Capítulo 3 - Uma conversa franca (ou quase isso)
Caminhando à esmo pelas ruas de Karakura em direção ao seu apartamento logo depois de deixar Orihime em casa, Uryuu estanca seu caminhar ao avistar um determinado local. Estava próximo ao parque da cidade, e como um flash, as imagens iam se formando em sua mente. O momento em que fora atingido pelo cero de um hollow. Teve a visão dele e sua namorada saindo de um cinema, e de repente, uma garganta se abre no céu, seguida de um número considerável de Gillians, os quais o Quincy derrota sem muitos problemas, contudo, um Adjucha infiltrado no meio deles o atinge no braço quando este se coloca na frente de Inoue, a fim de protegê-la. Tudo aconteceu muito rápido, e nenhum dos dois soube identificar de onde e nem ao menos de qual hollow partiu o cero.
Pensativo, Ishida leva a mão esquerda novamente no local atingido. Embora a dor não fosse presente naquele momento, sua alma se encontrava muito preocupada, uma vez que, mesmo Orihime tendo usado seus poderes, os efeitos da ferida retornaram, causando uma notável apreensão no moreno, especialmente considerando que hollows são deveras perigosos para os Quincys.
Chegando em seu apartamento, vai até o quarto, onde retira a camisa que vestia e se olha no espelho do closet. Por incrível que pareça, sua pele estava intacta, contudo, as consequências daquela noite ainda se mostrariam terríveis num futuro muito próximo…
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O dia estava prestes a amanhecer quando Kukkaku abriu os olhos. Ela sentiu o adesivo medicinal colado em sua testa sair do lugar ao esfregar as têmporas. Por incrível que pareça, estava se sentindo relativamente bem, comparado às suas ressacas anteriores, onde acordava no dia seguinte sentindo como se tivesse sido atropelada por um caminhão. Dessa vez, ela despertou com uma leve dor de cabeça e indisposição, ainda consequência da febre. Tinha que admitir que sua atual condição ela devia àquele jovem desconhecido, que por uma força dos céus, apareceu para ajudá-la. Se sentia comovida por isso. Ela não estava acostumada com gentilezas, mas acima de tudo, o rapaz misterioso que se apresentou como Kabuto Yakushi era um enigma, e Kukkaku Shiba adorava enigmas. Foi o que pensou quando um sorriso travesso brincou em seus lábios.
Resolveu se levantar, e como a boa curiosa que era, foi espiar o dono da casa. Kukkaku foi até a sala, onde encontrou o jovem adormecido. Os óculos estavam sobre a mesinha ao pé do abajur ao lado do sofá, os fios cor de prata espalhados pelo travesseiro. O rosto tranquilo e até infantil chamou a atenção da Shiba, que sorriu fraquinho.
- Nossa… mas até que esse danadinho é muito bonito. - pensou consigo, mas balançou a cabeça, pois o achou muito jovem. Seu nível de "empolgação" por belos exemplares masculinos também tinha seus limites.
A julgar pela aparência do apartamento, e pela mochila que ele carregava, Kukkaku deduziu que o rapaz havia acabado de chegar na cidade. Curiosa, ela foi até a mochila que estava meio aberta, e de lá, retirou uma espécie de caixa. Dentro desta havia um conjunto de bisturis, tesouras, e outros instrumentos médicos, além de poucas peças de roupa e um notebook. A morena olhou novamente para a figura do rapaz. Ele dormia profundamente. Suas pálpebras pesavam. Kabuto parecia genuinamente exausto. Kukkaku deduziu assertivamente que poderia ser da viagem. Ela então resolveu voltar para a cama e deixá-lo descansar, até que ele acordasse por si mesmo.
E foi exatamente o que aconteceu quando o relógio marcou por volta das oito da manhã. Kabuto despertou após uma merecida noite de descanso. Ele olhou para a hora assustado. Era a primeira vez que ele havia acordado tão tarde desde que se lembrava, pois estava sempre muito ocupado com seus experimentos e trabalhos médicos, e não era raro ele virar a noite trabalhando. Mas ele estava realmente cansado. A viagem foi longa, e consumiu mais de seu chakra do que ele previra. Após sentar lentamente, ele leva uma das mãos até a pequena mesinha, passa a mão pelos cabelos, fazendo seu rabo de cavalo de costume e coloca os óculos. Ao olhar para a mesa de centro, ele se surpreendeu ao ver o café da manhã pronto, e Kukkaku sentada à sua frente, sorrindo levemente, com os olhos verdes brilhando para si.
- Bom dia, Kabuto-sensei.
- Kabuto… sensei?
A expressão dele era de pura confusão. Yakushi se lembrou de que as únicas pessoas que o chamavam assim eram suas cobaias durante a época em que trabalhava para Orochimaru. Parecia algo estranho ouvir alguém se dirigindo a ele assim fora daquele ambiente que não trazia nenhuma lembrança da qual ele pudesse se orgulhar, se é que ele podia pensar assim. Foi quando a voz da mulher desconhecida interrompeu seus pensamentos.
- Acho que é natural. Como você é médico e me ajudou, esta deve ser a maneira mais adequada para chamá-lo, certo? - ela brinca, piscando para ele - Como já me sinto melhor graças a você, queria retribuir com esta refeição. Espero que goste.
O platinado acenou em positivo e sentou-se pegando o par de hashi.
- Itadakimasu.
Kabuto então provou o ovo frito. Estava queimado e extremamente salgado. O missoshiro carregado demais. Estava tudo terrível, e o pobre rapaz teve que correr até o banheiro para cuspir tudo e escovar os dentes rapidamente.
- Eh? Kabuto-sensei, está tudo bem? Não gostou da comida? - a morena indaga confusa.
- Você provou?
- Ainda não. - coça a cabeça um tanto constrangida.
- Acho que deveria.
Depois de provar a refeição, Shiba teve a mesma reação que Kabuto, e correu para cuspir aquela gororoba.
- Sinto muito… cozinhar não é uma das minhas especialidades, mas eu quis tentar de qualquer maneira, e acabou não dando muito certo. - diz cabisbaixa e cheia de vergonha.
- Não se preocupe com isso, o que importa é que suas intenções foram boas. Pode deixar a comida comigo, está bem? - oferta a ela mais um de seus sorrisos gentis, que ela retribui de imediato.
- Escute, Kabuto-sensei, é a primeira vez que você vem à essa cidade? Eu nunca te vi por aqui.
- Sim. Eu cheguei aqui ontem à tarde um pouco antes de nos encontrarmos na barraca de lamen. - responde sem rodeios, concentrado em seu trabalho no fogão - Sei que não é da minha conta, e peço desculpas por estar sendo indelicado, mas por que bebeu daquela maneira? - foi a vez dele perguntar.
Um silêncio constrangedor se formou entre eles, e logo o rosto de Kukkaku foi invadido por lágrimas tímidas, mas incômodas, que volta e meia apareciam sem permissão. O rapaz se arrepende amargamente da pergunta ao ver que não fez nada bem à ela.
- Desculpe. Não queria te trazer lembranças ruins. Apenas esqueça a pergunta e relaxe. - ele conclui colocando uma fumegante xícara de café na frente dela e alguns biscoitos em um prato, enquanto preparava as tigelas de sopa.
Kukkaku fecha os dedos sobre o tecido de sua saia o amassando. Ela sentia que precisava muito desabafar com alguém, e quem melhor do que ele? Aquele cara não sabia nada sobre ela, portanto poderia ser capaz de ouvir seus problemas e compreendê-la muito melhor do que qualquer pessoa que já conhecesse a sua história, sem cobranças ou qualquer tipo de crítica. Ela começa a beber o líquido quente com cuidado, sentindo que faria muito bem para a sua dor de cabeça. Kabuto fez o mesmo e comeu em silêncio, dando espaço para que ela se pronunciasse no momento em que se sentisse segura a fazê-lo.
Não muito tempo depois, Shiba começou a falar, e o olhar atento de Kabuto se fixou nela, mostrando que estava disposto a ouvir com muita consideração.
- Eu… sempre vivi uma vida vazia. Tive algumas perdas… meu irmão morreu no cumprimento do dever em circunstâncias que até hoje para mim parecem um tanto sombrias e nebulosas. Eu também nunca tive sorte no amor. Sempre acabo sendo abandonada ou trocada por outra pessoa. E a cada decepção, sinto meu ser se afundando cada vez mais, então me entrego ao álcool tentando esquecer essas frustrações, mas quando acordo no dia seguinte, me sinto doente pelos efeitos da bebida e com o emocional cada vez mais devastado. Um amanhã sempre pior do que o ontem, onde a vida parece fazer cada vez menos sentido. É muito desesperador e eu não sei mais o que fazer. - despeja toda a sua história resumidamente de uma só vez, e desaba em lágrimas logo em seguida, sob o olhar apenado do jovem médico.
Kabuto dá a volta na mesa, e gentilmente deposita um beijo na mão direita de Shiba, que sente seu coração aquecido por mais aquele gesto dele.
- Acredite… eu sei como se sente. - ajuda Shiba a secar as lágrimas do rosto dela, despertando ainda mais a curiosidade da ex-nobre - Não sou perito em romances, mas acho que você um dia irá encontrar a pessoa certa. Um homem que irá amá-la de todo o coração e nunca a abandonará.
- Obrigada. Você é tão fofo. Se importa em me contar um pouco mais sobre você também? - lança sobre ele um olhar pidão, quase infantil.
- No meu caso, eu nunca soube o meu lugar no mundo. Não sei quem são meus pais, se tenho mais pessoas na família, muito menos meu nome verdadeiro. - desvia o olhar, mirando a janela e os pássaros voando do lado de fora - Fui encontrado quando criança e criado em um orfanato. Quando me encontraram, eu estava com um ferimento na cabeça e sem memória. Eu tinha apenas cinco anos. Mas eu sinto um vazio terrível por não ter uma identidade própria. Só queria encontrar… o meu verdadeiro eu. - termina seu relato com o olhar cabisbaixo.
Kabuto omitiu o fato de ser um ninja, da mesma forma que Kukkaku não disse que é uma alma. Era lógico que para os dois era conveniente ocultar esses "pequenos detalhes".
- Deve ser terrível não saber quem você realmente é e não ter ninguém para se apoiar. Eu sinto muito. - Kukkaku disse entristecida.
- Já que estamos sendo honestos… pode confiar em mim para contar o que aconteceu com o seu braço direito? Ele não parece estar vivo.
- Mas como assim? Do que está falando? - arregala os olhos e pisca várias vezes devido ao choque.
- Perdão pela indiscrição. O que acabei de dizer parece uma completa loucura. Esqueça. Se me permite… - pousa a mão sobre a testa de Kukkaku, comprovando que a temperatura estava normal - Não tem mais febre. Se aceita um conselho de médico, não deveria beber, está bem? Então, o Kabuto-sensei declara que você está de alta. - sorri amigavelmente, sendo retribuído em seguida - Agora, se não se importar, preciso tomar um banho, sair para comprar umas coisas e me instalar. Pode ficar à vontade aqui pelo tempo que quiser. - diz gentilmente.
Kukkaku seguiu o rapaz com o olhar até que ele entrou no banheiro. Estava óbvio que ele não era um simples médico. Como Kabuto foi capaz de saber sobre o braço dela se ela está usando um gigai no mundo dos vivos que faz com que ela pareça uma humana sem qualquer defeito? Ele enxergou através do gigai? Mas se Kabuto Yakushi não era um Shinigami, então quem aquele homem misterioso realmente era?
Continua…
