Capítulo 27 - Sozinha

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Duas semanas havia se passado e foi impossível não deixar de notar o quanto as coisas tinham mudado. Era como se tivesse passado uma borracha nos últimos meses depois do meu primeiro contato com Sasuke e tudo parecia ter voltado como era antes. O manto da invisibilidade me cobrindo por inteira.

Mas confesso que não podia deixar de mencionar que boa parcela para esse ofício era inteiramente minha e o resto... era de Karin.

E eu a odeio.

Parecia que todos estavam cegos por aquela garota insuportável, com aquela voz fina irritante e aqueles gesticular de mãos desnecessários. Karin me ofuscava de todas as formas possíveis, me fazendo sentir um mero inserto. As atenções eram só para ela. Meu grupo de três agora era quatro. Nosso confessionário também a incluía quando Ino e Hinata contavam alguma fofoca ou Karin com suas ideias mirabolantes de saída para depois da aula. Nunca fui em nenhuma saída com ela incluída, sempre arrumava um pretexto para não ir e acabou que as meninas paparam de me convidar. E agora era só elas e a Karin.

Como a odeio.

Tomei esses dias que se passaram para cair de cabeça nos estudos, para tentar esquecer de todos os problemas. Estudava dia e noite e a cada tempo sobrando que tinha em casa ou na escola. A biblioteca agora voltou a ser o meu refúgio pessoal e a minha maior desculpa para ficar longe de todos.

E fazia duas semanas que não saía com Sasuke. Ele andava bem ocupado, queria passar na universidade de Tóquio e seguir com o plano de ficarmos juntos depois do colegial e por isso estava estudando também, dando tudo de si. Nos víamos pouco, ficávamos pouquíssimo tempo sozinhos e minhas caronas depois do trabalho estavam suspendidas temporariamente até o dia da prova que definia o nosso futuro.

Não o culpava, eu o entendia. Mas esse sentimento de compreensão não se aplicava a Karin, que aproveitava a minha ausência para se aproximar cada vez mais de Sasuke. Os dois até estavam estudando juntos, já que aquela... vaca alegou que tinha dificuldades em algumas matérias e se própria convidou para ser "aluna" de Sasuke.

Eu realmente odeio essa garota com todas as minhas forças.

Com tudo isso acontecendo eu acabei me afastando de todos e agora eu me via sozinha como era antes. Sozinha e com um sentimento amargo dentro do meu coração que fazia minha respiração acelerar e uma raiva que tentava me dominar querer ir até Karin e apertar seu pescoço até matá-la.

Não comentei esses pensamentos para Mei, o quanto eu queria me livrar de um problema para que tudo voltasse a ser como era antes, por que eu estava odiando ficar sozinha. Havia me acostumado a ter pessoas ao meu redor e não conseguia me sentir confortável com a solidão como me sentia antes de ter amigos.

Apenas disse a ela o que eu sentia fisicamente, o meu coração acelerado fazendo meu corpo tremer, ganhando de brinde um cansaço insuportável que acabava com todo o meu ânimo de continuar vivendo. A vontade de chorar sempre vinha quando estava sozinha me fazendo pensar em coisas ruins.

E como uma boa profissional, Mei tentou investigar o gatilho daqueles sintomas de minha ansiedade com perguntas mais profundas cujas as repostas ficaram engasgadas em minha garganta e apenas culpei o quanto estava estudando para entrar numa universidade e cursar medicina. Eu havia mentido para a minha psicoterapeuta e seus conselhos não haviam me ajudado, pois meus problemas ainda continuavam lá.

Karin.

As vezes sozinha em meu quarto, deitada em minha cama e fitando o teto enquanto a lágrima solitária escapava de meus olhos, me perguntava se não teria sido melhor não ter conhecido aquelas pessoas. De certa forma era mais fácil não saber o sentimento de ser amada diante desse sentimento de ter sido esquecida. Bom, nenhum dos meus amigos me tratava diferente, mas eu percebia o quanto eu não me encaixava mais naquele grupo, não com àquela garota por perto. Eu não suportava respirar o mesmo ar que ela. Parecia que Karin estava em todos os lugares e nos pensamentos de todo mundo como se fosse uma doença contagiosa. Tudo era Karin. A maldita melhor amiga do meu namorado.

E o pior era que eu não podia dizer isso para ninguém, o quanto aquela garota me incomodava por que ela simplesmente não havia feito nada de ruim para mim. Eu não tinha o direito de proibir todo mundo de parar de falar com ela, de ignorá-la, ou simplesmente proibir Sasuke de não ter mais amizade com sua amiga. Eu não podia fazer isso. Eu seria uma pessoa mesquinha, e estaria fazendo a mesma coisa que as outras pessoas fizeram comigo.

E foi por isso que decidi ficar sozinha, pelo menos ninguém sairia magoado no final.

Suspirei depois que recebi o pagamento de um cliente na loja de doces. O movimento estava maior que o normal por ser uma quarta-feira, estava trabalhando o dobro e achei bom, pelo menos estava ocupando minha cabeça dos problemas.

Um cupcake apareceu na minha frente, inteiramente enfeitado com chantili azul com bolinhas coloridas por cima.

- Um doce para um doce.

Meus olhos saíram do doce estendido para Gaara que estava ao meu lado, nem ao menos havia percebido ele chegar. Eu realmente estava distraída.

- Me desculpe, mas estou sem fome.

Gaara ergueu as sobrancelhas e abaixou um pouco sua mão segurando o doce.

- Receita nova da tia Chiyo, e ela pediu que você provasse.

- Ah. – E meus olhos voltaram para o doce lindamente enfeitado e o peguei. Puxei um pouco do papel para baixo e dei uma mordida no doce, sentindo o gosto de nozes e com pitadas de limão no chantili, e as bolinhas coloridas deixava tudo muito gostoso. - É muito bom - tentei forçar um sorriso, mas falhei, a mão sob a boca enquanto dizia com a boca cheia. – Acho que será um dos queridinhos da loja.

Gaara assentiu com a cabeça positivamente, seus olhos verdes me fitando atentos. Desviei meus olhos dos dele para o bolinho novamente, ignorando ser o principal foco de sua atenção.

- Tudo bem com você? – Ele perguntou de repente. - Parece abatida e triste.

Desta vez consegui ter êxito nesse sorriso forçado e o fitei enquanto deixava o bolinho mordido em cima do balcão.

- Não tem problema algum. Só estou com dor de cabeça.

- Hm.

Eu ainda era alvo de seus olhos e tentei disfarçar, apontei para o bolinho, mudando a rota da conversa:

- Diga para a dona Chiyo que o doce está maravilhoso.

- Ok

Meu expediente naquele dia durou uma hora e meia a mais do que o normal. É claro que a senhora Chiyo pagaria àquela hora extra, mas em compensação eu estava morta de cansaço. Eu só queria naquele momento chegar logo em casa e dormir.

- Você está tão quietinha hoje – comentou Tenten enquanto guardava seu avental dentro do armário e pegava as suas coisas.

Eu enviava uma mensagem para mamãe dizendo que já estava saindo da loja e que em breve estaria em casa.

- Estou com dor de cabeça, só isso – a mesma desculpa esfarrapada que dei a Gaara mais cedo.

- Eu tenho um remédio para dor de cabeça, você quer?

Tenten tão gentil e prestativa como sempre. Ergui meus olhos e a fitei, sorri comprimido balançando minha cabeça para os lados, negando.

- Não, obrigada. A minha dor de cabeça é sono mesmo. Andei estudando muito para o vestibular.

E o meu celular vibrou em minha mão, mensagens de Sasuke.

- Entendo. Também estou estudando para o vestibular, é semana que vem, não é?

- Sim – e a fitei novamente, guardando meu celular na mochila. Não respondi Sasuke, sabia que ele deveria estar se desculpando por não vir aqui me buscar como fazia antes. – Até sexta, Tenten.

Ela levantou a mão, e sorriu.

- Até.

Me despedi de dona Chiyo que estava na cozinha com Gaara e fui embora.

O tempo lá fora estava frio, fazia dias que não nevava mais, sinal de que a primavera estava se preparando para dar as caras e com ela trazendo mais um ano de vida para mim.

As ruas estavam pouco movimentadas, os estabelecimentos quase todos fechados, sinal que já era tarde. O ponto de ônibus estava vazio e pelo horário não tardaria para que o meu ônibus chegasse, só bastaria apenas dez minutos esperando.

Cruzei meus braços e me encolhi, pedindo internamente que os minutos passassem voando para que ficasse segura dentro do ônibus, pois o homem que havia acabado de chegar não parava de me olhar. Meu coração aquele momento batia tão forte que fazia minhas mãos tremerem.

Calma, Sakura, disse para mim mesma.

Observei disfarçadamente o homem, e para o meu desespero ele ainda continuava a me olhar. Pensei em sair dali e ir para o outro ponto de ônibus, mas as lembranças de alguns meses atrás me vieram a mente e dessa vez Sasuke não estava ali para me livrar de um possível assediador.

O que eu faço?

Engoli a seco e continuei no meu lugar, hora fitando o chão e hora observando a pista pouco movimentada, à espera do meu ônibus.

- Oi, gracinha – a voz do homem praticamente ao meu lado fez todos os meus ossos congelarem e meus olhos arregalarem de pavor. – Você está esperando o ônibus?

Não respondi. Para falar a verdade, todo o meu corpo estava paralisado, trêmulo. E só piorou quando a sua mão segurou meu ombro, me fazendo virar para ele num impulso, o medo me dominando por inteira e observar seu rosto nenhum pouco confiável.

- Me solta – disse, puxando meu ombro, mas sua mão apertou mais.

- Estou de carro – sua voz era sínica, um sorriso malicioso se abrindo em seu rosto. Minha boca tremia e meus olhos marejaram. – Eu posso te dar uma carona.

- Me solta – minha voz saiu como um miado, e imagens nenhum pouco boas passavam por minha cabeça.

E antes que eu entrasse em total desespero algo aconteceu. Senti uma mão segurar meu braço e me puxar de encontro a um corpo, me livrando das mãos imundas daquele homem e a voz de Gaara soar irritada:

- Larga ela, seu animal. O que pensa que você está fazendo?

- Eu não fiz nada. – O homem levantou as mãos para cima, dando um passo para trás. – Apenas estava oferecendo uma carona.

- Vaza daqui seu filho da mãe. – Em seguida senti as mãos de Gaara segurar meus ombros, me fazendo fitá-lo, mas eu enxergava tudo embaçado. – Ele te fez alguma coisa? Te machucou?

Balancei minha cabeça para os lados, deixando as lágrimas rolarem soltas por meu rosto. Gaara me abraçou com força e chorei em seu ombro, meu salvador. Chorei todo o medo que senti naquele momento. Chorei toda a angustia que sentia em meu coração. Chorei tanto que não pensei se conseguiria parar de chorar.

- Ei, está tudo bem agora – disse Gaara, me apertando forte.

Eu me sentia tão sozinha, tão triste por tudo que não controlava meu choro. Sasuke costumava ser o meu salvador, o meu anjo..., mas agora... agora ele não estava mais aqui.

Não sei quanto tempo fiquei abraçada com Gaara, mas quando me acalmei um pouco desvencilhei de seus braços e sequei meus olhos com as costas da mão, fugando a coriza em meu nariz, me sentindo a pior pessoa do mundo. Um lixo.

- Obri... obrigada, Gaara.

- Tudo bem. - Ele me fitava preocupado. - Esse ponto de ônibus é meio perigoso a essa hora da noite.

- E-eu sei... – solucei e funguei novamente, e suspirei. - Mas estou no horário do ônibus... – Fitei a rua novamente. - Ele deve passar daqui a pouco.

- Cadê o seu namorado? – Ele perguntou, e não pude deixar de notar uma réstia de raiva em sua voz. - Ele sempre vem buscá-la, ainda mais quando sai tarde.

- Ele está ocupado.

Gaara franziu as sobrancelhas.

- Nada é tão mais importante do que pegar a namorada tarde da noite. O cara tem uma motocicleta irada, nada o impede de vir aqui buscá-la como fazia antes.

- Não – balancei a cabeça para os lados. – Não o culpe, por favor. O Sasuke não tem culpa de nada. Ele apenas está ocupado com os estudos de vestibular. Eu o entendo por que eu mesma estou sem tempo algum estudando também.

- Mas mesmo assim, se eu fosse ele não deixaria a minha linda namorada andando por aí tarde da noite em ruas perigosas.

Suspirei profundamente mais uma vez, me estabilizando, passando as costas de minha mão em meu nariz e funguei mais uma vez.

- O Sasuke não é obrigado a nada.

- Ele não é obrigado. – Ele assentiu, umedecendo os lábios com a ponta da língua e fitando a rua antes de voltar sua atenção para mim, os olhos ferozes e sérios. - Mas um conselho, Sakura, quem gosta zela.

E naquele momento eu senti o clima ficar mais tenso do que antes. As intenções de Gaara eram óbvias, e eu não era idiota por não perceber que ele gostava de mim. Mas diferente dele, eu não o via da mesma forma, pois meu coração e meus pensamentos pertenciam a Sasuke. Ele era o único com o poder de me salvar ou me destruir.

O ronco do motor soou longe, me fazendo desviar meus olhos e enxergar a minha condução se aproximando. E um alívio tomou conta de mim.

- O meu ônibus.

- Eu vou acompanhá-la até a sua casa.

Virei para ele bruscamente, os olhos arregalados.

- Não! Não precisa fazer isso pelo amor de Deus!

E o ônibus parou no ponto e as portas abriram.

E desta vez eu vi o sorriso convencido de Gaara que eu conhecia bem.

- Game over para você. Já tomei minha decisão.

Ele segurou meus ombros e me virou em direção da porta. Subi no ônibus com ele atrás de mim.

- Você não podia ter feito isso – disse assim quando ele se sentou no meu lado do banco lá no meio do ônibus que ganhava movimento.

Gaara relaxou, a mochila em seu colo e me fitou.

- Eu não podia era deixá-la andando sozinha tarde da noite nessas ruas perigosas

Não tinha mais o que contestar, ele já estava me acompanhando e não podia mais impedi-lo.

O silêncio reinou, fiquei olhando a paisagem escura pela janela até a voz de Gaara quebrar aquele silêncio:

- Você e seu namorado brigaram?

- Não. – Virei meu rosto para ele, que me fitava. - Por que está me perguntando isso?

- Por que você está triste.

- Eu apenas estou... – suspirei, fechando os olhos por alguns segundos para depois voltar a abri-los – cansada.

- Cansada.

- Cansada de tudo.

- Problemas?

Assenti com a cabeça positivamente.

- Entendo. Também tenho meus problemas... para falar a verdade, eu sou o problema de toda a minha família.

Voltei a fitá-lo.

- Por quê?

- Vamos dizer que não sou uma pessoa fácil de se lidar. – E descansou a cabeça no encosto do banco e fitou sua mochila. - Tenho meus próprios argumentos e minha linha de pensamentos não condiz com a linha de pensamentos da minha família e isso me faz ter um pedestal de ovelha negra.

Ergui minha sobrancelha para cima.

- Então resumindo, você é um garoto problemático.

O canto de sua boca ergueu-se para cima e seus olhos verdes voltaram a me fitar.

- Prefiro dizer que sou um cara maneiro que as meninas adoram.

Não pude deixar de achar engraçado a forma como ele se denominou e acabei rindo.

- Touché – ele apontou para mim, os dentes a mostra num sorriso aberto. – Finalmente consegui arrancar um sorriso de você.

Balancei minha cabeça para os lados.

- Bobo.

O resto do caminho havia sido tranquilo e não demorou muito para o ônibus chegar ao meu destino. Gaara me acompanhou até o meu portão de casa enquanto ouvia meus protestos de que ele chegaria muito tarde em casa e ele alegava que pretendia passar o dia todo amanhã dormindo e dar razão a sua família de que ele era um vagabundo sem futuro.

Mas era claro que eu tinha uma opinião própria a seu respeito e que vagabundo ele não era. Gaara era aquele tipo de pessoa que mostrava a face ruim com medo de sair machucado caso mostrasse seu verdadeiro eu. Ele se mascarava e se camuflava de todas as formas para conseguir sobreviver nessa sociedade preconceituosa.

- É aqui que você mora? – Ele perguntou, observando a minha casa com as luzes acesas do lado dentro, sinal de que mamãe me esperava.

- Sim.

- Então está entregue, sã e salva.

Sorri comprimido.

- Obrigada por tudo.

Ele apenas piscou para mim dando passos para trás.

- A partir de hoje serei seu guardião.

- Não precisa se preocupar, juro, não precisa.

Ele ergueu as palmas das mãos, os ombros subindo para cima.

- Foi mal, eu já aceitei o cargo.

- Mas...

- Até a próxima.

E se afastou, com passos apressados e sumindo em poucos minutos do meu campo de visão.

Fiquei algum tempo ali no portão processando tudo o que havia acontecido nesse pouco tempo e tudo isso me deixou meio tonta.

Meu celular vibrou e tocou no bolso da minha mochila. O peguei e fitei a notificação de mais duas mensagens de Sasuke, juntando-se as outras quatro que havia me mandado antes.

Respirei fundo e abri as mensagens enquanto caminhava em direção a porta de casa.

DESCULPE NOVAMENTE POR NÃO TER APARECIDO HJ.

ESTUDEI TANTO QUE ACABEI CAINDO NO SONO.

PROMETO QUE COMPENSAREI QUANDO TUDO ISSO ACABAR.

FALTA POUCO.

JÁ CHEGOU EM CASA?

ME REPONDA, POR FAVOR.

Estudando.

Será que a Karin estava com ele dessa vez?

Só de imaginar a cena daquela garota passando a tarde toda com Sasuke um nó se formava em minha garganta.

Mordi o lábio com força e não respondi a sua mensagem, assim como fiz com as anteriores.

Desliguei o celular, sentindo meus olhos ficarem embaçados. Ninguém iria me ligar mesmo e não estava afim de escutar quem quer que fosse falar sobre Karin. Estava decidida a me destacar de todos, já que me sentia destacada de seus assuntos, e a universidade daqui a alguns meses iria fazer todo o resto, levando cada um para um lugar diferente.

Apenas estava acelerando as coisas para que no fim não fosse tão dramático.