar do susto, sua mente estava alerta suficiente para que tomasse a decisão de fugir dali. Contudo, ela não foi rápida bastante: uma voz feminina se fez ouvir às suas costas.
-Everte statum!
Rosette foi arremessada com força contra uma das paredes do beco. Sentiu uma dor forte no ombro, provavelmente o havia deslocado. Ela caiu pesadamente no chão. Estava apavorada, não sabia porque estava sendo atacada. Esperava que fosse apenas um assalto, que pegassem o que quisessem e a deixassem em paz.
Ela escutou os passos dos dois se aproximando. Dessa vez, foi o homem que se pronunciou.
-Crucius - ele falou, com uma voz grave e sem sentimentos.
Rose gritou, sentindo lágrimas escorrendo por seu rosto. A dor era insuportável, parecia que todos os nervos do seu corpo haviam sido retorcidos.
A mulher que a atacara se aproximou, segurando Rosette pela gola da blusa. A dor, as lágrimas e a escuridão não permitiram que ela conseguisse ver direito o rosto de sua atacante. Ela sentiu o cuspe da encapuzada atingir seu rosto.
-Acho que a Sra. Black deve estar se perguntando o porquê de tudo isso. - o homem falou - É tudo pelo bem maior. Algo que parece que seu marido ainda não percebeu.
Rose engoliu seco, as lágrimas continuavam a descer mornas por suas faces, não conseguia controlá-las. O medo do que viria a seguir a paralisava. Talvez aqueles fossem os últimos minutos de sua vida.
-Nós não vamos matá-la, Sra. Black.- o homem continuou, como se lesse o pensamento da mulher, enquanto sua companheira dava risadinhas baixas e sarcásticas - Pelo menos não por enquanto. Vocês são puro sangue, nós respeitamos isso. Mas estamos deixando alguns recados hoje: você e um dos sangue-ruins que trabalham para o seu marido.
O homem fez uma ligeira pausa antes de continuar, apreciando o espasmo de terror que percorreu o corpo de sua vítima.
-Fale para Phineas Black que ele deve parar de enaltecer os sangues ruins e mestiços, e parar de propagar mentiras sobre o grande Grindelwald, ou vamos destruir tudo o que ele ama. Começando por você e suas filhas. Nós sabemos que elas estão em Weymouth com a esposa daquele italiano de merda.
-Não! - Rose finalmente deixou que a voz saísse raspando pela garganta.
A mulher que a segurava riu mais alto, finalmente a soltando, de qualquer jeito, no chão.
-Nosso aviso está dado - o homem disse.
Em seguida, ele e a mulher falaram juntos, antes de partir:
-Por um bem maior.
Rosette permaneceu por ainda alguns minutos deitada no chão sujo do beco, encolhida, o pranto reverberando por todo o corpo. Quando finalmente se acalmou, levantou-se com dificuldade. As pernas ainda estavam bambas. Respirou fundo, pegou a bolsa e, com um mínimo de concentração que conseguiu juntar, aparatou.
Pouco tempo depois estava diante do jornal do marido. O ombro ainda doendo. Ela caminhou, cambaleante. Apesar da escuridão ela podia perceber que havia um aglomerado de pessoas na entrada.
Quando se aproximou, ela o viu. Nada a preparara para aquilo. O corpo de Pepe estava jogado na porta do jornal, quase irreconhecível. Ele havia sido linchado e torturado. Seu nariz era uma massa de sangue, seus olhos estavam inchados, os braços e as pernas estavam em um ângulo estranho, pareciam quebrados. No pescoço ele trazia uma placa que Rose só conseguiu ler porque alguém aproximou dela um lumus minima. Dizia em letras vermelhas: Morte aos sangue-ruins.
Ela permaneceu estática, observando Pepe, até que sentiu as mãos do marido a segurarem pelos ombros. Fez uma ligeira careta que passou despercebida por Phineas, que parecia ligeiramente perturbado.
-Você não deveria ter visto isso. Vamos para dentro - ele a puxou delicadamente pela mão.
Apenas quando entraram no ambiente iluminado do jornal foi que Black percebeu o estado lastimável da esposa. As roupas, seu rosto e suas mãos estavam sujos. Havia arranhões da testa, nos braços e nas pernas, bem nos lugares em que a meia calça desfiara. A boca de Rosette estava um pouco inchada, possivelmente a machucara na queda.
-Rose... O que aconteceu? - Phineas perguntou, horrorizado.
Ela abriu e fechou a boca algumas vezes, mas não conseguia falar absolutamente nada, tamanho era seu estado de choque. Gastara todas as suas forças para chegar ao jornal. Rosette começou a chorar copiosamente, deixando que as lágrimas lavassem todo terror, humilhação e ultraje a que fora submetida.
Phineas se sentiu impotente, não sabia o que havia acontecido, tampouco o que poderia fazer para consolar a esposa. Parecia que naquela noite haviam aberto os portões do inferno e lançado seus demônios em cima deles. Primeiro Pepe, agora Rosette.
Ele guiou a esposa até seu escritório; o jornal todo estava cheio de Aurores, mas Ravi estava conversando com eles. Já haviam interrogado Phineas sobre o ocorrido daquela noite, portanto ele poderia focar sua atenção em Rose.
Ela sentou-se, completamente apática, na cadeira que o marido ofereceu. As lágrimas começaram a se tornar parcas. O jornalista pegou a jarra de água que estava na mesinha de canto, encheu um copo e estendeu para a mulher. Ele percebeu que ela pegara o copo com a mão esquerda. Aquilo era estranho, Rose era destra.
Ela sorveu o líquido com avidez, embora sua mão estivesse trêmula.
-Pepe? - ela perguntou, minimamente recomposta.
Apesar de estar ansioso sobre o ocorrido com a esposa, o jornalista compreendia que ela também estava preocupada e temerosa. Quanto mais rápido sanasse as dúvidas dela, mais rápido também teria as suas respostas.
-Ele está morto - Phineas sentiu uma dor profunda ao dizer aquilo. Pietro era um bom amigo, não merecia um fim tão terrível quanto aquele. - Ele não apareceu para trabalhar, ficamos preocupados, Ravi foi à casa dele e não o encontrou; mas, como não tinha 24 horas que ele havia sumido, não podíamos acionar os Aurores.
O jornalista fez uma mínima pausa antes de continuar. Tudo o que diria a seguir parecia tão irreal.
-Depois que as luzes se apagaram eles vieram, em vassouras; devem ter usado magia para se guiar. E soltaram o Pepe lá de cima, como se ele não fosse nada. Marshall, nosso segurança, acho que você só o viu uma vez, estava lá fora. Ele tentou atacá-los, mas eles foram mais rápidos e fugiram.
Phineas abaixou o rosto, esfregando os olhos. As lágrimas teimavam em sair. Ele respirou fundo, não queria desmoronar na frente de Rosette, especialmente pelo modo como ela estava.
Ela escutou tudo em completo estado de estupor, se sentia completamente fragmentada, sua mente não apreendeu totalmente o que o marido lhe relatara. Contudo, era evidente para ela que ele estava sofrendo.
-Phin... - Rose começou, ainda se sentindo desconectada da realidade. Sabia apenas que precisava falar. Contar tudo. - Eles me atacaram também. Um homem e uma mulher. Me arremessaram contra uma parede, me cruciaram, ameaçaram as meninas.
O homem virou de costas, dando um soco na mesa, incapaz de conter a raiva. Ele tremia de ódio e indignação. Trincou os dentes. Passou as mãos por entre os cabelos, tentando se conter. Precisava se concentrar, Rose precisava dele.
Ele se aproximou da esposa, ajoelhando-se e segurando as mãos dela entre as suas. Ela gemeu baixinho.
-O que foi? - Phineas perguntou, apreensivo.
-Meu ombro está doendo - ela respondeu, quase inexpressiva.
Phineas assentiu, passando carinhosamente a mão no rosto dela.
-Eu vou providenciar uma poção para isso. Os Aurores vão querer falar com você e a gente deve precisar ir ao St. Mungus, também.
Ele levantou-se, dando um beijo na testa de Rosette.
-Eu vou cuidar de tudo, não se preocupe.
Quando Phineas cerrou a porta atrás de si, Rose permaneceu estática, observando um ponto indefinido. Ela só desejava que aquele pesadelo acabasse logo.
Apesar do estado de exaustão, Phineas Black não conseguiu pregar os olhos. Um misto de sentimentos se revirava em seu peito, embora ódio e tristeza se sobressaíssem. Rosette dormia pesadamente. Depois de colocar o ombro dela no lugar, o medibruxo que a tratou decidiu sedá-la. O jornalista se perguntava o quanto aquilo tudo realmente a afetara.
Ele levantou-se, calçando os chinelos de flanela. Dirigiu-se até o guarda-roupa, separando o terno e os sapatos mecanicamente. Havia tanto que fazer. Recepcionar Maria, esperar a liberação do corpo de Pepe, providenciar os preparativos para o funeral.
Não tinha ânimo nem fome, mas deixaria o café da manhã de Rosette preparado, embora duvidasse que ela acordasse tão cedo.
Seu consolo era que um Auror fora designado para vigiar a casa, assim como outro ficaria com as crianças no interior enquanto Maria voltava para Londres.
Depois de deixar tudo organizado, o café da manhã ao lado da cama com um bilhete para Rosette, Phineas saiu de casa pensando que faria tudo dentro do possível e impossível para levar justiça àquelas criaturas hediondas que destruíram parte importante de suas vidas.
Tradução do italiano:
-Ti voglio tanto bene, amore mio:Eu te amo muito meu amor cuide bem das crianças até podermos nos encontrar)
- Anch'io ti voglio bene, tesoro:Também te amo, carinho
