Foi com menos surpresa que Remus acordou no dia seguinte e descobriu que, novamente, Padfoot não estava lá. Dessa vez tinha se certificado de trancar todas as portas e guardar bem as chaves em uma gaveta, mas o cão tinha encontrado as chaves, aberto a porta, trancado ao sair e jogado as chaves de volta. Ou Remus tinha encontrado o cachorro mais inteligente do mundo ou algo muito estranho estava acontecendo.

Enquanto comia suas torradas, Remus se perguntava aonde o cão ia todas as manhãs. Devia ser algo muito importante, já que, aparentemente, nem mesmo fechaduras conseguiam detê-lo. Lavou o prato e, como sempre, pegou o velho avental branco que usava quando atendia na livraria para começar um novo dia de trabalho.

Era o que parecia ser mais uma manhã monótona na vida de Remus, sem clientes, sem interrupções e com bastante tempo para pensar no que estava acontecendo, mas a verdade é que, não importasse o quanto Remus pensasse, nada parecia fazer sentido. De uma hora para a outra, o livreiro mais desinteressante do mundo passou a ser a personagem de uma história de fantasia.

Talvez ele estivesse em coma, talvez a prateleira meio bamba da estante três tenha caído em cima dele e ele esteja inconsciente em algum hospital. Porque não? Isso não acontecia o tempo inteiro nas histórias de ficção? Se beliscou, só para ter certeza, mas continuava doendo tanto quanto doeria normalmente. Se era um sonho era um sonho muito real.

A manhã inteira passou enquanto Remus tentava descobrir formas de garantir que estava no mundo real. Quando estava considerando fortemente pular do segundo andar para ver se a sensação de queda ia acordá-lo, ouviu o sino da porta que anunciava um cliente.

Mas não era um cliente. Parado junto a porta, estava um homem loiro, magro e não muito mais velho que Remus. Tinha os cabelos metodicamente penteados para trás e trazia na mão um guarda-chuva finamente entalhado. Tinha a expressão de quem queria sair daquele lugar o mais rápido possível e, nesse momento, a expressão de Remus não estava muito melhor.

- Lucius... – Disse, com toda a educação que conseguiu reunir.

- Olá, Remus. – O loiro olhou em volta, usando o cabo do guarda-chuva para encostar em uma estante empoeirada. – Soube que os negócios não vão muito bem.

- Não sei aonde você ouviu isso. – Remus começava a ficar vermelho, metade raiva, metade vergonha. – Estamos ótimos.

- Sei, e é por isso que esse lugar está abarrotado de clientes, não é? – Lucius abriu os braços, mostrando a loja que, tirando ele e Remus, estava completamente vazia. – Quantos desses seus livros velhos você vendeu nos últimos tempos, Remus? Cinco? Dois? Vamos, não minta para mim...

Remus teve que segurar a vontade de ligar para a polícia. Por um segundo desejou que Padfoot estivesse aqui para assustar o homem porta afora. A verdade é que, antes mesmo de seus pais morrerem, a livraria já não ia muito bem. Desde que a rede de livrarias dos Malfoys começou a crescer, as pessoas não tinham mais tempo para os pequenos livreiros. Porque alguém iria a um lugar como aquele e arriscaria perder a viagem se na livraria grande com certeza encontraria o que precisa?

- O que você quer, Malfoy? – Apesar da pergunta, Remus sabia muito bem o que o loiro queria.

- Ora, Remus, você sabe o que eu quero. Quero que você tenha um pouco do bom senso que faltou ao seu pai. Quero que assine logo esse contrato e saia com um pouco de dinheiro dessa história. – Lucius suspirou, apoiou o guarda-chuva no chão e se virou para Remus. – Olha,Remus, nos conhecemos desde pequenos, e você sabe que eu não te quero mal. Podemos não ser grandes amigos, mas não temos motivos para nos odiarmos. Se você vender a sua loja agora, podemos acertar um bom preço, dinheiro que vai te manter bem até você encontrar outra coisa para fazer.

Remus, James e Lucius tinham estudado juntos durante toda a infância, mas nem por isso se davam muito bem. James sempre foi do tipo popular, Remus do tipo quieto e Lucius o típico filhinho de papai que resolve qualquer problema com um telefonema. Com o dinheiro que a família tem, ele podia colocar a escola abaixo e construir outra por cima se fosse necessário. Exatamente por conta disso, professores, diretores e absolutamente todo mundo que trabalhava na escola tentava tratar Lucius da melhor forma possível.

Apesar disso, era verdade que Remus e Lucius nunca tinham tido problemas sérios. James era do tipo esquentadinho e, algumas vezes, tinha entrado em discussões com o loiro, mas nada que uma ida a diretoria e uma punição unilateral não resolvessem. Depois de uma semana lavando os banheiros e reclamando, as coisas voltavam ao normal.

Remus não, era difícil que ele sequer falasse com alguém fora James. Normalmente ele ficava sentado em algum canto lendo até que o dia acabasse e ele pudesse ir para casa. Foi só quando o pai de Lucius, Abraxas, apareceu na livraria de Remus que os problemas entre eles começaram.

Abraxas Malfoy tinha uma missão na vida, acabar com a concorrência. Nos últimos anos, ele tinha se dedicado a comprar todas as livrarias menores da cidade. E ele estava conseguindo isso até chegar ao estabelecimento do senhor Gregorius Lupin, pai do Remus.

Nos seus últimos anos de vida, Gregorius recusou uma infinidade de propostas da família Malfoy, algumas delas bem generosas. Abraxas não estava acostumado a receber um não, e, depois das primeiras recusas, isso se tornou uma espécie de obsessão. Mas a livraria significava mais para a família Lupin do que um simples negócio. Desde que nascera,Remus tinha sido criado entre aquelas prateleiras, morando na casa atrás da loja e lendo todos aqueles livros. Era como se os Malfoys estivessem pondo um preço em tudo que Remus conhecia e amava. E não dá pra por preço em algo assim.

- A resposta é não, Lucius. – Respondeu finalmente, tentando ser o mais firme que conseguia.

- Remus, seja razoável... – Lucius começava a ficar visivelmente irritado, deixando de lado a elegância natural. – Se você continuar sem essa loucura, vai acabar falindo sem um centavo e nós vamos ter o que queremos do mesmo jeito.

- Que seja. – A essa altura, a paciência de Remus já tinha acabado a muito tempo. – Por favor, saia da minha livraria.

Lucius abriu a boca, mas decidiu que seria inútil falar qualquer coisa. Remus estava absolutamente decidido, e nada que o Malfoy falasse ia mudar isso. Se a livraria ia afundar, Remus afundaria com ela.

Somente depois que o loiro saiu porta afora foi que Remus se permitiu desmoronar no balcão. Apesar da firmeza, ele não se sentia muito bem por dentro. Não queria que o negócio da família acabasse logo em suas mãos.

A livraria estava na família de Remus desde que ele podia se lembrar. Seu avô, seu bisavô e, Remus tinha quase certeza, seu tataravô já administravam o negócio, exatamente no mesmo lugar, do mesmo jeitinho. Remus tinha sido ensinado desde pequeno a identificar edições raras, conservar capas de diferentes materiais e organizar as sessões por ordem alfabética e de gênero. Como não tinha irmãos, Remus também não tinha escolha. Mas não se importava, amava livros mais do que qualquer outra coisa.

Quando ouviu o sino da porta tocou novamente, Remus tinha certeza que não aguentaria mais nenhuma frase que viesse da boca de Lucius Malfoy. Precisava acabar com isso logo, ou ia explodir.

- Eu já disse para você ir embora!

- Ahn... Sinto muito. – Respondeu uma voz que, com certeza, não era a do loiro.

Remus levantou os olhos da mesa, só para dar de cara com os olhos cinzas que conhecera no dia anterior. Ou no dia antes desse, Remus não tinha certeza.

- Sirius! Me desculpa, não era para você...

Para a surpresa de Remus, o moreno simplesmente sorriu, rindo da situação. Trazia em uma mão uma caixa misteriosa e, na outra, um guarda-chuva cheio de pontos de neve.

- Achei que você pudesse estar com fome. – Disse Sirius, deixando o guarda-chuva encostado perto à entrada para não sujar a livraria inteira. – Acertei?

Remus tinha estado tão ocupado xingandoLucius mentalmente que tinha até se esquecido da fome. Não comia nada desde o café da manhã e, agora, só faltavam algumas horas para fechar a livraria e ir jantar. Nesse momento, Remus mataria por algo gostoso.

- Um pouco. – Respondeu, mostrando mais interesse pela caixa misteriosa do que seria normal para alguém com "um pouco" de fome.

Entendendo o recado, Sirius colocou a caixa no balcão, revelando uma porção de cookies com gotas de chocolate. Deliciosos cookies com gotas de chocolate.

- UUUUUoooh! São os meus favoritos! Como você sabia? – Perguntou Remus, enchendo a boca com um dos cookies e esquecendo totalmente as boas maneiras.

Cookies de chocolate eram realmente os biscoitos favoritos de Remus. Ele fazia questão de manter, no topo da geladeira um grande pote transparente cheio de cookies que atacava constantemente nas idas a cozinha.

- Palpite de sorte. – Respondeu o moreno sorrindo, enquanto se servia de um dos biscoitos. – Então, como está o seu dia? Movimentando?

Remus não queria falar sobre Lucius, só esquece-lo, e agora que Sirius estava aqui para conversar, Remus tinha uma chance de tirar o loiro da cabeça.

- Um tédio. Como está o seu livro?

Sirius abriu o casaco, retirando o pesado livro de dentro e Remus se perguntou como o calhamaço tinha entrado naquele bolso interno.

- Muito interessante! – Respondeu, por fim, dando uma piscadela para Remus. – Achei que podíamos conversar sobre ele jantando em um restaurante que eu conheço aqui perto. Se os meus cookies não tiverem estragado seu apetite, claro.

Antes mesmo de compreender as palavras, Remus já podia sentir suas orelhas queimando. Ele não conseguia se lembrar da última vez que tinha sido convidado para jantar, na verdade, nem mesmo conseguia lembrar a última vez que tinha jantado com alguém diferente de James e Lilly.

- A menos que você tenha algo para fazer, é claro. – Adicionou o moreno rapidamente. – Sério, não tem problema, não vou ficar chateado nem nada.

- N-n-não, j-jantar p-parece ótimo! – Disse Remus, gaguejando bem mais do que gostaria.

Sirius ajudou Remus a terminar de arrumar os livros nas prateleiras e, rapidinho, estava tudo pronto para fechar. Com mais alguém o trabalho andava bem rápido.

- Acho que podemos fechar uma meia hora mais cedo. – falou Remus, consultando o relógio da parede. – Não é como se alguém fosse aparecer mesmo.

Depois de confirmar que não haveria mais nada a ser feito, fecharam as portas e foram em direção ao restaurante que Sirius tinha falado. O moreno era uma ótima companhia para se ter, divertido e atencioso. A única pessoa com quem Remus conseguia conversar com essa facilidade era James e ele nem mesmo conseguia se lembrar como os dois tinham virado amigos. Provavelmente James tinha insistido infinitas vezes antes de conseguir arrancar mais de duas palavras de Remus.

O restaurante era nada mais que uma cantina italiana a algumas quadras dali. Era impressionante como, morando tão perto, Remus nunca tinha prestado atenção no lugar. Apesar de pequeno, era muito acolhedor, com toalhas xadrez e velas em cada mesa. Escolheram uma mesa perto da janela, aonde podiam conversar sem muito barulho.

- Eu vou querer um penne a bolonhesa – Disse Sirius ao garçom, depois de examinar cuidadosamente o cardápio.

- O meu pode ser um spaghetti a carbonara.

Enquanto esperavam a comida chegar, os dois conversaram sobre tudo, menos o livro que havia sido o pretexto para o jantar. Durante a noite, Remus descobriu coisas que nunca imaginara sobre o moreno e Sirius ficou sabendo um pouco sobre o pacato livreiro da rua dois.

Naquela noite, Remus descobriu que Sirius era o filho mais velho de uma tradicional família Britânica, os Black. Descobriu também que ele tinha um irmão mais novo, Regulus, e que os dois não se davam muito bem. Na verdade, Sirius não se entendia com ninguém na família, exceto um tio distante, e, por isso, tinha saído de casa com somente 16 anos.

- Mas você não fala mais com nenhum deles? – Perguntou Remus, com a boca cheia do mais delicioso macarrão que comera nos últimos tempos.

- Regulus me escreve às vezes. – Respondeu Sirius, separando alguns pedaços de cebola esparsos que tinham vindo no molho.

- Você não gosta de cebolas?

- Odeio! – Respondeu o moreno, rindo. – Elas me lembram do creme de cebolas que a minha mãe costumava fazer. Ela não é lá uma boa cozinheira.

Remus conhecia mais alguém que não gostava de cebolas. Essa era mais uma adição à lista de semelhanças entre Sirius e Padfoot. E essa lista tinha crescido muito nos últimos dois dias.

- Deve ser legal ter irmãos... – Remus sempre quis ter alguém com quem compartilhar as coisas, mas seus pais não gostavam muito da idéia.

- As vezes é... Nós éramos muito ligados quando pequenos. – Sirius olhou pela janela, meio nostálgico e, por um segundo, Remus se perguntou se não teria sido melhor evitar esse assunto. – Mas depois crescemos diferentes. Digamos que o Regulus é o filho perfeito que meus pais queriam. Já eu...

- Não vejo como ele pode ser melhor que você! – Disse, sem pensar. Assim que notou o que tinha dito, Remus corou intensamente. – Quer dizer, o que ele tem de tão especial?

Sirius sorriu ao notar o livreiro vermelho a sua frente, mas não respondeu a pergunta. Alguns assuntos são difíceis de se conversar, e Remus sabia a hora de deixar uma ferida quieta.

O resto da noite correu numa velocidade impressionante. Sirius e Remus conversaram sobre tudo, a família de Remus, James, Lilly e até coisas aleatórias como a escola. Sirius parecia bastante interessado sobre tudo que tinha a ver com Remus, até mesmo as coisas mais comuns. Ficaram conversando até serem colocados para fora do restaurante e, logo logo, estavam de volta a livraria. Tinha sido uma noite muito divertida e Remus mau podia esperar a hora de contar tudo para Padfoot. Se ao menos ele estivesse ali.

- Que horas são, Sirius?

- Umas duas horas, mais ou menos, porque?

No meio da magia do jantar, Remus tinha esquecido que, apesar de abrir portas, Padfoot não tinha como entrar na casa se Remus não estivesse lá para deixa-lo entrar. A ideia do cão esperando na porta durante toda a noite fria encheu Remus de remorso.

- Tudo bem? – Perguntou um Sirius preocupado, enquanto Remus examinava a rua para ter certeza de que o cachorro não estava esperando em algum lugar.

- Eu esqueci que ia receber um amigo.

Como pudera ser tão burro? Remus odiava como a presença de Sirius fazia ele esquecer das coisas. Será que Padfoot tinha encontrado um bom lugar para dormir depois de decidir que Remus não ia voltar? Ele realmente esperava que sim.

- Me desculpe. – Remus parou na frente do moreno, preocupado e chateado consigo mesmo. – Era um amigo importante, eu precisava estar aqui...

- Não se preocupe. – O moreno sorriu encantador, como sempre fazia. – Tenho certeza que ele voltou pra casa e está bem. Amanhã você pode ligar e pedir desculpas.

Apesar da ideia ter feito Remus se sentir melhor, ele não conseguia imaginar como ia ligar para Padfoot e pedir desculpas. Na verdade, nesse momento Remus nem sabia se ia vê-lo novamente. E se o cão achou a porta fechada e decidiu que não vale mais a pena visitar Remus?

Despediu-se de Sirius e entrou na casa, só para confirmar que ela estava realmente vazia. Como pensara, o cão só podia abrir portas se tivesse a chave. Depois de duas noites com Padfoot, um jantar com Lilly e James e outro com Sirius, a casa parecia incrivelmente vazia e, naquela noite, Remus foi deitar se perguntando como conseguira conviver tanto tempo com aquela solidão.


N/A: Capítulo novo com personagem novo e tudo!

Sirius e Remus estão começando a se conhecer melhor. Será que Remus vai finalmente deixar as pessoas (e caninos) entrarem na sua vida? Não percam o próximo capítulo!

Muito obrigada pelas reviews lindas no último capítulo! Estou adorando a repercussão que essa fic está tendo e a quantidade de gente acompanhando a história do Remus e se divertindo tanto quanto eu me divirto escrevendo. Vocês são lindo, muito obrigado!

Vou responder as reviews individualmente, porque vocês são uns fofos e merecem cada segundo do meu tempo.

Sora Black: Muito obrigada! Espero que tenha gostado do novo capítulo e que continue acompanhando. =)

Wolfizzie: Obrigada, a idéia dessa fica vem de muito tempo atrás. Ela ficou perdida aqui esses anos todos e só agora eu resolvi escrever.O Remus tende a sofrer um pouquinho nas minhas fics, mas no final dá tudo certo. Espero que goste do novo capítulo. =)

LaahB: É uma fic UA aonde coisas estranhas acontecem... Não tem animagos, mas também não é totalmente normal. *música de suspense*

Guest: Normalmente eu sou a rainha do drama exagerado, mas de vez em quando me arrisco na comédia. Espero que essa dê certo, vamos ver! Espero que tenha gostado do moreno, muito obrigada pelo review. =)

Anne Marie Le Clair: Muito obrigada mesmo, sempre me deixa feliz abrir o e-mail e descobrir que tem um review novo seu! Sério, ler os seus reviews me faz querer continuar escrevendo. Sobre a comida, siiim, eu também adoro comida de natal, e é bem daí que veio a inspiração. Ainda vai ter muita coisa acontecendo com o Remus, o Padfoot/Sirius, James e todos os outros personagens, pode ficar de olho. Espero que tenha gostado desse capítulo e que continue acompanhando! Muito obrigada!

De novo, muito obrigada a todo mundo que está acompanhando esse trabalho.

Nos vemos no próximo capítulo!