Durante oito anos desde que saiu da Inglaterra em um impulso repentino que o próprio Alphard nunca compreendeu, o homem se estabeleceu na colônia britânica de Hong Kong. Inicialmente se sentiu perdido em sua nova vida, porém percebeu que ali poderia estabelecer seu sonho de comprar, resgatar e revender artefatos e peças de arte bruxa para quem pagasse mais.

Na maioria das ocasiões era um trabalho simples, visitar alguém que gostaria de passar alguma herança para frente. Porém, às vezes, ele precisava ir a lugares perigosos, como o caminho para as ruínas subterrâneas de uma cidade mágica em que estava no momento, onde uma antiquíssima estátua de jade poderia ser encontrada.

O único obstáculo era que o local deveria estar protegido por dragões. Por sorte, naquela época do ano, pelo ciclo biológico dos meteoros chineses, o certo seria os encontrarem quase beirando a puberdade, em hibernação por causa do período de troca de escamas.

Por isso, Alphard se arriscou a entrar no lugar, acompanhado de um dos empregados. Contudo, precisaram se dividir em uma bifurcação. Fato que acabou levando o homem àquela situação funesta.

Ele cometera um pior erro que se pode cometer quando se entra no território de um animal. Caiu no ninho dos filhos, e, como toda pessoa com o mínimo conhecimento de biologia sabe por mais que pacífico que seja uma espécie, se sentir seus filhotes ameaçados, ela não mede limites para protegê-los.

Nada se compara à fúria de uma mãe defendendo as crias.

Não era para aquele casal de bebês dragões estar ali. Aquela havia sido uma gestação atípica que o especialista que contratou não conseguira prever.

Alphard saltou pra atrás de uma rocha no último segundo, escapando das chamas que a mãe soltou em sua direção. Pelo canto dos olhos ele viu os dois filhotes se dirigindo para o fundo da caverna

O espaço que ele tinha para se locomover era pequeno demais. Era questão de tempo até a dragão fêmea o encurralar por completo. Ele tinha apenas única opção, que não era das mais agradáveis. Teria que enfrentá-la.

Alphard respirou fundo, antes de criar coragem para encará-la.

Ele se concentrou, tentando canalizar energia suficiente através da varinha para que pudesse atacar com tudo assim que circulasse a rocha.

O homem caminhou sorrateiramente, mas mesmo assim, a fêmea conseguiu perceber os seus movimentos, se virando. Alphard rolou no chão, desviando da cauda, ao mesmo tempo em que ela se virava. Ele lançou uma rajada de feitiço na direção dela, e, por sorte, ela cambaleou caindo pesadamente. Era evidente que ele conseguira atingir um ponto vital.

Uma onda de alívio percorreu seu corpo, quando a cabeça da dragão fêmea tombou no chão, contudo, no instante seguinte, em um último esforço ela abriu seus olhos carmim. As labaredas vieram na direção de Alphard e ele imaginou que era o seu fim.

E naquele ínfimo instante ele compreendeu a verdade por trás de tudo...

As barreiras do obliviate antigo a que fora submetido ruíram. Alphard se lembrou de Marguerith. Das noites que passaram juntos. Da promessa de se casarem. Do velho Sirius manipulando a sua mente com o Imperius.

Ele não poderia morrer de forma tão idiota. Sem raciocinar direito lançou um feitiço no teto. Uma muralha de pedras o protegeu. Ele ainda podia sentir o calor das chamas mesmo com a camada rochosa o separando da fêmea moribunda.

Estava preso no fundo da caverna, mas era questão de tempo até seu empregado o vir resgatar.

Agora que sabia a verdade, precisava viver. Queria voltar para Londres, rever Marguerith, mesmo sabendo que era tarde demais para ter o amor dela.


A carruagem sacolejava pelas estreitas ruas daquela pequena cidadezinha inglesa indo em direção a um cemitério localizado em um canto mais distante do lugar. Como de costume, Irma Crabbe Black decidira visitar o túmulo do falecido pai no aniversário de sua morte. Recém chegado ao país, Alphard Black acompanhava a mãe.

O homem olhava de soslaio para a matriarca da família. Irma permanecia em silêncio, fitando a paisagem pela janela com um olhar vago e ar pensativo. Sendo o segundo filho mais velho, Alphard se lembrava com mais clareza que o irmão caçula dos maus tratos que a mãe sofreu nas mãos de Pollux Black. Não bastassem as festas e prostitutas, o pai costumava chegar bêbado em casa e, muitas vezes discutia com a esposa, o que invariavelmente acabava com os gritos da mulher chegando aos ouvidos de Alphard, apenas um menino na época. Walburga já estava em Hogwarts quando as coisas pioraram.

Irma tentava esconder os hematomas sob a maquiagem e os pesados vestidos, evitando gerar suspeitas de qualquer um que estivesse ao redor.

Embora o marido fosse o agressor, era seu pai quem ela culpava, afinal o casamento entre Pollux e Irma havia sido um arranjo entre as famílias, algo ainda comum naquela geração mais velha.

Ela recorreu ao velho Horatio Crabbe por ajuda, escutando que em nome da honra e dos bons costumes, uma esposa deveria se submeter aos desejos do marido.

Abandonada pelo próprio pai, ela se resignou.

Por causa do silêncio da mãe e de sua própria inconformidade diante daquela situação, Alphard procurou ajuda de Hesper Black. Sabia que Sirius não o escutaria. Alphard nunca soube o que a tia falou ou fez com Pollux, ou se o grande patriarca chegou a intervir, mas a verdade foi que, depois disso, nunca mais seu pai tocou na esposa.

Continuaram casados, por conveniência, mas viviam existências separadas.

Isso trouxe alívio à Irma, mas não necessariamente felicidade. Afundar-se em compras e na ostentação foi o único modo que ela conseguiu encontrar para suportar a amargura de sua vida.

Era por essa razão que tanto Walburga quanto Alphard e Cygnus sempre relevaram os excessos da mãe.

Também por esse motivo Alphard se dispunha a acompanhá-la sempre que pôde para visitar a sepultura do avô. Ele desconfiava que a mãe fazia aquele trajeto todos os anos para amaldiçoa-lo e, quem sabe, cuspir no túmulo dele quando ninguém estivesse olhando.

-Você devia mudar de vida, Alphie – a mulher falou, ainda olhando pela janela, quebrando o silêncio – Você é muito melhor do que seu pai ou seu avô.

O homem assentiu minimamente, compreendendo a indireta da mãe. Depois que saiu da Inglaterra, sob a influência do Imperius lançado por Sirius Black, Alphard viveu uma vida boêmia, regada a vinho ou qualquer outro tipo de bebida alcoólica. Se relacionou com algumas mulheres que não lhe preencheram o vazio que a ausência de Marguerith em sua vida lhe causava. Mesmo não se lembrando do relacionamento com ela por causa do Obliviate.

Entretanto, ele nunca bateu em mulher alguma ou a forçou a fazer algo que não desejasse. Assim como ele nunca deixou que seus momentos de lazer pudessem atrapalhar o trabalho que construiu para si, comprando e resgatando artefatos raros e leiloando para colecionadores em todo o mundo.

Ele nunca seria como o pai. Ou como o avô materno. Ou mesmo Sirius Black.

Aquela vida boêmia foi o modo de seu subconsciente lidar com cicatrizes que durante muito tempo ele nem sabia que existiam.

-Alphie? – a mãe o chamou novamente, fazendo com que ele prestasse atenção ao momento presente – Eu sei que você não gosta de tocar no assunto, mas talvez seja hora de procurar uma esposa. Não pode se apegar à paixão que teve por Marguerith pelo resto da vida.

Alphard baixou o rosto e levou a mão ao peito; seus dedos se fecharam sobre o medalhão escondido dentro do terno, no qual guardou uma foto da antiga noiva desde que voltou ao país.

Parecia ao homem que a história dele era regada a sangue e lágrimas... Ou talvez aquele fosse o destino de todos que possuíam o sangue Black. A maldição poderia ser verdadeira.

Ele levantou o rosto, encarando os orbes preocupados da mãe, tentando dar um sorriso reconfortante.

Irma poderia ter os defeitos dela, mas Alphard admitia que ela o amava. De todos na família, ela era uma das poucas que não o via como um rebelde.

Era irônico que justo ele fosse considerado a ovelha negra da família quando tinha uma irmã mais velha sedenta por status e um irmão caçula que precisou se casar jovem demais sem compreender o peso dos próprios atos.

Considerando o meio em que cresceram, não era surpresa que a família fosse disfuncional.

-Você não concorda com o que Tio Sirius fez comigo? – ele perguntou, receoso pela resposta.

A mulher meneou a cabeça.

-Claro que não! Você é meu filho, embora... Eu nunca fui a favor da sua paixonite pela bastardinha...

-Mãe... Por favor...

Irma revirou os olhos.

-Tudo bem, você tem razão, ela não tem culpa pelos pais que teve assim como você não tem culpa de ser filho de Pollux.

-Eu só queria que ela soubesse a verdade. Que eu não a abandonei... – ele retorquiu, sem esconder a mágoa.

Irma voltou a fitar a janela, na próxima curva estariam próximos do cemitério.

-Ela tem dois filhos agora. Dois meninos. Aldebaran e Ludovic. E uma vida estável. Ela é respeitada entre nossos pares. Quer mesmo abalar tudo isso por uma verdade que não faria bem a ninguém?

Alphard abaixou a cabeça, apertando com mais força o medalhão.

-Eu não sei, mãe...

-Espero que você faça a coisa certa, Alphie. Eu nunca duvidei de você.