- O que está acontecendo?

Sentado na cozinha, Remus encarava o grande cachorro preto como se procurando uma resposta. Talvez ele realmente esperasse que o cachorro abrisse a boca e começasse a falar. Talvez ele só estivesse ficando louco.

Do outro lado da cozinha, o cão se limitou a encarar Remus, dando voltas no grande tapete que foi sua cama na noite passada. Ainda mancava levemente, mas parecia ter melhorado desde a noite anterior. Se Remus não estivesse ficando doido, ele poderia jurar que o cachorro estava se divertindo com a situação toda.

- Você voltou e eu ainda não sei como você saiu. – Remus olhou fixamente para o cachorro, que se limitou a abanar o rabo em resposta. – Quer dizer, a porta estava trancada e você não estava lá. Por deus, você nem tem polegares para girar a maçaneta!

Depois de dez minutos, Remus começou a cogitar a possibilidade de que o cachorro não fosse responder. Talvez tudo isso não passasse de uma grande coincidência, talvez o cachorro tenha encontrado uma outra saída da casa e, quem sabe, talvez a chave debaixo da porta... Com certeza havia uma explicação perfeitamente razoável para tudo isso. Tinha que haver.

- Eu não achei que você fosse voltar...– Remus andou até a geladeira, abrindo a porta e tirando um novo pacote de salsichas suculentas bem do fundo. – Acho que você não escolheu o melhor dia também, eu vou receber visitas hoje.

O cão olhou para cima, os olhos completamente fixos nas salsichas. Remus suspirou e lançou o petisco para o canino. Como explicaria para James e Lilly a presença do cachorro? "Então, eu encontrei ele ontem no meio da rua...". Remus quase podia ver a cara de desaprovação que Lilly faria ao ouvir essas palavras e as risadas vindas de James. Que tal "Ele me seguiu até em casa". Não, essa daria piadas ainda melhores.

Lá fora, a neve voltava a cair com toda a força, deixando Remus sem a menor coragem de mandar o cão embora. Talvez conseguisse manter o cachorro na cozinha durante o jantar e ninguém perceberia nada. Não parecia um bom plano, mas era o único que tinha.

- Ok, se você vai ficar por aqui, acho que precisa de um nome, não dá pra ficar te chamando de cachorro. – Remus agachou-se frente ao canino, olhando fixamente para os olhos cinzas. – Que tal Thor?

Não era precisa ser um gênio para notar a profunda expressão de desagrado quase instantânea, com direito a dentes a mostra e sobrancelhas arqueadas, se é que cachorros têm sobrancelhas.

- Acho que não. – Remus não pode conter uma risada, aquela era uma expressão muito engraçada. – Bob? Spike? Que tal Scott? Não? Poxa você é difícil... Hum... Já sei!

A expressão canina de desprezo foi prontamente substituída por uma de curiosidade. Estendendo a mão, Remus segurou a pata machucada do cão, com todo cuidado para não doer.

- Já que nos conhecemos por causa dessa pata, que tal se te chamarmos de... Padfoot? – Segundos depois, entre latidos felizes e abanadas de rabo, Remus sabia que esse seria o nome. – Então tá! Padfoot, eu me chamo Remus.

Remus acariciou pela primeira vez as orelhas macias do cachorro, satisfeito com a reação amigável do cão. Para um cachorro de rua, Padfoot era bem sociável. Talvez essa não fosse uma idéia tão ruim assim, Padfoot parecia bem independente e, com certeza, não dava muito trabalho. Depois de tantos anos vagando sozinho por aquele casarão, ter companhia era uma ideia agradável.

- Ok, Paddy, nós precisamos preparar o jantar. E você precisa de um banho, ou vai cheirar mais que a comida.

Apesar da relutância do canino, Remus era incrivelmente ágil e bem mais forte do que aparentava e, em cinco minutos, havia um cachorro molhado e mal-humorado na banheira.

- É para o seu próprio bem. – Quanto mais Remus esfregava o pelo grosso do cão, mais marrom a água ficava. – Pelo menos o shampoo é cheiroso, não é? Não? Eu acho.

Com o orgulho ferido e o pelo molhado, Padfoot se recusava a se mover, enquanto Remus esfregava a toalha para cima e para baixo. Depois de mais ou menos meia hora, Padfoot estava limpo, escovado e seco. E Remus bastante atrasado.

- Eu preciso preparar o jantar, você vai ficar encarando essa parede? – O cachorro se limitou a lançar um olhar frio e voltar a encarar a parede. – Você é birrento como uma criança... Eu vou descer, tome o tempo que precisar.

Remus desceu as escadas na maior velocidade que seus pés permitiam. Tinha deixado o peru preparado desde a noite anterior, só precisava colocar para assar. O arroz com lentilhas era receita de família e Remus era capaz de prepara-lo com os olhos fechados. Só faltava a farofa.

Assim que o cheiro da comida tomou conta da casa um focinho tímido apareceu na porta. O pelo que antes estava embaraçado e sujo agora era macio como algodão e cheirando a baunilha.

- Paddy!

Remus sorriu para o cão, tirando o grande peru do forno e terminando de colocar a farofa em uma vasilha apropriada. Tudo parecia tão bonito e cheiroso que Remus podia ver o canino salivar.

- Eu não sei muito bem o que cachorros podem ou não comer e nós não temos ração, então... Você quer um pouco? – Ao ouvir a pergunta, Padfoot correu para dentro da cozinha, o grande rabo felpudo abanando atrás dele. – Aqui.

Remus observou enquanto o cão comia toda a farofa, deixando o prato limpo numa velocidade impressionante. Com a boca cheia de farinha, Padfoot olhou para cima, querendo mais.

- Olha, acho que ganhei um novo apreciador da minha comida. – Remus riu, enquanto servia um novo prato, dessa vez de arroz com lentilhas. – Não coma muito rápido ou vai engasgar.

Dessa vez o canino foi com toda a vontade, abocanhando uma grande porção de arroz e cuspindo logo em seguida. Parou, rosnando para o prato.

- Ahn? – Remus olhou para o motivo do rosnado, só para encontrar um grande pedaço de cebola meio mordido em cima do arroz. – Você não gosta de cebola?

O cão se virou, com a língua de fora e cara de desgosto. Era toda a resposta que Remus precisava. Serviu mais um pouco de farofa, totalmente sem cebola, bem a tempo de ouvir o som da campainha.

- Chegaram! Fique aqui e tente não fazer baralho, ok?

Remus saiu apressado em direção à porta, tomando o cuidado de fechar bem a cozinha. Se tudo desse certo, com certeza ninguém ia perceber o grande cachorro preto escondido na cozinha. Girando a maçaneta, deu de cara com um James sorridente e uma Lilly cansada.

- Remmy!

Em menos de um segundo, Remus estava suspenso do chão em um dos famosos abraços de urso de James Potter.

- Não consigo respi-ra-rr... – Gemeu Remus, no que pareceu uma eternidade até que o moreno o colocasse de volta no chão. – Obrigado. Como tem passado, Lilly?

James e Lillian Potter eram, sem dúvidas, os melhores amigos que Remus poderia ter. Desde o maternal, ele e James eram inseparáveis e faziam todo tipo de coisas juntos. Quando Lillian apareceu, foi amor à primeira vista e, depois de 537 tentativas frustradas de se aproximar (dado retirado dos arquivos pessoais de James Potter), James finalmente conseguiu o tão sonhado encontro. Menos de dois anos depois estavam casados e, agora, esperavam o seu primogênito. Era inevitável se sentir um pouco velho quando pensava em tudo isso.

- Bem, apesar do cansaço. – Depois de sete meses, a barriga começava a pesar visivelmente. – Me sinto um balão.

Remus acompanhou ambos até a sala, fazendo questão de entrar pela porta principal e não da cozinha como seria costume. Somente quando estavam todos sentados e relaxados, ele se deu ao luxo de descansar. Até que ouviu o barulho.

Era como se toda uma coleção de coisas metálicas tivesse explodido de uma vez. Ou se todos os sinos de uma igreja tivessem caído em um penhasco ao mesmo tempo. Ou se um cachorro tivesse derrubado todas as suas panelas ao mesmo tempo.

- Eu, eu... Já volto!

Tentando parecer o mais natural possível, Remus andou até a cozinha, só para encontrar a cena que temia. Pelo chão estavam espalhadas todas as suas panelas e, no canto, um Padfoot muito arrependido olhava de orelhas abaixadas.

- Meu deus, Paddy, o que você está fazendo?

Remus precisava consertar urgentemente as portas desses armários. Depois de anos de uso continuo, elas se abriam por qualquer esbarrão, principalmente se você fosse um cachorro imenso.

- Por favor, silêncio. – Disse, recolhendo a última tampa de panela e voltando para a sala de jantar.

Apesar da confusão, não demorou muito para que a fome falasse mais alto e a conversa fosse sendo abafada pelo cheiro delicioso de peru que vinha da cozinha. Remus fez questão de carregar todas as panelas para a sala, evitando que os amigos tivessem que ir até a cozinha.

A farofa e o arroz foram colocados em belas vasilhas de prata e o peru estava com uma cara ótima, não fosse por um pequeno detalhe. Faltava uma coxa que Remus tinha certeza que estava ali quando ele retirou a ave do forno.

- Você? – Remus olhou acusadoramente para o cachorro, que apenas abanou o rabo. – Como? Estava em cima da mesa, é alto! Como você? Ah, deixa pra lá...

Um mistério a mais, um mistério a menos, que diferença faria? Tinha que arrumar uma desculpa para servir o peru de uma coxa só.

- E-Eu... Tive que provar o tempero. – Improvisou Remus, ao notar o olhar inquisitivo dos amigos. – E, eu estava com fome, e tomando remédio e essa coxa quebrou quando eu fui tirar do forno...

Para falar a verdade, Remus era bom em uma infinidade de coisas, mas definitivamente mentir não era uma delas. Desde pequeno, Remus sempre odiou inventar mentiras, e odiava ainda mais ter que conta-las. Principalmente para James.

- Você está vermelho...

- É que... e-eu preciso ir ao banheiro!

Sem pensar duas vezes, Remus se virou e correu para o banheiro de hospedes, que ficava perto da sala de jantar. Olhou-se no espelho, pensando em todas as mentiras que já tentara contar e em como todas elas sempre falhavam miseravelmente. Pelo menos estava acabando, logo eles jantariam e iriam embora.

Precisou lavar o rosto três vezes antes de recobrar a coragem para voltar à sala de jantar. Era simples, só mudar o foco da conversa e logo acabaria. Não tinha como errar.

- Prontinho! – Remus reuniu o melhor sorriso que tinha, voltando para a sala de jantar e encontrando uma cadeira vazia. – James?

- Ele foi buscar copos, você esqueceu.

O mundo girou por um instante enquanto Remus juntava as peças do quebra-cabeça. James tinha ido buscar copos, e copos ficavam na cozinha. E o que mais tinha na cozinha?

Correndo, Remus abriu a porta da cozinha, dando de cara com a cena mais inusitada do mundo. No chão, embaralhado entre pelos pretos, estava James.

- Remmy! – James levantou o rosto, esfregando as costas do grande cachorro, que batia a pata em meio a cócegas. – Olha o que eu achei.

Talvez fosse o mundo que tivesse parado, ou talvez tivesse sido só o coração de Remus, mas uma coisa era certa: precisava inventar uma desculpa rápido.

- E-Ele... É de um vizinho. – Respirou, formando a história toda na sua cabeça. – O dono viajou e deixou ele aqui. O nome dele é Padfoot.

Segundos de tensão se seguiram enquanto Remus pensava se James havia engolido ou não a história.

- Padfoot é um bom nome. – Adicionou James, para alivio de Remus.

James normalmente gostava de cães, mas a forma como ele havia feito amizade com Padfoot era impressionante. Rolando no chão da cozinha, era como se os dois fossem melhores amigos a anos.

O resto do jantar correu sem problemas, com Padfoot andando livremente pela sala (já que James sabia, não havia mais sentido em escondê-lo), e James jogando ocasionalmente pedaços de peru para o cão, ignorando o desespero de Lillian que insistia que cães não deviam comer peru.

Já era madrugada quando os dois decidiram ir para casa, deixando Remus e Padfoot no velho casarão. Na porta, enquanto Lillian esperava no carro e James devolvia o guarda-chuva que pegara emprestado com Remus, os dois se despediram.

- Belo cão. – Disse James, apontando para o cachorro que esperava obedientemente atrás de Remus. – É bom ter alguém pra te fazer companhia.

- Ele é do meu vizinho. – Corrigiu Remus, corando.

- Remmy, remmy, me diga, quando você foi capaz de mentir pra mim?

Com uma piscadela e nada a adicionar, James deu as costas e entrou no carro, deixando um Remus surpreso e congelado na porta.


N/A: Está aí, o segundo capítulo da fic.

Remus agora tem um novo bichinho, mas não se enganem, ele ainda é selvagem! Será que Remus vai sobreviver até o final ou vai sofrer um ataque cardíaco antes?

Não percam, no próximo capítulo: a segunda aparição do moreno misterioso, o que será que vai acontecer? *musiquinha de mistério*

Para fechar, um obrigada especial a Anne Marie Le Clair e a Asuen que deixaram reviews capítulo passado! Sem vocês acho que esse segundo capítulo não existiria. Anne, seu review me fez continuar mais rápido, esse segundo capítulo é seu. =)