Vestes novas
I apologize, I made mistakes but I tried
You're no different than me
But you know too much.
Morna como uma taça de vinho de má qualidade deixada propositalmente em cima da mesa em um restaurante. Perfumada como o canteiro de Narcisos que seu pai cultivava na janela do sombrio e inacessível escritório. Não era só o perfume, ele sabia, mas o sabor que muito lembrava as loções aromáticas que a mãe espalhava pelo quarto de hóspedes. Ela tinha o gosto travado de loção hidratante quando em contato com as papilas gustativas. Ele sabia disso porque havia percorrido toda a pele dos ombros e pescoço com a língua, deixando a marca quente dos lábios no lóbulo da orelha, onde se deteve por poucos segundos antes de tocá-la no centro do prazer com os dedos anelar e médio.
Não havia ninguém no quarto, apenas a cama branca, uma porta e a luz de duas lamparinas se extinguindo conforme as respirações se tornavam mais aceleradas e o suor tornava os corpos levemente escorregadios.
Ela estava arfante, com os pés entrelaçados sobre o corpo dele, prendendo as costas e os quadris com força e ferocidade. Pedia por mais, silenciosamente, arranhando-o e ele prontamente atendia os gemidos e arranhões silenciosos, demonstrativos do prazer e culpa que preenchiam o corpo dela, aumentando as estocadas e sentindo-a pulsando por dentro, apertando-o e levando todo o seu sistema nervoso ao colapso.
Granger.
Num flash que ele sequer notaria, não fosse a mudança abrupta de cenário para o que deveria ser um pântano ou talvez um cemitério, o rosto pálido e cadavérico de Lucius Malfoy apareceu ao lado do filho e o apunhalou no estômago. As únicas palavras que Draco conseguiu distinguir em sua própria dor e o sabor de sangue e vômito eram "Traidor e escória". O cheio de carne podre e folhas mortas ficou em suas narinas, impregnado, mesmo enquanto se revirava e tentava escapar das mãos de seu pai que pela aparência e odor encontrava-se em avançado estado de decomposição. Pedaços dos dedos caíam no buraco que se abria na barriga de Draco e ele conseguiu ver pequenas coisas se movendo entre a carne pútrida e fétida das mãos brancas e esfaceladas do homem que deveria estar enterrado há mais de seis anos numa vala comum.
Granger, que ainda estava nua, arregalou os olhos em uma expressão de puro horror, foi puxada pelos pés por uma criatura flácida saída de dentro da boca de Lucius. As garras do ser repugnante arrancaram pedaços generosos de carne e ossos do corpo dela. Draco conseguiu ouvir o barulho que poderia, numa frágil e pobre comparação, ser confundido com o som de vários ossos de galinha sendo partidos ao mesmo tempo pelas mãos de um gigante. A conhecida cicatriz no antebraço dela expelia filetes de sangue em cada letra. Sangue ruim, e as palavras brilhavam, vívidas como se fossem recentes.
E então ele acordou, sentindo o coração pulsando na jugular e vez ou outra no peito, como se o órgão tivesse um par de pernas e se locomovesse ao longo de sua cabeça e pescoço.
Draco lavou o rosto na pia da cela e voltou para a cama, sentindo certo desconforto ao se sentar. O pesadelo havia sido, em suma, repugnante e assustador, mas não podia negar que a sensação —ainda que apenas em sonho — de fazer sexo havia sido, sem dúvida alguma, a melhor parte, pois o sonho lhe parecera real o suficiente, a ponto de seu corpo responder o estímulo mental que a lembrança havia lhe causado.
Granger, Granger, Granger.
O sobrenome tinha uma cadência maligna. A última sílaba parecia enroscar entre o palato e os dentes superiores. Era um vício pronunciá-lo, por ódio, por fixação, por nenhum motivo aparente. O veneno ardente da vergonha pinicando e carcomendo a pele, os ossos e a alma. Estava preso na língua dele.
O tempo produzia mudanças aterradoras num homem, e Azkaban também tinha esse poder, embora Draco não admitisse de prontidão. As necessidades físicas ultrapassavam certos limites, e o da racionalidade há muito já o havia abandonado. Kayla não se renderia às suas investidas e ele não se sentia tentado a tocá-la, ou aproximar-se de forma mais íntima. Aparentemente ela tinha um noivo, ou amante, e era devota a ele. Draco também sabia que não estava em suas melhores condições.
Granger, portanto, invadia seu sono, sem pedir permissão, se intrometendo em um lugar privado onde Draco não tinha controle algum: seu subconsciente. Bastava fechar os olhos e a sensação quase real de estar com ela se repetia. Às vezes ele não estava sequer dormindo, apenas cochilando no meio do dia — única ocupação possível quando se está preso em um lugar apertado e silencioso — e imagem de Hermione Granger perdida em gemidos, satisfeita por ter Draco Malfoy dominando-a física e mentalmente deixava rastros irreversíveis.
Por ora, contentava-se com o seu momento de prazer solitário, tentando reviver as cenas do seu sonho, com exceção do momento final, quando seu pai aparecia e todos, aparentemente, morriam de forma tenebrosa. De calças parcialmente abaixadas, Malfoy desceu a mão direita até o baixo ventre, já sentindo a cueca apertada pela maldita ereção. Precisava se aliviar, ainda que rapidamente, pois começaria a sentir aquela dor latejante e persistente caso se contivesse por muito tempo.
Ele não podia evitar o rosto e a sombra do corpo úmido de Granger em flashes desordenados sendo jogados em sua mente tão excitada. Os dedos eram ágeis em cada movimento, a mão deslizava com facilidade para cima e para baixo, e logo foi possível sentir os dedos do pé se retorcendo, os joelhos se esticando involuntariamente, e os músculos do quadril e nádegas contraídos, e então a sensação completa de relaxamento invadindo o corpo inteiro, como se estivesse entorpecido.
Sim, valia a pena, mas a culpa vinha em velocidade semelhante à do prazer. Draco tentava — e obtinha êxito na maioria das vezes— pensar que homens possuíam a necessidade primitiva e fisiológica de ejacular, ele era homem e, sendo assim, era suposto que suas necessidades muitas vezes ultrapassassem certos limites outrora impostos por ele e toda a tradição purista de bruxos.
Silogismo era uma benção. Este era o pensamento silencioso e muito grato de Draco Malfoy.
Já era manhã, não que fosse possível distinguir qualquer feixe de luz dentro do negrume da prisão, mas o som de passos largos e muito afoitos que ecoaram pelo corredor indicavam a chegada de alguém, o que só acontecia quando todos já estavam mais do que despertos e o sol despontando no céu. Draco sabia, pelo barulho de chaves e os constantes insultos, que era Delavick,e agradeceu internamente a qualquer divindade disponível no momento por estar com as calças erguidas. Ficaria em péssimos lençóis se fosse pego por Thomas Delavick em situação tão constrangedora.
—Levante, criatura inútil. Você tem uma consulta com o Doutor Dixon. —Delavick chacoalhou as grades da cela, e devido a sua compleição física: homem jovem, forte e rudimentar, um pequeno empurrão era o bastante para fazer com que as pesadas grades chacoalhassem furiosamente.
Draco levou algum tempo para se levantar. Sentiu os músculos da perna rijos e se não fossem as paredes servindo como apoio com certeza ficaria sentado o dia inteiro no fundo da cela, eventualmente se debatendo para conseguir sair do lugar onde estava desde a hora que fora acordado pelos pesadelos de teor erótico. A perna avariada não era a única responsável pela falta de equilíbrio, e sim a recente, culpada, pecaminosa e quase criminosa, "sessão de alívio" recente. O corpo estava completamente relaxado e os quadris pendendo perigosamente para a cama, onde ele havia cometido o ato, impuro e claro, condenável, por ter sido o objeto de suas fantasias a pessoa que, concomitantemente ao orgasmo, também lhe causava náuseas.
Suas mãos acabaram ficando raladas ao deslizarem pelo concreto áspero das paredes, mas Delavick não estava com ares de quem se importava, muito pelo contrário, seu semblante era de alguém que estava se deleitando da situação ao ouvir os murmúrios e gemidos baixos de dor.
Quando chegou perto da grade da cela, Malfoy ouviu o clique da fechadura, sinal de que estava prestes a sair dali novamente. Não importava o quão grosseiro, autoritário e arrogante era Delavick, aquele som valia o preço de ser chamado de verme e outras coisas piores que mesmo ele, tendo vivido rodeado de comensais, jamais havia ouvido em toda sua vida.
Não era algo permanente, essa era a esperança do preso e, com o tempo, Draco se acostumara com os tratamentos nada gentis ou elegantes dirigidos aos prisioneiros, pois, com a exceção de Feggis ninguém parecia saber como cuidar de seres humanos em Azkaban. Então, para adaptar-se ao ambiente, ele aprendeu a fingir-se de surdo, afinal, energia não brotava do chão e discutir, fazer greve de fome — como já fizera na adolescência para ganhar de presente a poderosa Nimbus 2001 — por um tratamento condizente ao seu nascimento, eram o oposto de poupar energia.
—Circulando, verme maldito. Feggis deveria estar aqui, não eu, então fique ciente de que não estou de bom humor! Você fede a olho podre de centauro. —Thomas amarrou as mãos de Draco e trançou a corda por entre os dedos e a palma da mão de Draco que tentou buscar em suas memórias se algum dia em sua vida já havia sentido tal cheiro.— Sim, é para doer —ele falou quando percebeu que a mão do preso sangrava— Assim você não se atreve a tentar sair por aí enquanto os dementadores estão ocupados.
Ocupados... O que poderia manter dementadores ocupados senão um belo e demorado beijo sugador de almas? Draco pensou enquanto tentava manter os dedos imóveis, evitando assim o contato da pele com as fibras mágicas da corda enfeitiçada de Delavick.
Diferente da sala de Hermione Granger, o local onde Dixon costumava ficar parecia um pouco menor. Era também desorganizado, com folhas limpas e rascunhos pendurados por um cordão que atravessava em diagonal a sala inteira. Junto dos pergaminhos estavam duas camisas de algodão e uma gravata xadrez de extremo mal gosto.
Uma cadeira estava preparada para Malfoy. O apoio e os braços do que se supunha ser um móvel, possuíam fitas de couro com fivelas e Draco imaginou que aquilo fosse para mantê-lo preso e longe do raquítico medibruxo. Era sensato, afinal de contas, dentro do ambiente pavoroso e cheio de lunáticos que era Azkaban, ninguém estaria seguro de fato, nem mesmo com mil dementadores.
—Muito bem, Delavick, pode voltar aos seus serviços. —Dixon falou sem tirar os olhos dos itens pendurados no cordão que atravessava sua sala. — Eu assumo por aqui. A propósito, antes de voltar efetivamente ao que estava fazendo, poderia, por gentileza chamar a senhorita Kayla?
Thomas, que já estava de saída, virou-se tão abruptamente que Draco jurou ter escutado o estalar dos ossos do pescoço no meio do movimento.
—O que quer com ela? — Thomas perguntou, deixando claro seu incômodo pelo interesse de Dixon e esquecendo-se, por um átimo de segundo, com quem estava falando.
Leon finalmente desgrudou os olhos dos pergaminhos, rascunhos, pedaços de papeis rasurados e encarou Thomas. Deu um meio sorriso e meneou a cabeça, fazendo questão de expressar o quão contrariado ficara com a reação de Delavick. Ajustou os óculos de aros tão espesso quanto as lentes, empurrando-o para cima, e passou a mão duas vezes pelo cabelo puxando o último fio, jogando-o no chão, mania que ele tinha desde pequeno.
—Desculpe, Delavick, mas eu estou ouvindo alguém questionar uma ordem? — O medibruxo perguntou com fingida simpatia e cordialidade.—Sua condição aqui em Azkaban é bastante delicada para que tente demonstrar algum tipo de reação... É... Peculiar a respeito de qualquer profissional deste lugar.
—Ela... —Thomas titubeou ao som da ameaça mal velada de Dixon —Ela não está se sentindo bem, senhor. Acordou indisposta e muito enjoada, provavelmente foi a maresia e...
—Sem mais delongas, Delavick. Traga Kayla até minha sala e eu aproveito para examiná-la também.—Leon Dixon ainda teve tempo de olhar para o homem que pareceu hesitar, fitando o medibruxo como se esperasse uma mudança de ideia. — Agora! Isso é uma ordem!
Malfoy estava na sala, presenciou e sentiu a tensão no ambiente, mas não achou apropriado tecer comentários sobre o ocorrido. Dixon sabia ser ameaçador quando queria. Na posição dele Draco também agiria da mesma forma, afinal, o grande prazer de possuir autoridade e poder era, dentre muitos outros, a possibilidade de causar medo e impor respeito nas pessoas.
— Muito bem, prisioneiro. —Dixon, que ainda acompanhava com os olhos os passo de Thomas Delavick, chamou Draco. — Preciso refazer alguns exames de rotina,
—Eu nunca fui examinado. — Draco corrigiu.
— Um pedido especial da nova medibruxa, que Pertindum não estava inclinado a negar.—Leon rabiscou duas folhas e as jogou em um canto provando que sua sala era uma bagunça por motivos óbvios.— Quero que me responda algumas perguntas e depois deite nesta maca.
O medibruxo conjurou uma maca reforçada e igualmente equipada com os aparatos da cadeira em que Draco tomara assento. O acolchoado era cinza, mas as laterais eram brancas com pequenas tiras da mesma cor. Era uma maca antiga, e Draco pôde sentir o couro que cobria a espuma interior cutucando-lhe as costas, mexeu-se várias vezes até sentir as mãos de Leon Dixon tocando-lhe os ombros como se o forçando a ficar quieto.
— Quietinho aí, não me force a usar as correntes. São para presos mais perigosos do que você. Thorfin Rowle estava aqui agora há pouco, dei os últimos retoques nele antes de descer para a despedida.
—O beijo do dementador? —Draco perguntou, sentindo de repente um frio por debaixo da camiseta fina da prisão e um suor gelado se formando nas têmporas, no meio das costas e descendo até o centro de cada glúteo. Aquele assunto era poderoso o suficiente para fazer até mesmo o mais destemido dos homens se borrar de medo, e Draco Malfoy nunca fora conhecido pela sua coragem.
— Bem que ele queria. — Dixon falou e sua voz era séria, sombria, mas nenhum pouco piedosa.
Draco não compreendeu o que o medibruxo dissera com "Bem que ele queria". O que no mundo poderia ser pior que o beijo do dementador? Para muitos aquele era considerado castigo mais severo do que morte. Mas julgando pelo brilho quase maníaco nos olhos do homem que estava se preparando para examiná-lo, Malfoy julgou que, para seu infortúnio deveria haver algo muito pior, e de repente, a julgar pelo sorriso sem qualquer traço de humor que Dixon lhe endereçava, passou num segundo fulgaz, e logo dissipou-se pela mente do prisioneiro que seu destino fosse o mesmo.
—Não confie em Kayla O'Boyle antes de saber porque ela o está ajudando. Sim eu sei que deve ter prometido algo a você. As fofocas correm por aqui, meu caro, e as visitas da bela pocionista não foram negligenciadas. — o doutor ainda não havia desfeito o sorriso, e Draco quase podia ouvir o pulsar latente de todas as suas veias bombeando sangue para o coração.
—Aparentemente a Doutora Granger tem uma preocupação particular com sua condição física, por isso a poção revigorante. —Dixon olhou no fundo dos olhos de Malfoy —Se eu fosse confiar em alguém, seria nela.
—x—
Hermione acordou com a cabeça pesada e os olhos pouco lubrificados. As pálpebras faziam um barulho seco quando ao se fechar, de modo que cada piscadela resultava numa sinfonia de cliques entre pele e globo ocular. Não sabia onde estava, muito menos qual era o dia da semana. Sua mente, no entanto, insistia em afirmar que ela precisava voltar para o campo de refugiados, pois o lugar corria perigo desde que os comensais passaram a vigiar os arredores da floresta proibida. Havia uma sensação incômoda de volta ao passado que a fez tremer de medo. Os pés pareciam frios como se envolvidos por dois grandes blocos de gelo, duros como uma pedra e roxos por um possível princípio de hipotermia.
O corpo não obedeceu a nenhum dos comandos cerebrais, e logo que tentou levantar, Hermione percebeu a gravidade da situação. Estava presa à uma cama de aço e bronze cuja base era coberta de objetos quentes e perfurantes. A carne de seus pés, quase dormentes devido à estranha sensação enregelante, lentamente começou a se fundir com o material afiado e ela teve tempo de sufocar um grito quando a carne da planta dos pés foi rasgada de cima a baixo. Aquela era, Bänihn, a cama da morte, Hermione conhecia muito bem as histórias sobre o quartel general dos comensais e as horríveis torturas seguidas de morte que a supracitada cama possuía em seu currículo.
Embora mal conseguisse abrir e fechar os olhos sem sentir dor ou uma pressão quase artificial nas pálpebras — tal qual uma mão invisível tentando fechá-las — ela notou que o ambiente estava selado, sem portas ou janelas, e era sustentado por paredes de pedra onde fungos e trilhas regulares de musgo cresciam de maneira desenfreada, como uma cela de prisão ou calabouço, e embora houvesse um silêncio sepulcral preenchendo a atmosfera, ainda era possível captar indistinguíveis, e por que não dizer assustadores, sons externos. Cães ferozes e famintos, gritos das vítimas de alguma guerra perdida na história da humanidade, choro de crianças e lamúrias de um velho moribundo.
De repente vozes conhecidas se projetaram através das paredes, mas o som acabou sendo abafado pelas camadas grossas de concreto que foi gradualmente construído, tal como galhos de Hera venenosa, ou ervas daninhas crescendo em velocidade triplicada. Desta maneira, Hermione mal pôde reconhecer os donos das vozes, e quando os reconheceu não foi capaz de distinguir as frases soltas que se tornaram ininteligíveis.
Rony, Harry, Anthony e Malfoy eram quem discutiam com vozes alteradas, arguindo a respeito de alguma missão, como se estivessem alheios ao que acontecia no que supunha ser o quarto onde ela estava. A voz de Rony era a mais alta e algumas palavras podiam ser compreendidas quando ele se aproximava um pouco mais da parede que agora Hermione suspeitava ter ficado ainda mais espessa.
"Luzes" "Saiam" "Patrono" "Não é sacrifício". Eram gritos desesperados. Súplicas e ela jurou ter escutado soluços. Sentiu o próprio peito se rasgando de dor, a alma parecia estar sendo cortada em grandes, médias e pequenas fatias. O som da voz de Rony a devorava por dentro e todos os medos a abraçaram. De repente parecia real demais, e por poucos segundos imaginou se não estaria louca, pois foi forçada a acreditar que Rony estava vivo.
Piscou duas vezes, fechou os olhos com força, sentiu o quarto girar lentamente, e a onda de cansaço tomou conta do corpo entorpecido pela dor. Milhares de indagações giravam em ciranda dentro da cabeça de Hermione. Acaso estaria morrendo? Onde estava seu corpo?
A porta da Ala de danos permanentes e o quarto 17 se revelaram para ela num rápido flash. A cama da morte agora era uma cama confortável do Hospital St. Mungus, e havia o vaso branco que sua mãe gostava tanto. Ou seria outro vaso?
Um homem de jaleco verde claro e cabelo impecável, aspecto jovial, seriedade no olhar tocou-lhe a testa, e Hermione poderia jurar que era Malfoy, mas seus olhos se fecharam novamente, e quando ela os abriu Feggis a encarava com expectativa, o instinto paternal quase jorrando do rosto consternado. A íris brilhava pelo que Hermione julgou serem lágrimas.
— F-F-eg-gis — Hermione não conseguiu controlar os músculos da língua, sentindo-a enrolar e contornar o céu da boca. O pavor que passou pelos seus olhos foi suficiente para que Anthony se recompusesse e a consolasse.
—Filha, acalme-se. — ele tinha a voz macia e aquecida. O dorso da mão de Feggis repousou suavemente sobre a testa de Hermione num gesto bastante familiar e aconchegante. Ela sentiu-se em paz.
Hermione não estava mais no cômodo estranho que ela julgara ser um quarto de tortura. Estava na sala de Feggis com algumas bandagens nos dedos e um gosto forte de sangue no interior da boca. A bochecha estava cortada por dentro, ela constatou assim que movimentou o máximo que conseguiu a língua paralisada e o sabor ferroso se espalhou.
—Deve agradecer por não ter ficado mais tempo lá dentro. Por que não me esperou? —Feggis parecia furioso, embora aquilo fosse extremamente raro e inédito para Hermione. — Não quero nem pensar o que poderia ter-lhe acontecido, mocinha. Precisa agir como uma medibruxa e não uma investigadora. Azkaban não é uma colônia de férias.
Hermione não podia retrucar, embora seu orgulho estivesse ferido e a singela pincelada de arrogância em sua personalidade gritasse para que ela ao menos retrucasse Feggis com extrema malcriação, a língua ainda estava pesada e grossa dentro da boca, como se alguém tivesse substituído o órgão por uma toalha, e havia, por outro lado, a gratidão pelo tratamento e cuidado quase paternais que Feggis lhe destinava. Tentou movimentar a cabeça, mas a única coisa que sentiu foi o peso do crânio pendendo para o lado como se envolta por uma tonelada de malha de ferro.
—O que aconteceu lá pode ser real, ou não. — Feggis falou enquanto fazia, gentilmente, com que Hermione recostasse o corpo na cabeceira da cama que ocupava mais da metade do espaço do cômodo, cobrindo-a com um lençol limpo e perfumado — Talvez seja alguma memória reprimida, um sonho confuso, ou ambos.
—x—
Draco deitou na maca indicada de maneira nada gentil por Dixon. Sentiu as mãos rudes e frias do medibruxo aplicando pressão em seus ombros e pernas que estavam doloridas e pesadas. Decidiu, contudo, que não reclamaria, sua cota de recebimento de insultos estava esgotada para o dia e arrumar briga com o doutor rabugento não lhe seria nada vantajoso.
—Pressão arterial muito boa. Hemácias, leucócitos e plaquetas em bons níveis— Dixon falou mais para si mesmo do que para o dono do corpo examinado. Draco podia jurar que havia um leve desapontamento nos olhos do médico ao constatar a condição saudável em que o prisioneiro se encontrava. — Os indicadores são bons, mas não vamos ser hipócritas, você tem uma úlcera do tamanho da Grã-Bretanha. Os motivos são óbvios, falta de alimentação apropriada, vômitos frequentes e talvez estresse.
— Tenho gastrite. — Malfoy comentou com olhar entediado, sabendo que o homem não faria nada com essa informação. Ele comunicara ao primeiro medibruxo que o examinara tão logo chegara na prisão e nada mudou. Não houve tratamento diferenciado ou uma refeição selecionada.
E Dixon, conforme Draco imaginara, fingiu não escutar, como se estivesse sozinho na sala, diante de um animal prestes a ser dissecado. Talvez fosse alguma espécie de protocolo imposto a todos os funcionários da gigantesca pilha de merda que era Azkaban, ele assumiu, torcendo o nariz quando o médico chegou perto de seu peitoral para ouvir os batimentos cardíacos magicamente ampliados. O infeliz cheirava a cânfora, perfume de bruxa idosa, rosas artificias e loção pós barba barata, um desagradável mix de essências enjoativas.
Após a simplória verificação cardíaca, a varinha do medibruxo passou a girar sozinha no ar em volta do corpo do prisioneiro, causando calafrios e leves picadas na pele seca e suja. Draco sentiu uma ardência no dorso da mão e em seguida algo escorrendo em pequenos filetes entre as dobras do dedo médio e indicador. Sangue.
— Tenho que providenciar um banho e duas doses de poção revigorante. — Dixon procurou um pergaminho na gaveta de sua mesa, molhou a pena no tinteiro e começou a escrever. — Kayla deve cuidar do preparo dessas poções, uma vez que não temos em estoque, e o banho ficará por conta de Feggis, já que ele parece gostar de você. Evidentemente que não deixaria a pobre doutora Granger ocupar-se desta função degradante.
Malfoy não estava mais conseguindo conter a curiosidade que o estava consumindo desde quando dera de cara com o rosto modorrento e antipático de Leon Dixon, e ao ouvi-lo fazer menção à maldita sangue-ruim, o ímpeto de sanar suas dúvidas a respeito da doutora aumentou. Ele sabia que Dixon não era mais o medibruxo responsável por seus cuidados, por isso, a insistente pergunta que o assombrava na mesma medida que o irritava: Onde estaria Granger e por que infernos ela não aparecera por ali. Draco detestava falta de compromisso com as responsabilidades assumidas. Havia torturado e matado pessoas por muito menos.
— Onde está a minha medibruxa? — ele enfim perguntou, mandado às favas o medo de receber alguma punição do homem esquisito e imprevisível que o examinara como um espécime digno de extrema ojeriza. O desejo de descobrir sobre o paradeiro da sangue ruim, sabia-se lá o porquê, parecia ser mais forte do que o receio de perder as poucas regalias que havia conquistado.
Dixon parou de escrever. A pena ficou parada entre os dedos finos do medibruxo, apenas girando quase imperceptivelmente entre o indicador e o médio. A expressão com qual Leon Dixon encarou Draco Malfoy foi de deleitada surpresa. Ambas as sobrancelhas do homem ergueram-se e os lábios se curvaram num esgar.
—Sua? — uma das sobrancelhas do medibruxo manteve-se arqueada em acentuada hipérbole quando o que deveria ser um riso debochado escapou. — Se fosse inseguro a ponto de duvidar das minhas habilidades eu diria que deixei escapar algum feitiço enquanto te examinava e, por isso, você teve seu discernimento severamente alterado.
Draco manteve-se resoluto, não pretendia ceder mediante o sarcasmo do homem que teria servido de tapete para seus pés em outras épocas. Era perito na arte do escárnio, dos olhares de desprezo e risadas vitoriosas quando diante de um oponente derrotado. Dixon não era páreo para ele, e quando encontrasse Hermione Granger poderia fazê-la testemunhar — como boa fiel da religião dos humilhados por Malfoy — sobre os efeitos devastadores de sua língua ferina. Naquele momento, contudo, não era o a hora mais adequada para dar uma demonstração.
—Sim — Malfoy insistiu, frisando o pronome possessivo — minha, conforme os dizeres do termo de responsabilidade que assinaram, sem que eu autorizasse, diga-se de passagem.
— Vejo que é bastante literal. — Dixon agora circundava a própria mesa, deixando a prancheta com os dados do paciente de qualquer jeito sobre outra pilha pergaminhos manchados pelo tinteiro que ele derrubou no movimento de jogar com violência o que segurava. Malfoy sobressaltou. — Vamos, continue falando! Temo que meu escasso conhecimento sobre os aspectos legais de sua permanência aqui estejam incomodando vossa alteza, certo?!
—Apenas fiz uma pergunta, Dixon, com todo o respeito. — "seu puto maldito", ele diria se não tivesse mordido a língua com tanta força a ponto de sentir o gosto do próprio sangue. Puro. Malfoy não teria o rabo tostado por tão pouco, por isso, precisava manter-se na falsa posição de subserviência, embora não conseguisse representar bem o papel, ele tentaria em prol da própria sobrevivência. É temporário, ele repetiu a si mesmo mentalmente, como um mantra. É temporário.
— Pelo que sei, ela se encontra ocupada com assuntos pessoais. O mundo lá fora continua existindo, a despeito de sua jaula ter aumentado. Saiba que além de Azkaban existe um vasto território com pessoas circulando e vivendo suas vidas. — Leon Dixon deu um tapa que se pretendia ser amistoso, mas obviamente não o era, no ombro de Malfoy. — Seus exames terminaram.
xxx
Hermione tinha metas bem definidas naquele dia e, enquanto sentia na deglutição o sabor amargo e oleoso da poção que Feggis havia lhe forçado a tomar, também pensava no próximo passo a ser dado em sua busca pelas respostas das perguntas que trouxera consigo antes mesmo de colocar os pés em Azkaban.
A verdade era que se sentia exausta. Nada se movia em sua investigação amadora e todas as respostas se transformavam em mais perguntas. Além disso, embora estivesse evitando permitir que o pensamento cruzasse sua mente, Hermione vinha questionando a si mesma sobre seu real trabalho em Azkaban e o programa de inclusão de bruxos debilitados. Algumas semanas haviam se passado desde que o último possível paciente, Raul Canvillion, tinha sido examinado. Aparentemente alguma burocracia estava travando o processo que a impedia de atender um número maior de pessoas (certamente acidentaria algo do gênero em seu bloco de anotações). Uma reunião com todos os envolvidos, os quais ela sequer conhecia, com a exceção de Pertindum,, resolveria o assunto.
Havia um pouco de farelo de pão espalhado no fundo de um prato de alumínio bastante amassado e um copo, também de alumínio, quase vazio, preenchido apenas com o líquido azul hortênsia característico das poções atrofiadoras de pesadelos. O cheiro do lugar era bastante agradável, lembrava o aroma peculiar das bibliotecas londrinas que Hermione costumava visitar durante as férias em Hogwarts.
Duas fotos se moviam graciosamente. Numa delas uma moça de olhar altivo, com longos cabelos quase brancos, corria em direção a um balanço de madeira pintado de cinza com algumas ranhuras. Pouco seguro, Hermione pensou. Na outra foto, duas crianças com os dedos entrelaçados pareciam cantar alguma coisa, enquanto sorriam entre si e olhava para a câmera. Um garoto e uma garota. Hermione sentiu as pernas fraquejarem quando olhou para o menino que, mesmo bem vestido, com a candura e felicidade infantil, guardava os traços da criança que ela vira antes de perder a consciência.
— Meus filhos. —Feggis surpreendeu Hermione, que estava absorta analisando a foto. Tinha pegado o retrato para enxergar melhor o garoto.
— Desculpe, Feggis. — Hermione sussurrou, sentindo os lábios tremendo. O frio começava a se instalar dentro do recinto— não tive a intenção de ser intrometida, mas tive a impressão de que...
— Você o viu. — o homem afirmou sem qualquer surpresa em sua voz grave e profunda. — Ele estava lá, no corredor dos dementados. Ele sempre esteve lá, e já faz algum tempo desde que não paro para pensar no assunto e chorar por algo pior do que a morte.
O termo utilizado por Feggis era completamente desconhecido por Hermione. Já ouvira todo tipo de história sobre Azkaban, e fizera seu dever de casa com maestria quando Pertindum a convidara para trabalhar, estudando lendas, geografia, estrutura do local, e pequenos detalhes históricos que apenas os livros mais antigos possuíam. Contudo, nada havia a respeito de algum "Corredor dos dementados".
— Suponho que nunca tenha ouvido falar sobre eles, mas pela lógica devo assumir que essas pessoa aquelas que receberam o...
— Sim, o beijo do dementador. — Feggis completou. Suas rugas pareciam mais profundas quando vistas de perto, e os pequenos olhos castanhos muito mais solitários. Todos em Azbakan eram solitários, como se a prisão possuísse um campo magnético de tristezas, de modo que alguém somente estaria apto a trabalhar nela se possuísse uma história trágica.
— Margareth e Mark — Hermione sussurrou. — Você os mencionou quando cheguei aqui.
— Maggie tinha 14 anos, e Mark 11. Tudo aconteceu rápido demais. — A respiração de Feggis sonorizou um peso que não era natural, parecia sentir dores quando deu uma pausa e apertou o apressou-se em mudar de assunto, mas ele a interrompeu com um sinal. — Depois que minha esposa morreu, as dívidas começaram a tomar proporções assustadoras, o banco ameaçou confiscar todos os artefatos da loja do meu pai, que eu mantinha com sacrifício a fim de preservar a memória do homem que sempre fora minha inspiração. Estávamos precisando de dinheiro, então eu me vi obrigado a vender tudo o que possuía para assegurar que meus filhos tivessem a dignidade resguardada.
Feggis tinha paternidade no olhar. Poucos eram os homens, na opinião de Hermione, que guardavam essa peculiaridade nos olhos. Ela estava diante de um ser humano que carregava a culpa pelas péssimas tentativas de fazer algo bom para os filhos.
—Ah, Hermione, ainda assim não foi suficiente, e logo tirar Maggie da escola se tornou uma necessidade. — Anthony enxugou os olhos com a costa da mão . — Trabalhar e morar aqui foi o único caminho disponível quando a comida beirou à escassez e, mesmo depois de todas as apelações ao Ministério, o Gringotes tomou minha casa e o pico dinheiro que ainda me restava.
Feggis apertou o porta retrato contra o peito, como se pudesse colocar as crianças que se moviam radiantes dentro do coração, o lugar seguro onde todos os pais têm certeza da eficácia de seus cuidados extremos.
— Duas semanas morando neste lugar e acabei perdendo Maggie e Mark de vista. Ambos estavam entediados, e com razão! Azkaban não é um lugar apropriado nem para adultos, quanto mais para crianças. — A memória parecia incomodar Feggis de tal maneira que era possível visualizar o processo de externalização das emoções em seus movimentos, respiração e postura.— E por um descuido, devido ao volume de trabalho, estresse, estafa, eu deixei a porta deste quarto destrancada. Não preciso dizer que Mark convenceu Margareth a sair para explorar a prisão, e ambos se perderam entre os corredores. Com medo, cheios de traumas, o final da história seria pouco típico de Azkaban se não se resumisse em morte, e uma filha mentalmente traumatizada. Eu perdi as únicas pessoas que tinham o poder de tornar minha vida menos miserável.
A pior memória que alguém poderia ter era presenciar a morte de alguém muito querido, disso Hermione tinha certeza. A morte em si, quando vista de perto, deixa em qualquer ser humano a marca profunda e absolutamente inesquecível. Sob essa lógica, as tatuagens ostentadas por comensais da morte faziam sentido, pois, além de representar a servidão de seus portadores, elas também simbolizavam, na percepção de Hermione, a possessividade da morte, que fazia questão de marcar todos aqueles que a encontrassem ativa ou passivamente. Feggis havia sido marcado, Hermione havia sido marcada, assim como todos os que trabalhavam ou viviam em Azkaban. O elo que os unia não era a tragédia de um modo geral, mas a morte.
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O encontro com o doutor anêmico havia sido menos ameaçador do que Draco imaginara. O ódio pelo medibruxo também subiu alguns níveis exagerados e, mais do que nunca, ele desejou enterrar as unhas no pescoço daquele homem até explodir todas as artérias e sentir o bolo de músculos, sangue e gordura —que ele não tinha em demasia — espalhando-se entre seus dedos e sujando suas mãos.
Delavick estava silencioso. Não parecia animado em insultar o prisioneiro, ou cutucar-lhe as costelas com a varinha. Draco não podia dizer que sentia pena, porque os únicos sentimentos que o acompanhavam na longa caminhada pelo corredor até sua cela eram a curiosidade em relação às palavras e supostos enigmas de Leon Dixon, e a indignação para com Hermione Granger.
"Vagabunda descompromissada."Ele pensou, sentindo a ponta da varinha de Thomas Delavick ainda mais perto do esterno. O homem estava distraído e seus olhos um tanto quanto avermelhados. Draco sentiu a pele queimando e percebeu que poderia estar sendo vítima de algum feitiço involuntário. Afastou o corpo novamente, mas Delavick entendeu como uma tentativa de fuga, de modo que não só apertou as costelas de Malfoy, como chutou a virilha do preso com uma força quase inumana.
—Você estava me queimando — Draco grunhiu rangendo os dentes. Se estivesse com as mãos livres teria há muito tempo esmigalhado a cabeça do homem na parede mais próxima. Malfoy ainda estava vendo estrelas, cometas e uma porção de corpos celestes. O chute fora tão forte que ele seria capaz de jurar perante todos os artefatos mortais de sua casa que não seria capaz de perpetuar a sua linhagem — não que isso fosse um grande evento — visto que achava muito difícil uma bruxa decente querer carregar um filho seu estando ele naquela condição sofrível.
Sua preocupação, no entanto, não era nem de longe a inexistência um possível herdeiro ou a dor em seu saco escrotal. A mente de Malfoy, a todo o momento, mantinha-se concentrada no sumiço da medibruxa. Seus punhos se retorciam tamanho o esforço dispendido para advinhar com o que o cérebro da sangue ruim poderia estar ocupado naquele momento. Talvez a vergonha de ter sido vista nua a impedira de dar continuidade ao seu trabalho, o que revelava uma fraqueza que infantil e Draco esperava mais dela, mesmo sem saber que tinha alguma expectativa positiva a respeito de Hermione.
Estranhou quando foi deixado na porta da sala da medibruxa e o clique das algemas se fez audível. Pensou que teria de esperar até ser chamado, ou que não seria entrevistado, examinado, inquirido, ou qualquer outro nome que dessem aos encontros semanais com Granger, não naquele mês.
—Entre! — Delavick ordenou, empurrando Draco para a porta, fazendo-o chocar-se contra a madeira. — A doutora solicitou a remoção das algemas. Eu ficarei aqui na porta caso ouça algo suspeito.
Malfoy adentrou mais uma vez no lugar onde Hermione Granger guardava suas tralhas, livros e pesquisas. Os papéis estavam organizados, como era de se imaginar, e desta vez havia um retrato de Ronald Weasley, estático e colorido. Ele parecia tranquilo, com a alma limpa, sem qualquer penumbra pairando sob os olhos. Existia dentro da íris o brilho típico da felicidade, de alguém que possuía tudo. Draco sentiu raiva. O punho cerrado pressionando a carne áspera da palma das mãos voou na direção do retrato, que chocou-se contra a parede, aos estilhaços. A foto de Weasley continuava ali, no chão, encarando Malfoy, sorrindo para ele.
Draco recolheu a sujeira e empurrou para debaixo do tapete felpudo que ficava no centro da sala, rezando para que Delavick não tivesse escutado o barulho de vidro espatifando-se no chão.
Procurou a cadeira destinada aos interrogados de Doutora Granger e sentou, aproveitando-se do confortável estofado para fechar os olhos e sentir-se humano novamente. Tocando a própria pele sob a luz do dia e olhando o estado de seu corpo, as lacerações e cicatrizes que adquirira em Azkaban.
Observou a própria roupa, tramas de tecidos como aquele se desfaziam facilmente, por isso não era raro ver presos arrastando seus trapos — que um dia foram calças — pelas imediações, quando lhes era permitido circular pelas imediações. Geralmente o referido preso estava caminhando em direção a sua morte.
Draco tinha bastante cautela com as poucas roupas que recebia a cada três meses. Uma camisa verde flanelada, uma regata de algodão cru, duas calças de moletom largas demais para alguém que perdera dezessete quilos desde a chegada em Azkaban. Ele tinha por certo que todas as roupas haviam vestido outro preso que jazia morto em uma das valas arenosas da ilha.
Com silvos desarranjados o vento clamava por um espaço entre as frestas do grosso vidro da janela. A sala de Hermione Granger era quente demais, embora agradável, se comparado ao muquifo onde passava suas noites – dormir não era exatamente o que fazia em sua cela.
Na ponta dos dedos havia a sensação de degelo. No fundo, era como se uma camada de neve estivesse se desprendendo de sua epiderme. Era um sentimento bom, de puro conforto, que só o calor pode proporcionar a uma pele há muito castigada pelo frio e umidade da prisão. "Coisas que a sangue ruim podia proporcionar", ele permitiu o pensamento furtivo, que se entranhou em seu espírito de maneira violenta e ali ficou. A ideia de fazer parte de planos misteriosos já não lhe parecia tão sedutora. Precisava, essencialmente, de alguém emocionalmente vulnerável, objeto fácil de manipulação; alguém que, embora em posição de comando e notoriedade, guardasse no íntimo a latente necessidade de ter os desejos supridos, fossem quais fossem tais volições.
Três taças de bronze estavam cuidadosamente emborcadas em cima do armário de poções. Não havia uma gama muito variada de cores, eram poções simplórias, feitas por qualquer aluno que prestasse o mínimo de atenção nas aulas de Severo Snape.
Granger com certeza era esse tipo de aluna. Embora não fosse nenhuma pocionista de respeito, devia saber alguns truques sobre como matar e, especialmente, salvar alguém com algumas gotas preciosas de suas poções. Uma delas cintilava, arroxeada e não muito cheia. Poção do sono. Draco poderia fazer bom uso dela se roubasse um pouco, Granger certamente não sentiria falta.
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A falta de sono estava finalmente mostrando seus reflexos, a começar pela sensação febril dentro dos olhos e a fina dor de cabeça, que se iniciava nas têmporas e irradiava pela testa, descendo até os olhos e nariz. Se pudesse deitar e dormir o resto do dia, ficaria mais do que agradecida, mas sabia que não era tão simples assim. Ainda havia Malfoy.
O caminho de volta para seu dormitório, escoltada por Feggis, parecera-lhe mais seguro. O preso que enfrentaria quando terminasse de se arrumar, contudo, inspirava-lhe certo temor.
As mãos de Hermione suavam quando se lembrava dos olhos estáticos de Malfoy perscrutando seu corpo. Ela que pensara se lembrar muito pouco do que havia acontecido no banheiro precário da prisão, conseguia resgatar de algum lugar na memória o tremor no maxilar, a contração do peitoral e a respiração presa. Foi a primeira vez que se deu conta de que Draco era um homem e, se não fossem os traços do garoto cuspidor de insultos, ela diria que naquele banheiro, ambos foram, por um átimo de segundo, homem e mulher, nada mais.
— Feggis continuava parado do lado de fora, Hermione podia ouvi-lo tossir de vez em quando. Aparentemente ele a escoltaria até a sala onde Draco já devia estar esperando por horas.
De fato, Draco Malfoy estava lá. Parecia um pouco mais limpo e alimentado, embora o aspecto anêmico ainda fizesse parte de sua aparência. "Poção revigorante". Hermione pensou, lamentando o fato de que nem mesmo um artifício tão eficaz pudesse restaurar a energia dos presos de Azkaban.
— Obrigada, Feggis. Eu assumo por aqui. — Hermione falou, dirigindo-se ao seu mais recente herói. Tentou passar segurança na própria voz, a fim de tranquilizar o homem que dirigia olhares preocupados para ela a cada dois segundos. Provavelmente o esgotamento vinha estampado em sua face.
— Obrigada por hoje cedo, e por ontem. Eu não estaria aqui se não fosse sua ajuda... Também sinto muito por... Por tudo. – Quando ele já estava se virando para ir embora, ela acrescentou.
— Tenho certeza de que você foi um ótimo pai.
Hermione completou a frase um tanto incerta se agora corretamente ao mencionar algo tão particular na frente de Malfoy, uma vez que não sabia qual era o grau de intimidade que o preso tinha com Feggis e sua família. Sabia que Anthony costumava ser muito atencioso com Draco, mas não conhecia os limites desta atenção.
Contudo, o momento de agradecer e prestar suas condolências não surgira enquanto caminhavam para longe do corredor dos dementados, muito menos quando haviam chegado à porta da sala de Hermione.
Durante o percurso, fora como se todas as crenças juvenis da renomada medibruxa fossem jogadas numa latrina. O que ela sempre acreditou ser uma lenda, era, na verdade, uma frivolidade em Azkaban; algo que acontecia com a mesma frequência que ela trocava de roupa íntima. Havia um lugar para os corpos vazios que vagavam pelos corredores; onde as almas ficavam sob a guarda dos dementadores, vendo o próprio corpo vagando na escuridão de um ambiente asqueroso.
Então, a coragem para abordar Feggis só surgira quando ele estava de saída, pois só no silêncio de sua sala foi que a coragem voltou ao seu corpo.
— Não se preocupe, filha. — Feggis respondeu amavelmente. — Mas espero nunca mais vê-la por lá. Tenho grande simpatia pela senhorita.
Hermione não soube o que responder, tão somente sorriu sem jeito, e tratou de começar o seu trabalho. A abordagem seria diferente e, desta vez, ela esperava que também fosse eficaz.
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Ela não estava usando sutiã. A primeira constatação explodiu diante dos olhos de Malfoy quando Hermione retirou o casaco de tweed marrom escuro, após murmurar feitiços de aquecimento. Os seios pequenos estavam pontudos e mesmo sob o tecido de algodão reforçado, material do qual a camiseta que ela vestia era feita, ele conseguia notar os mamilos eriçados. A culpa era do frio castigante que fazia lá fora e dentro da prisão, que ficava dez vezes mais gelada conforme o fim do ano se aproximava e as temperaturas caiam drasticamente.
Em várias de suas manhãs tediosas, a imaginação de Draco, podre e pecaminosa, pintava Hermione como uma falsa "quase-viúva" comportada, que colocava o mamilo entre dedo médio e indicador e o apertava enquanto mordia o lábio inferior e revirava os olhos. Era uma imagem patética, mas quando a ereção matinal atacava, não havia muito o que ser feito a não ser se lembrar da mulher que mais tivesse visto recentemente. Hermione figurava no topo desta lista, pois ele tinha o desprazer de encontrá-la mais do que sua quota pós-hogwarts permitia.
Só podia estar louco. Aquilo era, indubitavelmente, uma idiotice sem precedentes. E ele precisava acordar os instintos amargos e antigos de provocá-la, esfregando a irresponsabilidade de Hermione Granger.
—Sabe, Granger, eu sempre achei que você fosse uma pessoa comprometida com o trabalho. Não me entenda mal, nem considere isso um elogio — Malfoy arregalou os olhos e franziu o venho numa expressao que demonstrava que a mera ideia de elogia-la era o absurdo dos absurdos — mas fui forcado a crer que sua sede, talvez ânsia por controle, regras e organização fosse o pilar fundamental de sua vida….
Draco esperou o que poderia ter sido a passagem de um século, talvez dois. As mãos que suavam por alguma razão inexplicável começaram a coçar e o punho a deslizar por entre as algemas. Ela não disse coisa alguma durante exatos sessenta segundos. O relógio digital — ou parafernalha trouxa nos dizeres de Draco — posto como um souvenir na mesa dela indicava isso.
—O que pode ser mais importante do que cuidar de suas responsabilidades, Granger? —Ele insistiu quando sentiu que o silêncio estava apertando sua traqueia e o deixando desesperado. Sua postura era impassível e desafiadora, mas todo o corpo tremia por dentro.
Ela estava envergonhada, com a guarda baixa. Hermione estivera exposta a uma situação vexatória, fora vista nua, e qualquer ser humano invadido em sua privacidade deixa cair parte de suas defesas.
— Eu — ela limpou a garganta ao notar que a voz falhara — estava tratando de assuntos pessoais.
Hermione Granger escondia alguma coisa, mas Draco preferiu não forçar a revelação, era melhor mantê-la daquela maneira, maleável e pouco altiva. Ele tinha certeza de que algo muito escabroso havia acontecido e, levando em consideração que Azkaban era o lugar que faria a própria Dolores Umbridge ter uma diarreia violenta de tanto medo, ele não duvidava que Granger tivesse presenciado uma cena aterradora.
Hermione alisou a saia branca e Draco notou que ela tinha essa mania, deslizar as mãos pelo próprio corpo. As unhas eram curtas, como se ela as cortasse para evitar o impulso de roê-las em ocasiões nas quais a ansiedade atingia o ápice.
— Comensais. — ela falou, firme e completamente neutra, corrigindo a postura como quem tentar reassumir o domínio psicológico da situação. Ele estivera tão absorto em sua observação silenciosa que havia perdido a noção do espaço e tempo.
—Como? — Draco foi realmente pego de surpresa.
—Fale-me sobre seu trabalho como Comensal, Malfoy. – Ela ainda não olhara diretamente para os olhos dele, mas mantinha a coluna ereta e uma carranca engraçada que mirava fixamente o objeto a sua frente, o calhamaço pergaminhos costurados como um caderno. Havia sempre um motivo para mantê-la ocupada em suas observações, a pena e o pergaminho pareciam importantes demais, e a escrita percorria frenética pelas linhas escuras que ela mesma traçara com uma régua.
—Trabalho? — Draco soltou um som engraçado pelo canto dos lábios. Ele não sabia se ria ou se rolava os olhos frente à tamanha ignorância vinda de uma mulher que se julgava tão inteligente. —Não era trabalho, mas um estilo de vida.
Hermione rolou os olhos deixando Malfoy furioso diante de tamanha audácia. Os orbes castanhos percorriam a face de Draco sem de fato encará-lo. Anotou alguma coisa no pergaminho e desenhou um grande ponto de exclamação ao lado.
— Então considerava aquilo como estilo de vida? Matar pessoas... — Foi a vez de Malfoy revirar os olhos. Homicídio realmente era uma questão dourada para Granger.
— Não me lembro de receber um salário e, honestamente, trabalho voluntário nunca foi do meu feitio. Se seu problema se resume a morte de pessoas inocentes — o sinal de aspas sob a palavra inocente veio acompanhado de um risinho descrente de Malfoy — saiba que muitos dos quais vocês mataram não queriam estar ali e sob outro ponto de vista também poderiam ser considerados livre de qualquer culpa, como Jacob Saboyang, por exemplo.
Hermione conhecia aquele nome. Lembrava-se dele todos os dias, rezava por ele todas as noites. Havia sido morto por uma varinha feita de videira, com 27 centímetros e núcleo de fibra de coração de dragão. A varinha de Hermione Granger.
Ele estava no campo de refugiados uma semana antes de Roney aparecer misteriosamente doente. Pedira por ajuda, com seus olhos infantis e assustados, carregando apenas uma bolsa velha, com alguns sanduíches e pouco mais do que dois sicles. Desarmado, repleto de arranhões nas bochechas. Atravessara toda a barreira de espinheiros e mandrágoras, o que fez com que o grito das plantas fossem ouvidos de longe. Hermione correu o mais depressa que pôde, carregando em seus braços uma criança que acabara de chegar ao campo de refugiados com múltiplas fraturas e sinais de tortura causada pela maldição cruciatus.
Jacob estava desvairado, cheirava a queimado e suas roupas mal cabiam em seu corpo, tamanha a desnutrição. Sob a penumbra, cambaleava para todas as direções e quando percebeu que alguém se aproximava largou tudo o que carregava consigo e jogou-se no chão. Hermione chutou os pertences do garoto para longe e perguntou como ele os encontrara.
A manga da capa, quando caída exibiu a mosmordre.
Hermione entrou em pânico. Correra sozinha para o descampado, carregando uma criança debilitada enquanto muitas outras esperavam por ela, com fome, frio, medo. Jacob olhou para cima, e Hermione leu em seus lábios o pedido de socorro. Não pôde antever a reação do garoto, que puxou o braço da criança que ela carregava e arrastou ambas para o chão. Reflexo. Instinto. Medo da morte. Tais sentimentos ou reações jamais explicariam o feitiço que o encheu de pústula nos pés. Hermione voltou no dia seguinte, mas encontrou o corpo do garoto já sem vida. Chorou até sentir a cabeça pulsante e cheia.
— Você nunca respondeu por este crime, não é mesmo, Granger? — Malfoy aproximou-se da mesa, sem se levantar da cadeira. — Diferente de Draco Malfoy que paga até mesmo pelos crimes não cometidos... Não me pergunte como eu sei que você o matou, apenas pense que nem todos fizeram o "trabalho" imposto por Voldemort porque queriam. Jake tinha quinze anos, mal segurava a varinha em riste sem ter um ataque de pânico.
— Ao menos sente culpa pelas mortes que deu causa? —Hermione questionou, forçando ao máximo a estabilidade vocal.
Ela estava entrando no campo das mortes, então alguns nomes seriam citados. A famigerada pergunta sobre Daphne Greengrass voltaria à tona. Embora ainda não soubesse se descreveria a morte de suas vítimas. Se abarcaria todos os detalhes, ou se inventaria alguma coisa nobre e rápida. Ele sabia que quanto mais detalhes fornecesse, menores seriam suas chances de provar que não merecia ficar ali.
— Sei que hesitou antes de tentar matar Dumbledore. Não vejo em você o perfil de um assassino orgulhoso de suas façanhas. Por que tenta insistir que é uma pessoa má e irremediável?
Draco sorriu de leve. Quanta fé continham as palavras de Hermione. Parecia guardar uma espécie de certeza, de que dentro dele havia um anjo enclausurado pedindo ajuda.
— Você é brilhante, Granger. Uma sangue-ruim irritante, mas ainda assim, brilhante. — Gostaria de, honestamente, corresponder suas expectativas. Proporcionar ao seu coração samaritano algo que a ajudasse dormir à noite, mas eu não tenho motivos para iludi-la e afirmar que sou bom. Sempre fui honesto em relação as minhas características.
Hermione tão somente o observou, as pálpebras cobrindo os belos olhos cinzentos. Finalmente olhou-o nos olhos, sentindo um arrepio engraçado subindo pela barriga, algo sobre ser elogiada, de forma grosseira, mas ainda assim elogiada, pelo inimigo capital da adolescência. Ele se levantou, afastando a cadeira, os pés da mesma arranhando o chão, criando um som grave e pesado no ambiente silencioso. Notou as feições da medibruxa se fecharem e seu corpo tornar-se rígido, quando contornou a mesa e se aproximou dela, abaixando o rosto até que estivesse da mesma altura do dela. As mãos dela buscaram a varinha.
Percebeu que a respiração de Hermione subitamente foi interrompida, seus seios pararam de subir e descer. A proximidade parecia perigosa demais quando uma coruja acinzentada bicou o vidro da sala três vezes, ele se afastou e Hermione voltou a respirar novamente. O rosto adquiriu um tom rosado engraçado e Draco voltou para a cadeira. Granger não notou quando pisou sem querer na foto que Draco estilhaçara antes de ela chegar. Weasley ainda sorria, mas havia um vão no centro da face.
A pobre ave cambaleava lentamente apoiando as patinhas no parapeito da janela, a sua sorte era que voava, pois uma queda daquela altura certamente mataria antes mesmo da trágica e horrível aterrissagem. Hermione reconheceu a letra de longe, sem precisar checar o selo oficial portuário ou o pingente octogonal no pescoço da coruja. Harry lhe escrevera algo e pela aparência dos traços e manchas espessas de tinta havia pressa em noticiar algo. Nas palavras do amigo existia algo valioso, e se apostasse nas fichas corretas, talvez Malfoy teria algo em troca pelas informações guardadas a mil chaves em dentro do cérebro sonserino.
O sorriso dela o incomodava. Qual era o conteúdo da carta, afinal? Havia na curva harmônica dos lábios de Granger um enigma. Nunca havia visto aquela classe de sorrisos em adultos – porque sim, Malfoy dividia sorrisos em subgrupos desde os cinco anos de idade – aprendera com uma velha amiga e isso o fazia sentir-se louco, estranho. Era mais um de seus muitos segredos, daqueles que revelavam uma enorme falha sistêmica em Draco Malfoy, e que se descoberto por alguém culminaria em uma centena de ameaças ardilosas, é claro.
– "Sangues-ruins tem passagens gratuitas para Hogwarts" – debochou Malfoy – "Heróis de guerra celebram o dia em que Harry Potter bocejou pela última vez antes de ir para a batalha". Não, não, melhor ainda: "Heróis de guerra enchem o rabo de bebidas custeadas pelo Ministério da Magia, com o dinheiro confiscado da Família Malfoy".
– Como é? – O sorriso havia morrido lentamente nos lábios de Hermione, um conjunto de linhas de expressões se desenharam em sua testa. Ela mirava Draco como se ele fosse louco. Talvez estivesse, de fato. Um universo de devaneios e conjeturas havia se desenrolado em sua mente, muito pouco do que pensara fora externado.
— O conteúdo da carta. — Ele grunhiu. Odiava surpresas mais do que Voldemort detestava Dumbledore. Não tinha razão alguma em perguntar sobre o que dizia a carta, mas não era como se estivesse se importando. O seu interesse em demonstrar respeito pela mulher que o fitava intrigada era nulo.— Estou fazendo algumas suposições sobre a próxima comemoração em razão da grande vitória dos heróis da grande batalha de Hogwarts.
—Eu odiei a batalha de Hogwarts, se quer mesmo saber — ela disse, provocando em Malfoy uma sensação estranha de desconforto. — Odiei as mortes, a fome, as doenças. Sempre repudiei toda e qualquer comemoração e, se notar cuidadosamente, a depender de quantas vezes teve acesso aos jornais. — não havia arrogância no tom de voz dela, apenas casualidade — compareci em três eventos, não mais do que isso, pois acredito que os organizadores destes jantares, coquetéis, comemorações não es...
—Não estiveram lá. Não sabem um terço do que aconteceu. — Ele completou absorto e ambos trocaram olhares diante da conexão de pensamentos.
— Sabia que seu avô possuía uma ilha? Uma que o Ministério não conseguiu confiscar dentre os patrimônios da família Malfoy. – As palavras foram definitivamente regurgitadas numa velocidade que o cérebro de Malfoy não acompanhou. Ela era imprevisível e, por ora, deixou-se levar pela sensação de que ela não estava objetivando uma permuta, mas tentando oferecer ajuda. E aquilo provocou nele uma sensação de adrenalina, logo submergida pelo ceticismo comum.
– E o que pretende ganhar me contando isso, Granger? – sentiu a saliva pesada escorregando pelo esôfago.
– Apenas me conte tudo o que sabe. — ela definitivamente tinha um brilho nos olhos e se arriscasse o palpite afirmaria que havia esperança, só não imaginava em quê.— você pode sair daqui Malfoy, se provar que não é tão perigoso quanto insiste em afirmar..
Malfoy caminhou na direção de Hermione novamente, como um gato, sorrateiro e quase imperceptível. Ela pôde sentir o calor do hálito de café. Feggis deveria ter trazido, já que Draco ficaria acordado a noite toda à espera do resultado de seus exames. Era mais uma dentre as pequenas torturas que Azkaban gostava de proporcionar aos presos.
Sentiu o vento da aproximação do corpo de Draco. Foi rápido, mas sensorial demais. Ele tinha certo magnetismo, talvez fosse essa a razão pela qual não estivesse tão em dúvida sobre a própria sensatez. Afinal, quem era Malfoy depois de tantos anos? Quem era Hermione Granger, depois de uma vida marcada por exigências feitas à uma eterna heroína de guerra?
Algo sublime, primitivo e natural, fez com que a palma da mão direita de Hermione tocasse o antebraço de Malfoy, em uma tentativa duvidosa de afastá-lo. O choque na íris acinzentadas e a silenciosa súplica escondida em algum ponto da pupila dilatada fez com que ela retirasse a mão, hesitante. Ele, tomado pelo mesmo torpor, segurou a mão que o havia tocado com firmeza e colocou-a de volta em contato com a própria pele, levando o indicador aos lábios e bochechas de Hermione.
– Isso vai ser divertido, Granger. — A voz rouca e grave ficou ecoando nos ouvidos de Hermione, e só parou quando ela escutou a porta se fechando atrás de Malfoy.
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Escócia–4:45PM
Naquelas bandas sempre chovia, e não era por sorte que Kayla carregava debaixo do braço o grande guarda-chuva vermelho. A tempestade seria feia naquela noite, podia sentir pelo cheiro das folhas apodrecidas no chão. Vítimas do volume incessante de chuvas daquela temporada, algo dentro de cada uma delas exalava um perfume mortal que resgatava memórias indesejáveis da infância, adolescência e vida adulta. Kayla sorriu amargamente, lembrando-se de como o seu olfato apurado fora uma das razões pelas quais se encantara pelo universo das poções. Folhas mortas de coníferas, contudo, eram o ingrediente perfeito para a poção do sangue de ouro, que não tinha relação nenhuma com o nome que lhe fora dado, mas tinha toda a cortina de terror que faria mesmo os pocionistas mais experientes tremerem de pavor.
À medida que caminhava Kayla sentia a brisa nauseante penetrando por entre a vegetação densa, a atmosfera densa e úmida, típica das casas velhas, alcançava seu nariz e parecia querer arrastá-la de volta para as paredes do casarão abandonado e muito bem trancafiado, isolado de tudo e todos. Sempre que precisava colocar os pés ali listava ao menos três bons motivos pelos quais ainda não ateara fogo e matara todas as malditas freiras queimadas. Era o exercício mais cansativo do dia, mais até do que ter de subir os trinta e dois lances de escada até os quartos especiais, onde estava a pessoa com a qual se encontraria em breve.
O portão dianteiro, que guardava o interior do lugar onde Kayla fora deixada aos onze anos, era de uma madeira muito resistente, tendo em vista as condições meteorológicas sob as quais era submetido desde a sua construção. Cada ripa de madeira possuía um conector de aço, e os espaços vazios eram, decorados por grossos rebites de ferro fundido. Ali não permitiam a entrada de qualquer um e, embora parecesse um sistema de segurança precário, funcionava perfeitamente quando em se tratando de invasores trouxas. Muitos aventureiros apareciam por ali para investigar o misterioso casarão de freiras.
Kayla deu sete toques na maçaneta e esperou. Havia ferrugem e uma fina camada de lodo em volta, que fez o pensamento pirofágico retornar à mente da pocionista. Pediria um pouco de álcool para higienizar as mãos quando adentrasse o recinto, o que mais tinham ali eram produtos desinfetantes e antissépticos.
O portão foi aberto pelo único homem permitido naquele lugar Com ele vinha o cheiro azedo de gim barato e suor. Era um homem nojento que só permanecia ali por questões políticas. Conhecia a sobrinha de algum parlamentar influente, então enchia os dentes amarelados de qualquer coisa com teor alcoólico acima de 35% e roçava o corpo desengonçado nas garotas recém chegadas sem ouvir quaisquer reprimendas da Madre Superiora. Não havia no convento uma mulher sequer que não tivesse sido alvo das investidas de Zadiq
Zadiq era um solteirão, raquítico e pálido que, aos 46 anos, não conseguira um emprego que lhe pagasse mais do que trinta libras esterlinas por semana. Notória era sua incapacidade de se relacionar com outros seres humanos, mas, o seu pior defeito – dentre a extensa gama de características odiosas que ele possuía – era a luxúria. Todos que conhecessem Zadiq sabiam que ele não tinha nada a perder e por isso arriscava tanto em seus intentos, os quais variavam, desde uma noite com as novatas do convento em troca de informações sigilosas que ele, sabe-se lá como, conseguia, até as grandes regalias, tais quais a construção de uma oficina de marcenaria dentro da propriedade.
Ele não era marceneiro, Kayla sabia disso. Um dos muitos motivos pelo qual Zadiq nunca tocara em Kayla, mesmo quando atravessara a puberdade, foi o fato de que à época, a garota sabia de seus segredos. Zadiq era um bruxo, um pocionista e metamorfomago fracassado que usava os próprios poderes em atividades escusas sob o viés bruxo e trouxa.
Ao encará- ló na porta Kayla não disfarçou o desconforto. Zadiq, contudo, exibiu o colar de dentes mal cuidados e o velho olhar ganancioso.
—Ora, ora — ele aproximou-se com passos quase dançantes, curvando-se e fazendo floreios com as mãos. Daquele ângulo Kayla podia ver a pequena saliência no topo da cabeça do homem, resultado de uma poção mal-sucedida. – Veja só se não é minha doce pupila.
— Por favor, Zadiq, corte esse papo furado e vamos logo ao que interessa. Me coloque lá dentro, tenho pressa hoje.
— Como quiser, pequena flor. — arrastando uma das pernas ele seguiu guiando Kayla para o interior do convento.
Embora detestável, Zadiq era uma ferramenta importante ali. Sem ele seria impossível ajudar Clementine e Chris. Não sabia até quando conseguiria mantê-lo calado, mas pelo tempo que durasse ela ficaria satisfeita.
As casas das moças de eram limpas demais. O cômodo onde deveria existir uma sala estava preenchido pelo forte aroma de éter, anis e água sanitária. Aquele não era, nem de longe, o local mais apropriado para receber visitas. Havia quem dissesse, entre burburinhos e sussurros nos banheiros e quartos trancados, que a sala poderia facilmente ser confundida com o hall de um hospital psiquiátrico.
Cada metro quadrado do ambiente brilhava como se alguém tivesse passado uma tarde inteira esfregando pequenas escovas no chão e nas sentia-se nauseada enquanto dava suaves, porém firmes, passos em direção . Conhecia aquele lugar como poucos. Tinha decorado todos os caminhos do menor e mais desconhecido convento de Drumnadrochit . Passara boa parte de sua infância lá, junto das freiras severas e silenciosas. Portanto, sabia que era muito provável que alguém tivesse esfregado manualmente a sala inteira.
Três batidas no sino que ficava pendurado na porta de entrada seriam necessárias para que uma das irmãs aparecesse.
O barulho na porta de ébano castigada pelas constantes variações temporais
Uma senhora loira de olhar severo e testa enrugada, veio ao terceiro toque do sino. Ela não parecia feliz, mas cansada e sem vontade alguma de conversar com eventuais e raros visitantes.
—Deus te abençoe — Ela falou em tom severo. Aquele era o cumprimento padrão de todas as irmãs. Se o visitante respondesse "Amém" elas saberiam que estariam lidando com alguém de fora, e o cuidado seria redobrado.
— Deus te abençoe. — Kayla respondeu, fazendo o sinal da cruz sob o peito, provando que conhecia as regras do local. — Sou eu irmã Alberta, Kayla.
A mulher aproximou-se de Kayla e tocou o rosto da pocionista. Fechou os olhos e um sorriso imperceptível se ergueu em seu rosto. Não era uma mulher de muitos sorrisos, mas dentre todas as freiras do local, ela era a única que nutria especial afeição por Kayla.
—Ela está te esperando, como sempre.
—Eles estão bem? — Kayla perguntou preocupada.
—Ela tem alguns problemas, mas com o passar dos anos a adaptação tem sido muito satisfatória. Chris está bem. — a voz áspera e carregada estava cada vez menos autoritária à medida que os anos passavam.
O corredor que levava para a ala externa do convento era comprido e escuro. O aroma de madeira antiga se acentuava à medida que Kayla caminhava atrás de Irmã Alberta. Alguns quadros pendurados nas paredes davam ao lugar uma aparência taciturna e assustadora. Era como se as pessoas pintadas a óleo nas telas esfarelentas estivessem prestes a sair e matar as moradoras do convento.
Kayla sempre tivera esse medo e, aparentemente, isso não havia mudado depois de adulta.
Quando chegou à área externa, ao fundo do convento, Kayla buscou dentre as mulheres que costuravam grandes colchas de retalhos uma que estivesse com os olhos fechados apalpando os quadrados de tecidos com mais delicadeza e cuidado que as demais.
Aproximou-se dela e notou que desde a última vez que haviam se encontrado ela parecia ter emagrecido um pouco mais. As maçãs do rosto e as escápulas estavam proeminentes denotando uma perda sensível de gordura corporal.
—Clementine. —Kayla chamou a mulher, que não se virou de imediato. — Clementine! — ela falou mais alto.
—Kayla! — a mulher respondeu, acompanhando o som da voz que a havia chamado. — Não sabia que viria hoje. Pensei que fôssemos nos encontrar só no Natal.
Kayla soltou um risinho quase infantil e carinhosamente tocou as costas de Clementine que sorriu ao sentir as mãos da amiga. Sentou-se de frente para a mulher que habilmente entrelaçava um retalho em outro, pousou uma das mãos no ombro de Clementine por alguns segundos, deixando que o silêncio trouxesse organização para sua mente.
— Eu decidi vir antes porque precisamos conversar. — Kayla iniciou, cortando as trivialidades e cumprimentos desnecessários com a amiga que já conhecia há tantos anos. — É um assunto delicado e, honestamente, não espero que seja resolvido hoje.
— Não me diga que ainda está pensando no que eu acho que você está pensando. — Clementine mexeu-se, claramente desconfortável com o rumo da conversa. Seria difícil convencê-la de qualquer coisa sem se cansar antes.
— Sim — Kayla pressionou gentilmente o braço de Clementine quando notou o desapontamento da amiga — Eu preciso.
— Se está fazendo por mim, eu não quero.
Kayla olhou para o céu. Droga! Se começar a chover terei que entrar no convento. A escuridão tristonha e ao mesmo tempo arredia, que carregava consigo uma tempestade assustadora, parecia mais densa a cada minuto. O cheiro de mofo se intensificava, talvez pelo limo das paredes e da madeira. Nauseante e nostálgico da forma mais negativa possível.
— Você não tem escolha, já está decidido desde muito antes de eu vir aqui.
—Não deveria fazer esse tipo de coisa, Kayla. Agosis fez tanto por você... Se ele souber que está indo por este caminho, ficará decepcionado.
Envolto por uma vegetação densa, o convento estava acima de qualquer investigação por parte dos bruxos. Kayla deu uma longa observada em todas as variedades de árvores que circundavam o local. Ninguém jamais descobrira que Clementine era uma bruxa e tal fato, por si só, era uma grande vitória. Decepção alheia era algo fácil de lidar, Kayla nunca fora afeita aos princípios morais que tinham o potencial de fazê-la sentir-se mal pela expressão desapontada de alguém. Não devia nada a Agosis, mas devia à Clementine, e o dinheiro dos Malf daria a duas pessoas um destino feliz. Pertindum não tinha nada com isso, nem qualquer outra pessoa. Embora passasse por cima de algumas convenções sociais, lealdade, na opinião de Kayla, superava toda e qualquer regra da vida em comunidade. Prometera cuidar de Clementine e Christopher enquanto estivesse viva e isso não era da conta de ninguém.
— Como está o nosso garoto?
—Ele está bem, embora cresça rápido demais. — a mulher sorriu— Sente saudades de você, é claro e tem tido menos emissões mágicas, pelo que sou muito grata. A poção está ajudando muito. Você é um gênio, Kay.
Kayla sorriu com ternura quase maternal.
—Como foi a última consulta, a propósito? Sequer tivemos tempo de conversar, espero que me dê boas notícias.
—Mais do mesmo, Kay. Nunca mais voltarei a enxergar. Não é como se eu já não soubesse, mas você continua insistindo. Sabe que por mim não pisaria em hospital algum nunca mais!
—Mas nós podemos... Alías, nós devemos tentar! Foi assim que desenvolvi a poção para o Chris.
—Tem visto, Travis por lá? Tenho tanta pena do pobre garoto. Quando morávamos em Kensington sempre confiei na sanidade dele, era um bom vizinho, embora o padrasto fosse um pouco assustador — Clementine desconversou, desta vez era ela quem queria mudar de assunto.
—Travis está sob os cuidados de uma medibruxa competente, mas não tenho grandes expectativas a respeito dele, sofreu muitos danos. Também não acho que ela conseguirá finalizar o trabalho dela em Azkaban. Boa demais para o cargo, e você precisa ser um pouco sujo para lidar com os imundos. O garoto era boa gente, mas cometeu dois grandes crimes, Clementine...
—Que horrível! Isso é tão sombrio, Kay. Sinto-me como se estivesse falando com um soldado cheio de histórias de guerras.
—Acho que a tempestade premente está me afetando – Kayla falou entre um sorriso e uma furtiva franzida de cenho.
Os diálogos triviais ajudavam a preparar o terreno, mas depois de dois anos Kayla temia a passagem do tempo. Se estava ali, naquela tarde nublada e ameaçadora, era porque tinha pressa, afinal, ela tinha quase todas as pistas necessárias para atingir seu objetivo, exceto alguns elementos cruciais sobre a vida criminosa de Draco Malfoy. A hora era aquela e Clementine parecia suficientemente tranquila para ter "a conversa".
— Você se lembra dos Malfoy, Clementine? — Kayla questionou, sentindo a adrenalina bombear grandes quantidades de sangue pelas suas artérias. A jugular pulsava até doer. — Lembra da história que te contei... Você mencionou sobre soldados e guerras. Isso não te remete a nada?
Clementine virou o rosto, e mesmo com os olhos fechados o desagrado era visível no franzir da face. Kayla sentiu que voltar àquela conversa consistiria em tarefa ainda mais árdua do que fora na última vez, mas precisava saber até onde Clementine se lembrava dos acontecimentos ocorridos há mais de seis anos.
— Não posso me dar ao luxo de postergar este assunto por nem mais um dia. Preciso que me ajude. — Pressa, desespero, culpa. O suor umedecendo a palma das mãos poderia ser justificada pelos mais diversos sentimentos, mas, talvez a pressa fosse o principal agente causador da sudorese mesmo diante de uma ventania que anunciava a tempestade que, mais tarde seria entitulada com ao pior desde os últimos doze anos.
Torcia as mãos, como quem estivesse sofrendo de crise de ansiedade. Se ainda cuidava dela era porque sabia a vultosa porcentagem de culpa que tinha. Clementine era sua família depois de tanto tempo sob sua guarda. Durante os dois primeiros anos tentou se convencer de que estava pagando uma dívida, mas, com o passar dos dias e meses, sentiu a necessidade de proteger a jovem mulher que um dia havia implorado por ajuda e lhe fora negada.
—Eu trouxe geleia — Clementine sorriu, a íris leitosa, azulada, adquiriu um brilho matreiro, e o sorriso infantil esmagou o peito de Kayla. Ela mudaria de assunto para preservar Clementine por mil vezes se fosse necessário — Sei que as freiras aqui controlam o consumo de açúcar a um torrão por dia. Cubra o pote com dois lençóis e esconda dentro do saco de roupas sujas. Aquele feito de estopa, com pequenas bolinhas de lã grudadas na ponta e vários furos no canto superior esquerdo.
Clementine fechou os olhos e com as mãos suspensas no ar fez suaves e repetidos movimentos de "abre e fecha". Ela enxergava com as mãos, o tato era um dos sentidos mais importantes para o reconhecimento de quase tudo.
—Vai levar apenas o Chris com você da próxima vez?
— Sim, você não pode sair daqui de novo. Corremos um risco enorme da última vez que esteve no hospital. E seu cabelo já esta desbotando novamente, venha aqui para eu dar um jeito.
Com a varinha Kayla tocou o couro cabeludo de Clementine, como se alguém estivesse derramando um jarro de tinta escura nas águas de uma cascata. Os fios claros tornaram-se imediatamente negros. A raiz loira estaria camuflada por muitos meses, pelo menos até a poção de mescla capilar ficar pronta.
Num suspiro pesado e claramente exausto Kayla expeliu toda carga de tensão que pesava sob seus ombros. Verificou o céu novamente e sentiu a primeira gota da tempestade que chegaria com violência.
— Eu tenho que ir, Clementine. Quando estiver pronta, quero que me conte tudo o que lembra. Por agora, peço que descanse e tenha cuidado com as emissões involuntárias de Chris. — Clementine balançou a cabeça, os lábios espremidos e um filete de lágrima terminando de escorrer pelas bochechas pálidas no movimento de aceno.
— Não se preocupe! Ninguém vai machucar vocês, nem que para evitar isso eu tenha que morrer. Você está me entendendo? Se eu precisar tirar Chris daqui eu não hesitarei, mas antes quero remover ambos.
Com um beijo no rosto e um abraço fraternal as duas mulheres se despediram. Os passos lentos e firmes de Kayla O'Boyle não demonstravam o medo de ser pega pela tempestade local. Apertou a bolsa de alças transversais contra a coxa, enquanto uma das mãos tentava fechar ainda mais o trench coat de linho que nunca esquentava o suficiente, mas era bonito demais para ser esquecido no fundo do armário. A primeira trovoada eclodiu por entre as nuvens, a pocionista fechou os olhos e por um triz quase não ouviu a voz fraca chamando-a.
— Como vai minha irmã? — Clementine perguntou quando Kayla já estava a alguns metros de distância.
Kayla sentiu as pernas fracas, o coração golpeando o peito no limiar da dor. Virou-se e Clementine a encarou com firmeza; os olhos turvos não escondiam a expressão de ansiedade e confusão que todo o rosto transmitia.
— Você tem notícias dela? — dessa vez ela aumentou a voz. Kayla deu meia volta e, com o que lhe sobrara de resistência muscular nas pernas, caminhou até Clementine.
— Não, confesso que não ouço falar dela desde quando te trouxe para cá, ela sumiu, pouco antes do fim da guerra e...
— Tori nunca me deixou sozinha.
— Então você se lembra dela? – Kayla estava tentando ao máximo não afugentar a amiga. Não ouvia a menção da esquecida irmã desde o dia em que trouxera Clementine e Christopher ao convento.
— Sim, minha irmã caçula, Astoria, tão doce...
Cuidando para que ninguém as visse, Kayla puxou a amiga pelo braço, levando-a até o quartinho de orações e penitências. Fechou a portinhola e proferiu o feitiço em um sussurro trêmulo:
— Lumus
Os olhos estavam brilhantes, menos leitosos. Um sorriso tímido brotou dos lábios de Kayla, cuja voz jazia enterrada na garganta. Tudo o que conseguiu se ouvir dizer em um murmúrio trêmulo e agradecido foi o nome que há anos não pronunciava.
— Daphne...
—Grengrass, Kayla, por gentileza, Senhorita Greengrass...
Ambas explodiram numa gargalhada que poderia ter colorido todo o convento tristonho e sombrio. Algo de infantil tornava o sorriso das duas mulheres ainda mais doce e contagiante. O abraço foi duradouro, desajeitado, fraterno e cheio de saudades.
Mais uma trovoada cortou o céu, mas Kayla estava feliz demais para se importar.
— x—
O retorno à cela parecera silencioso demais para Malfoy, nem mesmo os dementadores perambulavam pelas bandas — talvez porque estivessem ocupados, como Delavick dissera mais cedo. Feggis estava quieto, pensativo e um tanto quanto rude. Das duas perguntas que Malfoy fizera, ambas haviam sido respondidas com exagerada rispidez. Embora Draco não desse a mínima para floreios ou agrados demasiados, sabia que Anthony não era daquele jeito.
O ar, de fato, estava mais denso, como se pequenas bolhas de tensão flutuassem pelo ambiente. Feggis estava cada vez mais carrancudo e preocupado, e Malfoy não resistiu o impulso de perguntar o que estava acontecendo.
— Ok, Feggis, qual o problema com você hoje? Estamos caminhando há mais de trinta minutos e você não me explica que merda está acontecendo aqui. Já rodeamos o caminho para a minha cela umas dez vezes!
— Um dos presos foi pego invadindo a sua cela. Não sabemos se Delavick esqueceu de trancá-la ou se alguém possibilitou a entrada. — a voz de Feggis soou fria, mas havia uma gigante dose de preocupação ali. — Os dementadores estão agitados pela falha no sistema, e ninguém quer que eles tomem o controle total por aqui. Estou feliz por isso ter acontecido enquanto você e Hermione estavam em consulta. Parece que aquele garoto, Travis, foi o responsável, mas qualquer um sabe que ele sozinho não teria motivos para tal ato.
Feggis empurrou a grade de aço e iluminou o interior com a varinha. Entrou primeiro e fez uma rápida vistoria antes de permitir que Malfoy também adentrasse ao local. Nenhum objeto fora do lugar, nenhuma peça de roupa espalhada pelo chão ou quiçá papéis rasgados flutuando pelo ar.
Dentro da cela a cama estava limpa e os lençóis haviam sido trocados. Havia o pequeno pacote de roupas novas e aparentemente, do tamanho ideal, o lanche de todos os dias que Feggis "contrabandeava" do refeitório e a prescrição médica de Leon Dixon rabiscada sem qualquer primor, onde podiam ser lidas as poções e feitiços indispensáveis à melhor qualidade de vida carcerária de Draco Malfoy
E um jornal, recente, colocado em cima da pia como que num descuido. Na manchete principal, em letras garrafais a grande chamada que chamou a atenção de Malfoy:
"Ministério da Magia investiga três mortes no banco de sangue após a breve estadia do ex-proprietário, agora prisioneiro, Draco Malfoy"
Um bilhete estava colado ao final da página, uma porta desenhada de maneira tortuosa com tinta vermelha e Draco sentiu o sangue parar em suas veias, pois sabia que aquilo não era tinta.
A mensagem era enigmática, mas clara o suficiente para que qualquer um entendesse se tratar de uma ameaça.
"Hermione Granger é uma peça, Rony Weasley era uma peça, Harry Potter é uma peça. Você é uma peça. Este é o meu jogo, não se atreva a mudar meus peões.
Não existe vitória contra "A porta."
N/A
Eu precisei muito de uma coisa chamada tempo. Gostaria de poder escrever sobre uma história bonita e como eu fui impedida de escrever constelação, mas, por incrível que pareça, há dias que eu odeio o que estou criando. Não! Calma! Eu amo a história, a ideia, mas existem dias nos quais eu não me sinto competente para escrever. E isso acnteceu comigo todos os dias no ano de 2017. Eu queria chorar todas as vezes que alguém me mandava um comentário ou mensagem. Sei que atualmente existem fanfics melhores, com mais comentários, favoritos, mas vocês que estão aqui (Se ainda estiverem, rs) com todo o amor e incentivo, apaixonados por uma ideia que eu nunca imaginei que alguém fosse ligar, valem cada palavra escrita. Voltei porque me sentia incompleta, porque mesmo que eu tentasse seguir, não seria justo comigo, e com quem quer saber o desfecho de Constelação.
