QUANDO NOS TOCAMOS

BY DAMA 9

Nota: Os personagens de Saint Seya não me pertencem, apenas Atreu, Sora, Heitor e Harmonia são criações únicas e exclusivas minhas para essa saga.

Boa Leitura!

-x-

Capítulo 2: Enquanto ele dormia...

(...) Eu ainda ouço sua voz, quando você dorme ao meu lado.

Eu ainda sinto seu toque nos meus sonhos (...)

.I.

Suspirou pesadamente enquanto terminava de arrumar os papéis sobre a mesa, eram tantas coisas que tinha para colocar em dia, que ficava difícil fazer tudo em apenas vinte e quatro horas. Não era nada fácil a vida de workaholic que vinha levando nos últimos anos, desde que decidira mergulhar de cabeça nos estudos e começar a trabalhar na fundação.

Levantou-se da cadeira, esticando os braços para cima, tentando relaxar por alguns poucos minutos, depois do almoço teria uma reunião e por fim, o resto da tarde livre para poder verificar uma parte daqueles documentos que tinha sobre a mesa.

Aproximou-se da imensa janela de vidro fume a sua frente, lá embaixo os carros corriam pelas ruas apressadamente, mas da altura que estava eles não passavam de formiguinhas, tão focados em seu caos particular.

Ajustou a gravata de seda sob o colarinho, observando curiosamente seu reflexo no vidro, o terno de três peças grafite d&g acomodava-se elegantemente sobre seu corpo como uma segunda pele, ou melhor, como sua nova armadura.

Com a vista cansada encostou a testa no vidro, levando as mãos aos bolsos da calça, tentando aliviar a tensão sobre seus ombros. Houve um tempo que achou que ter uma vida pacata era seu único objetivo, mas era irônico como as coisas mudavam de uma hora para a outra, sem que pudesse impedir. O que lhe levava aquele ponto novamente, por que as Deusas do Destino tinham sempre que meter o nariz onde não eram chamadas? - ele pensou.

Ouviu o telefone em cima da mesa tocar, provavelmente Sora estaria chamando para lembrá-lo de mais um compromisso de sua agenda. Já passara da hora de falar com Ikki sobre a jovem, do momento em que começara seu treinamento até agora, Sora vinha trabalhando incansavelmente a seu lado, lhe dando o suporte que precisava para lidar com todos os percalços, alguns colegas diziam até que ela era tão workaholic quanto ele, mas a verdade era que isso precisava mudar.

A vida não deveria resumir-se apenas a trabalho, já que aquelas três sádicas poderiam acabar com isso num corte rápido de uma tesoura cega.

Iria dar um jeito de garantir que ela tivesse mais tempo fora da empresa, para que não ficasse tão sobrecarregada com o trabalho, mesmo que fosse algo pelo qual ela era apaixonada. Com certeza Sora iria querer matá-lo por isso quando lhe contasse, mas iriam encontrar um equilíbrio.

-Oi;

-Chefe, ahn... Bem;

-O que eu esqueci dessa vez, Sora? – ele adiantou-se, sabendo que ela não se sentia confortável em cobrá-lo e corrigi-lo diretamente quando esquecia ou errava em algo.

-Seu irmão está aqui; a voz da jovem de melenas alaranjadas completou soando um pouco insegura.

Trabalhava com Shun a mais de três anos, então sempre teve contato com os demais membros da fundação que moravam na mansão Kido, inclusive já conhecera aqueles que foram enviados a trabalho nas filiais espalhadas pela Europa, todos juntos formavam um grupo bem peculiar, incluindo a herdeira do conglomerado, Saori Kido, que atualmente fixara residência em algum lugar de Atenas, na Grécia.

Mesmo com toda distância e profissionalismo, não pudera ficar a parte de algumas conversas entre o chefe e seu irmão, sobre um familiar misterioso, talvez uma irmã. Sabia que ela vivia em algum lugar na Alemanha e era mais velha do que ele, provavelmente alguns anos mais velha do que o próprio Ikki. Entretanto agora, olhando bem para a figura diante de si, estava um pouco confusa. Talvez tivesse entendido algo errado dentre essas conversas; a jovem pensou.

-Estou livre por um momento, peça para ele entrar, por favor; Shun respondeu desligando em seguida.

Estranho, normalmente o irmão estaria na cede do Grupo Kido nesse horário, já que ele e Tohma trabalhavam na divisão de engenharia do grupo, encabeçando uma série de projetos relacionados ao ramo civil e tecnológico. O que será que o irmão estava fazendo ali àquela hora? - ele pensou preocupado.

Para Ikki aparecer assim tão de repente era motivo suficiente para lhe deixar preocupado. Bem, se fosse algo com Ártemis e Thouma provavelmente seria Hyoga a aparecer, se fosse com Shyriu e Shunrey quem ligaria seria Dohko ou qualquer outra pessoa do Santuário. Não era nada com Saori e Aioros, porque já fora informado que eles haviam chegado bem ao Brasil. Heitor e Harmonia estavam na creche no andar de baixo, então não era nada com eles - do contrário Sora já teria adiantado alguma coisa. Suspirou pesadamente quando a porta se abriu, pelo menos não iria demorar a saber.

-Espero que não tenha acontecido nada d-...; Shun parou ao virar-se e ver que não era o irmão ali.

-Vocês mortais são bem estranhos; Hades falou entrando e encostando a porta em seguida.

-O que quer? –o cavaleiro indagou tenso, sentindo a temperatura do ambiente cair alguns graus.

De onde Sora tirara que eles eram irmãos? –ele se perguntou irritado. Entretanto, era impossível negar a surpreendente semelhança entre os dois, ainda mais que o Imperador abandonara a túnica longa e vestia-se como ele, o que tornava a situação ainda mais bizarra, porque Hades abominava tudo que se relacionasse ao mundo mortal, começando pela modernidade.

-Será que vou ter de entrar de novo com uma bandeira branca hasteada, cavaleiro de Athena? - Hades perguntou em tom de provocação.

-Há que se deve essa visita, Hades? –Shun indagou, encostando-se na beirada da mesa e cruzando os braços na frente do corpo de maneira impertinente.

Era como se houvesse um espelho entre eles, embora existissem muitos fatores que diferiam um do outro como os cabelos de Shun que eram verde-esmeralda enquanto os de Hades eram negros levemente avermelhados. Os orbes verdes, o contorno da face e a estrutura física, eram os mesmos. Qualquer um que não os conhecesse como era o caso de Sora, certamente pensaria que eram parentes, embora a verdade fosse outra e bem diferente.

-Temos alguns assuntos pendentes para resolver; o imperador falou calmamente.

-Não lembro de nada do gênero; o cavaleiro rebateu arqueando a sobrancelha, sentindo-se inquieto de repente.

-Ah! Temos sim e vai ser uma conversa bem longa; Hades rebateu.

-Olhe, não sei o que você pretende, mas não tenho tempo para os seus joguinhos Hades; Shun exasperou.

Estava começando a ficar cansado de lidar com aquelas divindades que estavam mais parecidas com entidades de filme de terror. Quanto mais você rezava, mais elas voltavam para te assombrar. Primeiro Deméter, depois Zeus, agora não fazia a mínima ideia do que Hades queria dizer quando afirmava que tinham algo pendente para resolver.

-Não há jogos cavaleiro, você mais do que ninguém deveria saber que eu não brinco; a divindade respondeu em tom sombrio.

Talvez aquela conversa não estivesse saindo como o planejado e provavelmente Cora iria querer estrangulá-lo por isso depois, mas não era tão fácil colocar uma pedra sobre o passado como ela e Deméter queriam.

Fitou-o longamente, tentando compreender onde ele queria chegar com aquilo. Já não bastava terem se enfrentado no passado e depois, aquilo que acontecera com Cora, porque ele ainda tinha de vir e jogar sal sobre as feridas que não haviam se fechado completamente ainda, mesmo depois de quase quatro anos.

Ponderou se o mais certo não seria dar um jeito de mandá-lo embora, mas sabia perfeitamente que Hades não arredaria o pé dali enquanto não conseguisse o que queria. Mas afinal o que era? Pegou o telefone a seu lado e depois de dois toques, Sora atendeu.

-Sim, chefe!

-Por favor, cancele todos os meus compromissos para o resto do dia, vou sair mais cedo; Shun avisou.

-E o almoço com-...;

-Cancele, eu não tenho hora para voltar; ele a cortou.

-Tudo bem; Sora murmurou anotando as informações.

-Obrigado; ele respondeu e antes que ela tivesse tempo de falar alguma coisa, já havia desligado.

-Você parece bem confortável dando ordens; Hades comentou mordaz.

-Resiliência faz parte da natureza humana, nós nos adaptamos as coisas boas e ruins o tempo todo; ele rebateu no mesmo tom, desligando o laptop e guardando-o na mala.

Ficou em silêncio, esperando-o terminar o que fazia. Sim, esse era o principal motivo para estar ali. Poderia ter ido falar com Harmonia, mas tinha a leve impressão de que não seria saudável encontrá-la nesse momento, por isso teve de engolir o orgulho e chegar até ali. Como diria Caos, buscar as respostas nem sempre eram uma tarefa fácil, mas já passara anos demais evitando isso.

-Vamos; Shun falou pegando as chaves do carro e passando por ele.

-Aonde?

-Qualquer lugar longe daqui; o cavaleiro limitou-se a responder.

Sem muita alternativa, seguiu-o para fora da sala, arqueou a sobrancelha quando viu a garota de melenas alaranjadas olhá-los espantada. É, ela deveria ter notado a semelhança, se não - não teria dito aquilo ao telefone, porém, deveria ter percebido seu erro também ao confundi-los com irmãos.

Será que fora esse o motivo que fizera com que Cora se conectasse a ele, independe de qualquer coisa? –Hades se perguntou em pensamentos, inquieto.

Parecia besteira desenterrar esse assunto agora, mas vê-lo confrontar o irmão por Athena lhe fizera questionar todas as decisões que tomara no passado, justificando o destino como causa e efeito absolutos, além disso, por mais que detestasse admitir, tinha uma dívida com ele. Quando reencontrara Cora, ela lhe contara que a mãe a liberara da promessa que fizera, mas como comentara com a irmã mais cedo - eles sempre precisavam averiguar, por isso, depois de séculos evitando conversar diretamente com a irmã, fora a Elêusis.

-Entre; Shun falou, lhe chamando a atenção enquanto destravava as portas do carro assim que chegaram à garagem.

Para sua surpresa, Deméter lhe contara o que ocorrera alguns dias antes de Cora retornar ao castelo e isso lhe deixara ainda mais confuso, lhe fazendo questionar os motivos dele e por que o cavaleiro simplesmente não fizera outras escolhas?

Abriu a porta, acomodando-se no bando do veículo, se perguntando onde iriam que causaria menos caos se as coisas saíssem do controle. Porque não fazia a mínima ideia do porquê Hades queria desenterrar o passado justo agora? - ele pensou deixando a mente vagar por lembranças que ele jurava ter trancado em uma caixa a cinco anos atrás, mas como toda caixa de Pandora, sempre havia uma alma espertinha que eventualmente gostava de pôr a prova o bom senso, abrindo-a, mesmo com os alertas de perigo.

Santuário de Athena / Grécia – cinco anos atrás...

O vento soprava lentamente agitando os galhos das árvores, ao longe podia ouvir o som de água correndo com tranquilidade por um lago, o cantar de um casal de rouxinol em uma das árvores eram como um balsamo para as almas tão cansadas que por ali passavam. Todos os dias que abria seus olhos se perguntava se havia morrido e estava descansando em meio aos Campos Elíseos, porque depois de tantas guerras e destruição que vira em sua curta vida, era difícil acreditar que existisse sobre a Terra um lugar rodeado de paz e tranquilidade como aquele.

Hoje quando amanhecera e sentira o calor dos raios do sol sobre sua face, tentou abrir os olhos, mas a claridade lhe incomodou um pouco, então preferiu continuar ali mais um pouco em silêncio, uma manta fria cobria parte de seu corpo, enquanto sobre o peito, um unguento gelado havia sido colocado para que todos os ferimentos se fechassem.

Os ossos quebrados em sua maioria já haviam sido restaurados, agora restavam poucas lesões a serem curadas que demandavam mais tempo e ocasionavam certo desconforto, mas isso era pouco perto do que estava acostumado, então, poderia partir a qualquer momento, mas a verdade é que gostava desse tempo ali, na natureza, repleto de tranquilidade e silêncio, a vida toda buscara por algo do tipo e não queria deixar aquele pequeno santuário paralelo ao mundo real.

Sentiu uma mão delicada afagando as melenas esmeraldas que caiam por seus ombros e a franja repicada que cobria seus olhos. Uma essência suave de lírios invadiu suas narinas apossando-se de seus sentidos, um arrepio correu pelo meio da espinha, como se um vento gelado antes inexistente ali, houvesse resolvido lhe abraçar.

Aos poucos sentiu a mente entorpecida, enquanto os dedos suaves acariciam sua face, redesenhando seus traços antes de correrem pelos cabelos, como se quisessem guardar essa imagem no mais íntimo da alma.

Tentou serrar as pálpebras e ver alguma coisa em meio à luz do dia que caia sobre seus olhos, mas uma onda de entorpecimento começou a lhe puxar para o reino dos sonhos, conseguiu apenas distinguir a silhueta de uma mulher. Seria ela uma ninfa? –ele se perguntou cedendo a letargia, caindo completamente no sono.

.II.

Quando o mundo dos homens aos poucos deixava a idade de prata - deuses, titãs e mortais entraram em guerra e a discórdia ameaçou destruir o universo. Zeus, até então senhor absoluto do Olimpo, permitiu que sua filha Athena se tornasse guardiã da Terra e protetora dos mortais após vencer uma disputa de aptidões contra Posseidon e mais tarde, outra contra o 'filho dourado' do onipotente, Apolo.

Como Athena, outras divindades abraçaram a causa lutando com igual vigor ao do Deus da Guerra, por sua herança mortal. Pelas pessoas que amavam e necessitavam de proteção. Assim, Nikki a Deusa da Vitória assumiu seu lugar ao lado da deusa menina. A primeira batalha entre os deuses, conhecida como Guerra Santa deixou muitos feridos, porém poucos sobreviventes de ambos os lados.

Temendo que uma nova guerra pudesse começar e tanto a Terra quanto sua guardiã estivessem desprotegidas, Nikki ergueu um templo místico dentro do Santuário de Athena. Muitos não dariam nada para o local, a entrada era modesta, formada por dois pilares aparentemente em ruínas e eras envolvendo-os como uma cortina esverdeada, mas que na primavera transformava-se em uma cascata de flores perfumadas e tranquilizantes.

Ao transpor aquelas frágeis barreiras o templo se erguia, modesto tal qual a personalidade de sua protetora, ele foi chamado de a Fonte de Athena, era um lugar onde os guerreiros feridos eram levados para se recuperar, o único lugar capaz de curar-lhes as feridas da alma permitindo que sua missão na Terra se prolongasse driblando a morte enquanto conseguissem manter acesso o cosmo.

A Fonte foi usada diversas vezes ao longo dos séculos para ajudar os cavaleiros que necessitavam, mal sabendo que era a força vital de vários guardiões que alimentavam as propriedades curativas do lugar e que esses mesmos guardiões cuidavam não apenas de seus corpos feridos, mas de suas almas que oscilavam entre o mundo dos vivos e dos mortos durante sua recuperação.

Caminhou entre os arbustos floridos, vendo o vestido branco vez ou outra enroscar-se em algum galho repleto de folhas, mas isso não lhe aborrecia, pelo contrário, agradecia a cada segundo pela Era de paz que estavam começando a viver e podia se dar ao luxo de caminhar por aquele lugar tão convidativo, sentindo o calor do sol tocar sua pele e a brisa suave lhe refrescar o corpo.

Poucos cavaleiros restavam agora no Santuário necessitando de cuidados, uma semana já se passara desde o misterioso desaparecimento de Apolo. Temendo atrair algum infortúnio nenhum dos cavaleiros comentou sobre isso ou lhe indagou sobre o que estava por vir, embora a pergunta estivesse nos olhos de cada um deles.

Shion, o antigo Grande Mestre do Santuário, mesmo contra suas ordens foi a Star Hill buscar por respostas, mas elas foram iguais às de Delfos, ou seja, nada. As Deusas do Destino não pareciam dispostas a deixá-los ver o futuro como das outras vezes, queriam que vivessem um dia depois do outro, para grande frustração do ariano.

Um fino sorriso formou-se em seus lábios, apesar de sádicas, às vezes elas acertavam, os cavaleiros de ouro estavam de volta ao Santuário e a fé de todos fora revigorada com a presença dos antigos guardiões, para os moradores de
Rodório acostumados com a rotina e a vida ao lado deles, certamente sentiram a falta.

Quem não sentiria? –ela indagou para seus próprios pensamentos. Sabia o quanto deveria ter sido difícil para todos ali perder alguém importante, um amigo, um irmão, um companheiro... Ficar sempre naquela expectativa de quanto tempo poderiam viver?

Suspirou, desviando-se de uma pedrinha que se colocara em seu caminho, não queria pensar mais nisso, se os deuses haviam dado uma nova chance a eles, pretendia agarrar-se a ela até o fim.

Estava aproximando-se da Fonte agora. Seiya havia partido para o Japão assim que se vira completamente recuperado, Hyoga embora estivesse bem, decidira passar alguns dias com Kamus, mas logo partiria também. Shyriu, assim que conseguira voltar a andar deixara o Santuário com Dohko rumo a Rozan, agora só restavam Ikki, que ninguém sabia em que parte do Santuário estava e Shun, que repousava na tranquilidade da Fonte agora.

Embora ele estivesse por sua própria vontade ali, Ikki não deixava os arredores do Santuário, esperando a certeza de que ele estava completamente recuperado para partir.

Todos os dias quando Shun saia daquele estado de estupor pelo despertar, Shaka deixava o sexto templo para ir a Fonte e conversar com ele. Até agora, ninguém sabia o que eles tanto falavam, mas não eram raras as vezes que encontrava os dois meditando no pequeno templo, ou apenas em silêncio, perdidos em seus próprios pensamentos.

Shaka ainda era um dos cavaleiros que representavam um verdadeiro mistério para si, embora todos que viviam ali tinham algo que lhe atraia a atenção, talvez fosse a história de suas vidas, a forma com que o destino deu para trilhar um mesmo caminho, ou alguma outra força, mas existia algo. Entretanto o homem mais próximo de Deus ainda era o mistério dos mistérios; ela pensou sabendo perfeitamente que alguém conhecido agora estaria com um sorriso nada inocente se lhe visse pensando assim.

Balançou a cabeça levemente para os lados se perguntando como ela estaria agora? –Saori pensou seguindo adiante no caminho de pedras desbastadas, parou de andar assim que se deparou com a entrada da Fonte, onde já podia avistar algumas esteiras estendidas entre as árvores floridas e frescas, para que o descanso e cura ali fossem completamente naturais, já que as intempéries do tempo não poderiam afetar aquele templo.

Apoiou-se em uma árvore, sentindo-se atordoada com o que acabava de testemunhar, não sabia se deixava a proteção das flores e se permitia ser notada, ou simplesmente dava meia volta e fingia que não havia visto nada? – ela pensou em conflito.

.III.

Mesmo que quisesse dormir para sempre, sentia-se impelido a voltar, mãos quentes e delicadas tocavam seu abdômen como se o acariciassem e não apenas conferissem a integridade dos curativos. Um fraco suspiro saiu de seus lábios e viu-se de volta a realidade, o torpor havia simplesmente desaparecido, sentiu um peso a mais sobre as mãos, não tencionava se levantar, mas a curiosidade em saber a quem pertencia àquele toque quente e acolhedor fez com que os abrisse lentamente.

Foi com surpresa que sentiu os lábios finos de uma ninfa de longas melenas negras tocarem os seus, seu primeiro instinto foi recuar, mas seu corpo nem ao menos moveu-se um milímetro, apenas seu coração desatou a bater como um louco quando seus olhares se encontraram e viu choque refletido nas ires verdes da jovem.

Era como se estivesse preso ao magnetismo emanado deles, ergueu a mão entrelaçando os dedos finos entre as mexas negras que caiam sobre seu peito. Viu-a recuar alguns milímetros, mas não o suficiente para que a essência suave de lírios abandoasse o ambiente.

Conteve um breve estremecimento diante da maciez dos fios entre seus dedos, a pele alva da jovem ganhou um leve rubor quando seus dedos alcançaram a nuca, puxando-a para mais perto de si, até seus lábios encontrarem-se novamente, era como se sua alma sempre houvesse esperado por aquilo, sentia-se quente, enquanto os braços delicados envolviam seu pescoço e o corpo esguio moldava-se ao seu como se fosse feito para estar ali.

Enlaçou-a pela cintura sentando-se sobre a esteira, os lábios moviam-se com suavidade sobre os dela, fazendo-a estremecer a cada toque que suas línguas davam, buscando pelo reconhecimento uma da outra.

Tocou-lhe a pele acetinada, levemente quente pelos raios solares a cobrirem aquela parte do templo, ouviu-a suspirar entre seus lábios e o beijo tornou-se mais intenso, havia tanta saudade em cada toque e respiração, uma saudade que não imaginava sentir, principalmente por alguém que sua mente se negava a reconhecer de imediato, mas que no fundo sabia que era tão essencial para si quanto respirar.

Sentiu uma das mãos da jovem descer por seu braço, parando sobre seu peito, acompanhando os batimentos frenéticos de seu coração.

-Voltou a bater; ela falou num sussurro enrouquecido entre seus lábios.

Respirou fundo, pousando uma das mãos sobre a dela, abrindo os olhos completamente viu-a com a face afogueada, ofegando à medida que seu coração tentava bater controladamente.

-Quem é você? –Shun perguntou de maneira hesitante.

Como se saísse de um transe, viu os orbes verdes voltarem ao foco e um ar quase de pânico tomar conta da jovem, ela tencionava se afastar - leu isso em seus olhos, não queria. Por que tinha a impressão de que sempre algo parecia fazê-los se afastarem? –ele se perguntou confuso com tal pensamento, afinal, era a primeira vez que se viam.

Ela o fitou intensamente e ele aos poucos sentiu um torpor lhe envolver, tentou manter-se acordado e saber o que estava acontecendo. Quem era ela? De onde vinha aquela saudade? Mas novamente viu-se rodeado por sombras e seus olhos se fecharam completamente.

Com delicadeza deitou-o novamente na esteira e afastou-se consternada com seus próprios atos. Quando decidira ajudar, não pensou que fosse encontrar justamente ele ali; a jovem pensou vendo-o dormir com uma expressão tão tranquila e angelical que era impossível não se aproximar, tentada em tocar os lábios daquele cavaleiro apenas para sentir se eram tão quentes quanto o calor que ele despertava em seu coração apenas com sua presença.

-Perséfone!

Virou-se rapidamente diante daquele chamado inesperado, deparou-se com a jovem de melenas lilases a sua frente e estremeceu diante da possibilidade de ela ter visto algo, mas Athena mantinha o olhar calmo e o cosmo controlado, como se houvesse acabado de chegar.

-Athena; a Imperatriz a cumprimentou num breve menear de cabeça.

-Como vai? –Saori perguntou vendo o rubor que antes tingia a face da jovem apagar-se completamente, tornando-se quase pálida.

-Bem; Perséfone respondeu com a voz um tanto quanto tremula. –E você?

-Bem...; ela respondeu calmamente olhando para os lados casualmente, dando tempo a Perséfone para se recompor.

-Eu imaginei; a Imperatriz resmungou, sem deixar de esconder o pesar em sua voz. –Depois do que Harm-...;

-Perséfone, por favor; Saori a cortou antes mesmo que o nome fosse pronunciado.

A jovem deteve-se olhando para os lados, confusa constatou que estavam sozinhas, mas Saori apenas apontou para o cavaleiro adormecido a poucos passos dali, Perséfone voltou-se para ela com um olhar como se dissesse que seria impossível ele ouvir algo, mas depois disso, não voltou a tocar no assunto.

-É melhor que nada seja dito por enquanto; a divindade esclareceu. –Mas o que lhe trás até aqui? –ela perguntou sem esconder a curiosidade.

-Eu, bem...; a Imperatriz balbuciou sem saber ao certo o que responder.

-Você? –Athena insistiu.

-Aurora pediu que eu viesse até aqui; ela apressou-se em buscar por uma justificativa.

-Aurora? –a jovem indagou cética.

-Isso mesmo, ela me disse que Nikki e os demais poderiam precisar de ajuda; Perséfone falou mais veemente agora. –Então, você sabe...; ela deu de ombros como quem não quer nada.

-Entendo, mas me diga, está apreciando sua visita ao Santuário? –Athena perguntou fazendo Perséfone engolir em seco diante do leve tom de malicia incrustado por trás do sorriso gentil e olhar sereno dela.

-Preferia que fosse em outra época; ela desconversou.

-Não duvido, mas motivações existem em todos os lugares não? –Saori rebateu, vendo o queixo da jovem tremer levemente diante da tensão.

-Do que se refere? –Perséfone perguntou fria.

-Nada importante; a divindade respondeu decidindo recuar. Não havia por que ser hostil com Perséfone agora, Aurora deveria ter seus motivos para tê-la guiado até o Santuário, mesmo depois de tudo. -Se não se importar, vou deixá-la agora;

-Aonde vai? –a jovem Imperatriz perguntou curiosa.

-Só vim ver se estava tudo bem com Shun, mas ele está dormindo, não quero incomodá-lo. Então volto outra hora; Athena falou casualmente.

-...; a jovem assentiu sem esperar por mais explicações.

Com um breve aceno Saori se despediu, indo desaparecer entre as cortinas de eras, enquanto ela permanecia silenciosa ali buscando por respostas que temia encontrar.

.IV.

-Shun;

Abriu os olhos ouvindo alguém lhe chamar, pela voz sabia ser o cavaleiro de Virgem, acordou completamente vendo-se sozinho na Fonte, até que um novo chamado do cavaleiro fez com que notasse que Shaka estava em Virgem ainda, não ao seu lado como parecera.

-Me chamou, Shaka? –ele perguntou em pensamentos.

-Sim, você está sozinho na Fonte? –o cavaleiro perguntou em tom de especulação.

-Aparentemente sim, por quê? –perguntou confuso, olhando para os lados notando que Asclépio não estava por perto.

-Agora pouco senti uma energia diferente vinda daí de cima, só queria me certificar de que estava tudo bem; ele respondeu calmamente. Embora fosse impossível saber o que o virginiano estava pensando, Shun ficou intrigado com a menção a energia diferente. –E seu o cosmo, como está?

-Está controlado, não houve nenhuma oscilação por enquanto; Shun respondeu notando a repentina mudança de assunto como se o cavaleiro soubesse por onde seus pensamentos estavam enveredando.

-Ótimo, agora que está acordado procure meditar um pouco e se ocorrer alguma osculação me chame; Shaka orientou.

Shun assentiu mesmo sabendo que ele não veria, mas saberia qual era sua resposta, logo sentiu o cosmo do cavaleiro sumir completamente e acomodou-se melhor na esteira, deixando as costas eretas e dando um baixo suspiro, tentando aliviar qualquer tensão sobre o corpo, não era fácil se concentrar quando e meditar quando sentia algum tipo de dor ou desconforto, por mais que Shaka sabatinasse sobre si que deveria conseguir isso em qualquer situação.

Pelo menos agora suas costas não estavam estalando mais; ele pensou, até sentir uma essência suave de lírios invadir o ar, antes de fechar os olhos correu-os por toda parte buscando a origem daquela essência, mas não encontrou nada.

Será que sonhara? –se perguntou confuso. Se fosse um sonho, fora bem real; ele concluiu fechando os olhos e começando a se concentrar. Alguns metros longe dali, as folhagens em torno de uma fonte moveram-se sutilmente, como se um vento invisível houvesse passado por elas desaparecendo completamente em seguida.

Continua...