Betelgeuse se olhou no espelho da penteadeira satisfeita com sua aparência. A sombra perolada nos olhos, o batom discreto nos lábios, o vestido branco sem adornos justo até a altura da cintura para depois se abrir em uma saia rodada.

Naquele momento, Marguerith prendia o véu de renda branca que ia até o meio das costas no coque alto do cabelo da mais velha. Embora a expressão de Betelgeuse fosse constrita e suave, Marge podia perceber que pelo brilho dos orbes azuis da irmã que Bete estava realmente feliz, afinal, aquele seria um dos dias mais importantes de sua vida: seu casamento com Stephanio Ivory.

Assim que a caçula terminou de ajeitar o véu, Betelgeuse se virou no pequeno banco da penteadeira, pedindo silenciosamente que Marguerith se sentasse na cadeira diante dela.

A mais nova anuiu e sentiu na mais velha pegar sua mão entre as suas.

-Hoje minha vida vai mudar, isso é fato. Mas percebi que a sua vai mudar também. Não me lembro nesses dezessete anos de vida um dia em que estivemos separadas...

-Bete... - Marge balbuciou, sentindo-se ligeiramente emocionada.

Embora fossem duas pessoas distintas, por vezes, ela sentia como se fossem metades de uma mesma alma.

-Sei que não sou a pessoa mais efusiva para demonstrar o que sinto - a mais velha continuou - mas não se esqueça que eu te amo, e, nem o casamento, nem a distância vai mudar isso.

-Eu sei... Também te amo - Marge respondeu.

Para sua surpresa, Betelgeuse a puxou e a estreitou em um longo e caloroso abraço. Marge se permitiu ficar imersa naquela sensação de afeto pelo máximo de tempo possível.


Em meio a multidão de convivas do casamento de Betelgeuse e Stephanio Ivory, o velho Sirius Black deixou que seus olhos azuis se demorassem por alguns minutos na figura de Pericles Thorne. Não era exatamente o homem ruivo quem chamava a atenção do patriarca, mas o fato de que ele estivera conversando com a caçula das gêmeas durante grande parte da celebração.

- O que acha de Pericles, Hesper? - ele perguntou ao perceber a chegada da esposa junto a si.

- É um homem gentil e bem-educado, de uma boa família, acredito que tenha um futuro promissor pela frente. – a mulher de olhos violeta respondeu, observando de soslaio a expressão do marido. Ao notar um discreto sorriso se formar no canto dos lábios de Sirius, questionou - Qual seria seu interesse nele?

Black voltou sua atenção para a mulher.

- Como você mesma apontou tão bem, ele é bem posicionado, de família tradicional, e, acredito eu que com o tempo ele só deverá progredir mais e mais. Ele seria um parceiro de negócios interessante de se ter, não acha?

Hesper estreitou os olhos. Conhecendo Sirius como conhecia, imaginava que ele já havia traçado um plano para se aproximar de Thorne, e, percebendo quem acompanhava o homem, deduziu facilmente a ideia do marido.

- Você não está pensando em fomentar um relacionamento entre ele e nossa sobrinha, está? - Hesper perguntou, sem esconder um tom de severa reprovação.

Sirius virou, um brilho sagaz perpassou por seus orbes anis.

- Ele parece bastante interessado em Marguerith. Não existe nenhum empecilho para que essa união se concretize em um futuro próximo. Nossa sobrinha é solteira, e, ao que me consta, não existe nenhum pretendente em vista. Não mais.

Hesper observou o marido em silêncio por alguns instantes, como se ponderando aquilo que acabara de ouvir.

- Marge deveria ter sua chance de amar novamente, Sirius. Por que quer negar isso à sua própria sobrinha? - ela retorquiu, desviando o olhar para o casal que era objeto da atenção deles.

-Não vamos repetir a história de Lycoris de novo. - Sirius respondeu em um tom frio e incisivo - Amar é super estimado. Nosso casamento é a prova disso. Eu estou fazendo um favor para a nossa sobrinha planejando esse enlace. Bete conseguiu um bom arranjo. Eu não vou viver para sempre, não quero partir sem ver Marge também bem encaminhada.

- Eu prometi para Rosette que cuidaria das gêmeas como se fossem minhas filhas, se eu perceber que não é o que Marge deseja, eu vou aconselha-la a não faze-lo.

Sirius fingiu ignorar as últimas palavras da esposa, e, voltando novamente o olhar para a sobrinha, afirmou:

- Muito em breve, Pericles Thorne receberá um convite para tomar um chá em nossa casa.


Marge deu um suspiro ao ler mais uma vez a carta que chegara de Hong Kong naquela tarde. Betelgeuse havia encontrado com o primo durante a lua de mel com Stephanio, relatando que Alphard pouco mudara. O conteúdo trazia o relato sobre uma das desventuras do rapaz em um cassino local.

Um boêmio, foi como Bete o designara na noite que Marge contara à irmã sobre sua paixão por Alphard. Infelizmente, a caçula das gêmeas começava a aceitar que a mais velha estava certa em suas conjecturas. Cada notícias que tinha dele, de pessoas distintas, era uma confirmação daquele fato.

Ela ainda o amava, mas, ficava cada vez mais difícil manter aquele sentimento, sabendo que nunca seria correspondida, sabendo que para ele, ela foi uma aventura. Que a promessa de construírem um futuro juntos foi uma mentira. Talvez fosse hora de deixá-lo para trás.

Pancadas leves soaram na porta do quarto, chamando a atenção de Marge. Ela imaginou que fosse algum dos elfos, trazendo-lhe a refeição. Sua tia Hesper foi jantar na casa da neta, Lucretia. Desse modo, sem a presença da tia na casa, Marguerith deduziu que seu tio Sirius passaria a noite em seu escritório, trabalhando. Entretanto, a jovem não poderia estar mais enganada em suas conclusões.

- Senhorita Marge - a voz ressoou da entrada da porta, vindo de uma elfa mais jovem que os demais servos da casa, e que se apresentou no recinto após a permissão da moça – Mestre Sirius chama menina para acompanhá-lo no jantar.

A moça estreitou os olhos, surpresa com o pedido do tio. O patriarca sempre foi afeito à solidão quando estavam apenas os dois em casa. Ele nunca teve com ela a mesma afinidade que tinha com Betelgeuse, com quem costumava jogar xadrez. Bete sempre foi a favorita do tio, ele nunca escondeu isso de ninguém.

- Já estou indo, Hippy.

Marguerith demorou poucos minutos para chegar à sala de refeições, onde Sirius já a esperava, sentado na cabeceira da mesa, comendo.

- Boa noite, tio. - Marge cumprimentou, recebendo um meneio de cabeça de Sirius como resposta.

A passos pequenos, ela sentou-se próxima ao homem, que ainda se mantinha em silêncio.

Marguerith começou a se servir.

Enquanto jantavam no mais completo silêncio, a moça não pôde deixar de reparar que Sirius sempre lhe lançava um olhar avaliatório. Quando pareceu completamente satisfeito, quase ao fim da refeição, o homem de olhos azuis voltou-se para a sobrinha.

- Chamei-a para me acompanhar no jantar porque temos um assunto sério para tratarmos, Marge. - Sirius disse, grave e incisivo.

A moça apenas assentiu, abaixando o rosto e esperando pelas palavras do tio com receio. Possivelmente era algo que Sirius acreditava dever ser tratado apenas entre os dois, algo complicado que pudesse trazer conflito com a tia, uma vez que ocasionalmente o casal discordava em seus pontos de vista.

- Você se formou em Hogwarts já tem um tempo, Marge. Acho que chegou a hora de discutirmos seriamente o seu futuro. - Sirius continuou, percebendo que a sobrinha erguera o rosto e a fitava com olhos apreensivos, embora tal reação não fosse demover o patriarca de seus planos. - Percebi que Pericles Thorne passou grande parte da festa com você. Qual a sua impressão dele?

- Ele é uma companhia agradável, tio. - Marge respondeu, ainda sem compreender aonde Sirius queria chegar.

- Agradável o suficiente para se estabelecer um relacionamento estável? O que eu quero dizer, Marge, é se você estaria disposta a se casar com Thorne? – Black deixou um sorriso discreto surgir nos lábios - Eu não estou te forçando a um casamento arranjado, entretanto, se você se tornasse esposa de membro de uma família tão bem posicionada, todos nós teríamos muito a ganhar. Eles não são os Ivory, é claro. Nem todo mundo consegue um peixe grande como sua irmã, mas ainda assim seria um ótimo marido para você.

- Eu...eu.. - a mais nova balbuciou, impactada pela proposta do tio.

Era verdade que Marguerith sonhara algum dia se apaixonar e casar com a pessoa de escolha dela, entretanto, a única pessoa para quem ela entregou seu coração, recusou o presente. E, aos olhos de Sirius, ela sempre seria um sombra de Betelgeuse. Não lhe custaria muito dar, pelo menos, uma chance àquela proposta.

- Tudo bem, tio. Não quanto ao casamento, ainda. Mas não me importaria em ser cortejada por Thorne e conhecê-lo um pouco melhor - Marge respondeu por fim.

- Excelente. – o homem falou, satisfeito - Convidei Pericles para um chá aqui amanhã à tarde e quero que você nos acompanhe. Encontrarei um meio de demonstrar a ele nossas intenções.


Aquela saleta de visitas, com um piano de cauda, um barzinho e alguns livros, além de poltronas de veludo verde e uma mesinha de centro era familiar para Pericles Thorne. Ele já estivera em Grimmauld Place algumas vezes antes em companhia dos pais.

Contudo, até o casamento de Betelgeuse e Stephanio, no qual foi como representante de sua família, fazia muitos anos que não comparecia a um evento ou mesmo a uma visita de cortesia aos Black.

Depois que se formou em Hogwarts, o ruivo passou vários anos entre a Inglaterra, a França e a Itália, vivendo as aventuras e os prazeres que a juventude lhe permitiu, assim como desfrutando da hospitalidade de parentes do clã Thorne espalhados no continente.

Porém, a idade começou a pesar. Ele não era mais um jovem, e, agora com trinta e quatro anos, pensou consigo que era tempo de voltar para casa, se assentar e firmar raízes.

Quando compareceu ao casamento, foi com imensa surpresa que descobriu que a bela e elegante jovem que o observava com uma expressão enigmática naquele momento era a mesma garotinha que conheceu quase dez anos antes naquela mesma casa.

Pericles desviou o rosto da moça para o homem de cabelos grisalhos que o observava com um visível sorriso de satisfação.

-Portanto, - Sirius continuou do ponto onde havia parado ao perceber que o ruivo tinha voltado sua atenção novamente para ele - eu acredito que seria bom que vocês se conhecessem um pouco melhor.

Thorne assentiu. Ele estaria mentindo se negasse que Marguerith Black realmente o impressionou nas horas que passaram juntos durante a festividade. Contudo, ele estava curioso se a recíproca era verdadeira.

-Concorda com isso, senhorita Black? - Pericles virou-se para a moça, com um sorriso.

Marge não poderia negar que se sentiu lisonjeada em perceber que a opinião dela parecia importar para o homem.

-Certamente, senhor Thorne. - ela sorriu de volta.

-Excelente! - Sirius exclamou, esfregando as mãos em satisfação enquanto se levantava da poltrona - Vou deixar os dois a sós para que possam conversar.

Assim que o patriarca dos Black se retirou, um silêncio se instalou entre os dois até que Marguerith começou a preparar o chá para ambos.

-Existe algum sabor de sua preferência, senhor Thorne? - ela perguntou, pegando o bule cheio de água quente.

-Canela, por favor. E, se vamos nos relacionar, melhor começarmos a nos chamarmos pelo primeiro nome. O que acha, Marguerith?

-Com certeza, Pericles. - a moça deixou que um leve curvar se insinuasse em seus lábios, entregando para ele a xícara com o delicioso líquido fumegante.

Os dois começaram a conversar amenidades, como era esperado. Para a surpresa de Marguerith, Pericles se mostrou ainda mais agradável que no dia do casamento de sua irmã. Não lhe custava nada dar aquele primeiro passo para tentar curar seu coração ferido.