Levantei-me do chão, fazendo o vômito da escada sumir, enquanto ia para o meu quarto tomar um banho e dormir.
Retirei minha gravata que estava quase caindo do meu colarinho e a joguei no chão, entrando no meu quarto e indo em direção do banheiro, sem prestar atenção nos gatinhos.
A luz brilhou repentinamente, iluminando o reflexo que me aguardava no espelho.
No entanto, ao me encarar, uma sensação de estranheza tomou conta de mim.
O rosto refletido não era o meu; não era a imagem da pessoa que conhecia. Não era eu.
Não era aquela figura frágil e impotente que me encarava de volta. Uma onda de raiva e frustração cresceu dentro de mim, e sem hesitar, desferi um golpe poderoso contra o espelho.
O vidro estilhaçou em um estouro ensurdecedor, fragmentando-se em pedaços grandes e médios, espalhando-se pelo chão em uma cascata de reflexos distorcidos.
_ Essa não sou eu. - Observei minha mão ensanguentada. _ Não sou eu.
Devo matá-la...
Peguei um dos pedaços do espelho e o aproximei da minha garganta, sentindo o sangue quente deslizar por ela, porém, nada deveria estar passando pela minha cabeça, mas passou.
"Você só precisa vir até mim."
Pisquei algumas vezes e larguei o espelho que caiu no chão, se espatifando em vários pedaços... Certo, só preciso ir até você, não é, little lord?
Lavei a minha boca para tirar o gosto e o cheiro de vômito e, saio do banheiro no automático, sem me importar com a dor de cabeça que aparecia por trás dos meus olhos.
Apenas continuei saindo do meu quarto, pouco me importando se ele não se lembrava de mim, só pensava que terei aqueles olhos.
Os olhos do meu confidente, da única pessoa que não vai me julgar ou me olhar com pena, ou me olhar como a salvação do mundo e não como uma pessoa normal.
Apenas precisava ir até ele e faço isso, mas quando saio do meu salão, aparecendo no banheiro, sinto um pouco de medo, mas o expulso pela euforia.
Ela estava mascarando meus sentimentos e quando não aguentar mais, irei romper como uma válvula mal colocada na pressa e sei que estarei preparada para isso... Acho.
Ao sair do banheiro, a passagem se abriu diante de mim como uma promessa de fuga, impulsionando-me a correr em direção à liberdade fora dos limites do castelo.
Cada passo era uma tentativa desesperada de escapar da opressão que me envolvia, uma ânsia de abandonar as lembranças dolorosas que assombravam aquele lugar.
Ao emergir da passagem, o vento noturno acariciou meus cabelos desalinhados, como se tentasse me acalmar, mas não havia alívio em sua carícia.
Eu só queria distância, distância das sombras das casas e do castelo que agora se erguia como uma sombra ameaçadora.
Era como se cada pedra e cada árvore gritassem o peso do passado, e eu ansiava por escapar desse fardo sufocante e foi isso que fiz.
Aparato para o quarto daquele garoto e caio esparramada no chão... Merda!
Fiz um barulhão, devo ter acordado o orfanato inteiro, e antes que minhas suposições se concretizassem, faço um Abaffiato e tranco a porta rapidamente.
_ O quê? - Olhei para o lado e vejo o little lord lendo um livro, o que me surpreendeu um pouco, pensei que já estivesse dormindo.
Suspirei e o observei fechar o livro, mas o que me chamou atenção não foi seu olhar ou como tudo estava como antes, e sim, que tinha duas velas iluminando o ambiente.
Estranho, não apaguei isso? Lembro de ter apagado isso de sua memória...
_ Sei que você não me conhece. - Sentei-me no chão, falando tudo em um só fôlego. _ Mas... - Meus lábios e mãos tremeram. _ Mas, precisava de alguém nesse momento. - Meu rosto deve estar horrível.
Todo arranhado, com sangue e...
_ Por quê? - Suspirei e deixei um soluço escapar dos meus lábios.
_ Por favor... - Supliquei e deixei as lágrimas caírem. _ Me salve, estou cansada de salvar as pessoas e ninguém me estender a mão. - Tirando a titia.
Deixou o livro na mesa de cabeceira e se ajoelhou no chão, me puxando para perto de si e fiquei com medo de sua aproximação.
_ Não me toque. - O empurrei, me distanciando dele, o que fez me olhar sem entender. _ Não quero sujá-lo. - Olhou para sua camisa que continha sangue e deu de ombros.
_ Não me importo...
_ Não. - Balancei a cabeça. _ Você não pode se sujar, estou suja, estou suja. - Comecei a me arranhar novamente. _ Suja...
_ Para! - Pegou os meus pulsos e olhou para mim. _ O que aconteceu? O que houve para você estar assim? - Estava aflito.
_ Apenas fique comigo. - Mordi meus lábios. _ Não quero falar sobre isso. - Gaguejei, cerrando os punhos. _ Não me faça lembrar. - Queria saber o feitiço que fiz para esquecer as minhas memórias das vidas passadas.
Então, se tivesse ele, apagaria essa memória para todo o sempre.
_ Mas como vou salvá-la se você não me conta o que realmente está acontecendo? - Acariciou meu pulso com seu dedão, me acalmando no processo.
_ Então não me salve...
_ Mas quero salvar. - Sussurrou perto do meu rosto. _ Quero salvar a minha coelhinha. - Parei de respirar e fiquei o olhando. _ Pensou que esqueci? - Alisou minha bochecha e sinto um ar fresco passando pelo corpo.
_ Little lord... - Joguei-me nele e caímos no chão.
_ Senti saudades de escutá-la me chamando assim. - Ele me envolveu em seus braços com força, como se quisesse proteger-me de todo o mal do mundo.
O calor do seu abraço trouxe um alívio reconfortante, como se um peso tivesse sido tirado dos meus ombros.
Ficamos assim, juntos, em silêncio, enquanto ele gentilmente acariciava meus cabelos, afagando minha cabeça como se fosse a coisa mais preciosa do mundo.
Seus toques suaves transmitiam um cuidado amoroso, acalmando minha alma perturbada.
E enquanto as lágrimas rolavam sem cessar pelo meu rosto, ele permanecia ali, firme e presente, como uma âncora na tempestade, oferecendo seu apoio inabalável, mas sabia que isso não poderia continuar.
_ Desculpa. - Sentei-me no chão e sequei minhas lágrimas que não queriam parar. _ Você está sujo. - Tento limpá-lo, mas ele estaria mais sujo se continuasse o tocando.
_ Não, não estou e nem você, não mais. - Sentou-se e me puxou para me sentar no meio de suas pernas. _ Por que a minha coelhinha está chorando? Quem fez essas coisas? - Alisou minha garganta e meu lábio. _ Diga-me, coelhinha, quem fez isso?
Beijou meus olhos e me agarrei a ele, na pessoa que falei que nunca cresceria e que agora estava maior que eu, que mundo injusto.
_ Não tenho vontade e nem forças para contar. - Apertei sua roupa. _ Sou tão fraca...
_ Não, não é. - Beijou minha bochecha. _ É a pessoa mais poderosa que já conheci e você sobreviveu a tanta coisa, por que você não reconhece isso? - Reconhecia.
_ Porque a minha cabeça não deixa e ela está estragada...
_ Vamos arrumá-la devagarinho, estou com você e prometi sempre estar com você. - Sorriu. _ Não estou aqui? - Continuou alisando meu rosto com tamanho carinho que só queria me agarrar a ele como um coala.
_ Sim. - Tombei meu corpo para o seu. _ É o único que realmente ficou. - Escondi meu rosto em seu peito. _ Por favor, fique comigo apenas nessa noite.
_ Nunca fugi de você, por que fugiria dessa vez? - Sua voz estava calma e sem a pitada de sarcasmo que sempre o acompanhava. _ Acho que é você quem foge de mim. - Ri e concordei, me lembrando de perguntar algo.
_ Como você ainda tem as suas memórias? - Observei sua manga. _ Fiz direito...
_ Realmente. - Suspirou e me abraçou ainda mais forte. _ Por alguns segundos me esqueci de você, mas quando foi embora, a barreira que colocou desapareceu. - Ainda bem que matei a garota, se não, ela seria igual a ele. _ Porém, Nagini não se lembra de você. - Será que ele se lembra devido ao feitiço?
_ Se o Obliviate não funcionou, você deve fingir...
_ Fingir odiá-la? - Zombou. _ Farei isso tão perfeitamente que você pensará ser real. - Duvido muito que isso aconteça, mas essa pequena conversa me aliviou e me deu coragem de contar o que aconteceu.
_ Tentaram me estuprar. - Ele me apertou e o olhei, vendo que seus olhos que eram castanhos estavam vermelhos... Tão bonitos.
_ Não entendi muito bem, acho que escutei algo errado. - Examinou-me.
_ Quatro pessoas. - Franziu a testa e seus lábios ficaram unidos em uma só linha. _ Das quatro casas.
_ Você continua sem varinha? - Seu olhar ficou mais intenso.
Queria saber o motivo dele ter esses olhos, ele não está praticando artes das trevas, ou está?
_ Não, já tenho uma varinha. - Acariciei sua bochecha e não achei estranho.
_ Então por que não a usou?
_ Não estava com ela. - Abri e fechei a boca, não queria contar essa parte.
_ Mas você pode fazer magia sem varinha. - Concordei. _ Você fez...
_ Minha magia foi desligada do meu corpo e ainda estou tentando entender como isso aconteceu. - Fechei meus olhos e continuei contando o que sabia.
_ Eles a tocaram em mais algum lugar? - Estava tão bravo.
_ Tenho que falar? - Ficou irritado e suspirou.
Colocou sua cabeça no meu ombro e me abraçou fortemente, estalando meu corpo com sua força que não achei que tinha.
_ Não me deixe ansioso e não me deixe com raiva. - Sussurrou. _ Não estou com raiva de você, mas... - Suspirou novamente. _ Estou com raiva dessas pessoas, eles a tocaram sem a sua vontade, tocaram em algo precioso demais para eles entenderem e isso é frustrante.
_ Por quê? - Minha voz não queria sair e meu nariz pinicava tanto.
_ Por que isso é frustrante? - Deitou sua cabeça de lado e me fitou. _ Porque não posso fazer nada, ainda. - Meu coração parecia estar afundando em um lago congelado e que descongelava a cada palavra desse garoto.
_ O que você faria? - Parecia que podia ouvir meu coração no ouvido. _ Ser o meu príncipe numa armadura brilhante? - Tentei fazer gracinha, mas não consegui.
_ Não sou um príncipe, não sou bom para ter esse título. - Era bom para ter qualquer título. _ Mas posso ser a pessoa que pegará as suas mágoas e matará aqueles cretinos. - Discordei. _ Porém, sei que isso não a fará melhor, então, acho melhor que você os puna com suas próprias mãos. - Quase sorri.
_ Você, falando assim, parece até um adulto em um corpo de uma criança. - Sorriu e não comentou. _ Obrigada, mas posso...
_ Não deixe tudo em suas costas, sei que você é individualista, mas tem uma hora que você precisa parar de ser teimosa e aceitar a ajuda das pessoas. - Falou irritado. _ Estou aqui para ajudar, estou aqui por você, então pare de ser teimosa. - Beijou minha testa. _ Por favor, apenas hoje me deixe cuidar de você.
Não tive coragem de contestá-lo ou de olhá-lo, apenas prestei atenção em sua respiração e no seu carinho e minhas costas, rindo com os batimentos do seu coração.
_ Você é completamente estranha, mas gosto disso. - Beijou o topo da minha cabeça e percebi que ele estava mais amável do que antes.
_ Mas... - Fechei meus olhos e continuei contando o que tinha me esquecido alguns minutos atrás. _ Chegaram pessoas e elas tiraram aquelas pessoas de cima de mim. - O sinto me fazendo cafuné. _ Estava indo para o meu salão e eles me encurralaram, e um deles eu conhecia.
_ Quem? - Mordi meus lábios.
_ Meu avô. - Suspirei, tentando não me lembrar daquele momento. _ Dei um tapa nele e entrei no banheiro, mas a porta do meu salão não abriu e ele conseguiu me pegar novamente.
Tremia involuntariamente, dominada por uma sensação de medo e vulnerabilidade avassaladora.
Porém, quando percebeu minha agitação, ele apertou-me ainda mais forte em seus braços, como se quisesse transmitir segurança e conforto em meio ao caos.
Seu abraço era um refúgio, um lugar onde podia encontrar refúgio das tormentas que me assolavam.
Cada aperto era um lembrete silencioso de que não estava sozinha, de que ele estava ali comigo, enfrentando aquela batalha ao meu lado.
_ E o que mais?
_ Chutei o Lufano e eles privaram os meus movimentos, tentei chamar o papai, mas eles me silenciaram. - Sinto-o alisar a minha bochecha e ela não estava dolorida, ou ardendo.
_ E?
_ Naquele momento pensei em me matar e até mesmo mordi a língua, mas não consegui completar o ato. - Alisei meu nariz em sua camisa, me afogando no cheiro que passei amar. _ Me sinto suja, Tom. - Sussurrei como se fosse uma súplica.
_ Então você começou a se arranhar e se bater quando você conseguiu entrar no seu salão? - Resmunguei. _ Você conseguiu entrar?
_ Consegui. - Suspirei. _ Me sinto doente, me sinto suja, inútil e fraca.
_ Você sentiu medo por ser ele, não sentiu? - Abri e fechei a boca. _ Ou foi pelo momento de ser incapaz de escapar deles?
_ Os dois, acho que não fiz nada a tempo...
_ Você estava sem magia e com medo. - Concordei. _ Mas sei que estivesse com magia, você não faria nada...
_ Claro que faria. - O observei. _ Não deixaria que chegasse naquele ponto. - Levantou a sobrancelha.
_ Você não faria por medo de refazer tudo de novo, de perder a sua vingança e medo do seu avô. - Ele sabia demais, mas isso era bom, não era mais desconfortável. _ Pelo menos você está salva, mas irá carregar isso para a vida. - Não teimei sobre sua opinião.
_ As pessoas falam que só sabemos a dor dos outros quando acontece conosco e acho que é verdade. - Piscou, fazendo seus olhos voltarem ao castanho. _ Uma amiga quase foi estuprada também e a salvei. - Não comentou. _ Mas não liguei muito e peguei a dor dela, transformando em algo benéfico para mim. - Respirei fundo. _ Sou a pior e mereci... - Agarrou minha mandíbula e apertou.
_ Você não merece nada disso. - Foi seco e certeiro. _ Já disse para parar de se desmerecer só porque você não previu esse acontecimento. - Pisquei algumas vezes. _ E daí se você usou essa menina? Pessoas são usáveis, mas nós não. - Mordi sua mão. _ Ei! - Recuou a mão e a olhou.
_ Você também é usável, está sendo usado por mim. - Fiz biquinho.
_ Mas por você eu deixo. - Sorriu e fiquei em silêncio. _ Não gosto de vê-la chorando e já é a segunda vez que vejo isso. - Alisou minha bochecha. _ E você não pode fazer isso com você quando entrar em uma crise.
Alisou meu pescoço e estava muito concentrado nisso.
_ Você queria realmente se matar? - Franziu os lábios, como se estivesse sofrendo por isso.
_ Não, eu não, só queria matar a pessoa no espelho, ela não era eu, não era. - Suspirou. _ O que foi?
_ Dupla personalidade, coelhinha? - Não parecia surpreso por isso.
_ Devo procurar um médico, mas não tenho tempo para isso. - Estou bastante ocupada.
_ Tudo bem, ninguém é perfeito e pelo menos você sabe disso, mas saiba de uma coisa.
_ O quê? - Tombei a cabeça.
_ Gosto das duas, das três, ou de quantas personalidades você tiver. - Merda, por que me sinto tão estranha? _ Gosto da boazinha piedosa e da assassina sem misericórdia. - Beijou minha bochecha. _ Isso a faz tão única.
_ Não faz não, só preciso me tratar e isso para. - Fujo dessa aflição em meu coração, talvez isso pare mais tarde.
_ Não quero que pare, gosto de você assim e me sinto completo. - Doido. _ Posso até mesmo jurar que estarei em todas as suas crises. - Devo mudar de assunto, se ele continuar, é bem capaz de eu aceitar as suas palavras.
Ou acabe as aceitando, devo parar de seguir o caminho mais difícil e pegar o caminho mais fácil.
_ Devo parar de chorar... - Beliscou minha bochecha.
_ Não, continue chorando, isso a faz mais humana. - Discordei.
_ Não, preciso parar ou virarei uma pessoa melancólica, e não sou assim, sou a pessoa que zomba das pessoas e gosto de fazer isso...
_ Mas você precisa ficar assim todos os dias? - Tocou meu nariz, ele gostava de me tocar. _ Você não tem sentimentos? Até parece que personagens fictícios tem que ser sempre os fodões, sempre as pessoas mais fortes e que nunca choram. - Pisquei algumas vezes sem entender o que estava dizendo. _ Temos sentimentos, mesmo sendo apenas papel...
_ Tom, volta para o roteiro. - Revirou os olhos.
_ Ah, sim. - Belisquei sua bochecha. _ O que foi?
_ Obrigada. - Ficou surpreso e sei que essa palavra não estava sendo esperada para esse momento.
