Sentada no banco embaixo do carvalho, a moça fechou o livro que trazia sobre o colo ao notar que, com a chegada do crepúsculo, era mais difícil discernir as palavras impressas nas páginas. Ela suspirou ao perceber que, os elfos começavam a acender as luzes das janelas do casarão.

Ela estava aproveitando o fim de semana com Hesper na casa de Cheshire, onde passara bons momentos em sua infância. Embora soubesse que sua visita fosse chegar em poucos minutos, Marguerith não se sentia particularmente ansiosa. Aquilo se tornara uma espécie de ritual entre os dois, desde o tio convidara Pericles para aquele primeiro chá, fazia cerca de um mês.

Mais uma vez ela olhou para a pequenina porta de madeira em um muro próximo. Quase completamente escondida sob uma cortina de heras, ela era perceptível apenas para os olhos que a porta estava ali.

A jovem escutou o barulho das dobradiças antigas e enferrujadas rangendo na fechadura antes de ver o rosto ameno e sorridente do homem cruzar os umbrais.

-Boa tarde, Pericles– ela disse, sorrindo.

-Boa tarde, Marguerith. – ele cumprimentou em retribuição – Espero não ter te feito esperar muito.

A moça meneou a cabeça em negativa.

-Pontual como sempre. Providenciei chá de canela para você.

Pericles sorriu observando os gestos delicados e precisos com os quais ela preparava a bebida para ambos. Ele sentia-se completamente fascinado na presença de Marguerith. Encontraram-se praticamente todos os dias naquele mês, e o homem percebeu que nunca antes se sentiu da forma como se sentia com a jovem Black.

Ele tirou de dentro do bolso interno do paletó uma caixinha de veludo negro e colocou em cima da mesa. Marguerith parou de servir o chá, olhando de Pericles para a caixinha e mais uma vez para o homem.

Ele abriu a tampa revelando uma aliança dourada com uma grande esmeralda rodeada de diamantes. Marguerith sentiu os olhos marejarem ao se lembrar de um anel muito mais simples que ela ainda mantinha guardado em sua caixa de joias.

Supondo que a moça estivesse emocionada com o gesto, Thorne se pronunciou:

-Sei que tudo está acontecendo muito rápido, e não precisa responder agora, mas espero que em um futuro não muito distante, você aceite se tornar minha esposa.

Marge mordeu de leve o lábio inferior. O que ela poderia responder? Ela se sentia tão sozinha, mesmo com Hesper em sua vida. O abandono de Alphard, a ausência da irmã. Tudo isso se tornou um fardo. A cada dia que se passava, as paredes de Grimmauld Place lhe pareciam as grades de uma prisão. Talvez com Pericles ela conseguisse construir um futuro mais feliz.

-Eu aceito. - ela respondeu, por fim. Entretanto, percebeu que existia algo que não estava preparada para abrir mão. - Mas com uma condição. Não posso mudar quem sou. E eu sou uma Black.

Pericles assentiu. Ele nasceu em uma família cuja importância das mulheres era fato. Era sempre uma matriarca quem os liderava, por isso, compreendia o orgulho da noiva por suas origens.

-Então, fico feliz que se torne minha esposa, Marguerith Black-Thorne.


O salão de festas da casa dos Black no sul da Inglaterra era realmente impressionante, o que, de certo modo, era esperado, dada a posição da família na hierarquia da sociedade bruxa. Mas não eram as tapeçarias antiquíssimas ou os painéis pintados com magníficos detalhes, espalhados cuidadosamente pelas paredes que chamavam a atenção de Pericles Thorne, tampouco eram os criados que circulavam elegantemente entre os convivas, ou a farta mesa de pratos típicos. O que absorvia completamente os sentidos do homem era a moça pequena e delicada que caminhava a passos curtos ao lado dele.

Marguerith Black envergava um vestido azul com detalhes dourados. Os cabelos estavam presos em um semi-coque por uma presilha dourada incrustada com delicadas pedras de lápis-lazúli para combinar com o vestido, e que deixava parte dos cachos pender sobre a nuca alva da moça.

Ela mantinha os olhos erguidos, altivos, e, mesmo sob a maquiagem, Thorne podia notar o rubor que tomava a tez da sobrinha caçula de Sirius Black. O homem não conseguiu refrear um sorriso ao perceber a reação dela. Ela estava nervosa, mas, mesmo assim, tentava manter um porte de rainha.

Dois meses haviam se passado desde que ele a reencontrara, praticamente adulta, na festa de casamento de Betelgeuse e Stephanio. Ele simpatizara demasiadamente com a jovem naquela ocasião, entretanto, foi surpreendido pela proposta do patriarca da família Black em firmar um compromisso a longo prazo com a caçula das gêmeas.

Contudo, Pericles não era tolo, afinal, ele era um sangue puro, e, por mais nobre que fossem as suas intenções e o seu posicionamento com moça, ele não era inocente. Reconhecia que tanto ele quanto os Black poderiam lucrar bastante com aquele casamento. Mas, ele não era um canalha. Só aceitara fazer a corte a Marguerith porque percebera que a moça aceitara o compromisso por vontade própria.

E agora, ele estava naquela grande festa para comemorar seu noivado. Dali a quatro meses, ele e Marge concretizariam o casamento. Sirius fora enfático ao propor o tempo que achava adequado para o período pré-nupcial.

Pericles estava feliz. Ele realmente gostava de Marguerith. Sentia um carinho imensurável pela moça. Ela era orgulhosa e altiva, inteligente e educada. Cresceu admirando mulheres fortes, como a mãe e a tia. Desejava alguém assim ao seu lado.

Entretanto, paradoxalmente, Marge emanava inexperiência, mas também deixava transparecer um desejo de aprender com o mundo e com a vida. Pericles queria ensiná-la. Ele sentia curiosidade em descobrir como aquele botão de flor seria quando finalmente desabrochasse.

- Marguerith? - ele a chamou, fazendo com que ela levantasse os olhos - Quer tomar um pouco de ar? Ainda temos tempo antes do banquete e acredito que os convidados compreenderão que gostaríamos de um momento de sossego antes da oficialização do compromisso.

Ela apenas assentiu, seguindo-o até a saída próxima, que dava acesso aos jardins. Durante algum tempo, os dois caminharam em silêncio, deixando para trás o barulho animado dos convivas. Não fazia tanto tempo que havia uma festa de tamanho porte nos círculos bruxos, talvez desde o casamento de Betelgeuse e Stephanio Ivory portanto, a saída dos noivos, apesar de serem eles o motivo da comemoração, passou quase despercebida.

Notando que estavam completamente sozinhos, Thorne tomou a mão da moça entre a sua, continuando a caminhar pelo jardim, tendo agora apenas a pálida luz da lua como companhia.

Marguerith permanecia em silêncio. A jovem Black não poderia dizer que estava feliz. Ela não conseguia se lembrar exatamente da última vez que estivera realmente feliz, mas estava satisfeita. Sentia que poderia ter uma vida agradável ao lado de Pericles. Poderia se tornar uma boa esposa e uma boa mãe para os filhos dele.

Ele era um homem gentil e a respeitava. Marge podia perceber o cuidado que ele tinha para com ela.

Dois meses atrás ela quase hesitara ante a proposta do tio, mas agora, ela sabia que era a coisa certa a se fazer.

Ela precisava esquecer Alphard. Precisava aceitar que nunca haveria uma vida ao lado dele, por mais que o amasse. O futuro dela era ao lado de Pericles, ela sabia que tinha que aceitar isso.

-Marge. - ele a chamou novamente, de forma mais íntima agora que estavam sozinhos.

A moça fitou o noivo, sentindo a face esquentar mais um pouco.

- O que foi, Pericles? - ela disse, com a voz baixa.

O homem não respondeu, apenas se aproximou um pouco mais, postando a mão livre na cintura de Marge. Agora que o compromisso estava praticamente oficializado, ele acreditava poder se permitir ao um pouco mais de intimidade com a moça. Eram noivos, afinal. Ele só se mantivera exageradamente respeitoso por compreender a posição social dela.

Assim, Pericles inclinou-se, selando os lábios da morena em um beijo. Ele notou a moça tremer em seus braços, mas não se sentiu surpreso, esperava uma reação daquele tipo. Ao que lhe constava, ela nunca tivera um relacionamento amoroso antes de seu compromisso com ele.

Marguerith, por sua vez, fechou os olhos, tentando corresponder igualmente ao beijo do noivo, mas, era difícil, pois a lembrança daquilo que compartilhara com Alphard a assaltava.

E ela queria esquecer... ela precisava esquecer...


Aribeth Thorne notou quando o casal voltou dos jardins. Pelo sorriso que Pericles ostentava e o rubor marcante nas bochechas de Marguerith, a druidesa supôs que ambos tiveram uma interação agradável enquanto estiveram a sós.

A jovem percebeu que estavam sendo observados e voltou sua atenção para a tia de Pericles, deixando que um discreto sorriso se formasse no canto dos lábios. Ela respeitava e admirava Aribeth, mesmo antes de se tornar namorada do sobrinho desta. A lembrança da druidesa ao lado do dragão branco que Dumbledore lhe mostrara anos antes deixara uma forte impressão que se consolidou quando o ruivo levou Marguerith tempos atrás para ser formalmente apresentada para a família antes da festa de noivado.

- Sra. Thorne – a noiva voltou-se para a mulher que se aproximou do casal – Fico satisfeita em revê-la.

- Eu lhe digo o mesmo, Marguerith. – Estou feliz em recebê-la na família, filha. – Aribeth falou com suavidade - Sei que Phineas e Rosette também estariam felizes por vocês, se estivessem aqui.

Marge assentiu, com uma expressão saudosa ao se lembrar dos falecidos pais. A forma carinhosa como a druidesa falou dos dois fez com que as defesas da morena se baixassem diante daquele assunto que sempre lhe era doloroso. Pela primeira vez em anos se sentiu em paz sobre os dois.

Pericles sentia-se contente com a aprovação da tia diante daquele enlace. Não era como se Aribeth controlasse sua vida por ser a matriarca e líder da família, porém, sua opinião lhe era muito importante.

Com os cantos dos olhos, Aribeth percebeu a figura de Hesper Black aparecer à entrada do grande salão, impecável e imperturbável, como de hábito.

A druidesa fixou os olhos ambarinos sobre o rosto de Hesper, que deixou que um pequeno sorriso surgisse em seus lábios.

-Meus queridos, peço licença para me ausentar, mas faz muito tempo que não encontro com Hesper. Creio que preciso reparar esse erro.

As duas mulheres se encaminharam uma em direção à outra até o meio do salão. Quem observava a cena não podia deixar de se surpreender em quão imponentes ambas eram, cada uma a seu modo.

-Boa noite, Aribeth. - a mulher de olhos violeta cumprimentou a druidesa, com suavidade.

-Boa noite, Hesper - a ruiva respondeu com igual polidez.

Dizer que fazia tempos que não se viam era um eufemismo. Desde o enterro de Phineas Black, elas não se encontravam. Aribeth estava fora do país quando Rosette partiu. E, embora nenhuma das duas mulheres pensassem mal uma da outra, ambas sabiam que Aribeth não possuía muito apreço por Sirius, justamente pela amizade que tivera com Phin em vida. Hesper, inclusive, se surpreendeu pela forma polida e cordata como o marido e a druidesa estavam se tratando agora que se tornariam uma única família.

-Eu nunca imaginei que um dia estaríamos comemorando o noivado da filha de Phin e Rose com meu sobrinho. - a ruiva reiniciou a conversa - Especialmente considerando a diferença de idade entre eles.

A matriarca dos Black voltou sua atenção para o casal, que agora estava de braços dados cumprimentando Cassius e Violet Thorne, pais do noivo, assim como Caractacus Burke, pai de Violet.

-A diferença entre Phin e Rose também era grande, e os dois foram muito felizes. - Hesper comentou, ao que Aribeth assentiu.

-E espero que nossos sobrinhos sejam. - a druidesa concordou, também voltando o olhar para o casal.

Durante um bom tempo ela preocupou-se com o destino de Pericles. Violet tivera muitas complicações no parto, o que inviabilizou novas gestações. Para compensar a ausência de outras crianças, tanto ela quanto Cassius mimaram o filho em demasia. Ele se tornou um jovem elitista e pouco preocupado com o futuro, e, posteriormente, em um homem que parecia não querer assumir as responsabilidades da vida adulta. Por isso, foi com um misto de alegria e alívio que Aribeth recebeu a notícia do enlace do sobrinho com a filha dos falecidos amigos. Não deixaria que sua antipatia por Sirius atrapalhasse a felicidade do casal.

- Uma pena o que aconteceu com o jornal de Phineas - Hesper falou, cortando a linha de raciocínio de Aribeth.

-Foi melhor terem vendido para o pessoal do Profeta. Depois do que ocorreu com o irmão de Goodfellow na Polônia, sair da Inglaterra foi o melhor para ele e Willie. Além disso, creio que Goodriac ainda se sentia culpado pelo que aconteceu com Phin. - a druidesa respondeu sem esconder a lástima na voz.

-Onde eles estão? - a matriarca dos Black questionou.

-Se não me engano, na Índia.

Um garçom aproximou-se das duas mulheres oferecendo taças de champanhe que as duas pegaram prontamente.

-Mas vamos deixar nossos fantasmas e a amigos ausentes de lado e brindar ao nosso futuro. - Aribeth gracejou.

-Então, aos Black-Thorne - Hesper falou enquanto as taças tilintavam.