Os meses continuaram caminhando sem que Alphard e Marguerith, ambos apaixonados, fossem capazes de saírem dos papéis que estabeleceram entre si desde a infância. Ele, por medo de perder os laços que mantivera com ela durante quase toda vida, ela por ainda ter as palavras da irmã ecoando em seus ouvidos, como uma maldição. Betelgeuse, por outro lado, colheu os frutos que plantara na festa da ministra Tuft. Stephanio e ela haviam se dado imensamente bem, melhor do que ela esperava. O russo a visitou diversas vezes durante o resto do recesso de Natal, até mesmo viera a Hogwarts para acompanha-la a um passeio a Hogsmeade. Os dois se correspondiam com uma frequência constante, e ela começou a aprender russo com bastante afinco.

Naquela tarde, no Herbário, estudando com a irmã, Betelgeuse lia para Marguerith a última carta que recebera do namorado. Era estranho para ela chamá-lo assim, parecia um nome infantil para a relação que estabeleceu com ele.

-Stephanio vem me ver no feriado de Páscoa – ela falou – Disse que tinha uma surpresa para mim.

A caçula das gêmeas sorriu em resposta, mas, repentinamente seu cenho fechou um pouco ao notar que as feições usualmente pálidas de Bete estavam rubras.

-Você não está bem, está? - ela perguntou, quase incisiva.

A outra moça apenas sacudiu os ombros, como se aquilo realmente não importasse a ela.

-Acordei um pouco febril e indisposta. Mas não vai ser uma tolice como esta que vai me impedir de competir no Torneio de Xadrez amanhã.

Marge meneou a cabeça, prestes a repreender a irmã, quando notou um par de mãos a tampar-lhe os olhos, já adivinhando quem poderia ser.

-Alphard! - ela exclamou com uma mescla de recriminação e divertimento, para o primo recém chegado.

O moreno de olhos azuis deu um sorriso matreiro para a razão do seu afeto. Embora ainda não tivesse se confessado, ele não conseguia se conter no imenso carinho que sentia por Marguerith.

Ele virou-se para Betelgeuse, a cumprimentando com um aceno de cabeça, sendo igualmente correspondido.

-Vim ver como minhas primas favoritas estavam.

-Eu estou muito bem - Marge respondeu, deixando que uma expressão suave tomar conta de seu rosto.

Bete apenas fitava os dois, com uma expressão enigmática. Foi então que a caçula voltou a atenção para a irmã novamente.

-Quem não está bem é Bete, Alphie - Marguerith disse com um leve tom de severidade - Está com febre e não quer ir até a ala hospitalar.

Alphard observou a outra prima e também notou o rubor pouco usual no rosto dela. Ele sabia o quão geniosa Betelgeuse poderia ser, mais teimosa que Marguerith.

-Acredito que quer que eu encaminhe sua querida irmã para a enfermaria. - ele disse.

Betelgeuse apenas revirou discretamente os olhos, achando realmente desnecessário tanto zelo por parte da irmã, enquanto mantinha escondida a surpresa da oferta do primo.

-Se for para a alegria de vossa senhoria, Lady Marge, tentarei encaminhar Lady Betelgeuse aos devidos cuidados. - ele respondeu, fazendo uma leve reverência, enquanto pousava as mãos nos ombros da outra, levando-a para fora do Herbário.

Marguerith piscou os olhos sem compreender o que havia se passado. Alphard sempre evitava uma aproximação mais próxima de Bete, e a recíproca era verdadeira. Contudo, Marge se sentia feliz com aquele acontecimento inesperado. Talvez Alphie conseguisse passar uma impressão melhor para Betelgeuse e a irmã visse com olhos mais brandos o primo.

Já do lado de fora do Herbário, a mais velha das gêmeas, ainda guiada pelos ombros por Alphard, falou em um tom ameaçador.

-Você é um homem morto, se me levar para a enfermaria.

O sonserino riu alto, respondendo.

-Quem sou eu para enfrentar a ira de Betelgeuse Black.

A morena de olhos azuis cruzou os braços e encarou o primo com desconfiança.

-O que pretende, Alphie? Nós nos tratamos cordialmente, mas nunca fomos bons amigos.

-Quero ver Marguerith feliz, é o que mais importa para mim. E acredito que para você também. Queria propor uma trégua, por ela.

Bete manteve o olhar impassível fixo no primo, avaliando-o. Era a primeira vez em anos que estavam realmente conversando em bons termos. Ainda o achava um namorado indigno de Marguerith, porém, talvez pudesse dar uma chance a ele de provar o contrário. Afinal, ele teve a coragem de vir conversar com ela sem se intimidar.

-Tudo bem. – ela respondeu, por fim – Vou para nossa sala comunal descansar.

-Obrigado. – ele falou, sem esconder o sorriso.

Alphard sentiu-se satisfeito, pensando consigo que talvez a donzela de gelo estivesse derretendo um pouco aquele duro coração.


-Como ela está? – Alphie perguntou, enquanto ele e Marge se dirigiam para a biblioteca para estudar para os NIEMs.

-Você conhece a minha irmã. – a sonserina respondeu - Ela não dá o braço a torcer mesmo com a garganta inflamada. Se ela tivesse ido na ala hospitalar quando sugeri antes, não estaria hoje internada lá.

Os dois estavam virando a curva para entrar no próximo corredor quando escutaram duas vozes masculinas, que reconheceram como colegas de casa, William Yaxley e James Rowle.

-Ainda não acredito que aquela vaca da Black me venceu no Torneio de Xadrez.- Yaxley falou, com tanta raiva que parecia cuspir fadas mordentes a cada sílaba proferida.

-Você está mordido assim porque ela é mulher. – Rowle deu os ombros, como se acreditasse que o amigo estava fazendo muito barulho por nada. Todos sabiam que Betelgeuse era a melhor enxadrista da escola.

-E porque ela é uma vadia arrogante que acha que é dona de Hogwarts e de toda Inglaterra quando na verdade é só uma vagabunda qualquer.- William retrucou com desdém.

Marguerith tremeu ao escutar aquelas palavras. Nunca deixaria que alguém falasse mal da irmã na frente dela. Alphard percebeu a perturbação da moça mas não conseguiu impedi-la de caminhar impetuosamente na direção dos dois rapazes.

-Repita isso na minha cara! – Marge apontou a varinha na direção do rapaz. Embora por dentro ela estivesse tremendo de ódio, seu semblante era duro e firme.

Yaxley deu um meio sorriso sarcástico, não conseguia se sentir intimidado por aquela "garotinha".

- Todo mundo sabe que sua mãe era amante do seu tio. – ele respondeu, cruzando os braços com empáfia. –Não dizem que filho de sereiano, sereiano é?

-Retire o que disse! – Marge falou baixo, quase sussurrando por entre os dentes

- Não! Vai fazer o que? Me matar?

A moça mordeu o lábio inferior de leve, pensando consigo, em meio a raiva, que, talvez, aquela fosse uma ótima ideia. Sem refletir, a palavra começou a se formar na sua mente em um feitiço não verbal.

"Avada..."

Ao perceber o que estava prestes a fazer, Marguerith respirou fundo, se recompondo. No último segundo ela mudou de feitiço, fazendo com que os lábios de Yaxley se colassem um no outro, deixando-o completamente incapaz de falar.

-Não adianta tentar soltar. O feitiço dura vinte e quatro horas. Vai ser um bom tempo para você refletir sobre o que fala de qualquer membro da minha família.

Rowle e Alphard, que até então assistiam atônitos à cena, resolveram agir. James correu para acudir ao amigo enquanto Alphie pegava Marguerith pelas mãos, tirando a moça dali, voltando a fazer seu caminho para a biblioteca.

Tanto o rapaz quanto Marge sabiam que Yaxley era orgulhoso demais para admitir que uma garota o humilhara. Aquele incidente não traria consequências para a moça no que dizia respeito a detenção ou algo do gênero.


Alphard observou Marguerith enquanto ela se inclinava, pensativa, no peitoril da ampla janela da sala de aula vazia. O queixo dela apoiado sobre as mãos, os olhos verdes percorriam os terrenos da escola. Ao longe o lago balançava agitadamente, acima o vento soprava por entre as folhas das árvores.

Ela voltou a encará-lo. Alphie estava sentando no chão, a cabeça encostada na parede, também a fitá-la. Ele perdera a noção de quanto tempo se passara desde que chegaram naquela sala.

Mais cedo, quando estavam estudando na biblioteca, ele notara que Marge continuava ligeiramente perturbada. Nada que fosse explícito aos demais colegas, talvez a exceção de Betelgeuse, se ela estivesse ali com eles. Contudo, Alphard aprendera a ler cada pequena nuance que ela deixava escapar sob a postura rígida de herdeira dos Black.

Os olhos dela estavam mais distantes e nebulosos. Alphard entendia o porquê. Qualquer assunto que envolvia um dos falecidos pais sempre a perturbava. Sem falar que ela também se tornava super protetora quando envolviam Betelgeuse no meio. E a discussão que tiveram mais cedo com Yaxley foi bastante tensa.

Assim que saíram da biblioteca e se viram completamente sozinhos nos corredores, ele não se fez de rogado e segurou a mão da prima, com gentileza, porém de modo firme.

- Marge – ele disse, encarando-a diretamente nos olhos, sabendo que ela compreenderia o pedido silencioso dele para que ela se abrisse um pouco e compartilhasse o que lhe passasse por dentro.

- Eu não quero ficar sozinha – foi tudo o que ela respondeu, em uma voz baixa, sem desviar os olhos de Alphard. – Mas não quero voltar para a nossa sala comunal.

Foi assim que ambos acabaram naquela sala vazia.

A moça deixou a janela, sentando-se novamente ao lado dele, enquanto colocava uma mecha de cabelo por trás da orelha.

O silêncio recaiu sobre os dois. Alphard observou a garota pelos cantos dos olhos. Marguerith estava tensa, ele podia sentir.

Marge desviou o olhar, focando nas pontas dos próprios pés. Alphie nunca a vira tão frágil e amedrontada, apesar de todo o esforço que ela fazia para reter essas emoções. Aquela atitude parecia ser mais para salvaguardar ela mesma do que para evitar que o rapaz percebesse o que se passava no interior dela.

Alphard meneou a cabeça.

- Você sabe que não precisa ser assim tão reservada comigo, não sabe? Tudo bem se você quiser chorar ou desabafar.

Marge levantou o rosto, os olhos arregalados em surpresa por breves segundos. A surpresa, contudo, foi substituída por um sentimento diferente. Sem que ela notasse, a máscara impassível abandonou seu rosto, um sorriso verdadeiramente genuíno aflorou em seus lábios, ainda que uma sombra de melancolia pudesse ser percebida.

Alphard sorriu de lado ao notar que conseguira arrancar uma reação de Marguerith. Ele realmente desejava que ela compreendesse que ele estava ali, para ela.

Sem planejar, apenas guiado por um forte sentimento, o rapaz arqueou ligeiramente o corpo para frente e estendeu uma das mãos até o rosto da morena. A moça estremeceu de leve, afastando seu rosto daquele toque.

- Você confia em mim? – perguntou, encarando diretamente aqueles orbes esmeraldinos, com uma expressão doce e gentil.

Marguerith desviou momentaneamente os olhos, para depois voltar a encará-lo com a soberba que lhe era característica.

- Eu confio em você, Alphie.

O semblante do rapaz iluminou-se diante daquelas palavras. Aquele era o momento em que ele esperou por todos aqueles meses. As palavras dela lhe deram coragem para o que faria a seguir.

- Então fique parada.

Aquela foi a última coisa que ele disse antes de segurar o queixo de Marguerith e colar seus lábios aos dela. Os orbes verdes da sonserina mais uma vez ampliaram-se em espanto, para, no momento seguinte, fecharem-se serenamente. Alphard pôde senti-la deixando-se quedar, completamente e sem qualquer resistência, em seus braços.

A mão que estava no queixo de Marge moveu-se até a base do pescoço dela, enquanto o seu outro braço circundava as costas da moça. Ele a trouxe para mais perto de seu corpo e seus lábios buscaram provar os lábios dela de maneira mais profunda, como sempre sonhara desde que se percebera amando Marguerith.

Ele sentiu a moça passando os braços dela pelas suas costas, e deixando que seus lábios se entreabrissem para que a língua do rapaz tocasse o interior de sua boca.

As mãos de Alphard perdiam-se nos cabelos de Marguerith e no contorno das costas dela, enquanto ela o abraçava cada vez mais forte e tentava corresponder ao beijo com o mesmo fervor. O calor do corpo da garota e o perfume de rosas que se desprendia da pele dela estavam começando a inebriar os sentidos do rapaz.

Ele nunca se sentira tão feliz em sua vida até aquele momento.

Naquela noite, depois que se beijaram, Marge apenas se aconchegou em seu ombro e dormiu. Mais nenhuma palavra fora trocada entre eles. Na manhã seguinte, ele acordou completamente sozinho, a não ser por um bilhete onde a caligrafia delicada, porém firme, de Marguerith que dizia: "Obrigada."


Alphard a viu de longe, sentada, compenetrada, em um banco.

Desde a noite anterior eles não se encontraram mais sozinhos. Algumas vezes, ele tinha a impressão que ela estava deliberadamente evitando-o.

Naquele instante, Marguerith estava completamente só, e, pareceu a Alphard, a oportunidade perfeita para que pudessem, finalmente, conversar.

A sombra dele se projetou sobre a moça, fazendo com que a atenção da sonserina saísse de seus pensamentos e se direcionasse para o primo.

Ele sorriu com serenidade, para ela.

-Oi, Marge - ele cumprimentou.- Queria conversar com você.

-Pode falar, Alphie - ela respondeu, de modo aparentemente neutro e quase impassível, mas o rapaz conseguiu perceber um leve tremor na voz da moça.

- Eu te amo, Marge. - ele disse com a voz firme. - Há muito tempo sinto isso, embora até ontem eu não tenha tido a oportunidade de demonstrar. Eu quero saber se pode me amar de volta.

Era óbvio que depois do beijo que haviam trocado que Marguerith sabia dos sentimentos dele por ela, mas, ainda assim, Alphard sentiu necessário dizer isso a ela com todas as letras, para que nenhum dúvida ou mal –entendido pudesse se interpor entre eles,

A moça cerrou os olhos verdes por alguns segundos, e quando, novamente, os abriu, fitou o rapaz com uma expressão melancólica.

-Eu... - a sonserina soltou um suspiro, sem saber o que responder.

Ela abaixou o rosto, tentando organizar os sentimentos. Pensando consigo que não era o momento de se esconder atrás de máscaras.

-Eu tenho medo... - ela disse por fim.

Alphard sentou-se ao lado dela, esperando que Marguerith continuasse. De todas as respostas que esperava, aquela era a única que não previra.

-Medo do que? - ele perguntou de maneira delicada.

Ela ainda se demorou um pouco para voltar a falar.

-De tantas coisas que eu não sei por onde começar... Eu tenho medo da vida que vamos ter juntos... Você sempre saia para se divertir, virando a noite... Bete acha que você vai me magoar... Que não vai me dar segurança... Eu não quero me tornar uma pária... Não quero que digam sobre mim o que falam dos meus pais...

-Marge... - ele tentou confortá-la, pousando a mão sobre a dela, contudo a morena se afastou diante do toque de Alphard.

Ela levantou o rosto, fitando-o com extrema seriedade, quase dolorosa.

-Não é só isso, Alphie. Ontem eu notei um lado meu que não tinha consciência que existia com aquela intensidade. Quando Yaxley disse aquelas coisas sobre Bete, sobre minha mãe, eu realmente pensei em matá-lo. O Avada surgiu forte na minha mente... Eu poderia ter feito isso...

-Mas não fez... - ele retrucou.

-Não... Mas isso me perturbou, por isso estava tão mal ontem. Porque eu realmente posso ser dura e cruel, posso ferir alguém. E tenho medo de te machucar sem ter consciência disso...

Alphard sacudiu a cabeça, em negativa. Ele podia compreender os temores dela, mas sabia a verdade que se escondia por trás deles. Ela simplesmente estava inventando desculpas para não se permitir amar. Tentando selar a fresta em sua muralha que Alphard ousou adentrar. O verdadeiro medo de Marguerith era perder novamente alguém. Como perdeu o pai, como perdeu a mãe.

-Eu não vou te abandonar, já te prometi isso. E eu te amo, Marguerith, com todos os seus defeitos...

Ela permaneceu ainda parada, mas Alphard percebeu um ligeiro tremor percorrer o corpo dela. Ele sabia que tinha acertado em suas conjecturas.

-Eu sempre fui sincero e verdadeiro com você. - ele continuou - Quero algo sério e sólido para nós. Eu não sou o moleque irresponsável que nossa família acredita. Meu avô paterno deixou uma herança para que eu resgatasse na maioridade, eu comprei um pequeno apartamento e vou ter meu próprio negócio. Eu vou criar um futuro seguro para nós.

Marguerith arregalou os olhos, ligeiramente surpresa com aquelas informações. Não era algo que esperava de Alphard, que sempre lhe pareceu alguém guiado pelos acontecimentos e não uma pessoa que parava para tracejar os meandros do próprio destino.

-Você me ama? - ele perguntou, de forma mais direta que antes.

-Amo. - ela respondeu, incapaz de mentir.

-Então se torne minha namorada.

Ela abaixou a cabeça novamente, pensativa, ainda não se sentia pronta para dar uma resposta.

-Alphie... Eu preciso de um tempo... Por favor... – ela praticamente suplicou.

-Eu vou fazer o que me pede, Marge. Por hora...

Ele abaixou o rosto, abrindo a mochila que trazia a tiracolo. De lá retirou uma caixinha que ele deixou no banco, ao lado da moça.

-Aí dentro tem a chave do meu apartamento e o endereço. Se mudar de ideia ou se quiser conversar, pode ir lá me procurar. Vou passar o feriado de Páscoa organizando o lugar.

Alphard se levantou, deixando Marguerith, sem olhar para trás. A verdade era que, apesar dos pesares, a conversa havia sido melhor do que ele imaginou. Ela disse que o amava, e ele ia se ater à esperança que aquelas palavras traziam.