Capítulo 2 – Introspeção de Taki
Após a Mitshua ter saído a correr, Taki ficou nas escadas do Santuário Suga tentando processar o que acabou de acontecer. Uma sensação aconchegante no seu peito começou a aparecer, e para contribuir para esse fogo entusiástico, o contacto dela na sua mão e seu nome estavam escritos, como se um bilhete para o evento mais desejado se tratasse, embora tivesse a sensação de que ao contrário dos outros eventos, neste pagaria qualquer preço, até parte dos seus órgãos vitais só para a ver. Enquanto ele olhava para as letras do contacto, um esboço do rosto de Mitshua começou a pairar na sua mente, e o papel, no qual foi forjado, começou a parecer a sua pele... se as suas mãos (única parte que tocou) já eram tão suaves, imagina o rosto dela. E enquanto imaginava, sem se aperceber, começou lentamente a aproximar a sua cara do bloco de notas, até chegar ao ponto de ter o nariz junto à bendita página, e ajeitou-se suavemente para pôr a boca junto à suave folha. O transe continuou, e com isso começou a beijar o rosto imaginário, e cheirando a folha como se tentasse captar vestígios do cheiro dela. Mas, enquanto isso, um relâmpago de consciência o atingiu, fazendo-o perceber da figura ridícula que estava a fazer. Parou subitamente, e afastou o bloco de notas bruscamente da sua cara, "O que eu acabei de fazer" pensou ele. Olhou para os lados, viu um idoso passeando o seu cão e pensou logo em fugir de vergonha. Mas pensou que só o tornava mais suspeito do crime de falta de vergonha e tentou agir o mais naturalmente que possível: fingiu que estava a ler algo no bloco de notas, assentiu com a cabeça fingindo fazer o gesto "Está tudo em ordem", arrumou o bloco de notas no bolso interno do seu casaco e se pôs a caminhar o máximo normal que possível com o corpo rígido da sua atuação. Após isso, passou pelo velhote, cumprimentou-o com um "bom dia", e depois de não ver ninguém à volta se pôs a correr não só pelo embaraço de há bocado, mas também para ganhar tempo para pesquisar por mais ofertas de emprego na biblioteca. Taki optou por fazer o caminho a pé, ele tinha saído para aquela procura louca na paragem anterior à de onde se dirigiria para a biblioteca, na estação Shinanomachi, e aparentemente as escadas onde os dois ficaram a conversar ficavam mais ou menos a caminho.
Depois de 20 minutos de correria pela maioria do caminho, chegou ao destino, à Biblioteca Central da Universidade Sophia. Antes de entrar para a biblioteca tomou uns goles de ar e suspirou. "Finalmente", pensou ele. Estava suado, mas acima de tudo feliz, uma sensação estranha para um ambiente onde dava-se ao trabalho de encontrar ofertas de emprego para depois nas entrevistas o rejeitarem, ele atrapalhava-se todo nas suas palavras sem bem nem saber porquê. Porque estava feliz por uma rapariga da qual só conversou por meia hora, fruto de olhares trocados em dois comboios separados? A vontade de pesquisar novamente por Itomori naquele ambiente voltou a ele, mas não, tinha de cumprir as suas tarefas, para depois vir almoçar com os seus antigos amigos, Tsukasa e Takagi. Enquanto sublinhava o que lhe interessava entre as páginas dos "classificados", não conseguia parar de pensar naquela garota, e tinha de beliscar-se para voltar a concentrar-se novamente. De facto, nunca nenhuma rapariga, tanto no ensino fundamental como na faculdade o fez ficar assim, e depois dos seus 17 anos, em específico, depois daquela viagem a Itomori, parece que até tinha aversão em apaixonar-se por alguma rapariga nos ambientes que frequentava. Era como se o seu coração já tivesse reservado esse lugar a alguém que não sabia quem era, e isso o frustrava internamente. Uma vez, uma linda rapariga declarou-se a ele, e ele a rejeitou para choque de vários colegas. Porque fez isso? Algo no seu coração dizia que era trair os seus sentimentos, mas os seus sentimentos pelo quê? Por quem? Um enigma sem resolução até hoje. "Até hoje", pensou ele. Aparentemente, ver uma rapariga no comboio, apaixonar-se só pelo olhar e vir ter com ela num sítio aleatório só para perguntar o seu nome, já estava de acordo com os seus sentimentos. E como se não bastasse, ela correspondeu com o mesmo, caso contrário nunca a teria encontrado. A pergunta que fica é, que sentimentos? Não precisaria de conhecer previamente alguém para ter sentimentos por essa pessoa? Existem exceções de facto, como a síndrome de enfermeira onde o paciente se apaixona pela sua salvadora. Mas Mitshua não lhe salvou de nada! Será que ele enlouqueceu? Se essa paixão repentina apenas tivesse vindo dele, era uma hipótese a se considerar. Mas veio de ambos, ela também sentiu da mesma forma. E a probabilidade de duas pessoas terem um surto de loucura repentino simultâneo, enquanto se olham é praticamente zero. E para acrescentar a este puzzle maluco, ela é de Itomori, o mesmo sítio que foi visitar em 2016 e que mudou a sua vida para sempre. Só para perceber a dimensão desta coincidência, a cidade de Tóquio tem 14 milhões de habitantes e com uma área metropolitana de 40 milhões, enquanto Itomori só tinha 1,500 habitantes, com a maioria dos seus ex-moradores ter sido transferido para áreas circundantes. Certamente nenhuma dessas áreas ficava próxima de Tóquio já que Itomori ficava a 6 horas da metrópole, e só uma dezena no máximo deve ter ido viver para lá, quiçá parte da elite económica da pequena vila do qual Mitshua podia fazer parte, os custos na grande cidade não são brincadeira. "Uma dezena em milhões", pensou. Agora saindo do jogo das probabilidades, temos o facto que depois da viagem a Itomori, a primeira pessoa que se apaixona é precisamente de lá, pelas circunstâncias mais estranhas possíveis, e com ela se apaixonando igualmente para felicidade dele. E o facto de ela o corresponder só reforça a teoria de que ele foi procurar ela em Itomori e de que já se conheciam antes. Mas como se a vila já tinha sido destruída há três anos? E porque a ia procurar lá se ela já estava em Tóquio fazia esse tempo? E acima de tudo, porque não se lembra de a ver? Nada disso fazia sentido, mas a sua convicção de que ela estava de algum modo ligada a aquela viagem nunca foi abandonada, era impossível tomar aquelas conexões de factos como simples coincidências. Apenas tinha de fazer uma trégua, suspirar fundo e aguardar pelos próximos acontecimentos. A verdade da relação com ela virá, seja ela rebuscada ou não, e ele ainda ficou de se encontrar com ela. "A prática é o critério da verdade", concluiu, algo que aprendeu nos seus projetos paisagísticos, que não importava a quantidade de teoria, se estes não eram postos em prática, a verdade dos seus benefícios estéticos e práticos nunca seria confirmada. O reencontro com ela era a prática, o critério da verdade.
Entretanto, ele despertou da sua pose pensativa e percebeu que já não estava a sublinhar e a descartar propostas de emprego. Isso normalmente o teria frustrado, mas só de pensar nas possibilidades de encontrar a Mitshua nas suas memórias, mesmo que improvável, o fez esboçar um sorriso: "Hoje é um dia especial", disse para si. Taki percebeu que não estava com disposição para sublinhar empregos, a sua cabeça não permitia no momento de qualquer dos modos, e resolveu queimar o seu tempo planeado dentro na biblioteca até há hora marcada com os seus amigos num café para poder investigar melhor as suas memórias sobre Itomori e o que lhe motivou a ir lá. Esse café que costumavam ir era ao café La Mille Sunrose Akasaka onde pediam panquecas recheadas, muitos boas por sinal, mas bem dispendiosas. "Dispendiosas", ecoando na sua mente enquanto essa deambulava, houve uma estranha época em que gastava muito em panquecas e bolos quando era muito poupado com o dinheiro do seu part-time. Os seus amigos estranharam tanto que num dos seus dias normais de café perguntaram do que foi feito do Taki fofo e gastador. Agora que ele revê aquelas memórias, percebe que o mais sinistro não foram aqueles comentários fora de lugar, do qual foi-se esquecendo até agora, mas por estes terem tido lugar pouco depois da viagem a Itomori, o que significa que a sua estranha conduta foi antes dessa viagem, abrindo precedentes credíveis que o tenham levado a essa longa excursão. Mas há um senão, ele não se lembra de ter gastado esse dinheiro, ou de ser "fofo", embora… e uma memória de um tempo que pensava estar há muito esquecido surgiu-lhe como um relâmpago, "Embora lembro-me de ter muito menos dinheiro comigo que no dia anterior, e de reclamar com alguém por isso, mas Ah!", e tão rápido como surgiu o relâmpago da memória, como com a mesma velocidade surgiu a névoa do esquecimento, interrompendo o seu pensamento de tal forma que começou a sentir tonturas, e teve de respirar fundo para tentar recompor os seus pensamentos. "Então deixa-me recapitular, os meus amigos disseram-me que eu fui fofo e gastador pouco depois da viagem a Itomori, e lembro-me de uma época em que o meu dinheiro desparecia sem saber porquê, e não me lembro de culpar a mim por isso, mas a alguém desconhecido…, mas… quando?", tentou escrutinar Taki o mistério, e quando se apercebeu que o seu raciocínio voltou ao sítio prosseguiu a busca de pistas. Ele tentou procurar mais referências para formar uma linha temporal mais coerente, até que se lembrou do célebre encontro fracassado com Okudera-senpai, algo que quis esquecer de tão vergonhoso que foi, mas os seus amigos e colegas de trabalho continuaram a lembrar-lhe daquilo por uns tempos só para se meterem com ele. E ele não tinha nada contra Okudera, bem pelo contrário, tinham até saído como amigos na semana anterior, era apenas aquele encontro... nada mais que isso. Mas agora, essa memória parecia-lhe ser útil, por formar um antes e depois na vida dele… "Foi antes ou depois do encontro com Okudera que agi de forma estranha?", tentando procurar um marco temporal, uma plataforma petrolífera no meio de um mar de esquecimento e coisas sem sentido. E como que uma onda repentina no meio da tempestade atingindo a sua cabeça, algo marcante que a Okudera disse no fim do encontro surgiu-lhe: "Ela disse-me que não parecia a mesma pessoa de antes… e… espera! Ela também me disse que estava a fim de outra pessoa! Como raio nunca me lembrei disso antes?!", bradou Taki dando pequenos murros na sua testa. E quando ia tentar lembrar da sua reação perante aquelas palavras de Okudera, um repentino nevoeiro no meio de um mar de memórias que estava a ficar cristalino inundou a sua mente, e tudo o que rodeava aquela plataforma, que era o encontro com Okudera, ficou opaco e obscuro. "Ai! Porquê isto?", bradou novamente quando parecia que se ia lembrar de tudo. Era difícil perceber como podia-se esquecer de algo que estava situado segundos depois de uma coisa que se lembrava. Nada disso fazia sentido! Mas ao menos, lembrou-se de algo relevante para a sua investigação introspetiva, "Se o que a Okudera me disse, sobre eu não ser a mesma pessoa de antes for real, é provável que se referisse ao Taki fofo e gastador do qual nada me lembro. Então… foi antes do encontro!", concluiu Taki satisfeito em encaixar essa peça do puzzle. Agora, faltava saber o que a Okudera lhe queria dizer sobre estar a fim de outra pessoa. "Então foi por isso que ela terminou o encontro mais cedo!", como se tivesse descoberto novas provas de um caso arquivado. Não era afinal tanto pela falta de jeito com raparigas que o encontro tinha terminado mais cedo, mas porque gostava de outra pessoa! Mas quem? Ele lembrava-se claramente de ter uma crush secreta pela Okudera, mas por alguma razão misteriosa essa tinha desaparecido abruptamente. Nem a clara memória de ter tido uma crush secreta por ela lhe fez escapar da pergunta que martelou na sua mente: "Como raio eu marquei um encontro com ela?". A Okudera não parecia uma rapariga fácil de seduzir, era desejada por praticamente todos os seus colegas de trabalho. De facto, agora que Taki pensava nisso, outra memória relâmpago surgiu-lhe, "Os meus colegas pareciam chateados comigo pela Okudera. Então isso significa que saí com ela antes?", questionou-se Taki com uma pergunta que parecia fazer muita lógica. Mas havia algo mais que surgiu nesse relâmpago, "A Okudera piscou o olho para mim em frente aos meus colegas, ahahah!", rindo na sua mente com tal momento insólito, "Isso só pode significar que me encontrei realmente com ela antes. Mas porque não me lembro de nada? Se bem que… eu não me considerava responsável por aquilo, havia alguém que ah!", e outro véu de esquecimento caiu nele, que lhe fez tonturas novamente. "Então os meus colegas de trabalho estavam chateados comigo pela Okudera, e ela pareceu-me piscar o olho em frente a eles", disse Taki para si tentando reorganizar os seus pensamentos. "E outra vez há esse alguém… não seria o mesmo responsável por esbanjar o meu dinheiro?", mas um vazio de respostas ecoou na mente de Taki.
No meio desse imbróglio, ele tirou a cabeça das suas mãos e a levantou, e nessa posição formulou uma pergunta a si mesmo que lhe deu arrepios: será que uma entidade o controlou sem se aperceber? Ele ficou a tremer por um bocado e se viu obrigado a respirar fundo algumas vezes seguidas para se acalmar, e disse para si: "Calma! Estás aqui vivo e são, encontraste alguém especial, e seja o que for que tenha acontecido, não me magoou, apenas bem… deixou-me coisas sem explicação. Mas eu estou são e salvo agora!", disse Taki para dentro de si, tentando-se acalmar. Após isso, voltou a percorrer as suas memórias, e percebeu que faltava algo importante para saber do encontro com Okudera, algo que lhe orientaria melhor as suas recordações desfocadas: a data exata! A única coisa que ele sabia é que era antes da viagem a Itomori, viagem essa feita a meio de outubro, duas semanas depois da queda do cometa. "O encontro com Okudera foi antes ou depois da queda do cometa?", perguntou-se Taki. Mas o que isso lhe importava? Não era como se o aniversário do cometa estivesse relacionado com esses estranhos eventos… ou estava? Ele tentou vasculhar as duas semanas anteriores à viagem de Itomori, que também precederam o aniversário desse evento, e percebeu algo estranho: não se lembrava de quase nada, quase como se aquele período não tivesse existido. Na verdade, o mesmo podia dizer do período anterior ao encontro com Okudera-senpai, do qual só se lembrou de pequenos fragmentos graças à associação de memórias com as declarações dos seus amigos feitas num momento que tinha a memória mais lúcida, após a viagem a Itomori. Ele tentou balizar essa linha temporal na sua mente, com dois eventos que se lembra mais ou menos, como se estivesse cercando o gado no curral, e no que parecia ser um vazio começaram a surgir fragmentos de memórias, com ele a desenhar a paisagem de um vilarejo desconhecido, e vários momentos fragmentados de angústia e impaciência que lhe pareciam dominar na época, mas quando tentou perceber o que lhe angustiava, outra vez uma névoa surgiu na sua mente e teve de parar o raciocínio novamente para ficar com a cabeça em ordem. "Bom, então… deixa ver, eu estava desenhando uma paisagem de uma vila com um lago, pois é?", e a sua mente ilumina-se perante tal descoberta, "Era Itomori!", ele estava desenhando aquele vilarejo antes da sua viagem, mas o estranho era não se lembrar de pesquisar na internet ou mesmo nos livros sobre o assunto na época, além disso, do pouco que identificou nessas memórias não pareceu sequer referenciar o nome do vilarejo. Apenas lembra-se do nome Hida ter aparecido numa página nesses flashes de memória. "Estranho", pensou, mas ao menos já tinha uma pista, os referidos desenhos que ele tinha usado para se orientar na viagem de acordo com os seus amigos, pareciam ter vindo de uma pesquisa a zero sobre o local, só pode ser isso, se ele soubesse de Itomori a priori nunca teria pesquisado o que rodeava o local. O porquê de ter feito essa pesquisa, e o que o atraiu para aquele sítio continuava a ser um mistério, no entanto.
Entretanto, o cansaço começou a pesar na sua cabeça, e Taki, com os olhos semicerrados olhou para o relógio: já estava a dar 20 minutos para o meio-dia, e, portanto, quase na hora de sair para encontrar os seus amigos. "Tenho de ir já!", lembrou-se urgentemente. Após sair da biblioteca com muita galinha Mitshua e pouco ovo emprego, foi-se dirigindo para lá. Depois de um caminho sem sobressaltos, chegou ao café onde os seus amigos estavam à sua espera.
