Os primeiros meses de 1940 estavam terrivelmente frios, mas aquilo não parecia importar para a família Black. Apesar dos bombardeios ainda contínuos à capital inglesa, apesar do racionamento cada vez mais crescente na Grã-Bretanha, nada disso parecia ter afetado aquele clã bruxo.

A mansão onde Arcturus Black, filho mais velho de Sirius e Hesper, residia com a esposa Melania e seus herdeiros, Lucretia e Orion, era uma das várias propriedades da família espalhadas por toda ilha. Com o passar dos anos, e consequente decadência, restaria ao clã apenas o casarão em Grimmauld. Os presentes ao baile de debutante da jovem Lucretia não poderiam sequer imaginar os acontecimentos funestos que recairiam sobre seus descendentes nas décadas seguintes. Para muitos deles, aquela noite de ostentação era uma comprovação da sua posição de donos do mundo, fosse mágico ou trouxa.

Rosette Black sentiu o estômago revirar em ansiedade ao avistar, de dentro da carruagem, o casarão totalmente iluminado. Sentiu a mão enluvada de Hesper pousar sobre a sua, seus olhos encontraram um sorriso sereno no rosto dela, tentando lhe passar confiança.

Aquela deveria ser a estreia de Lucretia na alta sociedade bruxa, mas, de certa forma, a situação também se aplicava à própria Rosette. Não era apenas a primeira vez em que iria à um baile de tamanho porte, mas também era a primeira vez em que conheceria os demais membros da família do marido.

-Eu vou estar ao seu lado. – Hesper falou.

Rosette assentiu, ajeitando as luvas de tecido azul índigo que faziam par ao belo vestido que usava. No banco defronte a ela estavam suas filhas. As pequenas pareciam ansiosas para a festa. Nos últimos meses, a tia começara a instruí-las nas regras de etiqueta e em uma educação mais formal, que acreditava ser útil para ambas futuramente. As duas usavam vestidos rodados cor de creme com uma faixa rosa na cintura. Marguerith tinha os cabelos negros presos em cachinhos no alto da cabeça, sob um complicado arranjo parecido com o da própria mãe. Já os cabelos lisos de Betelgeuse estavam presos em uma trança com pequenas pedrinhas brilhantes aplicadas, parecido com o arranjo de Hesper.

Quando desceram da carruagem, a matriarca dos Black seguiu na frente; seu vestido vinho farfalhava enquanto ela caminhava elegantemente em direção às portas duplas de carvalho da casa de seu primogênito. Rosette seguiu logo atrás, segurando cada uma das gêmeas pelas mãos.

Quando anunciaram seus nomes na entrada do salão de festas e Rose sentiu todos os olhos recaindo sobre ela, as pernas começaram a fraquejar. Hesper voltou para seu lado, pousando a mão em seu ombro. Uma onda de alívio percorreu o corpo da morena e ela se sentiu mais confiante em adentrar aquele ninho de cobras.

Assim que as duas desceram a escadaria, Hesper se aproximou do ouvido de Rosette, apontando discretamente os convidados com a cabeça.

-Não é muito difícil saber quem são os Black, a maioria deles tem os cabelos escuros e os olhos azuis como Sirius e Phineas. Aquele é meu cunhado Cygnus, a loira ao lado dele é Violetta, sua esposa. A caçula deles, Dorea, também tem os cabelos claros, e se casou recentemente com o filho dos Potter. Ainda não vi Cassiopéia, a filha do meio deles. O mais velho, Pollux, está conversando com Harfang Longbottom e Caspar Crouch, maridos das minhas sobrinhas, Callidora e Charis, filhas de Lysandra e Arcturus, de quem meu mais velho herdou o nome. As duas estão do outro lado da sala, com Irma, mulher de Pollux. Charis é a morena em visível estado de gravidez. Os filhos de todos eles devem estar espalhados por aí. Belvina e Hebert pelo visto não chegaram, e meu filho Regulus não virá.

Rosette se sentiu completamente tonta com aquela quantidade enorme de informações.

-Eu não vou conseguir guardar isso tudo. – ela balbuciou.

Hesper deu um meio sorriso.

-Aos poucos você vai aprendendo. O importante é você se lembrar de que algumas pessoas são tabus nesta família. Phineas, obviamente. Minha Lycoris. O pobre Marius, filho de Cygnus que foi despachado ainda criança para a casa dos avós maternos assim que descobriram que ele era um aborto. E a jovem Cedrella, filha de Arcturus, que fugiu para se casar com Septimus Weasley. Provavelmente vão te testar quanto a isso, especialmente sobre Phineas.

Rosette abaixou o rosto, pensativa, e antes que pudesse perguntar para Hesper qual a melhor maneira de agir caso a abordassem sobre o marido, um homem moreno de penetrantes olhos azuis se aproximou. Ele era praticamente uma cópia mais jovem de Sirius Black. Aquele era Arcturus. Ao lado dele estava uma mulher de cabelos castanhos claros e lisos, olhos também azuis. Melania.

-Mãe, fico imensamente feliz em tê-la aqui conosco. – ele tomou a mão de Hesper, depositando um beijo.

-Arc, deixe de formalidades. Faz meses que não nos vemos, dê pelo menos um abraço na sua mãe.

O homem atendeu ao pedido prontamente. Embora externamente não fosse aparente, sentia saudades dela. Ao se soltarem, Hesper cumprimentou a nora e decidiu fazer as apresentações.

-Talvez conheçam Rosette. – ela disse, com sua voz aveludada.

-Oh sim – Melania assentiu – Eu e Rosette éramos do mesmo ano em Hogwarts, mas de casas diferentes. Você era da Lufa-lufa, não?

-Corvinal. – ela respondeu, um pouco mais seca do que pretendia.

Ela se lembrava de Melania e mesmo de Arcturus, dois anos mais velho que elas, andando pela escola como se fossem os reis de Hogwarts. Era tão estranho que anos depois pertencessem à mesma família.

-E estas são suas primas, Betelgeuse e Marguerith.

As duas garotinhas tinham se mantido caladas até o momento, conforme a tia havia instruído quando na presença de adultos conversando. Ambas fizeram uma mesura, arrancando um sorriso de Melania e um discreto curvar de lábios de Arcturus.

-Elas são uma graça, está de parabéns, Rosette. Vou leva-las à ala júnior da festa. – a dona da casa se pronunciou.

Arcturus ofereceu o braço à mãe para circularem pelo salão. Rosette caminhou ao lado deles.

-Seu pai? – Hesper perguntou, de forma displicente.

-Mandou um patrono avisando que se atrasaria, as coisas estão complicadas em Londres.

Rose olhou de soslaio para Hesper, mas não conseguiu decifrar o que se passava por trás dos seus enigmáticos orbes violetas. Aquela seria a primeira vez que estariam três no mesmo lugar. Sirius não as visitara durante todo esse tempo.

-Creio que tem alguém ansiosa em vê-la, mãe.

Hesper sorriu. A neta estava lindíssima em um vestido verde justo até a cintura, que depois se abria, volumoso; os cabelos negros desciam livres pelas costas. Ela conversava, sorridente, com um rapaz loiro de cabelos anelados. A matriarca dos Black puxou pela memória quem poderia ser ele. Parecia um dos caçulas dos Prewett. Ignatius, talvez.

Lucretia parecia tão feliz e radiante. Hesper se lembrou de que, na idade dela, ao invés de um baile de debutantes, ganhara uma festa de casamento. Esperava que a neta tivesse melhor sorte em escolher o próprio destino.

-Vovó – a menina veio praticamente correndo ao escutar seu nome sendo chamado.

As duas se abraçaram com carinho.

- Está gostando da festa? – a garota perguntou.

-Está magnífica, como você merece. – a mulher respondeu, sincera. – Esta é sua tia Rosette.

-Prazer. – Lucretia fez uma mesura muito semelhante àquela que as gêmeas haviam feito. Rose sorriu, notando que havia alguma influência de Hesper na criação da neta.

-O prazer é meu. E parabéns por seu aniversário.

Arcturus percebeu que os amigos da filha, principalmente Ignatius, pareciam ansiosos em tê-la novamente entre eles.

-Seus convidados pedem atenção, filha. Terá muito tempo para conversar com sua avó mais tarde. – depois que Lucretia saiu, Arcturus virou-se para mãe, completando – Também preciso me ausentar por uns minutos.

-Pode ir tranquilo. – Hesper disse, enquanto o filho fazia uma ligeira reverência antes de se dirigir para o meio do salão.

Hesper pegou duas taças de champanhe que um garçom próximo lhe ofereceu. Entregou uma delas para Rosette.

-Bem, minha cara, sorria e vamos nos divertir. Hoje é um dia para se comemorar.

Rose engoliu o conteúdo praticamente em um único gole, desejando que as palavras de Hesper se tornassem realidade.


O pequeno Alphard Black estava entediado. Simplesmente não conseguia gostar das festas dos adultos, tão cheias de etiquetas e pompa, em que não podia fazer praticamente nada nem havia com quem brincar. A maioria dos primos era muito mais velha que ele, no alto dos seus seis anos. Orion, que agora estava com onze anos, começou a agir como se fosse adulto e estava tentando se enturmar com os amigos de Lucretia. A irmã de Alphard, Walburga, era da mesma idade da prima, e também acompanhava os colegas de classe. E, para a tristeza do garoto, o irmão caçula, Cygnus, mal tinha feito dois anos e estava muito mais interessado no colo da mãe que qualquer outra coisa.

Ele suspirou, emburrado. Só concordara em ir à festa pela promessa de poder comer todos os doces que conseguisse, entretanto precisava esperar que Lucretia partisse o bolo de aniversário, mas aquilo parecia que ia demorar bastante, e não havia mais nada interessante que pudesse fazer ali. Foi nesse instante que ele percebeu, debaixo da mesa onde se escondera, dois sapatos rosa com laços em cima; eram pequenos como os seus e possivelmente estavam ligados a uma garota.

Empolgado com a descoberta de uma possível parceira de folguedo, ele tentou sair apressado, batendo a cabeça no tampo da mesa.

-Ai! – ele exclamou.

A garotinha, curiosa com o barulho, abaixou-se, percebendo Alphard, que a observava com uma careta de dor. Ela se perguntou o que ele poderia estar fazendo ali, e se algum dos adultos não daria uma bronca nele por se esconder. Por outro lado, ela compreendia os sentimentos dele. Afinal, decidira se refugiar naquele canto mais afastado da festa. Aquela quantidade enorme de adultos que não conhecia a estava incomodando. A irmã, por outro lado, decidiu ir sozinha para o salão, explorar o ambiente, nas palavras dela.

-Você está bem? – ela perguntou.

-Acho que sim – ele respondeu, massageando a cabeça, ao mesmo tempo em que saía debaixo da mesa.

Quando ele ficou em pé, percebeu que a menina era pouca coisa mais baixa que ele. Seus cabelos eram tão negros quanto os do próprio Alphard, seus olhos eram verdes e pareciam ligeiramente tristes. Ele sentiu um misto de curiosidade e compaixão. Não se lembrava de tê-la visto antes.

-Eu sou Alphard Black. E você? – ele falou, fazendo uma mesura com a cabeça, conforme aprendera.

Ela piscou os olhos, surpresa. Aquele devia ser um dos vários primos que sua tia Hesper disse que conheceria naquela noite.

- Cassiopeia Marguerith Black - ela respondeu, séria, se esforçando para fazer a reverência formal que a tia havia lhe ensinado quando fosse se apresentar a alguém.

Ele piscou os olhos, surpreso.

-Black, como eu?

-Acho que somos primos. - ela disse, ainda um tanto incerta

-Se é assim, pode me chamar de Alphie. – ele sorriu, simpático.

-Marge. – a garotinha respondeu, um pouco mais relaxada.

- Marge - Alphard sorriu, um pouco mais marotamente dessa vez. - Então... você quer brincar?

A menina finalmente deixou que um sorriso se estampasse em seu rosto.

- Eu quero - ela assentiu, ainda que timidamente, mas mal podendo conter a felicidade.

- Ótimo! - ele esfregou as mãos em contentamento.

A pequena sentiu os dedos do primo se fecharem ao redor de sua mão e se viu repentinamente arrastada por ele para o meio do salão de festas, quase correndo por entre os convidados. Apesar de saber que, possivelmente, poderia ser repreendida por aquele comportamento, ela não se importou. Uma sensação boa preenchia seu coração de criança.


Sirius Black desceu as escadarias do salão como um monarca a observar seu precioso reino. De certa forma, aquilo não deixava de ser verdade. Era o patriarca de sua família. Todos os irmãos, cunhados, filhos e sobrinhos deviam obediência a ele. Aquela festa era a comprovação de que estava fazendo um excelente trabalho, pois refletia a grandiosidade do clã.

Enquanto entregava a capa e a bengala para um dos criados, ele buscou com afinco pelo recinto a figura da neta para lhe dar as devidas felicitações; contudo, ao invés de localizá-la, se deparou com uma cena deveras curiosa. Uma das pequenas de Rosette estava conversando com o Barão Grygiel, um nobre polonês que estava de passagem pela Inglaterra. Embora nada na expressão do homem indicasse que estava aborrecido com a presença da menina, Sirius achou melhor intervir.

-Barão Grygiel – ele disse, fazendo uma ligeira reverência ao cumprimentar o homem. – É um imenso prazer revê-lo.

O polonês era um homem alto, de cabelos claros e olhos castanhos; trazia um cavanhaque no rosto, e usava um smocking de fino corte. Ele respondeu ao cumprimento com um meneio de cabeça.

-Também é um prazer revê-lo, Black.

O homem virou-se para a sobrinha, que fez uma mesura quase perfeita. Ele tentou se lembrar qual das filhas do irmão era aquela. Ele então percebeu o anis dos orbes dela.

-Boa noite, Betelgeuse. - ele disse.

-Boa noite, Tio Sirius - ela respondeu.

-Ela é uma menina encantadora. - Grygiel falou - Ela estava me contando sobre as aulas de etiqueta e leitura que está tendo. É bastante inteligente. Deve ter muito orgulho dela, uma verdadeira Black.

O homem voltou sua atenção novamente para a sobrinha. Os pequeninos olhos da menina não se desviaram enquanto o tio a observava. Olhos altivos e orgulhosos. Sirius permitiu que um sutil curvar de lábios se formasse em seu rosto. Talvez o irmão não tivesse contaminado completamente a menina.

-Lamento não ter trazido meu pequeno Tomek à festa. Eles fariam um excelente par. Algo que podemos pensar em longo prazo. - Grygiel completou.

Aquilo verdadeiramente surpreendeu Black. A sobrinha realmente impressionou o Barão. Um possível casamento entre as famílias poderia ser muito vantajoso. Grygiel era um grande apoiador da causa de Grindelwald. Quando o bruxo chegasse ao poder, era óbvio que o polonês receberia parte do quinhão naquela conquista.

-Com certeza - Sirius respondeu - podemos combinar uma visita à nossa casa da próxima vez que vierem para a Inglaterra e apresentá-los. Betelgeuse, poderia ir brincar com as outras crianças enquanto os adultos conversam?

-Claro. Foi um prazer conhecê-lo, milorde. - ela se despediu.

Os homens continuaram a conversa, discutindo sobre política e a visão que compartilhavam de um mundo regido por bruxos. Após alguns minutos, uma mulher se aproximou; também tinha os cabelos claros como os do barão.

-Emilja, lembra-se de Sirius Black? - Grygiel perguntou à esposa.

-Claro, é um prazer reencontrá-lo - ela lhe estendeu a mão, que ele prontamente beijou conforme pedia a etiqueta. - Estava conversando com sua esposa e sua cunhada agora há pouco.

Sirius olhou na direção que a polonesa indicara, notando que além de Hesper e Rosette havia também Belvina. A expressão da irmã não era das melhores.

-Se me permitem, faz um bom tempo que não vejo Hesper.


Rosette estava começando a se divertir na festa. A música estava agradável, a comida estava deliciosa, a bebida era de alta qualidade. Ela passara a maior parte do tempo calada, ao lado de Hesper, quase como uma aia acompanhando a sua rainha, uma vez que todos pareciam mais interessados em rever a matriarca dos Black que em conhecer Rose. Aquilo, ao invés de incomodá-la, trazia certo alívio à morena. Com exceção de alguns olhares de curiosidade ou discreta reprovação, ninguém se dirigiu a ela de modo rude ou agressivo.

Contudo, aquilo estava prestes a acabar...

Belvina Burke havia chegado à festa, acompanhada do marido, Herbert, fazia alguns minutos. Mal avistou Hesper, seus olhos se estreitaram em desgosto ao pousarem na mulher mais jovem que a acompanhava. Pela descrição que tinham lhe dado, aquela deveria ser a esposa de seu irmão traidor. Ela seguiu a passos firmes até onde as duas mulheres se encontravam, conversando animadamente com Emilja Grygiel.

Hesper percebeu a impetuosidade da cunhada antes que ela se aproximasse; prevendo algum escândalo, achou de bom tom se despedir da convidada.

-Emilja, querida, será que poderia nos dar licença por um momento? Parece-me que minha estimada Belvina necessita conversar seriamente conosco.

A polonesa virou-se, também notando a expressão carregada no rosto da morena que chegava.

-Claro, Hesper. Nós nos falamos depois. Foi um prazer conhecê-la, Rosette.

Belvina finalmente alcançou as cunhadas, os orbes azuis chispando de raiva. Ela lançou um olhar fulminante de desprezo para Rosette antes de dirigir-se para Hesper.

-Então é verdade, vocês acolheram mesmo essa vadia e as bastardinhas. – ela disse, por entre os dentes.

Rose abriu a boca para se defender, mas a fala morreu no caminho quando Hesper meneou a cabeça. A matriarca dos Black tinha um semblante impassível.

-Belvina – Hesper falou em um tom de voz baixo e fleumático – você está na casa do meu filho, no aniversário da minha neta, peço que tenha um mínimo de respeito pela minha convidada.

A mulher levantou as mãos, indignada. Do ponto de vista dela, aquela atitude era uma afronta à família, e, principalmente, à memória dos pais.

-Respeito? – Belvina quase cuspiu ao falar – Você fala em respeito enquanto essa prostituta dorme com seu marido e meu irmão traidor defende aqueles animais sem magia?

Rosette tremia; contudo, preferiu confiar em Hesper. Tanto ela quanto Sirius haviam dito que Belvina não aceitaria a presença de Rose e das filhas na família, entretanto, ambos frisaram que era melhor deixar que Hesper lidasse com a irmã caçula do marido.

Hesper bebericou o champanhe como se as palavras da cunhada fossem insignificâncias, o que para ela, de fato, eram.

-Minha querida – ela começou – mesmo depois de todos esses anos ainda não consegue compreender minha relação com Sirius, não é? A cumplicidade que adquirimos não se compara ao que você e Hebert vivem. Eu sei que nos inveja... e inveja também minha posição nesta família...

-Eu não... – Belvina elevou a voz, sua tez estava se tornando escarlate.

Um sorriso malicioso se formou nos lábios de Hesper; ela sabia que, novamente, estava chegando no ponto em que conseguiria quebrar a cunhada. Bebericou o champanhe mais uma vez, prolongando aquele pequeno prazer. Ela e Belvina haviam sido colegas de casa em Hogwarts, e a irmã de Sirius não lhe facilitara muito a vida nos primeiros anos de casada. Mas, com o tempo, Hesper aprendeu quais fios manipular para tornar Belvina uma obediente marionete.

-Você nada. – Hesper a cortou – Você nunca aprende, não é? Sempre impulsiva e inconsequente, dominada pela arrogância. Será que eu devo te lembrar que você deve a vida que leva a Sirius e a mim?

A mulher se calou, abaixando a cabeça. Rosette observava as duas com visível espanto. Aquele era um lado de Hesper que ainda não conhecia. Diferente da mulher doce e compreensível com quem convivera nos últimos meses. A matriarca dos Black também sabia ser dura, incisiva e cruel.

O sorriso de Hesper se ampliou ao notar o mutismo amuado de Belvina.

-Adoraria saber o que Caractacus dirá quando precisarem mudar o nome da loja de Burke & Borgins para Black & Borgins; afinal, fomos nós que emprestamos para Hebert o dinheiro para cobrir as dívidas de jogo. E se me lembro bem, o dinheiro que seu marido perdeu ele tirou da loja sem que ninguém soubesse...Devo contar a Caractacus ?

Belvina soluçou, engolindo o orgulho.

-Não, Hesper, não vai ser necessário. – a mulher se virou para Rosette. O brilho inflamado dos olhos dela no início da conversa havia se apagado. – Bem vinda à família.

-Obrigada... – ela balbuciou, um tanto incrédula.

Rose não conseguia entender plenamente o que acabara de presenciar. Apenas compreendera que Hesper sabia ser uma força a ser temida, e que era preferível ter ela como aliada que inimiga.

-Fico feliz que tenha compreendido a situação, minha querida – a matriarca dos Black falou – Pouco me importa o que fala por nossas costas, mas espero que nunca mais destrate Rosette ou as meninas.

-Algum problema? – uma voz grave se fez anunciar.

-Sirius, não sabia que havia chegado. – Hesper falou, com uma voz suave, quase divertida.

Belvina permaneceu calada, enquanto Rosette sentiu uma onda de constrangimento lhe esquentar as bochechas.

-Está tudo bem – Rose disse, baixinho.

O homem sorriu, observando as três mulheres. Belvina parecia uma criança pega fazendo uma travessura. Rosette não conseguia encará-lo. Hesper, por sua vez, tinha um brilho vitorioso no olhar. Pela reação delas, não era muito difícil deduzir o que havia acontecido.

Ele se aproximou da irmã beijando-lhe a testa; pousou outro beijo na mão de Rosette e um terceiro nos lábios da esposa.

-Fico feliz em saber que minhas garotas favoritas estão se dando bem.

-Por que não estaríamos? – Belvina respondeu, um pouco mais recomposta. – Também estou feliz em revê-lo, irmão.

-Deveríamos nos reunir mais vezes – ele disse. – E você, Rosette, está maravilhosa.

Estava sendo sincero. A cunhada era uma delícia para os olhos. Imaginou quão deleitoso seria tirá-la daquele vestido de festa.

-Obrigada – ela respondeu, observando Hesper de soslaio. A mulher continuava com um sorriso sereno no rosto.

-E você, minha esposa, está simplesmente estonteante.

-Eu vou procurar Herbert – Belvina o interrompeu – Creio que deseja matar as saudades de Hesper.

Assim que a irmã mais nova de Sirius partiu, Rosette ficou sem reação. Talvez com o tempo pudesse se acostumar com o desconforto da situação, mas não naquela noite.

-Querem que os deixem a sós? – ela perguntou.

-Na verdade, eu vim roubar Hesper de você. Gostaria de levá-la para dançar.

-Será um prazer, meu caro. – ela estendeu a mão para o marido.

Os dois seguiram com elegância para o centro da pista deixando para trás uma Rosette ainda incapaz de compreender o enigma que era o casal Black.


Sirius cingiu a cintura da esposa com delicadeza enquanto os acordes de uma valsa começavam a preencher o ambiente. Hesper se deixou guiar, apreciando a cadência daquele bailar. O marido sempre foi um exímio dançarino, e aquele era um dos prazeres que efetivamente compartilhavam. Ela fechou os olhos para aproveitar melhor a satisfação daquele momento.

O homem deu meio sorriso ao observar o semblante extasiado de Hesper. Poderia não nutrir sentimentos verdadeiramente românticos pela esposa, mas continuava atraído por ela, por sua beleza e sua inteligência.

Ele se lembrava da primeira vez que a encontrara. Sirius tinha vinte e quatro anos, ainda aproveitava seus dias de bon vivant quando seu pai anunciou o noivado com a caçula dos Gamp. Apesar de contrariado, ele aceitou os desígnios do velho Phineas Nigellus. Era o filho mais velho, responsável por dar continuidade ao legado dos Black e aquele casamento era benéfico a ambas as famílias. Foram formalmente apresentados poucos meses antes do casamento em um chá na casa dos sogros. Quando ela se levantou na sala de estar e o encarou com aqueles olhos violetas altivos, embora conseguisse perceber um ligeiro temor no fundo deles, Sirius não enxergou a menina inexperiente com quem iria se casar, mas a mulher excepcional que ela poderia se tornar, e estava certo.

Ele depositou um beijo na curva do pescoço dela, sentindo a esposa estremecer. Hesper abriu os olhos, encontrando um sorriso malicioso de Sirius.

-Um pouco de compostura. É a festa da sua neta. – ela disse, em um tom pretensamente sério, embora o sorriso a traísse.

-Não pode me culpar por você estar particularmente tentadora hoje. – ele retorquiu.

-Mais que Rosette? – Hesper ergueu de leve a sobrancelha.

Sirius soltou uma risada curta. Sabia que não eram ciúmes o que movia Hesper. Ela apenas tentava provocá-lo.

-Igualmente tentadoras. – ele respondeu, ampliando ainda mais o sorriso, como um predador diante da presa.

Hesper também riu. Depois de todos aqueles anos, não caía mais tão facilmente nos truques de Sirius.

-Então, meu caro, você está diante de um grande problema. Arc nos convidou para pernoitar. A questão é, vai dividir sua cama com seu brinquedo novo ou com o antigo?

O homem aproximou-se do ouvido da esposa, sussurrando de modo insinuante.

-Por que não os dois?

Embora Sirius ainda a segurasse pela cintura e continuassem dançando, Hesper aumentou o espaço que havia entre eles. Seu semblante era sóbrio e ligeiramente carregado.

-Eu gosto de Rosette, não quero estragar minha amizade com ela por causa de qualquer fantasia que possa ter sobre nós duas. Além disso, você não prometeu a ela que a respeitaria na minha presença?

-Promessas são feitas para serem quebradas. – ele respondeu com desdém.

A esposa de Phineas lembrava a Hesper muito ela própria antes de se casar com Black. Determinada, senhora de si, mas ainda com certa inocência. Seus laços se estreitaram nos últimos meses de convivência, fazendo com que nascesse uma vontade de poupá-la no que fosse possível.

-Eu estou falando sério. Rose é uma boa moça, o que estiver ao meu alcance para tornar a vida dela um pouco mais amena, eu farei.

-Sabe, assim fico com ciúmes... – Sirius falou, tentando retomar o controle da conversa; entretanto, a expressão de Hesper continuava fechada. Ele encolheu os ombros, sentindo-se vencido. – Tudo bem... Eu não vou abrir mão de Rosette, isso não posso fazer, nós temos um trato; mas, vou limitar minhas fantasias menos ortodoxas apenas a você.

A mulher sorriu, sentindo se um pouco mais aliviada.

-Isso não vem de graça, não é? – conhecia o marido suficiente para saber que ele sempre desejava algo em troca para abrir mão de seus caprichos.

-Nada que você não tenha feito antes – ele respondeu, o sorriso malicioso voltando aos lábios – Na próxima vez que você for a Londres para me ajudar com os contratos do nosso novo empreendimento, vou contatar nossa acompanhante de sempre.

-Você é um velho safado, Sirius Black – ela respondeu, rindo.

-Mas, tendo em vista o acordo que acabamos de firmar, hoje à noite vou me divertir com meu brinquedo novo.

Ele rodopiou com um pouco mais de velocidade com a esposa nos braços na pista de dança, se sentindo vitorioso. Poderia ter aberto mão de algo que poderia lhe trazer muito prazer, contudo Hesper saberia compensá-lo. Apreciava aquela relação que às vezes se assemelhava a um jogo de xadrez. Se ele era um rei entre seus pares, a esposa, com os anos, tornara-se realmente uma esplêndida rainha.


Rosette observava pelo canto dos olhos a interação entre Sirius e Hesper à mesa do café. A forma como ele a olhava, às vezes parecia hipnotizado. Era quase difícil acreditar que aquele homem não nutria algum tipo de paixão pela esposa, não fosse o fato da própria Rose ter compartilhado o leito com o patriarca dos Black. Ela levou à boca mais uma colherada de feijão branco com molho de tomate e um pedaço de salsicha, se perguntando como a família estava conseguindo tais iguarias em meio ao grande racionamento que se abatera no país.

Sirius levantou-se da mesa, sem não antes depositar um beijo suave nos lábios de Hesper. Ele lançou um olhar sério para Rose em despedida.

-Tem certeza que não quer ficar para o almoço, pai? – Arcturus perguntou, enquanto seguia o mais velho em direção à porta.

Sirius meneou a cabeça, assertivamente.

-Londres me aguarda com urgência, Arc. Ainda mais com uma guerra para se manter longe do dinheiro da família. Os trouxas se matam e nós quem sofremos.

Rose suspirou ao ouvir aquilo, pensando em Phineas e no quão realmente ele era diferente do resto da família. Aquela estada na casa de Arcturus estava sendo bem educativa.

Os homens se afastaram cada vez mais, deixando apenas ela e Hesper no recinto. Tanto Melania quanto Lucretia e as gêmeas ainda estavam dormindo.

Hesper notou que a mulher mais jovem estava apreensiva e tensa. Ela compreendia que a noite anterior trouxera alguns momentos desagradáveis, porém a maior parte da festa havia sido bastante aprazível.

-Qual o problema, Rose? – a matriarca dos Black perguntou, antes de levar a xícara de chá aos lábios e pousar seus orbes violetas sobre a mais jovem.

-Eu fiz alguma coisa errada? Sirius está com raiva de mim? – ela perguntou sem esconder o temor de ofender o cunhado e perder a proteção que conseguiu para as filhas.

Hesper compreendeu as dúvidas de Rosette. Sirius havia dito que passaria a noite com a cunhada, entretanto foi na porta da esposa que ele bateu murmurando que "Não gostava de brinquedos quebrados".

Ela pousou com delicadeza a xícara sobre a mesa, e fitou Rosette com carinho.

-Ele não está com raiva de você. Apenas não te deseja mais. Você já deu o que ele queria, que era ver Phineas sofrendo.

Rose mordeu o lábio inferior, temerosa. Aquilo parecia ser a confirmação de seus medos mais profundos.

-Ele vai expulsar a mim e às meninas?

-Oh não... Manter sua família separada ainda faz ele muito feliz. Vamos deixá-lo acreditar que conseguiu. – a mulher respondeu dando uma piscadela divertida para Rosette.