QUANDO NOS TOCAMOS
BY DAMA 9
Nota: Os personagens de Saint Seya não me pertencem, apenas Atreu, Sora, Heitor e Harmonia são criações únicas e exclusivas minhas para essa saga.
Boa Leitura!
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Capítulo 3: Seguindo a vida.
(...) Me desculpe pela minha fraqueza,
mas eu não sei por que
sem você,
É tão difícil de sobreviver. (...)
.I.
Por detrás das árvores o observava dia após dia, vendo a espantosa recuperação do cavaleiro, era surpreendente como não conseguia ver mais arranhão algum nele; a jovem pensou contendo um breve suspiro.
Não era sempre que conseguia se aproximar, quando Nikki ou Aurora estavam por perto tentava manter-se o mais longe possível. Era detestável aguentar os comentários das duas, principalmente quando pareciam agir como se nada houvesse acontecido.
Suspirou cansada, queria tanto que ele estivesse vivo, mas não, tinha que ser um idiota teimoso e meter o nariz onde não devia; ela pensou dando um forte soco em uma árvore, mal notando que devido ao tronco duro, alguns finos cortes surgiram em sua mão. Encolheu-se instintivamente, vendo algumas gotas vermelhas escorrerem por seu pulso indo ao chão. Sua última reação explosiva fora pouco antes dele partir. Quando o companheiro decidira usar o corpo de um mortal para renascer na Terra, nunca pensou que no fim seus caminhos iriam se cruzar.
Da última vez isso não pareceu lhe ferir tanto quanto agora. Sentia a falta dele, as vezes quando a noite chegava e via-se em meio a Fonte silenciosa e calma, tinha a impressão de ouvi-lo sussurrar seu nome, lhe chamando em meio as sombras que caiam pelas árvores daquele lugar encantado.
Havia prometido a Nikki que ficaria apenas um mês ali ajudando-a com os feridos, como fizera outras vezes no passado, o castelo não deveria ficar abandonado por mais difícil que fosse voltar para casa depois do que acontecera, sabia que fugir não era a melhor alternativa, ele não gostaria de saber que estava sendo fraca em sua ausência.
Suspirou pesadamente, dessa vez a dor era maior, porque sabia que o companheiro não voltaria. Nas outras guerras ele conseguira escapar e sobreviver às investidas dos cavaleiros de Atena, mas dessa vez não. Ele não iria voltar; ela pensou sentindo um nó formar-se em sua garganta.
Num rompante de raiva novamente serrou o punho e investiu contra a árvore, um gemido estrangulado de dor escapou de seus lábios, dor - não pelos cortes que haviam aumentado e sim, por uma ferida que jamais iria cicatrizar. A saudade por vezes poderia ser enlouquecedora...
-Você está bem? – uma voz suave perguntou atrás de si, fazendo-a se sobressaltar.
Virou-se rapidamente encontrando o olhar calmo do cavaleiro de melenas esmeralda, fitou-o por alguns segundos antes de sentir a face aquecer-se ao vê-lo apenas com uma fina calça de malha, já que o peito estava descoberto pelas bandagens da última troca de curativos. Cora assentiu recuando um passo.
-Não é o que parece; Shun falou nem um pouco convencido.
Avançou um passo, vendo-a recuar dois. Quando havia acordado, sentiu novamente aquela essência de lírios e tentando descobrir se aquilo que acontecera fora apenas delírio seu ou não decidiu seguir o rastro e qual não foi sua surpresa em encontrá-la ali, a ninfa de melenas negras que dia após dia invadia seus sonhos de maneira perturbadora, sem que ao menos soubesse quem era.
-Está tudo bem; ela falou com a voz tremula, encolhendo-se quando ele ameaçou tocar-lhe o braço.
Fitou-a por alguns segundos, sem entender por que ela parecia tão nervosa, viu os filetes vermelhos caírem pelo pulso dela, fazendo agora algumas gotas respingarem sobre o vestido claro, que deixava parte do colo a mostra. Não pode impedir que seu olhar analisasse o mais ínfimo detalhe daquela figura tão singular.
Sentiu a face aquecer-se ao ver as írises antes verde azuladas tornarem-se mais opacas e sombrias, um breve estremecimento correu por seu corpo ao vê-lo se aproximar e simplesmente, não conseguiu recuar.
-Você não sabe mentir; ele respondeu em um tom voz sério e imponente, fazendo-a encará-lo em choque por alguns segundos.
Viu-o retirar de dentro do bolso de trás da calça um lenço de algodão e cobrir sua mão em seguida, um tenro arrepio subiu-lhe a espinha e desviou o olhar com a face em chamas. Céus, o que estava acontecendo? –ela se perguntou assustada.
-Quando quiser treinar em uma árvore novamente, não esqueça de proteger as mãos; Shun falou sem tirar os olhos de cima da jovem. Agora sabia que ela não estava relacionada as amazonas, já que ela não reagira ao que falara. Com cuidado passou o lenço sobre a mão dela, mesmo com o máximo de delicadeza ainda a sentia tentando recuar, notou isso através do leve tremor que passou por seus dedos.
-...; Cora assentiu sem encará-lo.
-Pronto; o cavaleiro completou, calmamente.
-Obrigada; a jovem balbuciou voltando-se para ele, até seus olhares se encontrarem novamente.
Foi com surpresa que viu um certo reconhecimento transmitido pelo olhar dele, seu coração se agitou ao sentir o toque quente e terno dos dedos dele a correrem com suavidade por sua face. Corou ao lembrar-se do quão carinhoso ele fora alguns dias atrás, não planejara que aquilo acontecesse, mas quando o vira de longe murmurar e se debater na esteira que dormia, aproximou-se com a intenção de livrá-lo de um pesadelo se fosse o caso, não contava que ao despertá-lo, em um estado febril e delirante ele fosse lhe beijar, tampouco o quanto iria desfrutar disso.
-Nós já nos conhecemos, não é? –Shun perguntou quase em um sussurro embora houvesse soado mais como uma afirmação.
-Creio que não; Cora balbuciou sentindo a respiração dele tão próxima de si que sua pele se arrepiou antecipadamente.
-Estranho, tive a impressão de já tê-la visto antes; ele murmurou.
-Shun!
Virou-se ouvindo alguém lhe chamar, foi como se houvesse saído de um transe que fez sua mente dar voltas e o corpo pender em vertigem.
Segurou-o rapidamente ao vê-lo se inclinar para trás, ele não deveria estar bom o suficiente para ficar zanzando por aí; ela pensou atribuindo o estado de recuperação do cavaleiro com o que acabara de acontecer.
-Você está se sentindo bem? –Cora perguntou sentindo-o aos poucos estabilizar.
-Foi só vertigem... Acho; Shun murmurou, só nesse momento dando-se conta da presente situação.
-Se quer se recuperar, deveria fazer repouso; ela falou erguendo a cabeça na direção dele, mas estancou ao sentir os lábios roçarem os seus.
Seu primeiro instinto foi recuar, mas logo um braço forte serpenteou por sua cintura, trazendo-a para o aconchego dos braços do cavaleiro, sentia-se atordoada com aquela reação inesperada, mas no instante seguinte suspirou, sentindo a língua dele deslizar por seus lábios como puro veludo, era como se o mundo houvesse simplesmente parado para que vivessem aquele momento
Hesitante, envolveu-lhe o pescoço com um dos braços, deixando as unhas finas correrem com suavidade pelas melenas esmeralda, enquanto o outro, acariciava-lhe as costas, marcando com finos traços a pele alva deixando-a rosada, fazendo-o estremecer.
-Sinto sua falta; ele sussurrou em seu ouvido, ao abandonar lhe os lábios descendo pelo colo acetinado, ouvindo-a murmurar algo incompreensível para si.
-SHUN! –o chamado soou mais perto agora e teria sido ignorando se um cosmo conhecido não houvesse se manifestado em seguida.
Abriu os olhos afastando-se bruscamente dele, viu-o levar as mãos a cabeça e encostar-se na árvore mais próxima, uma nova onda de vertigem pareceu lhe abraçar, mas ao abrir os olhos, eles estavam verdes novamente. Fitou-o confusa, poderia jurar que vira algo diferente em seus olhos a poucos minutos atrás; ela pensou.
-SHUN;
Virou-se na direção da jovem, mas assustou-se ao ver-se sozinho entre as árvores, poderia jurar que tinha mais alguém ali... Depois de tudo estaria ficando louco e vendo coisas? - Shun pensou tentando entender o que estava acontecendo, era como se não estivesse agindo por conta própria; pensou passando a mão nervosamente pelos cabelos.
Aos poucos a nevoa sobre seus olhos dissipou-se completamente e conseguiu distinguir a voz do virginiano ecoando em sua mente, Shaka estava se aproximando da Fonte para a seção de meditação que haviam combinado, mas sua presença era tão forte que já se fazia notar como se o mesmo estivesse ali, de forma que não houvesse chance de algo atrapalhá-los ou lhes atrasar nem que fosse por um minuto. Respirou fundo, decepcionado por não conseguir avistar a ninfa de cabelos negros.
Era melhor sair dali e ir falar com Shaka, mal deu alguns passos para longe o encontrou sentado em uma esteira próximo ao chafariz já lhe esperando, engoliu em seco pensando na bronca, mas nada aconteceu, embora a expressão do virginiano fosse tranquila sabia pelo leve inclinar da sobrancelha fina, que ele estava aborrecido.
-Está atrasado; Shaka falou com os orbes fechados e a postura impecavelmente ereta.
-Desculpe, estava caminhando; ele mentiu enquanto nivelava o timbre da voz apenas o suficiente na esperança do outro cavaleiro não notar nenhum deslize de sua parte.
-É bom levantar-se um pouco, mas forçar demais pode lhe fazer mal; o virginiano alertou.
-...; Shun assentiu, sentando-se ao lado dele. –Shaka, posso te fazer uma pergunta?
-Você já fez; ele respondeu sem se abalar. Embora de olhos fechados, sentiu sua energia alterar-se levemente com uma pontada de irritação diante da resposta que dera.
-Nesses últimos dias tenho sentido uma coisa estranha; Shun continuou decidindo ignorar a alfinetada do virginiano.
-Como assim?
-Não sei explicar direito, mas me senti assim quando encontrei aquela garota agora de pouco; Shun falou apontando o caminho que viera.
-Que garota? –Shaka perguntou casualmente, ainda sem abrir os olhos.
-Ela tinha cabelos negros e olhos verdes, deve ser nova no Santuário, não me lembro de já tê-la visto antes aqui; ele explicou.
Ponderou por alguns minutos, pensando como poderia responder aquela pergunta a Shun, não precisava ser um gênio para saber de quem ele estava falando. Desde que haviam voltado, sentira uma série de cosmos diferentes passarem pela Fonte, mesmo mestre Shion e Athena não tendo mencionado sabia que esses cosmos eram de divindades que alimentavam com seu cosmo as propriedades curativas do templo.
Através dos relatos que certa vez encontrara entre os livros da biblioteca do Santuário, sabia que algumas divindades transitavam por ali mesmo que não se fizessem visíveis completamente. Embora aquele cosmo que sentira certa vez no Santuário, pouco antes da guerra contra Hades começar não estivesse entre eles, a garota que Shun mencionara tinha um cosmo bem peculiar, mesmo ela sendo habilidosa em esconder isso dos outros, mas nunca dele.
Sempre fora capaz de sentir qualquer oscilação de cosmo ou variações de energias negativas e positivas a longa distância e mesmo ela sendo capaz de se esconder da maioria, sabia que seu cosmo só poderia pertencer a uma divindade bem especifica.
-Possivelmente ela seja nova por aqui, embora eu não possa afirmar isso, Milo costuma ser aquele que conhece todo mundo por aqui; Shaka resmungou. –Mas o que você sente?
-Me sinto diferente, não sei... É como se alguns sentimentos que tenho não fossem meus;
-De que forma?
-Às vezes eu sinto coisas que não são minhas, por exemplo, como uma saudade estranha. Hoje mesmo quando a vi, tive essa impressão. De estar tanto tempo sem vê-la que tinha uma certa urgência em...; Shun parou por um momento.
-Em?
-Nada; o cavaleiro desconversou, desviando o olhar corado. –Mas eu não entendo, nunca a vi antes, definitivamente não sei o que está acontecendo comigo; ele murmurou confuso.
-Seu cosmo anda se expandindo muito rápido, possivelmente isso deve estar mexendo com suas emoções e lhe deixando mais sensível aos sentimentos alheios; Shaka tentou explicar, nem um pouco convencido com a mudança repentina de assunto. –Mas logo vai passar;
-Eu espero; Shun murmurou desviando o olhar.
Embora ele estivesse com os olhos fechados, era estranho sentir-se analisado pelo cavaleiro, era como se fosse tão transparente que até seus pensamentos soassem alto perto dele.
-Agora vamos meditar, se sentir seu cosmo oscilar, pare; Shaka avisou.
Shun concordou, acomodando-se melhor e mantendo as costas eretas, respirou fundo, começando a se concentrar, sem notar que era observando de longe pelo mesmo par de orbes verdes que agora lhe encontrava em sonhos constantemente.
Esperou alguns minutos enquanto ouvia a respiração do cavaleiro nivelar, a brisa fresca da fonte esvoaçou os cabelos dourados quando de repente abriu seus olhos, cravando-os num ponto entre uma serie de arbustos, uma corrente de estática quase visível estalou no ar e desapareceu em seguida. O recado fora dado.
-Eu sei que você está ai, Imperatriz!
.II.
Nas últimas semanas os cavaleiros haviam reestabelecido a rotina que tinham antes das guerras, as amazonas haviam se organizado parar redistribuir as funções do Santuário entre elas, os cavaleiros e os demais aspirantes que resolveram permanecer ali.
Isso era bom, mesmo que ainda houvesse um clima de insegurança pairando no ar, eles buscavam um senso de normalidade e equilíbrio, estabelecendo rotinas de treinamento e organização, ouvira até que alguns cavaleiros pretendiam dar continuidade em seu legado e treinar um pupilo.
Em alguns dias Mú voltaria para Jamiel onde retomaria o treinamento de Kiki, Aldebaran e Aioria se colocaram a disposição de Shina e Marin para ajudarem no treinamento dos aspirantes, Saga e Aioros estavam colados a Shion e tomaram por missão organizar o décimo terceiro templo e o observatório.
Agora os demais seguiriam em seu próprio tempo, embora Shaka desde o começo estivesse acompanhando Shun em sua recuperação, o cavaleiro não oficializara sua vontade de tomar o amigo por pupilo, provavelmente porque gostaria de esperar ele estar totalmente recuperado para tomar uma decisão, o que era bom, porque embora recuperado, Shun não parecia ter pressa em deixar a Grécia.
Passou pela cortina de eras e caminhou até a árvore onde ele sempre estava sentado no final da tarde lendo um livro. Sorriu docemente, depois de tantas guerras, tantas dores e incertezas, estavam finalmente entrando numa era de paz.
-Como vai Shun? –Saori perguntou parando ao lado dele.
-Bem e você? –ele perguntou sorrindo ao fechar o livro, marcando-o com a ponta dos dedos e pousando-o sobre o colo.
-Bem também... Vim ver como você estava; ela falou sentando-se ao lado dele. –Shaka disse que você tem feito progresso com o treinamento;
-Sim, não tenho mais tantas dores de cabeça como no começo; ele falou referindo-se as dores que ocorriam quando seu cosmo ficava instável demais.
-Que bom, hoje Seiya ligou e perguntou por você; Saori falou dando um baixo suspiro. –Ele disse que se você não voltar logo e dar um jeito no mau humor do Ikki, ele vira aqui lhe buscar; ela brincou.
Não fazia nem uma semana que conseguira convencer o irmão de que estava bem e que ele poderia retornar ao Japão. Embora fosse verdade, também queria um tempo para ficar com seus pensamentos, colocar sua vida nos eixos e pensar por si mesmo.
Naqueles últimos dias vinha sonhando constantemente com a garota de melenas negras, mesmo que não tivesse tido sorte de encontrá-la novamente, seus pensamentos a buscavam onde quer que fosse, por isso pedira ao irmão que não se preocupasse e voltasse a Tóquio. Não sabia quando deixaria a Grécia, mas desejava fortemente poder vê-la antes que tivesse que ir embora.
-Esse Seiya, não tem o que comentar; Shun falou balançando a cabeça levemente para os lados.
-E tem mais alguém que andou perguntando por você; ela falou hesitante, chamando-lhe a atenção.
-Quem? –ele perguntou curioso.
-Há quanto tempo Shun? –uma segunda voz feminina se fez presente.
Assustou-se por ter estado tão absorto em sua conversa com Saori, que não notou mais alguém se aproximando. Ergueu os olhos para cima e surpreendeu-se ao encontrar um par de safiras azuis lhe fitando intensamente.
Os longos cabelos dourados esvoaçaram com o vento, emoldurando-lhe a face alva, livre da opressão imposta pela máscara prateada, mal notou o momento que deixou o livro de lado e levantou-se rapidamente para abraçá-la.
-June! –ele sussurrou.
-Cheguei a Tóquio tarde demais, pensei que tinha perdido você; ela sussurrou, abraçando-o fortemente, sentindo o coração oprimido por tanto tempo aliviar-se subitamente, enquanto as lágrimas rolavam de sua face.
-Aconteceram muitas coisas ultimamente; Shun falou afastando-se para fitá-la.
Tocou-lhe a face ternamente, ainda custando a acreditar que ele estava ali. Vivo! Depois da história que havia ouvido de Marin e Shina no caminho, ficou ainda mais ansiosa para reencontrá-lo.
-Você está ótima; ele falou sorrindo, abraçando-a novamente.
Saori deu um baixo suspiro antes de sair dali de fininho, deixando-os a sós para conversarem, passou pelas árvores, até chegar a um belo chafariz no centro do jardim, rodeado por touceiras de flores coloridas onde os passarinhos amarelos, azuis e verdes banhavam-se em uma bacia de mármore não muito longe, cantando alegremente.
Esse cenário não era mais tão estranho para si quanto no começo, nas primeiras vezes que ia até ali visitar os cavaleiros e temia que tudo aquilo fosse apenas parte de um sonho e que iria acordar a qualquer instante.
Deu a volta na fonte e surpreendeu-se ao encontrá-la ali, com o olhar distante e perdido, sentada na borda de mármore do chafariz, observando o reflexo disforme dos anéis transparentes que surgiam na superfície da água devido a brisa suave.
-Cora! - Saori chamou hesitante.
A jovem pareceu não ouvir já que não respondeu de imediato, aproximou-se cautelosa e sentou-se a seu lado, colocando a mão suavemente sobre seu ombro. A imperatriz sobressaltou-se e virou-se rapidamente para o lado, encontrando o olhar sereno da guardiã.
-Desculpe, não ouvi você chegar; Cora respondeu, voltando a olhar a água.
-Tudo bem! Quando estamos aqui, às vezes esquecemos de tudo; Saori falou com um sorriso complacente.
-Nem sempre; a jovem respondeu dando um sorriso melancólico. –Nem mesmo aqui se pode esquecer da realidade, não quando ela é tão dura;
-Mas cabe a nós sermos resilientes e aprendermos a viver com o que temos; Saori falou pousando a mão sobre a sua, sentindo-a tremer.
-Perdemos muito tempo; Cora sussurrou. –Muitos séculos;
-Todos nós cometemos erros; Saori falou, vendo os orbes verdes marejarem.
-Eu... Agora isso parece tão ridículo; ela falou com um sorriso triste.
-O que?
-Houve uma época que eu, bem... Pensei que Hades e Harmonia eram amantes; Cora confessou vendo o ar chocado que tomou conta da divindade. –Eu os odiei tanto, me senti tão humilhada..., mas...; ela fez uma pausa. –Em momento algum perguntei a ele se eu estava errada, acho que por medo de não estar;
Saori assentiu, não havia nada o que falar sobre aquilo, já ouvira comentários um pouco piores sobre a relação entre a filha de Afrodite e o Imperador, mesmo que isso nunca houvesse sido comprovado, muitos julgavam que Harmonia por conta da incrível semelhança que tinha com a mãe, também houvesse herdado algumas de suas falhas de caráter, mas a verdade não poderia ser mais diferente. Entretanto duvidava que Cora estivesse pronta para ouvir isso, embora nunca fosse imaginar que isso fosse afetá-la tanto quanto parecia.
-Não apenas por isso, mas... Por coisas assim... Idiotas. Perdemos muito tempo; Cora falou melancólica, chamando-lhe a atenção. –Eu nunca falei sobre isso com ninguém, nem mesmo com mamãe... Aliás, principalmente com ela; a jovem se corrigiu. -Hades não tinha como saber que...;
-Que você nunca deixou de amá-lo; Saori falou compreendendo o porquê de ela estar tão agoniada daquela forma.
-Várias vezes Harmonia tentou nos mostrar que estávamos errados em nos guardarmos para nós mesmos, não compartilharmos nossas dores. A primeira vez que ela disse isso, eu respondi que o casamento não passava de uma instituição fracassada, tão velha quanto o tempo, mas fracassada... Eu estava com tanta raiva;
-Eu não tenho como opinar, bem... Nunca houve alguém antes, mas...; Saori balbuciou, desconcertada. –Harmonia deveria saber do que estava falando afinal;
-...; Cora assentiu. –Se não fosse ela, eu teria partido para o templo de minha mãe e meu marido teria deixado esse mundo sem saber o quanto eu o amava; ela falou erguendo os orbes para o céu. –Athena! Você não faz ideia do quanto é difícil continuar aqui, vivendo e sabendo que jamais estaremos juntos novamente; ela falou baixando os olhos para o chafariz.
Lágrimas grossas penderam de seus olhos caindo sobre a água, à dor era latente e maior do que qualquer um poderia suportar, passou a mão nervosamente pelos olhos tentando controlar as emoções que pareciam um verdadeiro pandemônio agora, quando sentiu os braços da jovem lhe envolverem e não mais se segurou, um gemido estrangulado escapou de sua garganta quando pensou que iria sufocar.
-Chora... Chora tudo que tem para chorar; Saori sussurrou abraçando-a forte.
Não sabia o que poderia fazer para ajudá-la, nem se isso seria possível, mas no momento a única coisa que podia fazer era ouvi-la, deixá-la chorar pelo tempo que precisasse. Pelas lembranças boas que não se repetiriam e por tudo aquilo que ficou trancado em seu coração durante tanto tempo e com isso desejar que, com o passar o tempo aquela ferida pudesse se curar.
Continua...
