Capítulo 14 - Pecados e rupturas

So crawl on my belly 'til the sun goes down

I'll never wear your broken crown

I took the road and I fucked it all the way

Now in this twilight, how dare you speak of grace.

(Broken Crown – Mumford & Sons)

Prudência não era a palavra em voga naquela semana. Ela queimara dois dedos na chaleira e deixara cair shampoo nos olhos, lamentando-se amargamente por ter resolvido verificar a temperatura do chuveiro enquanto os cabelos ainda estavam ensaboados e a água corria livremente sobre eles.

Finalmente de volta a Hawkshead, Hermione estudava a possibilidade de alterar os detalhes em madeira que decoravam o seu banheiro, frivolamente analisando a possibilidade de trocar pelo mármore, afinal, se continuasse morando ali teria a beleza da pedra fria e elegante, e caso desejasse sair dali a venderia por um preço superior ao que comprara.

Enquanto enrolava-se na toalha sentiu o calafrio típico do pós-banho e correu para o quarto. Embora estivesse de folga, caberia a ela o trabalho de ao menos tentar ir até a Ilha de Abraxas, mas a verdade é que estivera evitando pensar em qualquer coisa que fosse minimamente relacionada aos Malfoy.

A janela estava entreaberta, a despeito da recente queda de temperatura. Hermione tinha prazer em ligar o sistema de calefação trouxa e ao mesmo tempo permitir que o vento adentrasse pelas frestas da persiana, que em conjunto aos parapeitos ilustravam uma bela imagem da Era Vitoriana. "Manter o equilíbrio!". Era o que ela sempre respondia quando questionada a respeito de suas razões.

Longe do equilíbrio que a corrente de ar gelado representava, ela girou a varinha duas vezes contra o pergaminho onde lia-se o nome da pessoa misteriosa. "Janice", mas nada aconteceu; tão somente a lembrança quase tangível de Malfoy questionando se havia alguma notícia dela. Sem se dar conta das próprias ações, tocou os lábios de forma solene, deslizando o dedo médio e o indicador onde ele deixara um rastro de seu veneno.

Nada poderia ser mais incômodo do que a falsa sensação de que os acontecimentos da semana anterior haviam sido dissipados, afinal, a grande e assustadora verdade era que eles retornavam frequentemente, com a mesma força das ondas do mar do norte, rebentando-se contra as rochas que protegiam toda a região adjacente à Ilha onde a prisão de Azkaban estava localizada.

No conceito mais abrangente possível, a infidelidade sempre representava a quebra de um compromisso assumido livremente, não sendo, necessariamente, sinônimo de adultério. Já na concepção popular do termo, a infidelidade estaria intimamente relacionada à ruptura de um acordo silencioso consistente em manter relações sexuais com apenas uma pessoa. Diante da gama de definições, Hermione sentia-se infiel em todos os sentidos possíveis, fosse pela transgressão do compromisso firmado com sua particular concepção de bem e mal, ou pela violação do acordo tácito que fizera consigo mesma, de nunca confiar em alguém que ostentasse o brasão da Sonserina.

E havia, é claro, a memória de Rony. Por seis anos não se permitira ser tocada por outras mãos, sequer dera vazão às perguntas espremidas no canto de seu cérebro sobre como seria caso outro homem tivesse acesso ao seu corpo da mesma forma que seu falecido namorado um dia tivera.

Ele estava morto, portanto, não deveria pensar em quem ou como tocava o seu corpo. A voz fina e diabólica, que vinha das profundezas de seu ser sussurrou em sua cabeça demasiadamente atribulada. Pensamentos como aqueles eram recorrentes, e ela culpava-se por isso. Um ciclo sem fim, e por isso, muito mais doloroso.

Ao invés do costumeiro chá de melissa, Hermione segurava uma taça de vinho chileno. Cabernet Sauvignon era sempre a pedida para os dias de muito cansaço, ou pensamentos invasivos. O amargor e a rigidez nas papilas gustativas tornavam a experiência o mais adulta possível e, em sua opinião, superava o sabor simplório das bebidas produzidas pelos elfos. Enquanto a garrafa, inclinada por entre suas pernas, pouco a pouco era esvaziada, uma sensação de relaxamento tomava conta de seus sentidos, inebriando-a e tornando a noite mais aquecida. Poucas coisas na vida podiam ser comparadas àquilo.

Hermione sorvia o último gole de sua taça quando ouviu o crispar característico da lareira.

— Merda! — exclamou quando tentou se colocar em pé e notou o quarto girando. Acidentalmente cuspiu o vinho em cima do carpete e não quis sequer pensar que a mancha jamais sairia dali. A bebida era a grande responsável pela falha em suas funções motoras e pela voz ligeiramente empastada. — Já vou! — gritou o mais alto que pôde, enquanto enrolava-se no antigo roupão de microfibra que ganhara de Rony no início do namoro. Olhou para a imagem refletida no espelho e deu de ombros. Estava no conforto do lar, não tinha como costume vestir camisolas de renda ou robes de seda para si mesma.

Harry não tinha a melhor das expressões, mas aquilo tornara-se uma constante desde o início da guerra. Ele fora marcado a ferro pelos acontecimentos passados, e ninguém poderia afastar dos olhos verdes toda a culpa que sentia por cada uma de suas perdas.

—Sei que está de folga, Mione, mas acho que isso vai te interessar. — A imagem de Harry se dissipava a todo instante e ela imaginou que fosse por causa da lareira que não era das melhores, e não os cinco sentidos parcialmente avariados pelas 750 ml de vinho passeando por sua corrente sanguínea.

— Não consigo ouvir bem. Poderia repetir? Acho que deixei cair água dentro do ouvido, e essa lareira precisa de uma reforma urgente. — Hermione teimava em se apegar ao fato de que errara na escolha do profissional contratado para construí-la, era melhor do que se autodeclarar "bêbada", atributo fortemente ao bruxo responsável pela obra mal feita. O homem era tão lento quanto um caramujo, fortemente afeito aos boatos e superstições estranhas, tagarelava demais e executava de menos.

— Outros dois nomes surgiram. Você não vai acreditar, Mione! Aqui no porto não é muito difícil descobrir as coisa, basta uma boa faxina e papéis antigos brotam do chão com informações preciosas. — Harry explicou avidamente, como se o fato o tornasse útil novamente. Limpar um porto abandonado e raramente utilizado naquele momento lhe parecia o ponto alto de suas funções e Hermione sentiu-se muito mal pelo amigo. — Samantha e Dora, e em maio do ano seguinte elas desembarcaram. Procurei informações sobre as aparatações ocorridas aqui nas proximidades, mas como deve imaginar, me tornei persona non grata para os membros do Ministério da Magia.

—Motivo que ainda não foi devidamente explicado, nem para mim, nem para sua esposa. — Hermione alfinetou, sabendo que suas palavras eram cruéis, mas, de certo modo, necessárias. — O que de tão errado tem acontecido, Harry?

Ele fechou os olhos, puxou o ar como se estivesse reunindo coragem para revelar algo, mas nada disse. A consciência de Harry Potter parecia implorar por ajuda, e por alguns segundos ela pensou se não seria melhor cuidar dos problemas reais, ao invés de tentar fazer algo por Malfoy, que provavelmente estaria manipulando seus desejos a fim de conseguir algo.

— Conversaremos sobre isso no momento oportuno. Por ora, peço que escute o que tenho a dizer. — ele parecia ansioso, com a guarda alta e os movimentos corporais indicavam o medo de ser ouvido. — Interceptaram duas de minhas cartas, e sei que alguém tem me vigiado. Escute o que vou dizer, Mione, pois existe algo de muito podre nessa história de colocarem você em Azkaban. Tenho recebido recados estranhos e Simas sugeriu a comunicação via lareira pela dificuldade de monitoramento.

— Estou começando a ficar assustada. — Hermione sentou-se em frente a lareira enquanto a sobriedade chegava aos poucos, como se as palavras de Harry tivessem o mesmo efeito que uma generosa xícara de café sem açucar. — Você está sob investigação Ministerial, é de se imaginar que suas correspondências sejam legalmente violáveis pelas autoridades bruxas.

O estalo repentino e inesperado fez com que a lareira se apagasse. Num átimo de segundo, Harry estava na sala. Hermione levantou-se sobressaltada, contemplou o amigo de alto a baixo, confusa com a aparição física sem prévio aviso. Embora o território ocupado pelo vilarejo de Hawkshead não possuísse quaisquer limitações para aparatações ou deslocamento de vassouras, Hermione não gostava de abusar da sorte. As leis vigentes eram severas e os trouxas eram tratados com a mesma delicadeza dedicada aos bebês prematuros, de modo que os bruxos pouco a pouco se transformavam em seres submetidos à rigorosas e extensas limitações no convívio comum.

— Mas que diab... — Hermione pôs-se a falar, mas Harry a silenciou, cobrindo os lábios da amiga, antes que ela sequer concluísse a interjeição pretendida.

—Shh! — ele sussurrou colando os lábios no lóbulo da orelha dela. — Para todos os efeitos eu não estou aqui.

— Você ficou louco? — ela sussurrou, e a voz saiu aguda, pois sua intenção era gritar com o amigo, não antes, é claro, de chacoalhá-lo até que ele retornasse ao juízo perfeito. — Olhe para mim, estou de pijama, Harry! Já passa da meia noite, eu pensei que sua informação estivesse relacionada às visitantes da ilha e não a uma visita em minha casa.

— Quando te contei sobre pessoas à espreita não me referi às autoridades— Harry afirmou sombriamente — sei que existe algo, ou alguém, interessado em nos tirar do caminho, Hermione. E essa pessoa, instituição, organização, se autodenomina "Ankh".

Hermione sentiu um arrepio se espalhando por todas as camadas de sua pele. Jamais ouvira falar sobre aquilo de forma direta, mas algo em sua memória foi reativado pela menção da palavra que, noutro contexto, possuiria significado histórico ou estrangeiro demais para que se preocupasse. A mochila de Rony e as mensagens suspeitas a fizeram voltar ao passado, envolvendo-a com sentimentos que ela rechaçara por anos.

As percepções de Hermione remanesciam prejudicadas naqueles dias de densas trevas. Sem, é claro, se apegar ao fato de que os segredos de Alvo Dumbledore tinham o mesmo potencial destrutivo da famosa caixa de pandora. Por algum motivo o ex-diretor nunca informara o porquê de separá-los, ou ainda, a razão pela qual não expôs a integralidade da missão ao trio. Cada um ficou com sua porção, e na época Hermione optou por concluir que ele agira daquela maneira objetivando a segurança de todos.

Ankh era a chave desenhada na extremidade do folheto que prometia salvar a todos; também estava presente nas mensagens e cartas que Rony trocara com a pessoa misteriosa. Todas as mortes causadas pelos estranhos acontecimentos na época do campo de refugiados eram cravadas pelas marcas do mórbido símbolo. As histórias se misturavam, mas Hermione cultivava dentro de si a certeza crescente de que em algum ponto, o quebra cabeça formaria uma única imagem. A face por detrás do símbolo ancestral.

— Elas vieram para o porto e, de acordo com o termo de responsabilidade assinado por Dora, estavam acompanhadas por uma mulher cujo nome foi ocultado. Samantha também tem registros de passagens compradas em 1991. — Hermione sentiu que suas ações estavam sendo milimetricamente acompanhadas pelos olhos de Harry. O amigo parecia impaciente. — veja esta, Mione! Foi a que mais chamou minha atenção — ele adiantou-se, colocando o pergaminho, que segurava como um tesouro, por cima dos demais documentos.

Um rabisco bastante incomum, mas com traços parcialmente legíveis era o elemento que provocara estranheza em Harry Potter, o que não foi diferente com Hermione quando apertou os olhos tentando identificar a quem pertenciam as iniciais. O nome escrito em letras garrafais abaixo da rubrica sanava qualquer dúvida que pudesse restar, "Lucius Malfoy". Datado em dezembro de 1972, o registro de embarque informava que a passageira levava consigo dois itens de valor, um livro e alguns galeões.

—Por que um livro seria considerado algo de valor? — Hermione falou para si mesma, ruminando as informações com cautela.

—Hermione! Pouco importa o que ela carregava, se era importante ou não, se o tal livro possuía valor sentimental... As pessoas fazem isso todos os dias lá no Porto. Atualmente o assessor do Ministro aumentou em vinte e cinco por cento a taxa de bens a serem despachados como bagagem comum, numa clara tentativa de barrar o acesso dos mais pobres. Naquela época era a mesma coisa, então imagine quantos cadeados de ouro que na verdade eram puro aço barato, ou joias de família que na verdade não passavam de bijouterias não foram registrados? Lucius Malfoy! É esse nome que me preocupa.

Harry desenrolou o pergaminho de cor atípica, um turquesa leitoso com marcas do que Hermione julgou ser sangue seco; nele liam-se as informações detalhadas sobre o perfil dos passageiros e o histórico de viagens nos portos. Todavia, embora a riqueza de detalhes houvesse capturado a atenção de ambos, o diferencial ficou por conta do carimbo, levemente apagado pelas rasuras feitas com tinta dourada, mas perfeitamente identificável como uma cruz, cuja haste superior transformava-se em alça oval. Abaixo do carimbo a escrita apressada em runas antigas chamou a atenção de Hermione, pois pareciam recentes, não estavam tão rasuradas quanto as informações contidas no cartão de embarque.

"Todos passam pela porta que estabelece os limites entre a vida e a morte, mas apenas os portadores de Ankh alcançarão o nível mais alto. Tudo veem e tudo sabem."

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Egito - 1988

O homem de nariz adunco e pernas compridas contemplava a imensidão alaranjada com invejável determinação. O suor escorria em longas e contínuas gotas por sua testa, mas ele parecia não dar a mínima para o ardor causado pelos pingos que escapavam e caiam em seus olhos.

Trinta dias e o túmulo de Amenhotep II estaria completamente limpo, mas longe de estar aberto às visitações. Com algumas pinceladas ele conseguira deixar visível a bela imagem da cruz ansata, Ankh, dada à Amenhotep pelo próprio deus Osíris como símbolo da imortalidade e o controle sobre os ciclos vitais da natureza.

Os trouxas pouco sabiam sobre o túmulo de Amenhotep. Teorias circundavam o departamento de arqueologia universidade de Durham, mas fora ele quem tivera o privilégio de viajar muitos quilômetros e desentulhar os restos mumificados do faraó ostensivo e dado à grandes festas, conforme denotava-se dos retratos em seu sarcófago. A única certeza que Anthony Feggis tinha era de que tal descoberta não lhe seria roubada por nenhum estudioso cheio de si, que jamais compartilharia o esplendor e as felicitações pela conquista histórica.

Emile Fleurie encabeçava as pesquisas sobre o túmulo do faraó da XVIII dinastia egípcia. Seus estudos tinham apenas a existência de Ankh como ponto de referência. O professor e pesquisador francês aplicara ao símbolo misterioso o conceito de chave e, embora Feggis soubesse que os antigos povos do Egito nada sabiam sobre a fechadura, gostava mesmo assim.

O Gringotes investira grande parte de seus ativos na construção da filial que abririam em Cairo, e não seria a primeira vez que tanto ele quanto o melhor amigo, Agosis, tentariam ingressar na renomada instituição. Anthony, contudo, estava mais preocupado com a educação dos próprios filhos; se os administradores do banco demorassem a tomar uma decisão, acabaria retornando à Londres, no aconchego do país onde nascera, ao invés de mandá-los para a Escola de Magia de Uagadou, onde ele sabia que seus filhos seriam cordialmente recebidos, mas, estariam culturalmente deslocados.

A areia fina do deserto criava uma densa cortina de poeira e em poucas horas ele teria que enfrentar o descampado para alcançar a tenda de Agosis. Ambos analisariam as digitais do pequeno amuleto que Pertindum encontrara debaixo do túmulo da esposa de Amenhotep II. O fascínio que compartilhavam pelas antiguidades era o que os mantinha juntos por tanto tempo longe das respectivas famílias.

— Acho que encontrei mais uma pista, Thony. — Agosis gritou antes mesmo que Anthony alcançasse a tenda. — Corra! Essa é das boas.

Feggis correu em direção ao amigo, em seu rosto um sorriso vitorioso. A areia era espalhada e as botas curtas ficariam imundas, mas ele sabia que a corrida valeria a pena.

Anthony estava se aproximando quando sentiu uma pancada violenta atingir-lhe a nuca. A dor que se espalhou por toda a extensão do crânio, das têmporas e maxilar era o menor dos problemas se comparada aos socos e pontapés que sentiu enquanto oscilava entre o estágio de "semi consciência" e inconsciência absoluta. Agosis estava ajoelhado no chão, contemplando a tenda chamas, seus olhos inchados pareciam querer saltar para fora da caixa craniana.

Anthony fechou os olhos quando o amigo começou a vomitar sangue e entre um regurgito e outro soluçava ininteligivelmente:

— Estamos perdidos, Thony, Fomos roubados, Thony.

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Touch my mouth

And hold my tongue

I'll never be your chosen one

I'll be home, safely tucked away

Well you can't tempt me if I don't see the day

Irlanda, 1998

A marca do último beijo era recente. Da manhã de terça-feira, com alguns detalhes a serem negociados antes de partirem para lados opostos, conforme a vida lhes havia designado. As chances de sobrevivência para um deles era mínima, Daphne esperava que as estatísticas estivessem se referindo a ela, afinal os vilões sempre perdiam no final e, apesar de não se considerar má pessoa, o fato era que a jovem trêmula que olhava a paisagem desconhecida a cada dez segundos, não integrava o time dos heróis.

— Eu aceito. — O som ecoou no quarto vazio, onde uma cama de solteiro permanecia arrumada como se ninguém ousasse dormir nela. As palavras saíram apressadas dos lábios carnudos e ressequidos pelo frio castigante que fazia do lado de fora. Como se pudesse aceitar algo; como se não estivesse sentenciada àquele destino desde antes do início da guerra.

Ouvir a própria voz depois de longos minutos em silêncio foi engraçado. Sentiu um tremor espalhando-se em seu interior, não pelo frio, mas por carregar em seus ombros o fardo do altruísmo, como se os músculos estivessem fatigados. Dizem que uma mulher apaixonada é capaz de cometer um homicídio se lhe for solicitado e Daphne sabia que aquilo era tão real e tangível quanto a textura da cortina que ela tocava em desalento. Ela mataria por ele, ou para ele. O pedido não fora tão comprometedor, embora dissesse respeito à vida de alguém.

A vida de Daphne Greengrass; a vida de Ronald Weasley. Ela estava na mira de alguns aurores há meses, fugindo e, de tempos em tempos, se escondendo, ao passo que ele estava do outro lado, atuando como perseguidor. A garota de apenas dezoito anos olhou para a varinha de Kayla, de onde discretas flores brancas saíam.

Kayla não detinha o Ankh, pois seu pacto era mais forte e pernicioso. Apenas o meandro, o labirinto da mitologia grega desenhado no calcanhar. Daphne sabia o quanto ela havia abdicado de seu plano original em nome da amizade que nutriam uma pela outra.

Ankh era a chave, o símbolo que também significava a imortalidade, presente nas gravuras e hieróglifos a partir da 5ª Dinastia egípcia, nos Templos de Luxor, Medinet Habu, Hatshepsut, Karnak e Edfu. Ela estudara por muitos meses, na Mansão dos Malfoy, local onde se refugiaria caso tudo desse errado.

Daphne não queria a imortalidade para si, mas manter a salvo o homem que a mantinha viva por dentro. Ele era fiel à futura noiva, em seu coração, ao menos, mas em sua estrutura existiam vazamentos e infiltrações nas quais ela cabia vez ou outra. Rupturas nas quais a tentação achava espaço e dera vazão aos desejos mais primitivos.

— Ele não quis me ouvir, Daph. — Kayla estava exausta. Sabia que no final, teria que ajudar a amiga e sairia por completo da rota que traçara desde o dia em que a mãe morrera.

— O amor é um sentimento podre, Kay. — Ela afirmou. — Te leva até o precipício, mas é você quem decide se pula ou dá meia volta, corroendo-se pela culpa de nunca ter tentado.

—Você mencionou meu nome? — Daphne questionou num sussurro desesperado.

—Sim, com todas as letras. Ele pareceu interessado, mas não o suficiente.

—Eles vão matá-lo. Eu posso sentir...

— Não deveria se preocupar com isso, já que ele nunca abriu mão da vida que leva. A namorada dele me parece ter sido colocada em um altar se o que você me disse é verdade. — Kayla disse, impaciente e apressada — Ronald Weasley é a peça mais fraca desse jogo, Daphne, até mesmo o outro irmão mais valioso, o que trabalhou no Gringotes. Se deseja mesmo salvá-lo, apenas faça o que te mandaram fazer.

— Não tenho outra opção. — Daphne falou, sentindo um nó se fechando na garganta.

—Eu sei. — Kayla assentiu — Eles fecham todas as portas, para que sejam a única saída.

O vento balançou a cortina, Daphne deslizou a mão até o final do tecido e aproximou-se de Kayla.

—Não se esqueça do que prometeu, Kay.

Kayla sabia que, a partir daquele momento, seus planos estavam comprometidos, mas procurou não pensar demais. Buscou o contrato entre os pertences mal posicionados em sua mala de viagem e estendeu para Daphne, mas percebeu que ela hesitou.

— Se for preciso eu farei.

— Minha vida pela dele — Daphne implorou, e Kayla tentou não encarar os olhos da amiga, nos quais estavam estampados o medo, a dependência, a submissão.

— Farei o que for necessário. — Kayla respondeu, por fim, sacando uma pena do bolso do casaco de tweed. — Agora tome, assine.

As últimas palavras do extenso contrato estavam escritas com sangue de dragão, como era de praxe.

"Todos passam pela porta que estabelece os limites entre a vida e a morte, mas apenas os portadores de Ankh alcançarão o nível mais alto. Tudo veem e tudo sabem."

Daphne escreveu o próprio nome no pergaminho, enquanto a cruz ansata tomava forma em seu punho esquerdo. Com os dedos trêmulos e a apreensão invadindo toda a extensão de seu corpo, Daphne Greengrass era, a partir daquele momento, membro da Porta.

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Dois dias após a visita de Harry, Hermione decidiu que era o momento de afastar-se das suposições e partir para a ação. A ilha era o fio de esperança que, de alguma maneira, mantinha-a conectada às respostas. Rony não retornaria dos mortos, mas ela sentia que colocaria um ponto final em suas indagações constantes.

Pela manhã tratou de espantar as próprias divagações sobre fidelidade e beijos ardorosos em alguém cujo nome os próprios lábios tinham dificuldade de pronunciar, por vergonha, ou medo de que soassem bem e ela acabasse se acostumando. Sua mente trabalhava rápido demais, e como se estivesse cometendo o pior dos pecados, ela tocou o peito com reverência, silenciosamente pedindo perdão à memória de Rony.

O vento dava a direção às últimas folhas multiformes e multicoloridas. Elas dançavam num ritmo aleatório, assim como as flores já mortas, que se despediam do outono, se arrastando em direção aos bueiros. Hermione segurou com força o único objeto que ainda a mantinha conectada ao falecido namorado, a mochila. No anelar direito havia colocado o anel de brilhantes que havia encontrado entre as cartas e roupas avariadas, ciente, em seu íntimo, de que aquele era um ato desesperado na guerra contra o próprio subconsciente, que parecia ter prazer em sabotá-la.

As ruas do lugar eram anormalmente arborizadas, contornadas por troncos majestosos que remontavam a épocas sequer imaginadas por quaisquer moradores da região. Havia anos que Hermione não se colocava diante de uma paisagem tão viva e colorida, pois seus olhos não mais se recordavam das cores que fugissem à paleta sombria composta pelas nuances taciturnas do preto, marrom e roxo. As cores mais vívidas se escondiam da região de Azkaban, e como que por respeito, Hermione também as evitava naquele ambiente nada acolhedor, prezando por roupas sóbrias e tristes.

A cor da qual ela mais sentia falta era o verde. Em algumas árvores era possível visualizar folhas resistentes, cuja predominância era o verde, puro, forte e vívido. Embora fosse a marca registrada da casa das serpentes, aquela era sua cor favorita, segredo que guardou por muitos anos, até finalmente admitir a si mesma, quando recebeu de presente o casaco verde floresta de sua mãe. Na ocasião Rony já não estava mais vivo, e Jean Granger tinha dificuldades em lidar com as emoções da filha, de modo que o casaco era uma maneira – frágil – de se fazer presente e dizer que se importava.

O vento também balançava os cabelos de Hermione. Enquanto caminhava ela contemplava os grandes edifícios trouxas, em especial um que ainda não havia sido concluído, mas que prometia ser o maior de todos ali. Como a viagem não era oficial o transporte trouxa também foi a opção da vez, nele era possível contemplar cada pessoa que entrava e saía, algumas estavam apressadas, outras sorrindo; havia quem estivesse distraído, preocupado com um filho ou filha que ainda não voltara, ou o emprego que estava ameaçado.

Hermione tinha medo do futuro, por isso nunca pensava muito no que viria a seguir. Pensar no dia seguinte sempre culminava em rompantes de lágrimas e desespero, crises de ansiedade que a consumiam de dentro para fora.

O motorista do taxi era um homem quieto, mas muito cortês, fez algumas observações sobre o tempo louco que fazia em Londres e logo se calou quando percebeu que Hermione não estava inclinada aos diálogos triviais. A mente da medbruxa concentrava-se em não se perder, pois desceria nas imediações do arquivo nacional do Ministério da Magia, onde todos os nascimentos de crianças bruxas eram registrados. O prédio era um anexo mágico do St. Mungus, raramente frequentado,mas bastante útil. Em acréscimo a isso, a pessoa com quem deveria falar não soltaria fogos de artifício ao vê-la, mas Hermione tomara as devidas precauções e comunicara sua visita, formalizando o pedido de vista aos dados de três pessoas em caráter de urgência.

Dora, Samantha e Janice.

A construção ficava em uma região marginalizada, em Brixton, na Stansfield Road. Diferente do prédio do hospital bruxo, cuja fachada dava para as ruas de Londres, o que criava um contraste curioso entre as duas faces da cidade. Hermione permitia-se a reflexão, vez ou outra, sobre as razões que levaram a cúpula do Ministério da Magia a construir o prédio menos elitizado — segundo a concepção bruxa — em um bairro periférico e segregado.

— Eu sabia que cedo ou tarde você viria — uma voz feminina falou por detrás da pilha de livros e pastas puídas. — Este é o lugar perfeito para Hermione Granger, a traça. Todavia não contava com a utilização da posição de superioridade para conseguir algo em benefício próprio

— Astoria! Não a vejo desde... — Hermione interrompeu a frase antes que cometesse uma indelicadeza. Astoria Greengrass não estava errada, a medibruxa fizera uso de seus poderes para conseguir as informações com maior presteza. Menos dez pontos para a grifinória!

— Desde quando fui acusada de assassinar minha irmã e seu namorado? — Astoria completou sarcástica. Havia, também, uma boa dose de conformismo em sua voz. — A notícia foi espalhada em toda a Inglaterra, Hermione, deveria ter pensado nisso quando permitiu que me condenassem. Portanto, agora não é o momento de corar e pisar em ovos comigo, sei o motivo de sua visita, e de certa forma eu já esperava que viesse, cedo ou tarde o seu faro a traria para este buraco que chamo de ambiente de trabalho.

Hermione não podia dizer que estava chocada, pois conhecia a personalidade marcante de Astoria Greengrass, famosa pela sinceridade excessiva e as mudanças bruscas de humor. A caçula dos Greengrass aos dezessete anos não tomara partido na Guerra Bruxa, mas salvara inúmeras vidas independentemente do lado pelo qual lutavam. Os boatos que corriam pelos corredores do Instituto Dillys Derwent eram de que ela estava ali em virtude do grande destaque midiático que ganhara durante a guerra, mas Hermione trabalhara com ela e sabia que Astoria era competente; sua maior qualidade era ser pragmática, de modo que não tolerava rodeios, adulações ou políticas desnecessárias.

—Preciso encontrar alguém, Astoria. Sei que sou a última pessoa no mundo a quem você ajudaria, mas, neste caso, também diz respeito à Daphne. — Hermione falou, acompanhando os movimentos de Astória até a mesa de mogno, onde colocou uma caixa transparente com pequenas esferas azuis, levantando um véu de poeira, pelo que Hermione teve que se afastar.

— Não preciso encontrar minha irmã, Hermione. — Astoria respondeu, sorrindo diante da reação de Hermione, como se tivesse agido de propósito. Havia em suas palavras o mais profundo descrédito por ouvir tal afirmação vinda da antiga colega de classe. — Se quiser oferecer algo que me sirva experimente: "Isso recuperará todos os dias perdidos em Azkaban, pagando por um crime que você não cometeu".

— Não pode me culpar para sempre. — Hermione falou num fio de voz.

—Sim, eu poderia, se o seu depoimento fosse a única prova aceita pela corte, mas o relato de Draco foi o que me causou maiores danos. Você tinha sede de vingança, Hermione. Acredite, eu te entendo mais do que imagina. — Astoria sentou-se ao lado da caixa. Deslizou o dedo indicador pela testa para afastar dos olhos algumas mechas do cabelo extremamente curto e loiro. As esferas pareciam brilhar ainda mais conforme ela se aproximava — Por um momento achei que fossemos amigas, mas você sempre foi tão polarizada.

Hermione quase sorriu. Conhecera Astoria no Dillys Derwent quando todos estavam recolhendo os próprios fragmentos espalhados no solo onde a guerra havia plantado destruição. Ambas trabalharam em projetos voltados à cura de lesões degenerativas causadas por magia proibida, passavam os intervalos discutindo novas propriedades do Asfódelo em pó, ou mesmo das folhas de mandrágora. Até o dia em que os rumores começaram e as investigações tomaram rumos duvidosos. Ela foi condenada pelas mortes de Rony e Daphne, mesmo diante da ausência de elementos suficientes a evidenciar indícios de culpabilidade.

— Eu não me orgulho do que pensei a seu respeito, Astoria, tampouco do meu depoimento — Hermione admitiu.

— Nem queira saber o que pensei sobre você, mas um dia eu li o seu artigo sobre as folhas de mandrágora, e tive a certeza de sua honestidade. — Astoria sorriu genuinamente, mas logo ficou séria de novo — Obrigada pelos créditos, mesmo sabendo que meu nome poderia manchar a reputação de seu trabalho.

—Nosso trabalho — Hermione corrigiu, e então sentiu que a tensão já não pairava tão densa no ar, embora ainda houvesse um desconforto considerável.

—Separei os registros que me pediu, e já adianto que os dados de Samantha, a princípio, são inconsistentes. Ela era uma bruxa de origem "mestiça", nascida em Bristol e Dora, a outra mulher, consta como sua mãe, a pobre mulher morreu de causas naturais. Nada encontrei sobre Janice, é como se ela nunca tivesse existido.

Astoria abriu a caixa e retirou de dentro dela um dos orbes azuis, apertou-o com força com ambas as mãos, fazendo com que se desenrolasse um pergaminho. Hermione sabia o que era aquilo. Documentos protegidos pelo St. Mungus e pelo Ministério da Magia por conterem informações confidenciais, cujo vazamento culminaria em potencial risco à Ordem Pública.

— A última inclusão de documentos foi feita há duas semanas — Eu estava em casa e minha varinha começou a apitar, então este orbe surgiu dentro da caixa com os laudos da necrópsia de Ronald Weasley e uma mulher chamada Samantha. Ambas as fichas apontam a mesma causa mortis. São os sintomas de todos os que estão morrendo no St. Mungus e no banco de sangue. Alguém contaminou o local, mas nem todos morreram. — Astoria falava como se não conversasse com alguém há meses, o que poderia ser verdade se observado o lugar onde ela trabalhava. Os ecos podiam ser ouvidos por entre as prateleiras altas que subiam além do que os olhos podiam ver.

—"Rastros de Estonomo Venus" — Hermione leu, assim que Astoria entregou-lhe o pergaminho. Sentiu o fluxo sanguíneo despencar. Quase perdendo o equilíbrio, sentou-se na cadeira mais próxima. — Lembro-me de ter pesquisado sobre o uso de Estonomo Venus quando estávamos no Instituto, mas, eu pensei que ninguém estivesse apto a utilizar.

— Basicamente ele foi assassinado por alguém que manipulava a poção mais perigosa do livro branco. — Astoria completou como se estivesse dizendo o óbvio. Hermione imaginava se era essa a sensação que seus amigos tinham quando ela explicava alguma matéria. Era irritante o ar discreto de superioridade ao revelar algo que estava subentendido, reduzindo o outro, ainda que inconscientemente.

— Apenas três pessoas sabiam como revelar os ingredientes e prepará-los sem morrer no meio do processo: Severo Snape, Abraxas Malfoy e Horace Slughorn. — Hermione continuou antes que fosse alvo de mais um show de explicações não solicitadas.

— Apenas posso supor que o livro foi roubado de algum lugar, e que existe uma quarta pessoa que também sabe manipular as poções secretas. — Astoria ponderou. — Quer um copo de água? Você está pálida!

Hermione assentiu com a cabeça, era o movimento mais simples que seu corpo conseguia fazer. Sentia-se como se tivesse rezado por uma brisa em um dia quente de verão e os céus mandassem um furacão desordenado. Astoria despejara muitas informações, e Hermione não sabia se deveria confiar nas coincidências do destino, ou na conspiração do universo em seu favor. Duvidava da bondade humana, sobretudo após a mensagem que Harry recebera, por isso, não custava nada permanecer ali até que tivesse certeza da idoneidade de Astoria.

—Ouvi dizer que o projeto de Agosis tem feito muito sucesso, e Malfoy é um de seus pacientes fixos. — Astoria puxou o assunto, entregando o copo de vidro com água gelada nas mãos de Hermione. Com a outra mão deslizou pela mesa uma cópia do "Profeta Diário", onde a imagem de Hermione Granger e Leon Dixon de um lado e Malfoy do outro figurava como capa da reportagem. — Espero que ele revele toda a maldade que existe dentro daquele corpo.

— Ele é só mais um, dentre as centenas de condenados. — Hermione desconversou, tentando transmitir displicência em seu tom de voz, enquanto o cérebro era uma máquina frenética tentando compreender a movimentação de peças. — Tem alguma coisa que gostaria de me contar, Astoria?

Hermione com discrição cheirou o conteúdo do copo, mas aquilo não seria suficiente, pois inúmeras poções e venenos eram completamente inodoros. A cautela com bebidas fora adquirida antes mesmo da guerra. Rony fora envenenado por acidente no sexto ano e, desde então, Hermione nunca mais provou qualquer coisa sem antes colher uma amostra no lenço que carregava consigo, ir ao banheiro e aplicar um feitiço revelador sob o tecido. Queria sair o mais rápido possível daquele lugar, então optou por fingir interesse no que Astoria falava.

Ela esperava que Hermione aparecesse, não só pelas orbes, mas porque tinha algo a dizer sobre Malfoy. Todos em Hogwarts sabiam que Astoria tinha uma espécie de relacionamento estranho com ele, embora Daphne fosse a escolhida para passar os natais na Mansão dos Malfoy. Tal qual a obra de Shakespeare. Astoria era Helena e Daphne era Hérmia.

—Acredito que você queira ler por si mesma. — ela puxou apressada de dentro da gaveta uma pasta branca e colocou-a em cima da mesa, junto dos orbes. Uma cópia da necropsia de alguém, Hermione já vira inúmeras daquelas, mas não esperava que o amontoado de pergaminhos unidos por uma fita de couro dissessem respeito a ninguém menos que Lucius Malfoy.

St. Mungus – Departamento de análisespost mortem (Janeiro, 2004)

"Verificamos que se trata de um cadáver de adulto de meia idade; do sexo masculino; caucasiano; de biótipo normolíneo e compleição física mediana; medindo 183 centímetros de altura; cabelos lisos; pálpebras abertas. A amostra de tecido foi recolhida com permissão de membro da família, comprovada por similitude genética e sanguínea".

PS: Remeter ao departamento dos aurores com urgência!

—Não me parece possível. Draco Malfoy estava preso, não poderia ter autorizado o recolhimento de amostras. — Hermione estava aturdida, mas não confiava em Astoria por completo. Ainda havia muita mágoa no vão entre as palavras que saiam de sua boca.— O projeto me coloca em posição de ajudá-lo no que for necessário —respondeu prontamente, sorrindo devagar — não posso simplesmente encontrar meios de incriminá-lo ainda mais por causa de uma vingança pessoal sua, Astoria.

— Sabe que não é do feitio de Draco permitir algum tipo de benefício vindo de alguém como você, certo? — ela disse, depois de alguns segundos, admirando as orbes sobre a mesa e, vez ou outra, olhando para as unhas curtas e cintilantes.

— Acredite, ele permite, e tenho certeza que gosta — O comentário fez Astoria encará-la com estranheza. Ela não parecia impressionada pelo fato de Hermione Granger ser a medibruxa responsável pelo atendimento e acompanhamento de Draco Malfoy, pois havia lido a matéria no Profeta Diário, mas captara certa conotação duvidosa na segunda parte da frase.

—Vocês estão transando — Ela afirmou. Hermione sentiu os lábios entreabirem involuntariamente. Diante de qualquer pergunta teria se saído muito bem, poderia listar um milhão de respostas à Astoria e seu sarcasmo peculiar, mas aquilo nunca passara por sua mente.

—O quê?! — sentiu as mãos suarem ainda mais — É claro que não! Quem você acha que eu sou?

— Cuidado, Granger, ou vai acabar sendo muito bem cuidada por ele. Ele é um homem capaz de te levar à loucura em todos os sentidos. — era estranho ouvi-la falando sobre Malfoy com tamanha lascívia. Embora soubesse da relação complicada que ambos mantiveram, Hermione jamais imaginaria que Astoria continuasse tão interessada, ou nostálgica.

—Você pode me ajudar, Granger, e todos sairiam ganhando. Tenho certeza que seria muito mais prazeroso saber que Draco Malfoy, aquele que te fez passar por todas as humilhações possíveis, pagará pelos crimes que cometeu. Todos os crimes. — Astoria deslizou a ponta da língua pelo lábio inferior e esperou a reação de Hermione. Ela era uma icógnita, não era possível compreender para qual lado ela jogava.

— E o que você sabe sobre os crimes de Malfoy, Astoria? — Hermione engoliu a saliva com dificuldade — e todo o resto?

—Sei que há muito mais do que você imagina, e que o sexo com Draco talvez não compense a culpa por acobertar um criminoso patológico. Agora, se quiser amenizar os dissabores que me causou com o seu depoimento, pode tentar descobrir o que Malfoy tem escondido ao longo dos anos e por que nunca cogitaram a análise genética dele no cantil contaminado na bolsa de Weasley? Você está dormindo com o inimigo, Hermione, e isso é tudo o que sei.

Foram as últimas palavras de Astoria, e antes que uma nova discussão se iniciasse, a mulher aproximou- se de Hermione e deu-lhe um beijo na bochecha, ao mesmo tempo em que entregou-lhe um saquinho que tilintou ao movimento. Hermione desamarrou a fita que prendia o pacote de pano e não sabia se deveria sorrir ou praguejar. Astoria era louca, mas o seu coquetel de poções só era entregue à quem ela confiasse ou achasse competente o suficiente para utilizá-lo.

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O dia estava tão claro que Draco sentiu a luz cortante do sol machucando seus olhos. As sobrancelhas se mantinham franzidas como uma forma de proteção involuntária. Ficaria cego se continuasse preso dentro da cela por mais alguns anos, pois a escuridão o transformaria em uma topeira que reagiria à presença de luz natural.

—Inconcebível — ele murmurou mais vezes do que gostaria. Pela primeira vez estava do lado de fora da prisão, respirando o ar mareado e a brisa salgada da região litorânea onde Azkaban estava localizada. Hermione Granger era uma profissional, ou pelo menos era tratada como uma em toda a prisão, logo, deveria saber que, independentemente da circunstância, era remunerada pelo serviço trabalho ali realizado, o que incluía o tratamento de Malfoy. Um risinho inconformado saiu pelo nariz logo após a constatação. Vulnerabilidade era uma merda, ninguém tinha o direito de fazê-lo sentir-se daquela maneira, sobretudo Hermione Granger. Poucas pessoas o deixavam em situação semelhante. Sua mãe nas raras vezes em que declarara seu amor materno abertamente, Daphne, quando resolvia dar demonstrações de afeto pós-sexo. E, agora, Granger, quando resolvia não ir trabalhar.

Granger era deveras interessante, mesmo sendo desprovida dos atrativos comuns às mulheres que ele conhecera, o que a tornava minimamente atraente era o fato de que cada fibra de sua alma parecia pulsar em dor, de modo que a felicidade não lhe parecia cabível, e a culpa pungente jamais descolaria de sua epiderme. Depois da insana investida de Malfoy, ela estava presa a ele e se houvesse uma tentativa incisa, Granger poderia ceder, pois o abandono gravado nos olhos dela era uma porta aberta. Draco sorriu de leve. Será que teria coragem de fazer de novo? Sentir prazer com os lábios de uma sangue-ruim?

Sabia que o gosto da boca dela seria doce e quente, algo viciante, um ímpeto desconhecido que agiria sobre seu organismo e faria com que ele implorasse por mais, tal qual uma droga. Mesmo absorto em seus pensamentos, ele conseguiu ouvir passos se aproximando. Alguém lhe fez sombra sobre o rosto, quando abriu os olhos era Kayla quem o encarava.

— Gostaria de colocar seu nome na lista, Mafoy? — Kayla perguntou, olhando - o de cima. Draco demorou alguns segundos para processar a presença quase incômoda de Kayla. Ela estava limpa e tinha cheiro de sabonete caro. Ele não tinha a mínima ideia do que ela estava falando, mas não a interrompeu, ou questionou. — Azkaban está passando por uma reforma importante. Liberaremos alguns presos para passar os feriados em casa. O seu corredor foi escolhido como o primeiro a experimentar a benesse. Sairão cinco para o natal, oito para o dia das mães e dois para a páscoa.

— Hum... Interessante — Draco permanceu deitado, sentindo o sol penetrando em sua pele. Kayla não lhe trouxera nenhuma notícia relevante desde a última vez que a encontrara, e a migalha que oferecia agora não contava como favor, ou coisa do gênero. De nada adiantaria sair de Azkaban por tempo limitado. Sentir o sabor da liberdade para depois ser vomitado de volta à prisão pela sociedade bruxa. — Não tenho um parente vivo sequer. Não tenho um sicle no bolso, muito menos lugar para ir.

— Pertindum escolhe quem vai, mas ele costuma dar ouvidos aos relatórios de Feggis e Granger – Draco travou. Abriu os olhos abruptamente e girou a cabeça tão rápido que sentiu a musculatura do pescoço estirar, uma dor pulsante irradiou por todas as fibras. Aquele nome era quase amaldiçoado e ele estava tentando arduamente não pensar nela ou no quão convidativos eram os lábios que ele beijara sem pensar muito nas consequências e no arrependimento posterior.

Ele apenas pigarreou e contemplou o mar do norte, como se estivesse realmente apreciando a horrenda paisagem. Não sabia como reagir, qualquer movimento que fizesse não seria rápido o suficiente para encobrir seu interesse diante da menção de Hermione. Malfoy estava encurralado, tal quando se embrenhava pela densa vegetação das ermas florestas onde inúmeros abrigos de nascidos trouxas estavam secretamente localizados. Aquela fora a sua missão por muito tempo, e, enquanto arquitetava um plano para invadir os acampamentos e matar qualquer coisa que respirasse, ele só tinha uma coisa em mente: precisava encontrar várias saídas, caso algo desse errado. A rapidez em seus movimentos era o que fazia dele o escolhido para as incursões nas quais a velocidade de adaptação e fuga eram fatores cruciais.

— E qual o procedimento? — ele questionou, direcionando as muitas emoções para o lado oposto do cérebro. Aquilo era difícil, mas ainda se lembrava de como desviar de feitiços quando as árvores ofuscavam sua visão e tudo o que tinha que fazer era matar, não importava quem. — Tenho certeza de que alguém amarra uma pedra nos pés do infeliz e o monitoram através de algum sistema que faça deslizar nas veias do condenado um saboroso cruciatus. Por fim todos são jogados ao mar e assim a sociedade bruxa se livra de todos os incômodos humanos entulhados em Azkaban.

Kayla revirou os olhos, mas Draco notou que ela estava fingindo indiferença. Depois de anos observando movimentos, postura e as nuances das expressões faciais humanas, ele aprendera a fazer uma leitura completa do rosto humano. O'Boyle possuía algo de diferente quando piscava; a sobrancelha parecia trêmula e tudo o que acontecia na região dos olhos transmitia a forte sensação de estar sendo enganado, ou, usado.

— Você só precisa de alguém que cuide de você. Seria uma espécie de padrinho, alguém que controlaria o seu direito de ir e vir, falando francamente. — Ela sorriu e Draco se lembrou de alguém. Daphne, ele imaginou. Ambas tinham muita coisa em comum. — Sugiro que fale com Feggis, ele é um cara legal que tem uma casa. O Ministro da Magia e Agosis Pertindum o estimam bastante. — Ela já estava indo embora, quando deu meia volta e falou.

— Chegaram algumas pomadas e poções para a sua perna, a pedido de Hermione Granger. Estão na enfermaria. Talvez ela esteja lá também. — Kayla deu uma piscadela e Draco imaginou se deveria se preocupar por não ter conseguido suplantar os conflitos morais de maneira eficaz.

E assim como chegara, Kayla se fora, em silêncio. Draco notou que ela mancava discretamente, de modo que os passos eram lentos. O calcanhar de O'Boyle estava vermelho, e mesmo de longe Malfoy reparou que havia um desenho em contornando toda a extensão dos pés e tornozelo pálido de Kayla, tal qual uma tatuagem cujo desenho formava o que ele imaginou ser um labirinto.

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Saltos finos, característicos e previsíveis como só ela poderia ser. Scarpin caramelo, ligeiramente desgastado, mas ainda em bom estado de conservação. Sapatos novos estavam fora de cogitação, então o par que comprara no brechó local era o que a baixa remuneração podia oferecer. "Contenções de gastos", qualquer um de seus cinco ou seis superiores diria caso a ideia de aumento salarial fosse suscitada.

Malfoy se retesou ao vê-la na enfermaria abrindo a porta dos armários abruptamente. Ele a sondava, a devorava apenas com os olhos e Hermione podia sentir o calor emanando da respiração tensa que ele soltava lentamente pelo nariz. Na realidade, tinha evitado ao máximo que esse momento chegasse, mas não podia mais fingir indisposição e fugir do trabalho.

Ela preferia questioná-lo sobre o ódio fulminante de Astoria por ele, sobre a quantidade de vítimas fatais que ele fizera nos acampamentos. Preferia qualquer coisa a tê-lo olhando-a fixamente, como se estivesse intrigado e ao mesmo tempo lutando contra a repulsa e a curiosidade. Os papéis nas mãos de Hermione já estavam suados e ela pensou se não teria sido mais prudente de sua parte se os tivesse colocado em uma pasta. Aqueles documentos eram importantes.

— Bom dia, Malfoy — cumprimentou-o finalmente, apanhando a prancheta de cima do armário e colocando-a na altura do umbigo. Sobre a mesa onde os pacientes eram examinados, três vidrinhos da poção restaurativa e essência de ditamno. A varinha estava escondida entre a barra da saia e a pele, coberta pela camisa de algodão. O silêncio era irritante, e as reações morosas de Malfoy também. Talvez estivesse esperando alguma ação diferente – embora não soubesse o quê. Um beijo? Um toque? – ele, contudo, respondeu da forma mais "Draco Malfoy" possível.

— Granger. — um leve aceno de cabeça.

Hermione escolheu não olhar para ele, ciente de que tão somente o som de sua voz adulta demais, grave demais, era como tomar um pequeno choque doméstico, inesperado e humilhante, ao mesmo tempo em que ativaria todos os sentidos e a colocaria em estado de alerta. Deslizou uma mecha de cabelo que se soltava do rabo de cavalo para trás da orelha, e umedeceu os lábios.

—Preciso que você se sente à mesa de exames — indicou a mesa de fórmica forrada com algumas folhas descartáveis. — Antes é claro eu vou retirar as poções e... — Hermione tropeçou e derrubou um dos vidros de poção restaurativa, o líquido deslizou pelo chão e ela praguejou tantas vezes que pensou ter escutado uma risadinha de Malfoy. Mexeu um pouco a cabeça, estalando as articulações do pescoço, esperando que ele debochasse, ou questionasse o motivo pelo qual deveria ser examinado.

— Eu odeio a cor verde. Mas você não fica tão desprezível com esse casaco. Numa escala, talvez uns dois por cento menos intragável. — foram as palavras que saíram da boca dele e Hermione não pôde conter o desapontamento sutil. Embora ser um desgraçado era visivelmente a característica predominante de Malfoy, tudo parecia magistralmente encenado.

— Sempre achei que verde fosse sua cor favorita. — Granger provocou, e Malfoy não sorriu, apenas deu de ombros, abaixou-se ao lado da mesa de exame e recolheu os estilhaços ainda visíveis sobre o chão. Hermione estava de cabeça baixa, impossibilitada de encará-lo tão de perto por motivos óbvios. Ela viu seus sapatos gastos, e finalmente ergueu os olhos para a mão apoiada no joelho, as mangas do suéter azul arregaçadas e a marca negra destoando de toda a palidez.

— Certas coisas perdem o sentido depois de tantos anos trancafiado em uma prisão. — Ele falou tão baixo que ela quase pediu que repetisse — Eu posso imaginar que, talvez por não estarmos mais em Hogwarts as cores não sejam mais tão importantes.

— Ou tenham o mesmo impacto — ela completou.

— É. — Ele confirmou, o olhos ficaram mais escuros e profundos. A respiração de Malfoy ficou carregada, ele estava tentando manter o controle da situação. — Gosto de cores quentes.

— Como o vermelho? — Hermione perguntou contendo a ansiedade que a corroia. Parte dela gostaria de ouvir tudo o que ele tinha a dizer sobre os próprios gostos, mas sabia que ele não revelaria muito mais.

— Também... — Ele deu um sorriso sem emoção. — Já esteve presa alguma vez, Granger? Doente de vontade de fazer algo simples como caminhar sob o céu de primavera no beco diagonal?

— Dentro de mim, com meus dementadores pessoais — ela deu uma risadinha nervosa diante da própria comparação, mas parou quando percebeu que ele estava sério — no campo de refugiados, temendo o ataque dos comensais, mas nunca fisicamente.

Malfoy nada disse diante da afirmação de Hermione. Ambos trilhavam escuros becos dentro das próprias almas, embora ela pudesse caminhar sem nenhum tipo de limitação. Foi como um lampejo, não durou muito tempo, mas ela sentiu pena de Malfoy,

— Muitas coisas mudaram, não é mesmo, Granger? Desde Hogwarts... — Ele não estava falando das cores e ao perceber o que estava acontecendo Hermione se levantou tão rápido que sentiu a cabeça latejar. A enfermaria estava girando, e aquele não era um bom momento para se lembrar de que não comera nada desde a noite anterior.

Hermione rapidamente encontrou algo em que se apoiar e ao mesmo tempo manter-se ocupada, a limpeza das prateleiras da enfermaria. Requisitara a contratação de uma enfermeira e um auxiliar, mas seu pedido ainda não havia sido acolhido. O procedimento para a entrada de novos funcionários em Azkaban era bastante complexo e, por isso, demorado. Ela sabia, contudo, que para além da típica burocracia os argumentos recheados das expressões "contenção de gastos" e "inexistência de verbas" eram os grandes motivadores das constantes negativas por parte do Ministério da Magia. O mais engraçado era observar o dispêndio de toda essa suposta verba inexistente em eventos culturais e comemorativos, nos quais o alto escalão ministerial recebiam diversas condecorações e presentes especiais.

— Quem permitiu que andasse por aí sem algemas, Malfoy? — Hermione questionou numa tentativa desesperada de desviar o assunto. Ela tinha uma forte desconfiança sobre quem poderia ter dado esse tipo de permissão à Malfoy.

— Feggis.— a confirmação fez Hermione ponderar se já não estaria na hora de falar com Anthony sobre as regalias que concedia à Malfoy. Permitir que ele circulasse por alguns lugares era minimante tolerável, mas daí a permitir que a regra do uso de algemas não fosse cumprida, beirava a completa insensatez.

Ajeitando a gola do casaco com uma das mãos, enquanto ainda mantinha-se de costas para seu interlocutor, levantou-se, e continuo seu trabalho de limpeza das prateleiras imundas. Precisava ignorá-lo sem demonstrar os reais motivos de seus atos.

— Encontrei Astoria — Hermione falou displicentemente. Respirou fundo ao notar que Malfoy estava sentado novamente na mesa. Ao virar-se para ele notou que o cabelo estava seco, caindo por sua testa, bagunçado.

— E como ela está? — Ele questionou com a mesma displicência, ajeitando as pernas. Era alto demais, de modo que seus pés facilmente tocavam o chão.

Hermione sentia alguma coisa obstruindo sua garganta, algo que latejava, uma espécie de angústia ansiosa. Intimamente ela estava esperando que ele fizesse algum comentário sobre o que tinha acontecido da outra vez; que apenas parasse de agir como se fosse um paciente obediente, pois ele era Draco Malfoy, e um Malfoy jamais acharia normal beijar uma 'sangue-ruim', nomenclatura que dera a ela durante a vida inteira. Ele abominava pessoas como ela, logo, não poderia simplesmente desejá-la. O silogismo não costumava falhar nesses casos.

— Bom... Ela me parece bem. Sente certo rancor em relação a você, o que me parece algo óbvio se considerado o passado de vocês, não é? — ela sorriu, e ele sorriu de volta.

— Ainda presa em Hogwarts, Hermione? — Malfoy parecia um pouco mais interessado — Acho que descobri quem escrevia as colunas de fofoca sobre minha vida.

—Nunca existiram colunas de fofoca sobre sua vida — ela falou sem medir as palavras. Ele a estava provocando de uma forma completamente diferente.

— Então você já pesquisou? — Ele estava se divertindo com a situação. — E o que Astoria tem a ver com o que você pretende fazer comigor? — ele perguntou, olhando diretamente para ela. O cenho franzido. Ela tentou não pensar em nada impróprio, embora não fosse tarefa fácil

Hermione sentiu um calafrio quando pegou o vidro da poção sobre a mesa, abrindo-o, o que faria ali estava fora de todos os protocolos e códigos de ética da profissão. Não tinha cheiro algum, apenas uma coloração translucida e fluida como água.

— Exames de rotina. Beba isto —, ela arrastou a cadeira para mais perto da mesa de exames. Aproximou o vidro da poção dos lábios dele, sentindo o coração disparar. Draco fez uma careta estranha para a boca do vidro — É uma poção revigorante de Kayla O'Boyle.

E se Astoria estivesse errada? Estava indo longe demais, mesmo sabendo que aquilo poderia ser útil futuramente. Malfoy entreabriu os lábios convencido, deixando que ela virasse o vidrinho, fazendo o líquido escorregar até a garganta. O coquetel de poção do sono e veritas serum seria a ferramenta ideal e a medida desesperada sob a qual Hermione estava disposta a se submeter. Draco ficaria com parte do cérebro inconsciente, o que tornaria suas ações mais lentas, completamente sujeito à ela, vulnerável a ponto de revelar todos os segredos que guardava dentro de si.

Malfoy deitou-se lentamente após tomar toda a poção e respirou fundo. Assim que suas feições relaxaram Hermione soube que ele dormira. Deixou a prancheta em cima da mesa, levantou a barra da blusa e retirou sua varinha.

O único vestígio que o coquetel de poções deixaria em sua mente seria uma enxaqueca perturbadora e insônia por algumas horas. Nada que ele não pudesse aguentar, embora ela sentisse pena de quem estivesse na cela ao lado, ouvindo as lamúrias de Malfoy.

Hermione inclinou-se sobre ele, aproximando, com a varinha apontada para a cabeça dele. Extrairia as memórias de Malfoy e as levaria para análise, se conseguisse encontrar uma penseira. As chances de dar errado eram mínimas, haja vista a combinação poderosa de poções. Ela estava prestes a murmurar o feitiço que expandiria as memórias de Draco quando ele abriu os olhos acinzentados, erguendo a mão esquerda e apertando o pescoço dela com força. Hermione, num reflexo involuntário, abriu a boca na tentativa de sugar qualquer mínima partícula de oxigênio presente no ar. A mão dele imprimia tanta força em sua carótida que ela teve a impressão de que a artéria explodiria.

— Estou decepcionado com sua inocência, Granger. Achou mesmo que eu não reconheceria o "coquetel da verdade" de Astoria Greengrass? Eu estava com ela quando a mistura foi criada — ele sussurrou. O hálito quente perpassando por entre a curva do seu pescoço e o lóbulo da orelha. A outra mão apanhou a varinha e com ela Malfoy desenhou uma trilha pelo vão da camisa de Hermione — Eu poderia. Ah, sim, eu poderia! Neste exato momento, mas seria muita bondade de minha parte.

O coração de Hermione disparou quando notou que ele estava abrindo os botões de sua camisa, e os dedos dele já se preparavam para os próximos três. O sutiã verde estava quase completamente exposto e ela podia jurar que ele dera um sorriso quando reparou na cor.

— Poderia o que? — ela perguntou com a voz perdida em algum lugar, juntamente com sua dignidade. Precisava ordenar que ele parasse com aquilo. A ponta da varinha chegou até o umbigo. Os olhos dele estavam presos em cada centímetro de pele revelada pela abertura dos botões. Trocou de posição com ela e empurrou-a levemente até que ela sentisse as costas baterem na parede onde a mesa estava apoiada.

A barriga de Hermione tremeu quando Malfoy aproximou seus lábios dali e roçou-os, perto do baixo ventre. A mente dela trabalhava com uma intensidade absurda, mas mesmo assim seus pensamentos estavam nublados. Nada mais fazia sentido. Ele largou a varinha, levando ambas as mãos às suas coxas, pressionando-as com os dedos.

— Eu poderia te matar — ele sussurrou em resposta, subindo os lábios por sua barriga, até chegar aos seios sob o tecido elástico do sutiã — Tenho certeza que você me agradeceria? Morrer agora mesmo e Livrar-se de todos os seus pecados? — Ele subiu uma das mãos por seu tronco. Hermione sentiu a boca seca, rezou para que alguma divindade colocasse seus pensamentos no mudo.

Malfoy afastou a taça do sutiã que cobria seu seio, revelando o mamilo rígido. Suspirou e ergue os olhos para ela. Um arrepio percorreu toda a pele e desceu pela barriga quando ele abocanhou o mamilo, deixando a língua passear pela região totalmente sensibilizada.

Ela tentou desesperadamente trazer à memória a face de Rony, para que a imagem dele lhe desse um pouco de prudência ou sanidade e assim, ela mandasse Malfoy parar. Mas não conseguia. Simplesmente esquecera como Rony era, e só conseguia pensar na sensação da boca de Draco Malfoy em seu seio, das mãos dele, grandes, secas e ásperas acariciando suas coxas debaixo da saia, procurando desesperadamente a barra de sua calcinha.

Ele encaixou os dedos nas laterais de sua calcinha, puxando-a para baixo, fazendo-a deslizar por suas coxas e pernas até cair no chão. Hermione observou a própria peça íntima jogada para os pés da mesa. Levantou os olhos castanhos, encarando-o. Foi Malfoy quem venceu a distância entre ambos e a beijou. Os lábios dele estavam secos. Sentiu a ponta da língua dele toca-la, quente e úmida. Mas nada a preparou para o momento em que a mão dele alcançou sua virilha, e os dedos médio e indicador tocaram-a no clitóris, fazendo movimentos lentos e circulares. Hermione gemer baixinho dentro da boca dele, fechando os olhos. Ainda sentiu seu sorriso malicioso quando ele entreabriu os lábios e deslizou a língua para dentro de sua boca, encontrando a dela, beijando-a com desespero enquanto a tocava cada vez mais forte, deixando toda a região úmida.

Hermione segurou-o pela nuca no intuito de afastá-lo – mas isso fora apenas um lapso, já que não estava mais trabalhando com sua mente, e sim em função do próprio corpo. Enterrou as unhas em sua pele por ali e acabou pressionando sua cabeça para mais perto, a língua indo mais fundo na boca dele, Malfoy procurou a mão dela, trazendo para o cós da própria calça. Hermione sentiu contra a palma o pênis dele rígido sob o tecido. Ele parou de beijá-la apenas para soltar o ar sôfrego e carregado de luxúria.

Ela abaixou o elástico da calça dele num impulso, retirando sua cueca rapidamente e segurando o membro na mão direita, sentindo-o latejar um pouco. Malfoy entreabriu suas pernas, inclinando o corpo para frente, até que ela sentisse as costas baterem na parede onde a mesa estava apoiada. Hermione revirou os olhos quando ele roçou a glande na entrada de sua vagina.

—Você quer que eu continue? —perguntou baixinho, a voz máscula. Hermione ergueu uma das coxas, abrindo espaço para ele. Ele estava tão excitado quanto ela, então não abriria sua boca, pois tinha medo de dar vazão à Hermione sensata e negar que ele continuasse — terá que pedir "por favor".

Hermione sentiu a respiração acelerar, o seu lado racional assumindo o comando. Se fizesse o que ele estava pedindo, consumariam o ato que ambos desejavam. Há seis anos Hermione não ficava com um homem daquele jeito, que não era tocada daquela maneira. Seu corpo pedia por mais, como se tivesse acordado para os desejos que não se permitira ter.

Ela queria. Mas por Merlin, se ela fizesse sexo com ele, se deixasse que ele invadisse seu corpo consolidaria a quebra do próprio código de conduta, firme e forte desde a época da escola. "Ainda presa em Hogwarts, Hermione?" quase ouviu Malfoy repetir. Respirou fundo, sem saber o que responder.

Ele fechou os olhos e sorriu com o canto da boca. Hermione viu a si mesma perdendo o equilíbrio, pois o corpo de Malfoy estivera servindo de sustentação a todo o momento. Ela observou, confusa, que ele vestira as roupas novamente e entre apertões e caretas de desconforto, tentou dar um jeito na ereção bastante aparente . Draco foi até ela, fechou-lhe os joelhos. Uma das mãos dele se apoiou em seu quadril, enquanto a outra segurou em seu rosto com força e beijou-a de forma ardorosa.

— Ainda não estamos quites — ele falou de perto, mordiscando seu lábio inferior — nós terminaremos esse assunto.

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I will not speak of your sin

There was a way out for him

The mirror shows not

Your values are all shot


Notas Finais

Música – Broken Crown (Mumford and Sons) - MARAVILHOSA! Estava só esperando a oportunidade de utilizá-la.
Toque minha boca e segure minha língua
Eu nunca vou ser seu escolhido
Eu estarei em casa, seguro e escondido
Você não pode me tentar se eu não ver o dia
O puxão em minha carne é muito forte
Sufoca a escolha e o ar em meus pulmões
Melhor não respirar do que respirar uma mentira
Quando eu abro meu corpo, respiro uma mentira
Eu não vou falar do seu pecado
Há uma saída para ele
O espelho não mostra
Seus valores são todos abatidos
E oh, meu coração falhou, eu sabia minha fraqueza
Então segure minha mão, não me entregue a escuridão
Rastejo em minha barriga até o sol se pôr
Eu nunca vou usar sua coroa quebrada
Eu peguei a estrada e fodi com isso tudo
Neste crepúsculo como ousa falar de graça
Rastejo em minha barriga até o sol se pôr
Eu nunca vou usar sua coroa quebrada
Eu posso pegar a estrada e posso foder com isso tudo
Nesse crepúsculo nossas escolhas selam nosso destino

Daphne continua sendo mais velha do que Astoria, mas nessa fic ela é do mesmo ano de Harry Potter e não de Gina. Sobre Astoria, ela é um pouco louca, um pouco "dupla personalidade". Confesso que não tinha a intenção de criar uma personagem dúbia, mas sabe como é, né?! Eles têm vida própria.
Alusão a peça de Shakespeare," Sonho de uma noite de Verão".
Revelações sobre "A Porta" serão fornecidas em doses homeopáticas. Realmente espero que isso não fique cansativo e que tenham gostado do trecho Dramione. Eu pensei em postar o capítulo em duas partes para diminuir a ansiedade, mas a verdade é que não achei sensato, já que o melhor ficou para o final.
Se encontrar algum erro, me avise no PV, ou por comentário mesmo.
Sou muito grata a cada um de vocês que esperam (muito) pacientemente pelas atualizações. Conforme o prometido não passei mais do que três meses sem atualizar Hahhaha.
Sei que muitos autores postam periodicamente, mas além de ter um ritmo insano de trabalho (Advogada com dupla jornada e "pós graduanda" com uma monografia em estágio de procrastinação profunda), também gosto de desenvolver o capítulo com bastante carinho. Nada aqui é feito de forma relapsa, pois respeito muito a todos que leem a fic, e pasmem, se não for para entregar uma capítulo minimamente desenvolvido, prefiro não escrever. Quero responder a todos os comentários em breve, pois eu amo de paixão essas doses gigantes de respeito e carinho que recebo de vocês através das muitas linhas e reações. Não ganho um centavo com a produção do plot e nunca conseguirei adaptar para um livro, portanto eu peço que sejam compreensivos e não desistam da fic.
Beijinhos..