Lua cheia

O luar prateado infiltrava-se pelas janelas pequenas e empoeiradas de uma cabana ao fundo de uma clareira, perto de Grimmauld Place, iluminando os cantos escuros com um brilho etéreo. Tonks estava sentada num colchão velho, com as pernas dobradas contra o peito, enquanto observava Remus terminar de beber o último frasco da poção. Ele tinha o olhar grave, como sempre, mas ela percebeu uma tensão extra nos ombros dele, como se estivesse a lutar contra algo muito além do que ele podia suportar.

Quase o tinha obrigado a deixá-la passar aquela noite com ele. Queria estar ao lado dele, naquele momento tão difícil. Não suportava a ideia de que ele passasse nem mais uma noite de lua cheia sozinho.

- Está tudo bem, Remus. Eu estou aqui. - Disse ela suavemente, tentando esconder a própria preocupação. – Já passaste por isto várias vezes, mas eu estou aqui agora. Vai correr tudo bem.

Ele assentiu, mas o olhar que lhe lançou, cheio de medo e insegurança, fez com que ela sentisse o coração apertado.

- Dora, não precisas de fazer isto. – Disse ele, com a voz rouca. - A poção às vezes não funciona tão bem quanto devia. Não quero que te magoes. Se algo correr mal...

- Remus, eu não vou a lugar nenhum. - Ela interrompeu-o, com a voz firme. – Não tens de enfrentar isto sozinho. Eu sei que a poção não é perfeita, mas confio em ti. Vamos passar por isto juntos.

Ele respirou fundo, assentindo lentamente. Os olhos dele, mesmo sob a sombra crescente da transformação, ainda eram os mesmos, cheios de ternura e de um medo que não conseguia disfarçar.

- Amo-te, Dora. – Murmurou ele, com os dedos já a começar a tremer enquanto colocava o frasco vazio de lado.

- Também te amo, Remus. – Respondeu ela, aproximando-se e segurando as mãos dele, sentindo o tremor aumentar. - Agora, vai. Faz o que for preciso. Eu estou aqui.

Ele soltou as mãos dela relutantemente e deu um passo atrás, com a respiração já mais pesada. Tonks viu os primeiros sinais da transformação começarem: a pele e os ossos a alongamre-se, os músculos a contorcer-se. Remus lutou para manter o controlo, a despeito das dores excruciantes que sentia, mordendo o lábio para não gritar, mas o som que saiu foi mais um rosnado abafado. Dobrou-se, caindo de joelhos, enquanto o corpo mudava de forma, até que, com um último espasmo, transformou-se completamente.

O lobo que agora estava diante dela era grande e imponente, mas, para seu alívio, os olhos ainda eram os olhos de Remus. Estava ofegante, com os pelos eriçados, mas, quando a olhou, Tonks soube que ele ainda estava ali. Com cuidado, aproximou-se, ajoelhando-se à sua frente.

- Olá, grandalhão. – Disse ela, suavemente, estendendo a mão. - Sou eu. Está tudo bem."

O lobo farejou o ar, parecendo inquieto. Tonks sabia que a poção ajudava a manter a sua mente humana, mas era um equilíbrio frágil, e qualquer coisa poderia rompê-lo. Ela estendeu a mão lentamente, deixando-o farejar osseus dedos, antes de lhe acariciar suavemente o focinho.

- Está tudo bem, Remus. - Murmurou, sentindo o coração desacelerar um pouco quando ele inclinou a cabeça contra a sua mão. - Só mais uma noite, e depois voltamos para casa. Vou ficar bem aqui..

Por um momento, tudo parecia sob controlo. Remus, mesmo em forma de lobo, estava calmo, com os olhos fechados enquanto ela o acariciava. No entanto, de repente, algo mudou. Um tremor percorreu o corpo do lobo, e os olhos abriram-se de repente, cheios de uma ferocidade que não era dele. Um rosnado profundo reverberou no seu peito, e antes que Tonks pudesse reagir, lançou-se para a frente.

As garras acertaram no braço dela, que sentiu a dor lancinante do corte profundo. Gritou de surpresa e dor, recuando instintivamente, com a mão a segurar o braço ensanguentado. O lobo recuou também, com um som de confusão e angústia a escapar de seus lábios. Os olhos dele pareciam aterrorizados, reconhecendo o que havia feito.

- Remus, não! - Tonks exclamou, o coração disparado de medo. Ela estava ofegante, com a dor no braço a latejar , mas sabia que tinha de se acalmar, ou perderiam o controlo da situação. "Hei, hei, sou eu, a Tonks. A tua Dora. Está tudo bem.

Recuou lentamente, levantando a mão livre em um gesto pacificador. O lobo encarou-a, ainda rosnando baixinho, mas não avançou. Tonks respirou fundo, sentindo as lágrimas escorrerem pelo rosto, não de medo, mas de tristeza e empatia por ele.

- Remus, sou eu, meu amor. - Repetiu, com a voz trémula mas firme. - Tu estás bem. Eu estou bem. Foi um arranhão. Nada grave, ok?

O lobo ganiu baixo, um som de dor e arrependimento que fez com que ela sentisse o peito mais apertado ainda.. Ele afastou-se um pouco, como se quisesse manter distância para não a magoar novamente, mas os seus olhos não deixavam os dela. Tonks estendeu a mão novamente, hesitante.

- Remus, tu não és um monstro. Eu sei que é difícil, mas estou aqui. Tu consegues. Confio em ti. - Deu um passo à frente, mesmo com o braço a latejar e o sangue ainda a escorrer. – Vá lá, não me faças falar sozinha a noite toda.

Sorriu, tentando ignorar as lágrimas que ainda caíam.

- E, só para constar, isto foi mais dramático do que a primeira vez que tentámos dançar juntos.

O lobo fez um som que parecia quase um gemido, e ela percebeu que ele a entendia. Ele aproximou-se lentamente, com a cabeça baixa, até estar perto o suficiente para roçar o focinho na mão dela, como se pedisse perdão. Tonks soluçou, com a mão boa a acariciar a cabeça dele com delicadeza.

- Está tudo bem. - Sussurrou, com a voz embargada. - Eu estou aqui. Vamos passar por isto juntos, como sempre.

O lobo deitou-se ao lado dela, como se procurasse consolo, e Tonks baixou-se, abraçando-o com o braço que não estava ferido. Sentiu o calor do corpo dele contra o seu, e, apesar do medo e da dor, uma sensação de paz instalou-se. As lágrimas continuavam a cair, e ela não conseguiu segurá-las.

- És mais forte do que pensas, Remus. – Murmurou ela, com os dedos entrelaçados nos pelos dele. - Eu sei que és. Nós vamos conseguir.

Ela ficou ali, abraçada a ele, chorando baixinho, até que a exaustão a venceu e adormeceu. O lobo permaneceu imóvel, observando-a com os olhos humanos que ainda carregavam a mesma tristeza e o mesmo amor de sempre. Quando inclinou a cabeça para descansar ao lado dela, uma única lágrima escorreu pelo rosto lupino, misturando-se ao pelo escuro.

Mesmo em sua forma de lobo, os olhos de Remus continuavam a ser os mesmos — cheios de dor, mas também de um amor tão profundo que transcendia qualquer barreira. Aninhou-se mais perto dela, tentando protegê-la como podia, mesmo agora.

A noite passou lentamente, mas Tonks não se afastou. Eles enfrentaram o restante da transformação juntos, e mesmo que ainda houvesse dor e medo, também havia esperança. Ela acreditava nele, e isso foi o suficiente para ajudá-lo a resistir à escuridão.

Quando o primeiro raio de sol despontou no horizonte, Remus voltou a ser homem, com o corpo exausto e magoado pela transformação. Ele olhou para Tonks, ainda adormecida, com os olhos inchados de chorar, e sentiu o peso de tudo o que havia acontecido. Mas, ao mesmo tempo, sentiu uma onda de gratidão e amor tão forte que parecia impossível conter.

Deitou-se ao lado dela, tomando cuidado para não tocar no ferimento do seu braço, e abraçou-a delicadamente.

- Amo-te, Nymphadora Tonks. - Sussurrou, sabendo que ela não podia ouvi-lo, mas dizendo mesmo assim. - Obrigada por acreditar em mim, mesmo quando eu não consigo.

E, com isso, fechou os olhos, exausto, mas com o coração um pouco mais leve, sabendo que, apesar de tudo, estavam juntos. E isso, por ora, era o suficiente.