Olá Pergaminhos e Nazarins, com mais um capítulo da minha fanfic Aquele que Voltou.

O mal se espalha pelo reino, quem poderá nos salvar?

Com vocês

Aquele que Voltou

Capítulo 70: A Declaração

Todos olhavam para o velho abade que se aproximava da escada aos pés do trono do Rei Santo. O homem era obviamente cego, mas mantinha seu passo vacilante até tocar o primeiro degrau. Ali se ajoelhou e estendeu os braços segurando a urna.

Um cavaleiro a pegou e levou para Caspond. O objeto era achatado, da grossura e largura de um grande livro aberto. O mago da corte já havia testado com magia, e não continha veneno, armadilhas ou maldições. Então era relativamente seguro, mesmo não tendo sido aberto, e pela sua aparência não deveria conter a costumeira cabeça decepada.

- Padre, o que o traz a esta corte? - perguntou Caspond.

- Vossa Majestade, ó Rei Santo, eu sou o padre Órios, do monastério de Surshana. Venho como mensageiro de homens do sul.

- Você é um representante do povo sulista?

- Não, meu senhor, apenas alguém incumbido para entregar esta mensagem. Permita-me contar minha história.

- Prossiga, nobre padre - disse Caspond, enquanto o guarda segurava a caixa.

...

Sete dias atrás

Era tarde da noite. O padre Órios estava em seu catre, terminando suas orações e se preparando para dormir. O dia havia sido longo e muito precisava ser feito. Novos devotos chegavam quase todos os dias, e a congregação estava presenciando um crescimento na busca espiritual desde a derrota de Jaldabaoth. Muitos inspirados pelas histórias de que o próprio Surshana havia retornado como o Rei Feiticeiro.

Muitas dessas histórias deveriam ser invenções de um bardo, imaginava ele, mas a cada dia suas suposições pareciam mais erradas. O padre estava pronto para encerrar seu dia quando escutou os gritos, gritos de desespero e dor.

Pegando sua bengala, dirigiu-se ao corredor. Mesmo sem visão, ele conhecia aqueles caminhos como se fossem parte de si. Corria o máximo que sua velhice permitia. Os sons de luta aumentavam conforme se aproximava do pátio, e quando chegou lá, foi instantaneamente agarrado e chutado.

- PEGUEI OUTRO!

- O que está acontecendo aqui? - implorou o velho padre ao ser arrastado.

Alguém se aproximou e pôs uma tocha em seu rosto, próxima o bastante para o calor arder em sua pele.

- Claro que você pegou, precisa ser um homem velho e cego para você conseguir pegar - zombou o homem com a tocha.

- Vai se danar - respondeu o outro, empurrando o padre no chão.

- O que está acontecendo, meu senhor? - novamente implorou o padre.

- Ah, padre, estamos fazendo uma visita às igrejas e monastérios próximos, então resolvemos parar aqui e descansar.

O padre Órios podia ouvir os gemidos dos outros irmãos, a dor que eles estavam sentindo. Podia ouvir os noviços chorando. Pelos sons anteriores, todos foram espancados, talvez alguns mortos.

- Vocês são bem-vindos a passar a noite aqui. Não temos muito a oferecer, mas o que temos podemos compartilhar.

- Obrigado, padre. O senhor é muito gentil - disse o homem com tom de zombaria - mas veja, nós realmente temos um problema.

- Qual seria, meu senhor? Podemos ajudá-lo?

- Sim! Vocês podem. Eu tenho um recado que precisa ser entregue ao próprio Rei Santo, mas infelizmente assuntos pendentes me prendem aqui. Então, eu gostaria de saber se o senhor poderia nos ajudar.

- Claro, meu senhor, mas sou um homem velho. Acredito que um dos outros padres seria uma melhor escolha para levar sua mensagem.

- Não, nenhum deles parece disposto a viajar - nova zombaria.

- Então um dos noviços. Eles são jovens e sua mensagem chegará logo - sugeriu o padre, tentando dar uma oportunidade para alguém escapar.

- Não, eles são jovens demais. Seriam ignorados ou pior, poderiam ficar tentados a olhar a mensagem. Então, o problema se mantém. O senhor não conheceria o caminho para Hoburns, conheceria?

- Sim, meu senhor, eu conheço.

- Mas o senhor não se perderia? - disse o zombeteiro.

- Não. Já fiz muitas vezes esse caminho em peregrinação. Talvez eu precise de ajuda, uma ou duas pessoas - disse ele, vendo outra oportunidade.

- Mas, meu bom padre?! O senhor é perfeito. Mesmo cego, o senhor poderia seguir a única estrada para a capital em uma viagem de apenas sete dias. O senhor não precisa de acompanhantes, não é mesmo?

- Sim, meu senhor - disse ele abatido - meus irmãos estarão aqui quando eu retornar?

- Mas é claro! Que tipo de pessoa eu seria maltratando homens de fé?

Mais uma vez o tom de zombaria. Alguém trouxe um dos cavalos do estábulo. Não era o mais forte, mas por sorte era o mais inteligente. Ele já havia feito o caminho para a capital dezenas de vezes e saberia ir até lá mesmo sozinho.

O padre Órios foi montado e colocaram em suas mãos o estojo achatado.

- Lembre-se, não abra. Não entregue a ninguém que não seja para o próprio Rei Santo. Se fizer isso, quando voltar, seus amigos o estarão esperando.

Órios partiu pela estrada. Seu cavalo seguiu em um trote contínuo, só parando para descansar. Após sete dias, ele chegou à capital do Reino Santo.

- Então, eu venho até o senhor trazendo a mensagem que me foi imposta.

- Esses homens, padre, consegue confirmar de onde eram?

- Homens do sul. Seu sotaque era característico.

- Então enviaremos o senhor de volta. Uma escolta o acompanhará para sua segurança e expulsará esses rufiões do monastério.

- Não há para onde voltar, Vossa Majestade. Posso não ver, mas por várias milhas durante o longo caminho pela estrada, o cheiro me acompanhou. O cheiro de fumaça... e carne queimada.

Vários nobres ficaram consternados enquanto o padre saía. Queimar um monastério era uma afronta aos próprios deuses, ainda mais estando apenas a uma semana de viagem de Hoburns. Como puderam chegar tão perto da capital sem serem notados?

"Caspond" agora segurava o estojo. Ao abrir, ficou horrorizado.

Dentro dele estava a pele esfolada da cabeça de uma pessoa. Ela estava aberta como uma folha, o rosto praticamente irreconhecível, mas lá estavam os olhos arrancados. Aqueles olhos só poderiam pertencer a uma pessoa: Gustav Montagner.

O Rei Santo "Caspond" não tinha palavras para descrever aquela abominação.

- 'O serviço mais porco que eu já vi!' - pensou o doppelganger Caspond. - 'Tantos cortes desnecessários. Ele está quase irreconhecível. Quem fez isso não sabia o que estava fazendo. A vítima provavelmente morreu nos primeiros minutos enquanto retiravam a pele de sua cabeça. Esses humanos. Se fossem as mãos de Lord Demiurge trabalhando, ele faria um serviço limpo mesmo com uma faca cega. Poderia esfolar uma pessoa inteira durante semanas e mantê-la viva sem nem mesmo usar uma poção de cura. O autor dessa atrocidade é um amador.'

Esses pensamentos duraram apenas alguns segundos, tempo suficiente para seu rosto expressar um horror reconhecível.

- VOSSA MAJESTADE! O que é? - chamou o mago da corte.

- É Gustav Montagner, o capitão dos Paladinos, foi morto!

O salão explodiu em consternação. Todos queriam falar.

- UM INSULTO! REBELIÃO! ASSASSINATO!

- Silêncio! SILÊNCIO! Esta caixa é uma declaração de guerra. Os nobres do sul enviaram isso como um aviso. Eles nos atacaram em um momento em que estamos mais frágeis.

- Ainda assim, precisamos retaliar, mostrar força! - disse um nobre.

- Não podemos enviar o exército para o Sul. Precisamos deles para proteger as terras do norte.

- Os Paladinos! Mande os Paladinos!

- A ordem dos paladinos está dizimada desde Jaldabaoth. Os poucos que restaram estão na capital e ficarão aqui.

- Vossa Majestade, as Cores. Envie as Cores. O Capitão Gustav pode estar vivo. Talvez o mantiveram vivo com poções e o tenham como prisioneiro.

- Talvez - o doppelganger duvidava disso. - Talvez ele esteja vivo, mas as Nove Cores também estão desfalcadas. Apenas três delas sobreviveram à invasão. Poucos candidatos se mostraram dignos de tal posição, e somente um foi substituído. Gaspond se tornou o Branco e, quando partiu para as terras do sul, foi acompanhado pelas outras três cores. Acredito que esses agora trabalham com os sulistas - ele falou, levantando os três anéis esmagados que estavam na caixa, um símbolo de deserção.

- Não há nada que podemos fazer?! - alguém gemeu.

- Podemos nos fortificar para uma possível invasão e provavelmente um cerco. Evacuaremos a fronteira enquanto podemos. Traremos todos para a capital. Vamos precisar de todo apoio para enfrentar esses rebeldes.

- EU IREI PROCURAR GUSTAV! - gritou uma voz feminina.

Os olhares se voltaram para a mulher que, ironicamente, tinha os olhos escondidos.

- Néia Baraja, o que você está dizendo?

- Estou dizendo, Vossa Majestade, que eu irei procurar o Capitão Gustav. Nós fomos colegas de guerra. Se ainda houver uma chance, mesmo pequena, dele estar vivo, então eu partirei para procurá-lo e só retornarei com ele.

- Você não pode ir, Néia Baraja.

- Mas, Majestade?!

- Não! O Reino Santo não enviará seu grupo para tentar um resgate, ainda mais em território que agora consideramos inimigo.

- Mas Vossa Graça, os... Nazarins foram criados para isso? Antes eles eram um grupo de resgate - disse o Cardeal Ebéas, vendo a oportunidade de se livrar de Néia.

- Isso mesmo, nós éramos a Equipe de Resgate do Rei Feiticeiro, em sua maioria formados por rangers e arqueiros. Somos capazes de entrar em território inimigo sem sermos notados. - completou a arqueira sem perceber na armadilha que provavelmente caía.

- Esse não é o problema senhorita Néia, seu grupo é necessário aqui na capital. Além do mais, vocês não têm autoridade para tal ato. Não nos rebaixaremos enviando um grupo mercenário - falou Caspond de forma rude.

Néia estava confusa. O Rei sempre apoiou seu grupo. Será que o medo de uma invasão o estava obrigando a mantê-los na capital?

- Nesse momento de guerra, Vossa Graça, talvez alguma autoridade possa ser dada ao grupo da Sem Rosto - sugeriu o Cardeal, tentando não perder a chance de enviar Néia para uma morte quase certa nas terras do sul.

Caspond ponderou por alguns momentos, e a multidão de nobres e religiosos ficou em suspense.

- Cardeal Ebéas, o senhor tem razão. Cedo demais os tempos se tornaram sombrios novamente e a necessidade bate a nossa porta, apesar disso, eu aviso que essa decisão não foi tomada de forma apressada ou leviana. Eu preferia esperar mais para fazer tal anúncio, mas o tempo se mostra urgente. NÉIA BARAJA! HOJE SEU GRUPO SE TORNA PARTE DO EXÉRCITO DO REINO SANTO, ASSIM COMO OS PALADINOS, OS NAZARINS SE TORNAM UMA FORÇA DA COROA. HOJE EU CONVOCO OS NAZARINS PARA SERVIREM DIRETAMENTE AO REINO, AO COMANDO DE UMA DAS NOVE CORES. VOCÊS RESPONDERÃO A ESTE CHAMADO?

O sorriso do Cardeal começou a desaparecer ao ver o rumo que essa declaração tomava.

- SIM! NÓS RESPONDEMOS!

- ENTÃO, ASSIM COMO SEU PAI FOI ANTES DE VOCÊ, HOJE EU NOMEIO VOCÊ, NÉIA BARAJA, O NEGRO DAS NOVE CORES!

- *Nããããão!* - gemeu o Cardeal Ebéas quando percebeu o que tinha provocado.

Os nobres estavam perplexos. Uma plebeia, uma simples escudeira, chegou a um dos postos mais poderosos dentro do Reino Santo.

Nenhum deles sabia, mas esta reunião estava acontecendo no mesmo dia em que a capital da Teocracia caía.

Como uma premonição, o terror e um frio na espinha passaram por aqueles presentes que podiam ver o rosto de Néia.

Nesse instante, todos temeram por suas almas, pois a Sem Rosto estava sorrindo.