Capítulo 3- Uma longa conversa

Quando Taki entrou no café, numa das suas mesas estava um franzino de óculos e outro mais forte ao lado. Eram eles, Tsukasa e Takagi. Taki, que andava com o olhar meio perdido viu um sinal sendo feito com mão no ar e percebeu que eram eles. "Enfim, aqui", pensou quando se sentou. Tsukasa, como se tratasse do chefe do grupo de amigos deu os seus cumprimentos de boas-vindas:

—Bem-vindo, Taki. Como estás? - perguntou Tsukasa como convenção social, embora notasse uma cara diferente do seu amigo, uma com um sorriso mal disfarçado.

—Estou muito bem, obrigado. E como vocês estão? - perguntou Taki após uma resposta onde pela primeira vez sentiu o otimismo impresso naquelas palavras.

—Eu estou também. - disse prontamente Takagi.

—Eu também estou, mas diga-me, que é essa cara de alegria? Finalmente arranjou um emprego? - perguntou Tsukasa tentando interpretar as novas do seu amigo.

—Não... Não é isso! - respondeu Taki corado.

—Oh! Vá lá! - interveio Takagi – Que outra coisa poderia... espere! Você encontrou uma garota? - perguntou ele em uma pequena provocação.

—Bem... na verdade, pode-se dizer que é isso! - largou Taki a bomba, envergonhado, sabendo que não dava para esconder aquilo dos seus amigos.

Após essa revelação, Tsukasa e Takagi trocaram olhares. O Taki, aquele rapaz que não parecia interessar-se por nenhuma rapariga desde o encontro com Okudera, de repente arranjou alguém do nada? Tsukasa interviu:

—Muitos parabéns! Já era sem tempo! - parabenizou ele – Mas diga-me, quando é que a conheceste? Já a tinhas conhecido na última semana que nos encontramos? - Tsukasa queria saber mais.

—Quanto a isso… foi hoje de manhã! - Taki tentou parecer o mais natural que possível.

—Já com esse sorriso? - interveio Takagi chocado.

—Olha, nós ficamos muito felizes com isso, mas o que o meu amigo quer dizer é que parece prematuro ficar apaixonado por uma rapariga que se conheceu pela primeira vez horas atrás. Já a tinhas visto antes? - Tsukasa tentou ser o racional do grupo, mas estava em choque também.

—Bom... é a primeira vez que a vejo. Eu cruzei os olhos com ela num comboio e ambos nos encontramos lá fora, apresentamo-nos e tivemos uma conversa. - Taki sabia que não tinha como isso ser normal.

—Hmmm... não sabia desse teu lado matador Taki! Seduzir gajas num comboio e ter sucesso com isso? - Tsukasa tentou aliviar o seu choque pela revelação do seu amigo com uma provocação amigável.

—Alguém que chame os bombeiros que este "Don Juán" está bem caliente ahahaha! - troçou Takagi.

—Olhem, é para ouvir ou para gozar? - Taki fez um gesto para os calar - Eu não a conheci no mesmo comboio, foi em comboios separados. Acho que foi amor à primeira vista, ambos saímos na estação mais próxima e fomos ter a um ponto de encontro não combinado. Foi algo mágico mesmo que não perceba como aconteceu – disse Taki melosamente nas nuvens.

Tsukasa e Takagi ficaram pensativos, aquilo não parecia o seu amigo. Ele normalmente era uma pessoa pragmática e que não ficava procurando moletas emocionais em parceiras, ao ponto de ter recusado uma oportunidade flagrante na faculdade. Mas havia uma coisa nele que os mantinha apreensivos, o seu olhar triste e distante quando Taki não se apercebia que eles estavam a olhar para ele. Antes daquela viagem louca a Itomori ele não tinha aquele olhar, mas o passou a ter depois da viagem. Na verdade, ele já estava meio distante depois do encontro com Okudera, mas parecia ser mais inquietação com algo, não tanto um olhar triste e vazio como posteriormente. Na altura eles se perguntaram se se tratava de alguma garota da qual não conseguia confessar os seus sentimentos, mas à medida que viam que ele não estava a fim de nenhuma garota, abandonaram essa suposição. Mas agora, parecia feliz, o olhar triste que muito provavelmente o veriam numa interrupção de conversa, desapareceu por completo. Tsukasa quebra o silêncio:

—Olha, eu vou ser honesto. Estou feliz por ver-te com essa cara, desde uns anos não te víamos assim, estávamos até preocupados… - desabafou Tsukasa.

—Pre… preocupados? – Taki perguntou com hesitação.

—Como não? Parecias um cachorro mal morto! Desde que vocês fizeram aquela viagem que nunca mais foram os mesmos. – Takagi mirou no Tsukasa. – Sim! Também estou a falar contigo! Mas ao menos ficaste com a gata da Okudera, enquanto tu Taki, bem, vieste de mãos vazias! Mas como esperavas encontrar a garota que conheceste online numa vilazinha destruída por um cometa? Deixa-me ver qual era o nome… Ah! Itomori! – concluiu Takagi.

—Não fales no assunto! – Tsukasa deu uma cotovelada forte a Takagi – Tu sabes que ele não gosta de falar disso! – repreendendo-o.

—Mas eu é que trabalhei que nem um cão para cobrir o vosso turno! – lembrou Takagi – Eu tenho o direito de falar desse assunto à hora que eu quiser! E além disso, não terias conhecido a Okudera se não fosse eu Tsukasa! – atirando à cara dele.

—Ora seu… - e Tsukasa entrou na briga.

Enquanto os dois amigos discutiam Taki ponderou nas palavras de Takagi: "Uma garota que conheci online?". Era assim que os seus amigos pensavam da sua busca em Itomori? Essas palavras soaram-no como um déjà-vu, muito provavelmente os seus amigos disseram-lhe isso durante ou até mesmo antes da viagem. Mas por alguma razão tinha amnésia desse período que só agora tentou descortiná-lo esta manhã. Saindo, todavia, dos seus pensamentos, percebeu que tinha uma briga para acalmar:

—Parem! Por favor! Escutem-me agora! – os dois pararam de repente com o tom autoritário de Taki – Não estejam a discutir sobre o que deveria ou não ouvir, eu aguento tudo! – disse Taki fazendo-se de forte – E Tsukasa, não preciso que sejas a minha ama! – atirou ele.

—Mas eu evitava tocar no assunto porque estava preocupado contigo, eu e Okudera… claramente ver destruído o que procuravas parece ter-te traumatizado, e eu supus que tu dizias que não te lembravas por não quereres falar no assunto, então não queria empurrá-lo a ti à força. – disse Tsukasa com um tom paternalista.

—Eu entendo-te amigo, não estou ofendido. – Taki pôs a mão no ombro de Tsukasa – E provavelmente se o Takagi tivesse contado o mesmo ontem eu teria ficado frustrado, mas não pela reação que pensas – Taki fez uma pequena pausa – Eu realmente não me lembro literalmente de nada a não ser acordar no topo da montanha e a viagem de regresso sem história nenhuma – Taki olhou nos olhos de Tsukasa – Preciso que me contes tudo o que sabes sobre a viagem, eu só hoje de manhã apercebi-me que os desenhos que fiz de Itomori foram a tentar adivinhar um lugar, que eu nem sabia que existia… – disse Taki enigmaticamente.

—Espera, tu não sabias disso? – interviu Takagi – Até eu que não viajei sei disso! O Tsukasa enviou-me os desenhos pelo chat, lembro-me que até escreveu um comentário dizendo "Este desenho é a única pista que temos, deseja-me boa sorte!". Parecia uma caça ao tesouro, daquelas que só tem um pergaminho como pista, mas este nosso Taki parecia não conhecer a internet ahahaha – gargalhou Takagi mas recompôs-se logo de seguida – Bem, mas se tu não te lembras do que fizeste na época será que alguém não te terá dado estupefacientes enquanto estavas sozinho? Estou preocupado Taki! – Takagi começou a mostrar preocupação sincera com o seu amigo.

—Não… não é nada disso, simplesmente esqueci-me. – Taki respondeu secamente.

—Hmmm… podias-me responder porque só te lembraste dos teus desenhos de Itomori só esta manhã? O que essa garota tem a ver com isso? – a vontade de Tsukasa de sacar respostas do amigo voltou de novo – Não creio que te tenhas lembrado de uma coisa dessas casualmente, não é Taki? – Tsukasa o encarou de forma investigativa.

—Tens razão Tsukasa! – levantou o ânimo Taki ao poder voltar a pensar na rapariga – Eu não te disse de onde ela é, ela é… - Taki hesitou com receio das reações exageradas dos seus amigos – Ela é de Itomori! – largando a bomba.

Os dois amigos ficaram pálidos com a revelação de Taki. Não bastasse as estranhas circunstâncias com que ele encontrou a garota, e a sua estranha reação apaixonada para primeiro contacto com ela, a garota Mitshua era de Itomori! Algo não lhes batia certo, era demasiado surreal para ser verdade.

—Ó Taki! Tens a certeza de que não andavas a stalkear garotas de Itomori nas nossas costas? – perguntou com provocação Takagi – Não era preciso esconderes isso, essas coisas estão sempre seguras connosco rapazes! – Takagi piscou o olho na direção de Taki.

—Não! Eu nunca faria uma coisa dessas! – defendeu-se Taki.

—O que mais poderia ser? – questionou Takagi.

—Ó Takagi! – interveio Tsukasa – Acho que podemos confiar que o Taki não faria uma coisa dessas, e muito menos não nos contaria a nós! – tentou amenizar as insinuações de Takagi. – Mas, Taki – Tsukasa dirigindo-se agora a ele – Tens a certeza de que não a conheceste antes, de vista ou algo assim a caminho da nossa viagem a Itomori? – perguntou Tsukasa com as mesmas dúvidas que Takagi.

—Eu… bem, foi precisamente o tema principal da minha conversa com ela! – revelando Taki – Vocês não são os únicos com essas dúvidas. Para nós também foi igualmente bizarro! – argumentou Taki tentando demonstrar que estava no mesmo barco que eles.

—Bem, é um bom princípio vocês os dois terem consciência disso, eu suponho. – Tsukasa não sabia mais nada o que acrescentar.

—Tsukasa, não te esqueças que tinhas dito que me ias contar o que aconteceu na viagem. – Lembrou Taki – E se não te importares, podias-me contar como agi nas duas semanas anteriores? Depois bem… do encontro com Okudera? – Taki pediu em tom de imploração.

— A tua memória está pior do pensava Taki! Não achas que devias ir a um médico? – Takagi disse isso entre um tom de provocação e preocupação.

—Não, eu estou bem! Eu só não me lembro desse período, e talvez também a maioria do mês anterior, mas de resto lembro-me de tudo normalmente! – tentou escapulir-se Taki de preocupações mais sérias dos seus amigos, sem se aperceber que também tinha revelado mais problemas da memória dele.

—Do mês anterior também? Bem, aí não me admiro tanto… – disse Tsukasa apreensivo – Tu nesse período fizeste cada coisa, e depois não te lembravas nada disso no dia seguinte!

—Eu hoje também me lembrei de vocês falarem que eu agi de forma estranha nesse período, disseram-me que eu era, e passo a citar: "fofo e gastador". – Taki arregalou os olhos para os amigos - A parte do gastador até entendo que via dinheiro em falta no dia seguinte. Mas fofo? Como assim fofo? – perguntou Taki, agora puxando os seus amigos para uma investigação da qual estava a fazer anteriormente de forma introspetiva.

—O teu lado, digamos… fofo – Tsukasa sentia-se embaraçado de se relembrar disso - Começou num dia em setembro, na primeira ou segunda semana, onde te atrasaste para a escola por teres-te perdido pelo caminho e além disso não trouxeste comida. Até aí nem ligamos tanto, era estranho, mas podia ser um lapso, acontece a todos nós a dada altura, não é? - Tsukasa pausou – Até quando te esqueceste onde era o teu trabalho, podíamos ter ignorado por só ter acontecido uma vez. Mas era a tua estranha forma de agir no meio daqueles lapsos, que se destacava para nós, e nos preocupava. - Tsukasa ajeitou os óculos e esperou autorização para continuar.

—Agora a minha vez – Takagi quis também participar no relato – Olha, em primeiro lugar falavas com sotaque diferente, muito parecido ao daqueles filmes que se passam no Japão rural. Depois, parecias entusiasmado por coisas que são normais para nós, mais que uma vez te sentias animado por visitar cafés ou mesmo por qualquer montra que aparecesse à nossa frente… era como se fosses um turista. E não só agias como um turista como gastavas igual a um! Não sei o que te tinha dado na época, mas parecias que tinhas acabado de seguir o conselho de algum guru ou algo assim. Mas no dia seguinte já parecias o Taki normal de sempre, exceto numa coisa, não te lembravas do dia anterior, ou pelo menos, não parecias lembrar - terminou Takagi esperando que Taki dissesse alguma coisa sobre o sucedido.

—Eu… bem, tinha feito uma investigação nas minhas memórias hoje e tenho descoberto coisas muito estranhas, coisas sem sentido, mas que ao mesmo tempo me fazem perceber que tenho amnésia nesse período, algo que nunca tinha percebido antes. Quanto aos gastos sem sentido que fazia, acreditem ou não, eu não me lembro de culpar a mim mesmo por isso, mas sim a alguém, talvez a aquele Taki do qual não tenho memória nenhuma… - Taki não quis continuar a falar do que parecia uma doença psiquiátrica dentro dele.

—Para ser honesto, eu e Takagi chegamos a pensar em chamar-te ajuda médica, quando o teu comportamento continuou noutros dias e semanas - disse Tsukasa como se estivesse lendo a mente do amigo – Mas acabamos por abandonar a ideia, embora estivesses a agir de forma estranha, parecias são. Acima de tudo, foi porque esse Taki diferente conseguiu atrair Okudera, ao ponto de ela aceitar um encontro contigo. Não queríamos estragar as tuas chances de ser feliz com preocupações talvez exageradas. Mas… - Tsukasa lembra-se de algo – A Okudera contou-me algo sobre ti, sobre aquela vez que lhe arranjaste a saia, depois de a teres arrastado para o vestiário. Nunca pensei que tivesses essa coragem, muito menos que soubesses fazer bordados que as mulheres gostam, ao ponto de ela dizer que tinhas bom senso feminino. Taki, com bom senso feminino? Nunca poderias ser tu! - troçou Tsukasa desse absurdo, que até tirava ele do sério.

—Não sei, é tanta coisa para processar… - era difícil para Taki aceitar tantas coisas que fez sem nem suspeitar de as ter feito – Mas sinto que a vossa preocupação comigo depois da viagem a Itomori fosse mais acertada, eu sentia-me triste por algo que nem sei, mas como era um sentimento constante eu meio que normalizei. Aquela linda mulher que encontrei esta manhã resgatou-me algo que pressentia que me faltava desde então – emocionou-se Taki, ao ponto de cair uma lágrima no canto do olho.

—Então estavas mesmo mal, não era impressão nossa! Mas porque não nos contaste a nós que somos teus amigos? – questionou Takagi.

—Vocês não tinham como entender… – Taki esboçou uma cara sombria depois dos seus pensamentos mudarem de foco da Mitshua para os seus tempos depressivos em comparação - Eu sentia que faltava alguém na minha vida, acordava em lágrimas pensando nisso, mas não era algo que vocês pudessem ajudar. Como vocês sabem, eu rejeitei até uma rapariga bem jeitosa que me declarou, e tenho a certeza de que a vossa solução era eu ficar com ela ou com outra qualquer. Mas eu não queria! Eu queria alguém em específico que podia nem estar nesse mundo, e então olhava para tudo o que era lugar à procura dela, era algo que não conseguia controlar. - Taki faz uma pausa para limpar mais lágrimas em início de formação - Uma das razões que pude encontrar aquela mulher era porque estava procurando por alguém, ao invés de estar a ganhar tempo em rever a minha agenda no comboio ou algo do género, eu ficava especado olhando para a janela, e sentia que estava a perder algo se não o fizesse. Anos nisto! E pelo que me parece, essa mulher também o fazia igual a mim, eu notei que ninguém mais estava olhando na janela a não ser ela e eu. O que isso significa? Não sei! - concluiu Taki o seu desabafo emocional, como se aquilo não fizesse mais parte do seu presente, não tendo então tanto embaraço para falar.

Tsukasa e Takagi entreolharam-se, então afinal eles estavam parcialmente corretos quando pensaram que podia ser uma garota a causa da tristeza dele, só não conseguiram adivinhar que era uma que eles não conheciam, nem o próprio Taki aparentemente. Afinal de contas, aquele Taki que não se parecia interessar em romance depois do encontro com Okudera, era afinal um romântico de primeira, a fazer lembrar os trovadores da Europa Medieval! E agora dá também para entender porque abandonou a arquitetura estrutural e foi para a arquitetura paisagística: para poder contemplar as paisagens enquanto pensava na sua desconhecida amada, e quem sabe fazer uma migração estilo Matsuo Bashō1 e viver no mundo rural após formar-se! Agora parecia fazer sentido o porquê da sua mudança de vocação, e também a sua forma de olhar no vazio, que afinal não era vazio nenhum, mas sim algo concreto, alguém concreto, mesmo que desconhecido. Todavia, não se esqueceram do que o Taki lhes contou, Tsukasa chegou-se à frente:

—Olha amigo, eu não sabia que tinhas sofrido tanto. Devias ter-nos contado, mesmo que achasses inútil! Nós estamos aqui para isso… - aconselhou Tsukasa sentido pelo desabafo de Taki – Mas acho que teres encontrado essa mulher, mesmo que nessas circunstâncias, vai-te ajudar a animar, ainda mais uma de Itomori, daquele sítio que eras obcecado. Boa sorte para o futuro, que sejas feliz a partir daqui ok? – Tsukasa quis confirmar o bem-estar do seu amigo.

—Fogo! Imagina a sorte que tens agora, teres encontrado alguém que te corresponde, e logo dessa mesma vilazita, os astros alinharam-se todos neste encontro. Agora não estragues o que os Deuses te deram de bandeja ahahaha! – Takagi quis animar o ambiente – Mas a sério, não fiques mais triste a pensar em sei lá o quê, se tiveres algo nos conta a nós, ok? – Takagi também quis deixar o conselho.

—Eu… eu conto a vocês o que for. Acho que aprendi a lição… - Taki o disse num tom pouco convencido – Mas imaginem acordar triste numa manhã e não saberem porquê, como iam explicar a alguém, como esse alguém podia-vos ajudar? Agora, estendam isso para praticamente todos os dias, e sem uma única pista do que te mantinha triste. – Taki pausou para continuar a defesa da sua perspetiva das coisas – Além disso, eu estava completamente funcional, eu mesmo não estando bem conseguia fazer o meu curso, apesar de tudo estava motivado para isso. E até dava-me relativamente bem com os meus colegas, tinha boas relações mesmo que não sentisse entusiasmado por essas. Enfim, fazia tudo o necessário para ter um bom futuro profissional ao menos, então eu não me sentia seguro de abordar problemas cuja tentativa de os resolver só me iriam trazer outros piores. Eu queria manter a minha vida como estava, mesmo que não fosse a mais feliz não havia alternativa! – Taki ainda quis acrescentar algo aos seus amigos – Olhem, talvez vos devia ter contado, mas não acho que fosse simples, e se vocês não soubessem como me ajudar? Iam perder o vosso tempo, tal como eu ia perder o resto da minha sanidade mental com perguntas sem resposta? - concluindo a sua perspetiva.

—Taki, Taki, Taki… qual a parte de nos contares tudo que não percebeste? É complicado? Parece não ter solução? Nós estamos nisto juntos! É para isso que os amigos servem! – Tsukasa exaltou-se um pouco.

—Não importa o problema! Sejam uma donzela perdida em Itomori, ou uma abdução alienígena, é para contar tudo! Se bem que… já passaste pelos dois na minha opinião ahahaha! – Takagi brincou com a situação enquanto completava Tsukasa.

—Oh Takagi. Agora que dizes isso, será que o Taki dos bons gostos femininos não terá sido abduzido por um alienígena, e esse o confundiu com uma rapariga? Ahahaha! – Tsukasa entrou no espírito gozão do Takagi e se meteu com Taki.

—Ei! Repitam lá isso que já vos digo umas boas! – Taki podia-se ter aberto, mas aquilo já ultrapassava os limites – E lamento informar-vos que o Taki feminino não traz lembranças consigo – ironizando - talvez o melhor foi mesmo ter esquecido esses surtos que tive… - disse ele negando a sua vontade real de querer recuperar todas as memórias.

—Desculpa, Taki, mas tens de te relembrar desses momentos, só para veres a tua figura ahahah! – gargalhou Tsukasa ainda contagiado pelo ambiente criado por Takagi – Mas uma coisa é certa, ias ficando com a agora minha Okudera às custas disso! – acrescentou Tsukasa ajeitando os óculos e fingindo um olhar sério perante Taki.

—Se calhar os idiotas éramos nós por não seguirmos as técnicas de sedução de Taki, só é pena ele ter-se esquecido delas ahahah! – continuou Takagi o ambiente de brincadeira.

—Sabem que isto é sério, não é? – Taki não lhe agradava que brincassem com a sua falta de memória.

—Sim, nós sabemos Taki - respondeu Tsukasa – Mas vá, relaxa, não leves a mal. Agora encontraste a garota dos teus sonhos já podes deixar esses tempos tristes para trás. Aliás, quando te vi entrar estavas com uma cara de felicidade que já nem pensava voltar a ver. Isso é bom sinal, significa que agora podes olhar para esses tempos passados e rir deles, já que não fazem mais parte da tua vida. – disse Tsukasa começando a voltar à sua postura de bom conselheiro.

—Mas ó Tsukasa. Não será que é cedo demais para ele assumir que está numa nova fase da sua vida? Quero dizer, ele só conheceu a garota hoje de manhã, pela primeira vez! – advertiu Takagi, sendo o mais sensato do grupo pela primeira vez.

—Realmente tens razão, é que o nosso Taki fala dela como se a conhecesse há muito, isso confunde-me! – Tsukasa pôs a palma na sua testa como se a chamar burro a si mesmo por se ter esquecido disso.

—Então acham que eu falo dela como se a conhecesse há muito? – perguntou Taki tentando contestar – É verdade que nos encontramos em circunstâncias muito estranhas, mas a única coisa que sei dela é que é de Itomori, tem 25 anos e que o seu pai era o subprefeito da vila. Também sei de alguns acontecimentos da vida dela, mas isso veio da conversa que tive com ela para ver se nos conhecíamos de algum lado. – Taki tentou esclarecer a situação a eles.

—O quê? Já sabes da idade dela? Isso não se pergunta a uma mulher! – repreendeu Takagi num tom entre seriedade e gozo.

—E ela tem 25? Bem, tu és cás dos meus e gostas de mulheres mais velhas! – Tsukasa deu uma cotovelada amigável a Taki - Mas o recorde pertence a mim e a Okudera. Ser noivo de uma de 29 não é para qualquer um! – não perdendo a oportunidade para se gabar do seu relacionamento. – Mas agora falando de ti, como é que achas que a conheces pouco com coisas que nunca se dizem num primeiro encontro? Até já sabes a profissão do pai dela! – o quão estranho era o encontro de Taki com a rapariga de Itomori voltou a estar presente na mente de Tsukasa.

—Bem, eu nem sei a profissão dela por exemplo, há coisas relevantes que não falamos um ao outro. Soa a primeiro encontro, não é? – Taki tentou provar o seu ponto de vista.

—Não! Não soa! E isso só torna o que tens com ela ainda mais estranho! Como sabes a profissão do pai dela e não da própria mulher à tua frente? – contra-atacou Takagi as premissas de Taki – E além disso, ainda sabes acontecimentos da vida dela? Queres ver que ela também foi abduzida por um alienígena como tu e estiveram a trocar de experiências? – Takagi tentou juntar um pouco de brincadeira às sérias questões que pôs a Taki.

"Ela? Abduzida por um alienígena?", pensou Taki. Naquele momento, veio-lhe à memória do que lhe contou Mitshua, sobre a sua falta de memória no momento da queda do cometa. E o facto de ela ter profetizado a queda do cometa enquanto não tinha memória só tornou a teoria do alienígena não tão descabida assim. Mas porque os dois teriam momentos em que foram "abduzidos" três anos separados no tempo? Como isso relacionaria ele com Itomori? Tinha de ser outra coisa! Parecia mais que era uma coisa que tinha com ela do que algo externo, mas não tinha evidências nem sequer racionais para comprovar isso. Apenas as coincidências entre ambos e o seu coração o guiava, na falta de uma explicação racional era o que sobrava. Após um período de silêncio, Taki falou:

—Não, nenhum de nós foi abduzido por alienígenas – respondeu Taki com seriedade desproporcional à pergunta brincalhona de Takagi – Nós estivemos a falar da possibilidade remota de ambos nos termos encontrado. Era normal não pensarmos noutra coisa depois de nos encontrarmos como se fôssemos conhecidos não? – Taki abriu as palmas das mãos como se estivesse tentando provar aos dois que não tinha nada ocultado – E há um facto curioso, a Mitshua viajou para Tóquio em 2013, um dia antes do cometa para ser exato. E eu naquele dia viajei de comboio em dia escolar, o que significa que as chances de ter cruzado com ela pessoalmente não são tão baixas assim.

—Olha Taki… para começar, nenhum de nós acha que foi algum alienígena, Takagi é que é muito brincalhão – Tsukasa mirou para ele com reprovação – Quanto à viagem a Tóquio que ela fez, morando suponho eu ainda em Itomori, é espantosa a coincidência de datas. Então significa que ela ficou em Tóquio enquanto o resto da vila levou com o cometa em cima? – Tsukasa perguntou agora num tom de curiosidade.

—Não! Mitshua estava lá com os outros conterrâneos, ela fez a viagem, esteve cá umas horas e voltou logo para a sua terra natal, para no dia seguinte… - Taki começou a sentir agonia na sua voz só de lembrar na possibilidade bem real de ela morrer.

—Então por que raio ela fez uma viagem a Tóquio só para ficar cá umas horas? É a mesma coisa que eu ir a Okinawa de avião, ficar umas horas na praia e voltar de voo no mesmo dia! – Takagi não estava satisfeito com a versão de Taki.

—A razão que ela fez aquela viagem… foi para procurar algo, alguém. O mesmo que eu se pensarem bem. – Taki pôs o dedo na sua cabeça – Tanto eu como ela não nos lembramos do motivo da nossa viagem, tanto eu como ela fomos para as nossas respetivas terras natais, tanto eu como ela fizemos a viagem sem olhar os custos e ambos sentimos que perdemos algo depois disso. – Taki suspirou fundo depois de uma demonstração estilo "fomos feitos um para o outro" – Seria óbvio que ambos nos fomos procurar e perdemos a memória sabe-se lá porquê, mas há algo que torna impossível que eu tenha procurado ela e vice-versa… o tempo! Ela viajou em 2013 enquanto eu viajei em 2016, quando ela já não morava lá por razões óbvias há 3 anos! Aliás, ela já morava em Tóquio, o destino pregou-me uma partida de mau gosto! – disse Taki entusiasmando-se no seu relato.

—Taki, relaxa, descansa a tua mente. Não precisas de estar a inventar conexões só porque não consegues explicar o que sentes. – Tsukasa queria acalmar os ânimos do seu amigo – É verdade que vocês têm coincidências estranhas entre ambos, mas o foco deve estar no vosso próximo encontro, na vossa próxima iteração. Da próxima vez que conseguires encontrar ela, evita falar dessas coisas a não ser que ela queira mesmo falar. Aprecia o que ela é no presente e não na possibilidade de a teres encontrado noutra vida ou algo assim. – disse Tsukasa advertindo o seu amigo.

—Taki, quanto à viagem que a tua dama fez em 2013, não te estejas a maçar se a viste na época e esqueceste dela de algum modo. Tu eras um puto de 14 anos, ela tinha 17! E tu nem eras entusiasta de Itomori, lembro-me até quereres mudar de conversa quando falávamos no assunto do momento! Uma gaja do campo a terminar a secundária com alguém citadino terminando o ensino básico, tinha tudo para dar errado! Aposto que a sua família já tinha arranjado alguém para ela! - Takagi tentou desvalorizar as possíveis preocupações de Taki, brincando um pouco com a situação.

—Bem, acho que vocês até têm bons pontos… - disse Taki rendendo-se.

Após afirmar aquilo, fez-se um silêncio na mesa. A conversas tinha sido bem longa, e todos eles já pareciam estar bem exaustos, ora de tanto mergulhar nas memórias como no caso de Taki, ora de tentar entender o que o seu amigo lhes estava a contar como no caso de Tsukasa e Takagi. Todos eles foram para os seus smartphones verificar notificações, redes sociais entre outras coisas, e foi só aí que notaram as horas: já passava das 14 e o café estava agora quase vazio. Claramente gastaram muito mais tempo no seu reencontro que previam, e Tsukasa lembrou-se de algo:

—Foge! Eu combinei com a Okudera de ir às compras com ela e já está quase a passar da hora! – exclamou ele com tom de urgência.

—Desculpa lá por fazer perder o teu tempo Tsukasa, se quiseres eu acompanho-te para poder dizer à Okudera que fui eu o responsável pelo teu atraso. – Taki voltou a sentir os mesmos remorsos quando a Mitshua se atrasou para o trabalho por ela ter conversado com ele.

—Nada disso Taki! Eu é que quis ficar mais tempo e vou arcar com as consequências que houver eu mesmo! – negando a ajuda de Taki e auto afirmando as suas responsabilidades.

—Ok! Então vai já, não quero que a Okudera fique chateada contigo por minha causa! – ordenou Taki – E não te preocupes que eu pago a tua parte da nossa refeição. Agora vai! – Taki tentou ganhar tempo para o seu amigo.

Tsukasa não queria ficar a dever ao seu amigo desnecessariamente, e então sacou rapidamente a sua carteira e deu uma nota grande a Taki:

—Olha! Pagas tu com esse dinheiro a minha parte e fica com o troco! – fez questão ele.

—Ok! Mas eu compenso-te depois! – respondeu Taki determinantemente.

—Eu seiiiiii! – Tsukasa disse isso enquanto saía a correr formando um decrescente na sua voz à medida que se distanciava.

Após aquele momento, Taki e Takagi ficaram sozinhos sem saber o que fazer. Takagi tomou a iniciativa de sair daquele embaraço:

—Olha amigo. Já faz a hora de eu ir para a academia, se não for agora as máquinas vão estar todas ocupadas. Tenho de ir. – disse ele arranjando uma desculpa que era uma meia-verdade.

—Bem, então ficamos por aqui – disse Taki cumprimentando a mão com ele.

—E não te esqueças de nos contar as novidades sobre a rapariga de Itomori ok? – Takagi piscou o olho a Taki.

—Então tchau e bom treino – Taki despediu-se.

—E boa sorte para ti que a vais precisar eheheh! Tchau! – Takagi despediu-se com uma última dica.

Os dois partiram para direções opostas, um pouco à semelhança da separação entre Taki e Mitshua após o encontro nas escadas. Ele então lembrou-se que podia chamar ela naquele momento, para a poder ver o máximo cedo possível, mas provavelmente ela ainda estava no trabalho e preferiu esperar algumas horas, mesmo que lhe doesse a espera. "O que é esta impaciência?", perguntou-se a ele. A paixão que ele sente, quando procura a sua origem, surgem sempre mais perguntas que respostas. Naquele momento não lhe apetecia pensar nisso, estava ainda mais exausto que os seus amigos de tanto puxar as suas forças mentais ao limite durante tanto tempo só para procurar memórias.

Taki foi caminhando para a estação de Yotsuya e depois lá ia decidir se ficava na cidade à espera de que a Mitshua saísse do trabalho, ou vinha para casa para se arranjar melhor para um possível reencontro. Seja qual fosse a opção, tinha sempre ela em mente. Nada na sua vida parecia o mesmo, uma nova fase começou.

1- Matsuo Bashō (1644–1694), foi o poeta mais famoso do período Edo no Japão. Ele ganhava a vida como professor; mas depois renunciou à vida social e urbana dos círculos literários e sentiu-se inclinado a viajar por todo o país, rumo ao oeste, ao leste e ao norte selvagem para obter inspiração para os seus escritos.