O casal Black estava se preparando para dormir, enquanto Sirius vestia seu pijama, Hesper estava sentada na penteadeira de madeira escura, limpando do rosto a discreta maquiagem que usava no dia a dia. A mulher acreditou que aquele talvez fosse o momento mais oportuno para acatar o pedido da sobrinha em interceder junto ao marido sobre o noivado de Marguerith e Alphard. Contudo, os rumos da discussão não estavam pendendo para o lado do casal.

-Hesper, não vou deixar Marge ficar com um qualquer!– o homem quase esbravejou, enquanto se enfiava debaixo do edredom.

- Não é como se Marge fosse se casar com um completo estranho. Alphard é da família, ele é um bom rapaz. – ela retorquiu, levantando-se da penteadeira, indo em direção à cama.

Sirius observou a esposa deitar ao seu lado antes de responder

-Um bom rapaz, Hesper? Ele é irresponsável. Quantas vezes Pollux não reclamou das noitadas do filho em Hogsmeade ao invés de estudar?

A matriarca estreitou os olhos violetas, diante da hipocrisia do homem.

-Te garanto que Alphard é mais consciente das consequências dos seus atos que nosso filho Regulus.

O patriarca virou-se de lado no colchão com a cabeça apoiada em uma das mãos. Seu cenho estava visivelmente carregado.

-Não é com Regulus que Marguerith quer se casar! E, nosso filho, apesar das indiscrições, respeita minha autoridade. O moleque do Alphard me desafiou abertamente. Eu não quero minha sobrinha se envolvendo com aquele insolente!

Hesper suspirou, tentando novamente argumentar por um ponto de vista que talvez agradasse o ego do marido.

-Ele é jovem, rebeldia faz parte da idade. Imagine por outra perspectiva. Aceitar o casamento, convidar Alphard para trabalhar conosco e sob sua proteção, molda-lo como o marido que deseja para a nossa sobrinha.

-Absolutamente não! Depois da conversa que tivemos, depois do que ele me disse, tenho certeza que aquele pivete está além de qualquer salvação.

Hesper fitou o dossel por alguns segundos antes de formular uma pergunta que sempre lhe incomodou durante todos aqueles anos.

-Você tem apreço por Marguerith?

-É claro que tenho ou não estaria preocupado com o futuro dela.

-Mas ela não é como Betelgeuse... – Hesper murmurou, deixando claro o quão óbvia era a preferência do marido em relação às gêmeas.

Sirius anuiu discretamente, compreendendo as implicações nas entrelinhas da fala da esposa.

-Marguerith tem o que é necessário a uma Black, só que diferente da irmã, precisa ser guiada para atingir a grandeza que nossa família representa. Um bom casamento a ajudaria nisso.

A mulher balançou a cabeça percebendo que chegou em um ponto que a teimosia de Sirius seria impossível de quebrar. Infelizmente, teria que repensar sua estratégia no que dizia respeito a ajudar Alphard e Marguerith.


Dois dias haviam se passado desde a conversa entre Hesper e Sirius, e que as palavras da matriarca dos Black caíram como um balde de gelo em cima da sobrinha mais nova. Mesmo a promessa da tia em tentar novamente abordar o tio sobre o assunto não foi suficiente para reavivar as esperanças da moça.

Marguerith observava o anel de noivado, pensativa.

O patriarca não chegou a conversar diretamente com ela, mas era questão de tempo se ela ou mesmo Hesper insistissem no assunto com ele.

O sentimento de temor em relação ao tio começava a ser substituído por uma raiva branda. Ela não estava fazendo nada errado. Apenas amava Alphard.

Marguerith estava ficando cansada de se submeter à vontade de Sirius Black, cansada de sempre dizer sim e nunca receber um elogio em retorno. Talvez fosse hora dela tomar suas próprias decisões, escolhendo o que era correto para si... sem se preocupar com o tio, com a família ou com o que diriam dela.

-Marge? – Betelgeuse apareceu na porta do quarto da irmã – Não pude deixar de notar que não veio jantar conosco.

-Queria ficar sozinha. – ela disse. A caçula das gêmeas se sentia exaurida.

-Está fugindo do nosso tio – Bete afirmou, ao que Marguerith apenas assentiu.

Marge, que até então estava na escrivaninha, sentou-se na cama, convidando a irmã a fazer o mesmo.

-Sei que você acha que fui precipitada em dormir com Alphie e sei que não gosta dele, mas também sei que me ama e confia no meu julgamento.

Betelgeuse concordou. Marge sempre foi um modelo de conduta e nunca havia feito nada que pudesse envergonhar a si mesma e à família.

-Então – a caçula retomou – acredite quando digo que Alphard é a pessoa certa para mim.

-Vocês vão se casar. Mesmo sem as bençãos de nosso tio.

Marge segurou as mãos da irmã e as apertou de leve. Ela realmente era transparente para Bete.

-Amanhã à tarde – ela respondeu.

Betelgeuse meneou a cabeça sem esconder suas preocupações. Nunca imaginou que a paixão de Marguerith a fizesse ir tão longe a ponto de enfrentar a fúria de Sirius.

-Ele vai apagar Alphard da tapeçaria. – a mais velha afirmou, enfática.

Marguerith deu ombros, pensando consigo que talvez aquilo não fosse assim tão ruim.

-Nós não estamos na tapeçaria e estamos bem, não? Isso não a impediu se tornar noiva do grande Stephanio Ivory! Nem impediu que nosso tio nos aceitasse como Blacks genuínas. Com o tempo tio Sirius vai perceber que está enganado sobre Alphie e estaremos de volta na família.

Betelgeuse comprimiu as mãos da irmã com um pouco mais de força, dizendo:

-Minha querida, eu quero que você saiba que eu faria absolutamente qualquer coisa para te proteger e te ver feliz.


Sirius escutou leves batidas na porta do escritório. Hesper já havia ido para o quarto e ele decidiu tomar uma última dose de Firewhisky antes de dormir.

-Entre. – ele disse, supondo que era uma das sobrinhas quem estava atrás da madeira escura.

Não foi com surpresa que ele viu o rosto sério de Betelgeuse se revelar. A moça cerrou a porta atrás de si.

-Veio jogar xadrez? – ele perguntou, sobre o hábito que os dois compartilhavam há vários anos.

-Hoje não – ela respondeu com a seriedade costumeira.

Sirius assentiu antes se tomar um generoso gole da bebida âmbar e encorpada.

-Sou todo ouvidos.

-Marge e Alphard vão se casar às escondidas, amanhã à tarde – Bete falou ao que o tio reagiu com uma pequena expressão de surpresa.

O patriarca nunca imaginou que a influência de Alphard sobre Marguerith era tão forte a ponto de suplantar a dele próprio.

-Por que está me contando isso, Bete?

A moça cruzou os braços e arqueou de leve a sobrancelha. Uma pergunta do tipo lhe parecia desnecessária, pois a resposta lhe era óbvia.

-Porque eu amo a minha irmã e não posso deixa-la jogar sua vida fora a troco de nada.

-Compreendo. – o homem disse, bebendo mais um pouco de Firewhisky.

-Já que estamos sendo francos um com outro, me diga, tio, por que não gosta de Alphard?

-Sem querer ofende-la, mas ele me lembra Phineas.

Betelgeuse fechou os olhos por alguns segundos, digerindo a resposta de Sirius. Ela amou seu pai quando era criança e guardava boas lembranças dele, ainda que nebulosas. Entretanto, agora que era praticamente uma adulta, percebia o quanto o caminho que Phineas Black percorreu era destrutivo para si e todos ao redor. Marge quase morreu por isso. O próprio assassinato do pai foi consequência de suas escolhas.

-Não me ofende. Eu entendo. – foi tudo o que ela achou necessário dizer.

-Quanto à sua irmã e aquele moleque, eu já sei o que fazer. Vou tratar do assunto direto com Alphard.

Betelgeuse se permitiu dar um sorriso discreto antes de dizer:

-Se precisar, Stephanio conhece algumas pessoas que podem ajudar.