Os corredores da escola estavam praticamente vazios naquele momento, o que não era de se espantar, considerando que todos deveriam ter se dirigido para o refeitório, uma vez que era hora do almoço.

Exatamente por isso, Marguerith Black saiu um pouco apressada da biblioteca. Demorara-se mais do que devia, escolhendo os livros que necessitava para fazer as lições daquela semana.

Olhou o relógio, enquanto tentava equilibrar a pilha de livros com apenas uma das mãos. Faltava ainda meia hora para o término do tempo de refeição, mas seria mais que suficiente para ela engolir a comida e dirigir-se para a primeira aula do turno da tarde.

Virou o corredor, e acabou parando ao notar que um cartaz havia sido afixado no quadro de avisos da escola. Marguerith reconheceu de imediato a letra da irmã mais velha, que era a monitora chefe daquele ano.

Nesse instante lhe veio um estalo, prometera à Betelgeuse que iria na sala do diretor Dippet entregar alguns relatórios da monitoria, uma vez que a irmã tinha uma reunião do clube de xadrez naquele horário. Marge teria que pular o almoço e se contentar com alguns biscoitos e sapos de chocolate que tinha guardados na mochila.

Ela reduziu os livros com um aceno de varinha, os guardou na bolsa e apressou os passos até chegar na gárgula que dava acesso ao escritório do diretor. Marguerith sussurrou a senha que a irmã lhe informou e subiu a escada em caracol.

Ela bateu na porta esperando a resposta. Não demorou muito para que Armando Dippet respondesse e a chamasse para entrar.

Um velho de aparência muito digna e solene, vestido em longos e majestosos mantos de azul e bronze, cumprimentou a moça com um aceno de cabeça.

-Boa tarde, senhorita Black.

-Boa tarde, diretor. Minha irmã pediu para deixar alguns documentos com o senhor.

Dippet assentiu, estendendo a mão para pegar os papéis.

-Espere um pouco, também preciso passar uma lista de afazeres para ela, mas deixei no meu arquivo, lá no fundo da sala.

Enquanto Dippet se ausentava, Marguerith começou a observar o gabinete do professor. Era estranho que depois de quase sete anos era a primeira vez que entrava ali. Antes que pudesse prestar atenção nos detalhes do recinto, escutou uma voz grave falando com ela.

-Então você é a minha outra neta. – disse o quadro de um homem de cabelos negros, olhos escuros, uma barba pontuda e sobrancelhas finas.

Ele trajava vestes verde e prata.

-Como? – Marguerith perguntou, surpresa.

O homem do quadro franziu o cenho, de forma severa.

-Não me surpreende que não saiba quem sou. Hesper sempre deixa a sala onde está meu quadro em Grimmauld Place trancada quando vocês estão lá. Acha que posso ofendê-las de alguma forma. Eu sou Phineas Nigellus, seu avó.

-Meu avô... – ela sussurrou para si mesma.

Marge não tinha se atentado que provavelmente encontraria o quadro do antigo patriarca da família ali. Era óbvio, afinal, ele havia sido diretor de Hogwarts até 1925.

A moça ergueu a cabeça e encarou o quadro com um olhar altivo, afinal, sabia que foi aquele homem quem havia expulsado seu pai e apagado ele da tapeçaria.

-Sou Cassiopeia Marguerith Black, filha de Phineas Black. – ela disse, de modo duro. – Sim, sou sua neta.

O antigo diretor de Hogwarts a olhou de cima abaixo, como se estivesse avaliando. Um leve curvar de lábios no quadro parecia indicar que ele havia gostado do que via.

-Você e sua irmã parecem ser Blacks genuínas afinal. Apesar de Betelgeuse ter a língua mais afiada que a sua.

Marguerith quase sorriu ao imaginar a irmã conversando ali com o avô. Bete tinha um jeito sutil e envolvente de fazer com que as pessoas a respeitassem. Às vezes gostaria de ser mais parecida com ela.

-É um prazer finalmente conhecê-la, menina. Melhor ainda perceber que a educação que Sirius e Hesper lhe deram superou a influência do inútil do meu filho sobre você.

A moça, por alguns segundos, empalideceu. Podia não concordar com os ideais de seu falecido pai, contudo, nunca permitiria que considerassem Phineas Black um inútil.

-O meu pai poderia ser ingênuo, mas era um homem de valor!

O antigo diretor fez uma careta desgostosa. A outra neta fez ouvidos moucos com as suas afirmações, afirmando que uma Black de verdade não se importava com opiniões alheias. Já aquela era mais passional. Ela precisava entender que a família deles deveria sempre se mostrar superior.

-Ainda precisa aprender a controlar seu temperamento, minha neta. Ou também vai tropeçar nos mesmos tipos de tolices que seu pai caiu. Ele envergonhou o meu nome e de nossa família, espero que não faça o mesmo.

Marguerith estreitou os olhos, ergueu ainda mais a cabeça. Ela trincou os dentes por alguns segundos, tentando se controlar. Se ficasse mais alguns minutos na sala, gritaria com o avô, ou cairia em prantos. Optou por não esperar o diretor Dippet. Precisava sair dali.

-Uma boa tarde, senhor Black. – ela falou enquanto se dirigia apressada para a saída.

Quando chegou ao corredor, e percebeu que estava sozinha, começou a correr, esperando que o esforço físico fizesse com que a raiva se dissipasse.

Entretanto, no meio do caminho, ela tropeçou nos seus próprios pés, o material se espalhou pelo chão, e ela acabou enfiando sem querer a mão esquerda nos cacos do tinteiro.

Ela sentou no chão, olhando pateticamente para a mão, tingida de preto e vermelho, com um pedaço de vidro ainda preso nela.

-Marge? – uma voz preocupada a chamou.

Ela levantou os olhos para descobrir que era Alphard quem a chamara.

-Eu tropecei... – ela disse, simplesmente.

O rapaz apenas assentiu, guardando os materiais espalhados na bolsa da moça, limpando os restos do tinteiro e ajudando a prima a se levantar.

-Vamos para a enfermaria. – Alphard disse com delicadeza.

Marguerith concordou, deixando-se apoiar nele. Ela não sentia ter forças suficientes para falar nada naquele momento, tampouco desejava dividir com alguém a conversa desagradável que tivera com o avô.


Era uma sala grande, com vários móveis e estranhos objetos prateados que faziam diversos ruídos e soltavam baforadas de fumaça. Marguerith mantinha-se com os braços atrás das costas, esperando que o professor de Transfigurações a convidasse para sentar ou dissesse por que a havia chamado.

Os olhos azuis claros apaziguadores de Dumbledore a observavam por cima dos óculos. O homem sorria para a garota. Apesar do semblante duro de Marguerith, ele suponha que a sonserina estava pelo menos curiosa por ele a ter chamado em seu gabinete.

-Por favor, sente-se. – ele finalmente disse.

Marge acomodou-se na cadeira de espaldar alto diante da mesa do professor. Ela mantinha o semblante sério que usualmente envergava quando lidava com os docentes. Havia sido educada a tratar com deferência àqueles que lhe proporcionavam a educação, colocando de lado se concordava ou não com o posicionamento deles diante de algumas questões.

-Senhorita Black – o homem começou de forma polida – imagino que esteja se perguntando por que pedi para que viesse aqui. O diretor Dippet comentou que saiu da sala dele deixando alguns documentos para trás e desconfiou que poderia ser resultado de alguma interação com o quadro de seu avô. Ele já presenciou parte de uma conversa do antigo diretor com sua irmã. Phineas Nigellus confirmou que falou com você, e o que falou com você...

A moça cruzou os braços, tentando aparentar calma. Contudo, ainda se sentia magoada com as palavras do avô.

-Aquilo não significou nada – Marguerith disse, não dando o braço a torcer.

Dumbledore se considerava, na maioria das vezes, bom em avaliar as pessoas embora pudesse dizer que errara – muito – algumas vezes. Porém, no caso daquela adolescente era claro para ele que ela se sentia ferida.

-Eu quero lhe mostrar uma coisa – o professor falou, levantando-se em direção a um armário.

Trouxe de volta uma bacia de prata, na qual se podia ver runas e símbolos esculpidos, assim como pedras preciosas encaixadas. Ele também segurava um vidro, contendo um liquido prateado. Dumbledore colocou a bacia na frente de Marguerith e despejou o conteúdo do vidrinho nele.

-Essa é uma Penseira. Eu acabei de colocar as lembranças de Aribeth Thorne nela, de uma batalha que aconteceu contra parte do exército de Grindelwald. Eu não estava lá no dia, mas foi uma vitória importante para nós. Gostaria que você visse.

Sem entender os motivos do professor, Marge se inclinou sobre o objeto e se sentiu imersa naquelas memórias. O lugar era frio, uma tempestade de neve rodeava furiosamente as pessoas que estavam ali. A sonserina conseguiu distinguir a figura de uma mulher ruiva e de olhos castanhos ao lado de uma criatura inacreditável. Um dragão branco, com espinhos prateados a lhe sair da coluna, formando uma fileira de armas com as quais ninguém gostaria de lutar. A mulher postou a mão na cabeça do animal como se estivesse conversando com ele. No instante seguinte, o dragão levantou voo, lançando fortes labaredas contra pontos específicos no campo de batalha.

A lembrança foi cortada abruptamente, e Marguerith não conseguiu terminar de ver como se findou aquele embate. Ela levantou os olhos verdes, fitando Dumbledore de modo confuso e inquiridor.

-Por que me mostrou isso?

-Para você saber com certeza que seu pai foi um herói. Já ouviu falar do Aureos Oroborus Sibilae?

Marguerith balançou a cabeça em negativa.

-Não é algo de conhecimento geral, embora existam círculos obscuros entre os bruxos que o cultuem. O Aureos é um compendium com os nomes de famílias bruxas tradicionais. Agora é apenas um livro na nossa biblioteca. Mas já foi uma chave, para acordar Hades, o protetor de Hogwarts, o dragão que você viu nas memórias de Aribeth...

-Como... como controlaram um dragão? Nem os MacFusty são capazes disso – Margerith perguntou, se referindo ao tradicional clã de domadores de dragões. Ela estava realmente impressionada.

Dumbledore sorriu, lembrando-se do dia em que abriram a câmara. Havia instruções codificadas no Aureos.

-Com Antiga Magia. Algo que Aribeth domina perfeitamente. Não conseguimos descobrir o que Hades realmente era. Mas não era um dragão comum, possuía uma inteligência quase humana. Durante a batalha, ele ficou bastante ferido, mas cumpriu seu papel. Aribeth disse que Hades se comunicou com ela dizendo que iria para Dyfed, o cemitério de dragões nas Hébridas. Tudo indica que ele pereceu lá.

Apesar daquela história a tivesse impactado, a sonserina não conseguia compreender o papel de Phineas Black.

-O que isso tem a ver com meu pai?

-Foi graças a ele que o Aureos chegou até nós. Os atos dele, direta e indiretamente, salvaram muitas vidas.

Marguerith se permitiu um pequeno sorriso. Às vezes se perguntava que tipo de pessoa ela seria se tivesse sido criada pelos pais. Entretanto, há muito tempo havia decidido se aceitar como era, herdeira dos preceitos de Sirius e Hesper. Porém, por mais que não concordasse com os princípios de Phineas, ainda assim, ao escutar as palavras de Dumbledore, sentiu orgulho imenso do homem que ele foi.

-Obrigada, professor – ela disse, sentindo uma espécie de conforto preencher-lhe o peito.

Dumbledore anuiu, sorrindo de volta como resposta.