Remus sentia o frio da noite escocesa a perfurar-lhe os ossos enquanto se aproximava da pequena taberna, um refúgio solitário no meio das colinas agrestes. A lua nova no céu tornava o cenário ainda mais escuro, mas as luzes quentes que emanavam pelas janelas sujas ofereciam um conforto discreto. O cheiro familiar de cerveja de manteiga e lareira acesa chegou a ele antes mesmo de cruzar a soleira da porta.
Ele hesitou, a mão pairando na maçaneta, sentindo a velha inquietação apertar-lhe o peito. Ia casar-se. Mesmo ali, num pub perdido no norte da Escócia, longe da vista de qualquer um que os conhecesse, o peso da decisão pairava sobre ele. Nunca imaginara que se casaria um dia. Lutava contra o sentimento de que não devia arrastar Tonks para a sua vida, marcada por cicatrizes e tragédias. Mas foi então que ela entrou. O tilintar suave da sineta da porta anunciou a chegada de Nymphadora Tonks, com o cabelo num tom dourado, radiante, mais vivo do que qualquer outra coisa naquele lugar.
— Tens a certeza, Dora? — murmurou ele, nervoso, como se fosse a décima vez que fazia a pergunta, embora soubesse a resposta.
Ela revirou os olhos com um sorriso divertido, enquanto lhe estendia a mão:
— Remus, já falámos sobre isto vezes sem conta. — Havia determinação na voz dela, como sempre. — Foste tu que me pediste em casamento. Estamos numa guerra, não temos tempo a perder com grandes festas ou convites. Eu só quero casar contigo, hoje, agora. E quanto mais tempo demoras, mais provável é que eu te transforme num texugo e case contigo à mesma.
Ele sorriu, com uma leveza a atravessar-lhe o peito, como uma lufada de ar quente.
— Um texugo? Sinceramente, estava a torcer para ser um elegante lobo da Alsácia.
Tonks riu, o som ecoando pelo pequeno pub. Alguns feiticeiros locais, sentados num canto ao fundo, lançaram olhares curiosos, mas logo voltaram às suas bebidas.
— Tenho a certeza de que serias um texugo muitíssimo charmoso, Remus. Afinal, é o símbolo dos Hufflepuff, lembras-te? — Ela piscou-lhe o olho, com um toque de brincadeira.
Ele soltou uma pequena gargalhada suave, embora ainda sentisse aquele nervosismo a corroê-lo por dentro.
— Dora, não se trata de pressa... É só que... — Ele passou a mão pelos cabelos grisalhos, um gesto familiar. — Não sei se isto é o certo para ti. Para nós. O estigma, a guerra... Tudo pode ficar mais difícil, e tu mereces mais do que eu posso oferecer.
— Que tenha sido a última vez que me dizes essas coisas. Foi para aí a milionésima. - Resmungou Tonks, para, logo em seguida, dar um passo à frente, segurando-lhe o rosto com ambas as mãos, com os olhos cheios de amor e uma firmeza que Remus achava desconcertante. Ela olhava-o como se ele fosse mais do que o mundo lhe permitia acreditar que era.
- Eu sei o que quero, Remus. Quero-te a ti. Não importa o que o mundo pense ou o que possa acontecer amanhã. Quero aproveitar cada segundo que tenho contigo, agora. Mesmo que a única testemunha do nosso casamento seja um veado empalhado pendurado na parede desta taberna.
Ele riu, com o coração acelerado pela emoção que ela sempre conseguia despertar nele. Ela sabia sempre o que dizer.
— Muito bem. — Disse finalmente, rendendo-se, embora soubesse que a batalha interna ainda não havia terminado. — Mas quero deixar claro que não estou a ceder por medo de me transformares num texugo.
Tonks sorriu de lado.
— Claro que não, querido, claro que não. - Brincou.
Dirigiram-se ao balcão, onde um feiticeiro de cabelos grisalhos e óculos tortos limpava um copo com uma expressão aborrecida.
— Com licença — começou Tonks, num tom casual. — Sabe onde podemos encontrar um celebrante de casamentos por aqui? Algo... simples e rápido.
O homem levantou os olhos, surpreendido.
— Casamento? Aqui? — Olhou em volta como se verificasse que estavam a falar a sério. — Bem, há o Velho MacDougal. Ele faz uns casamentos rápidos. Mas também é o Keeper do nosso clube de Quidditch local, portanto, pode ser que vos peça para se inscreverem como sócios dos Canhões de Chudley.
Remus soltou uma gargalhada, sentindo-se um pouco mais relaxado.
— Acho que conseguimos lidar com isso.
Pouco depois, o Velho MacDougal apareceu. Um bruxo corpulento com um bigode espesso e uma expressão afável. Tirou a varinha de um bolso e um pequeno caderno do outro.
— Então querem casar, hã? De forma rápida e eficaz? — perguntou, ajustando os óculos com um gesto prático.
— Isso mesmo. — disse Tonks, apertando a mão de Remus com força. — Rápida e eficaz.
MacDougal encolheu os ombros, guiando-os para um canto mais calmo do pub, longe dos olhares curiosos.
— Certo, vamos começar. Há alguma coisa especial que queiram dizer um ao outro?
Remus olhou para Tonks, e o calor que lhe preenchia o peito quase o impedia de respirar. Havia tanto que queria dizer, mas naquele momento, apenas uma coisa lhe pareceu importante.
— Nymphadora Tonks — começou ele, sentindo a garganta apertar. — Eu... prometo amar-te, mesmo que eu não seja perfeito. Com todas as minhas falhas, cicatrizes e... uivos. — Ele sorriu timidamente. — Vou proteger-te o melhor que puder, mesmo sabendo que, às vezes, será a ti que terei de proteger-me de mim mesmo.
Tonks riu suavemente, os olhos brilhando.
— Remus, eu amo-te exatamente como és. Não mudaria uma única cicatriz ou qualquer um dos teus defeitos. Prometo amar-te, mesmo nos dias em que a tua teimosia me fizer querer atirar um feitiço para te transformar num texugo. E prometo que, aconteça o que acontecer, farei sempre o que puder para te fazer rir, mesmo que seja à custa da tua dignidade.
Ele piscou-lhe o olho.
— Principalmente, à custa da minha dignidade.
MacDougal sorriu e ergueu a varinha, traçando um arco dourado no ar que brilhou suavemente.
— Declaro-vos marido e mulher. Podem beijar-se... ou não. A escolha é vossa.
Antes que Remus pudesse sequer processar a simplicidade da cerimónia, Tonks já lhe lançava os braços ao pescoço, beijando-o com uma paixão que o fez esquecer o mundo ao seu redor. As mesas no fundo explodiram em aplausos e assobios.
— Vivam os noivos! — Gritou um dos feiticeiros, levantando a caneca de cerveja.
Enquanto caminhavam de volta pela estrada de pedra, em direção à pequena hospedaria onde tinham reservado um quarto, Remus apertou a mão de Tonks e trouxe-a para perto.
— Sabes, Dora... — disse baixinho, com o coração mais leve, mas ainda carregado de preocupações. — Pediste-me que não tocasse mais no assunto, mas continuo preocupado com o que isto pode significar para ti.
Tonks parou abruptamente, virando-se para ele com um olhar firme.
— Remus, eu já te disse, não há nada que me faças que me faria desistir de ti. Estamos no meio de uma guerra, não sabemos o que o futuro nos reserva. Mas prefiro enfrentar cada incerteza contigo do que passar a vida longe do homem que amo.
Ele suspirou, com o coração apertado entre o medo e a felicidade.
— És a mulher dos meus sonhos. Sabias?
— Sou? — Tonks ergueu uma sobrancelha, divertida. — Bom, espero que os teus sonhos incluam dividir a almofada, porque eu espalho-me bastante na cama.
Remus riu, puxando-a para um abraço apertado.
— Desafio aceite.
E, enquanto caminhavam pela noite fria, de volta ao seu refúgio temporário, Remus soube que, mesmo em meio ao caos e às incertezas da guerra, ele tinha algo pelo qual valia a pena lutar. Estava casado com a mulher que amava, e, por aquele breve momento, permitiu-se acreditar que, talvez, tudo pudesse ficar bem.
