Quando as coisas estavam finalmente em seu lugar, a casa começou a parecer mais aconchegante para a família Suli. Ainda assim, eram justamente as crianças que ainda estavam com a sensação de que algo estava fora do lugar, talvez fosse a estranheza de estarem em um lugar novo batendo outra vez.

Tentando distrair a mente um pouco, Karla se jogou no sofá, procurando alguma coisa pra assistir na TV.

-O que foi? - Natan passou por ela e notou sua cara desanimada.

-Eu sei que eu tô parecendo um disco furado, mas essa coisa de mudança é uma droga - ela confessou.

-Eu sei, insistir pra gente se acostumar ou dizer que vai passar não adianta muito, não é? - ele se sentou ao lado dela, cruzando os braços.

-Exatamente - ela ergueu as mãos, grata por ter alguém da família que entendesse - e você? O que achou disso tudo?

-Eu? O que eu tenho pra dizer? - ele deu de ombros, não muito disposto a se abrir.

-Anda, mano, sou eu, sabe que pode falar o que quiser, estamos no mesmo barco juntos - Karla incentivou.

-Tudo bem, eu não gostei de me mudar - Natan disse a verdade, finalmente - a gente tinha uma vida, eu tinha minha vida, tinha meus amigos na escola, tinha tudo planejado pra faculdade, mas agora, uma decisão do pai e tudo mudou.

-E você não acha injusto? - sua irmã questionou.

-É claro que é injusto, a gente não teve chance de escolha - ele concordou - mas eu entendo o pai no fim das contas.

-Por mais que eu tenha raiva da mudança, não consigo ficar com raiva do pai - ela suspirou.

-O que tem seu pai? - Natália apareceu da cozinha.

-Mãe, tava ouvindo? - Karla quis saber, fazendo uma careta.

-Não, eu juro que não, só peguei a parte do seu pai - ele garantiu.

-A gente tava falando que entende o papai vir pra cá - Natan foi parte sincero, não querendo ter que inventar uma mentira para se justificar.

-É, gente, eu sei que é difícil - a mãe se juntou a eles - sinto falta da vovó, da tia Sylvia, mas aqui estamos nós, temos que fazer o melhor que temos com o que temos. Isso soou repetitivo mas vocês entenderam, isso é que importa.

-Obrigada, mãezinha - Karla agradeceu pelo conselho.

-Valeu, mãe - Natan sorriu.

-Olha, o Lucas foi dar uma volta de skate - Natália contou - por que vocês não dão uma caminhada por aí pra espairecer as ideias? É melhor do que ficar reclamando no sofá.

-Fala sério, mãe! - Karla reclamou um pouco.

-Não é má ideia não, mana - Natan concordou e se levantou, puxando um dos braços dela para ir com ele.

Karla revirou os olhos mas o seguiu para uma caminhada. Ao fim da rua, eles podiam ver o irmão ao longe, se distraindo ao andar de skate e fazer manobras. Lucas era realmente o único que andava de skate por aí.

Se divertindo com sua atividade, Lucas subiu a calçada oposta ao lado da rua que morava. Ele passou o percurso até a frente da casa dos vizinhos fazendo manobras, até que um pisar em falso, o fez se desequilibrar e cair bem em cima de um canteiro de flores que pertencia aos vizinhos da frente. Não demorou muito para que Roberta saísse de dentro de casa, disposta a dar a maior bronca no garoto.

-O que pensa que tá fazendo com o meu jardim? - ela perguntou, irada.

-Oi, eu... desculpa, eu... - Lucas tentou se recompor da queda, um tanto confuso.

-Oi, desculpe o meu irmão, foi um acidente, nós vimos quando ele caiu - Natan veio ao resgate enquanto Karla o ajudava a se levantar.

-O seu irmão devia tomar mais cuidado em andar em um lugar que ele não conhece e não é dele - Roberta continuou impassiva.

-Espera aí, minha senhora, foi um acidente, eu não caí de propósito não, eu já pedi desculpa também - Lucas se incomodou com a atitude dela.

-Licença, eu posso saber o que tá acontecendo aqui? - Natália percebeu a confusão toda e apareceu ali, com Tainara em seu encalço.

-Esse garoto acaba de cair nas minhas flores - Roberta pôs as mãos na cintura, impondo sua voz - ele acabou com o meu jardim.

-Lucas, você tá bem? - a mãe dele ignorou a vizinha por um minuto para dar atenção a ele.

-Tô, mãe - ele confirmou.

-Eu tenho certeza que ele não fez de propósito - Natália o defendeu - eu conheço bem meus filhos.

-Tá bom, mas eu não quero mais ele andando de skate aqui perto da minha casa - declarou a vizinha.

-Calma aí, senhora, a rua é pública e nós moramos aqui também, não pode proibir uma coisa dessas - Natália achou o que ouviu um verdadeiro absurdo.

-Até pode ser, mas eu não quero mais acidentes com as minhas flores - disse a vizinha, ainda com o queixo erguido.

-Vai fazer o que se acontecer de novo? Desculpa, eu não sei seu nome - Natália chegou a sorrir de forma sarcástica.

-É Roberta, e eu acho bom você guardar meu nome - ela falou de forma autoritária outra vez.

-Tá bom, Roberta, eu sou a Natália - a recém chegada respondeu - se incomodar os meus filhos outra vez, vai se ver comigo, entendeu? Vamos, crianças.

-Eu não tenho medo de você - Roberta disse com toda vontade.

Dessa vez, Natália preferiu ignorar a provocação voltando para casa, mas a mulher já a tinha irritado profundamente.

-É, não foi uma boa ideia dar uma volta por aí - Tainara comentou sobre o que tinha acontecido.

-Tem gente que é apenas grosseira e metida - a mãe dela reclamou com raiva - você não fez nada de propósito, né, Lu? E tem certeza que está bem?

-Eu tô mãe, foi um acidente mesmo - seu filho mais novo confirmou - eu só não entendi porque ela ficou tão irritada, eu não destruí o jardim dela coisa nenhuma.

-Eu sei, só vê se fica longe dela, não gostei dela nem um pouco - Natália aconselhou - isso vale pra todo mundo.

-Tá bom, mãe - disseram os filhos, enquanto os irmãos trocaram um olhar que dizia "quem é a maluca que mora aí na frente?".