Remus tinha esquecido como aquela casa podia ser silenciosa sem ninguém. Os últimos dias tinham sido os mais movimentados da sua vida, com pelos espalhados por todos os lados, coxas de peru roubadas e rabos abanando. Era difícil voltar aos corredores silenciosos e vazios de antigamente. Depois de uma noite inteira acordando para checar a porta na esperança de encontrar Padfoot, Remus se sentia péssimo. Como tinha sido capaz de esquecer algo tão importante? Definitivamente Remus não lidava bem com remorso. Ainda bem que era domingo e livrarias não funcionam aos domingos.
Mesmo não abrindo as portas, Remus fazia questão de começar todos os domingos com uma checagem padrão na livraria. Primeiro, verificar se todos os livros estão no lugar, depois trocar os livros da vitrine e, por último, checar a caixa de correio, normalmente cheia de contas. Dessa vez, no entanto, ele encontrou mais do que isso.
Em cima do balcão Remus separou três pilhas, uma com as habituais contas que ele teria que dar um jeito de pagar, uma com um pacote grosso e conhecido e a última continha um envelope roxo que Remus nunca tinha visto. O pacote grosso Remus já sabia exatamente de onde vinha e, mesmo que não soubesse, o grande brasão na frente não deixava dúvidas sobre a sua origem. Se Remus reciclasse todos os contratos que Lucius Malfoy enfiava na sua caixa de correio talvez conseguisse pagar as contas da primeira pilha.
Deixando de lado as duas pilhas anteriores, Remus pegou o envelope roxo. Não tinha remetente e nem destinatário, seja quem quer que tenha enviado a carta, tinha que ter colocado direto na caixa de correio.
Virou o envelope e abriu o lacre, tirando um pequeno papel de dentro. Parecia somente um recado, com uma caligrafia elegante.
Remus,
Desculpe por ter te alugado até tão tarde ontem, tenho certeza que seu amigo vai entender. Me encontre no mirante do parque as 11:00 e eu me desculpo pessoalmente.
S. B.
Levou um tempo surpreendentemente grande para que Remus percebesse que as iniciais S. B. vinham de Sirius Black. Sirius... Sirius! A percepção do que aquelas palavras significavam fez Remus corar até o último fio de cabelo.
Será que aquilo era um encontro? Será que Sirius Black, o moreno que conhecera a somente alguns dias estava marcando um encontro com ele, Remus J. Lupin? O desinteressante Lupin. O livreiro antissocial e sem amigos Lupin. Com certeza não, Sirius devia só querer se desculpar mesmo.
De toda forma, Remus não via motivo algum para que Sirius tivesse que se desculpar. Ele que tinha esquecido Padfoot do lado de fora, ele que tinha saído correndo sem nem mesmo agradecer pela noite agradável. Se alguém tinha que se desculpar, esse alguém era ele.
Isso mesmo, Remus devia ir, encontrar Sirius e pedir desculpas por todos os problemas que tinha causado, essa era a coisa certa a fazer. De toda forma, Remus não tinha planos para aquele domingo e a ideia de passar à tarde com Sirius fazia seu coração palpitar de um jeito engraçado e diferente, mesmo que ele tentasse com todas as forças ignorar essa sensação.
Quando Remus finalmente avistou o mirante do parque, Sirius já estava lá, esperando pacientemente. Era o primeiro dia de sol em meses e o parque estava lotado. Vestia uma camiseta branca e uma calça jeans simples, mas mesmo assim era impossível não notar o moreno. Seja pelo cabelo grande ou pela beleza natural, Sirius era o tipo de pessoa que chamava a atenção mesmo que não quisesse. Ele podia colocar uma camiseta e uma calça jeans e ainda parecer a pessoa mais elegante do mundo.
- Remus, aqui! – Acenou um Sirius animado com uma maçã do amor na mão.
Por um segundo, Remus pensou em virar as costas e sair correndo. Toda a sua vida, ele tinha se acostumado a ser o cara reservado, que está sempre no canto e que ninguém nota. Sair com um moreno altamente chamativo em um parque lotado era aterrorizante, mas os últimos dias tinham sido tão diferentes que experiências novas não o assustavam mais. Reuniu toda a coragem que tinha e andou até ele.
- Oi, Sirius.
- Achei que você não viria. – Sirius tinha um sorriso contagiante. – Vem, eu quero te levar num lugar.
Sem aviso, o moreno puxou a manga de Remus, guiando-o por caminhos cada vez mais estreito até chegar ao ponto que estava atraindo todas aquelas pessoas: uma feira de diversões.
Quando você mistura um parque de diversões, barracas de jogos e comidas gostosas você tem uma feira de diversões. Remus não se lembrava de visitar uma destas desde que tinha mais ou menos uns 7 anos e tinha passado um fim de semana com a família Potter. Em um momento, toda a maturidade que Remus tinha recolhido nesse tempo foi embora e ele simplesmente não conseguia decidir aonde ir primeiro.
- Sirius, isso é incrível. – Disse, encarando um Sirius particularmente orgulhoso de sua escolha de passeio. – O que faremos primeiro?
- Que tal se eu conseguir um ursinho gigante para me desculpar por ontem?
A barraca de latinhas era uma das primeiras e tinha um grande e chamativo letreiro. De todos os lados, crianças e adultos se espremiam para tentar ganhar um dos maravilhosos prêmios que ficavam pendurados bem à mostra.
- Três bolinhas, por favor. – Disse Sirius, colocando uma nota em cima do balcão.
A ideia era simples, seis latinhas empilhadas, três bolinhas. Derrube as latinhas e ganhe um prêmio. Apesar disso, Sirius parecia ter grandes problemas em acertar uma latinha sequer.
A mira do moreno era um desastre, mas o orgulho permanecia intacto. Depois de mais ou menos vinte jogadas, tudo que ele tinha ganhado era um chaveiro por derrubar a latinha de cima. Antes que Sirius gastasse todo o seu orçamento na primeira barraquinha, Remus achou que deveria intervir.
- Posso tentar? – Falou, pegando a última bolinha da mão de Sirius que parecia irritado.
Uma jogada e seis latinhas no chão, para a surpresa do moreno, que assistia boquiaberto. Depois de uma salva de palmas para atrair mais clientes, Remus foi recompensando com um grande cervo de pelúcia, que teve que abraçar com os dois braços para conseguir tira-lo da tenda.
- Como... Você...
- Eu meio que pratico. – Respondeu, tentando não ferir mais o orgulho do outro. – As vezes quando a livraria está vazia eu fico tentando acertar uma bolinha de ping pong em um copo. Pra passar o tempo, sabe?
O mau humor pelo orgulho ferido não durou muito e logo os dois estavam de volta a feira, correndo de uma barraquinha a outra como se tivessem cinco anos de novo. Depois de Remus ganhar um lobo gigante para fazer companhia ao cervo na barraca de tiro, a fome falou mais alto e os dois decidiram que era hora de almoçar.
Em um canto mais afastado da feira, encontraram uma barraca de cachorro quente com mesas e cadeiras (o que foi um alivio para Remus que carregava os dois bichinhos a muito tempo). Depois de instalados, Remus de frente para Sirius, o lobo e o cervo nas laterais, foi que se lembrou do motivo de estar ali.
- Muito obrigado por me trazer aqui. – Disse, com a boca cheia de cachorro quente. – Eu não me divertia assim desde pequeno.
- Não precisa agradecer. Já tinha um tempo que eu queria vir, mas faltava a companhia.
Remus tentou imaginar como uma pessoa como Sirius podia ficar sem companhia. Com certeza, se ele estalasse os dedos haveria dezenas de garotas querendo ir ao parque com ele. Mesmo enquanto comiam Remus podia perceber todas as pessoas que olhavam para Sirius e cochichavam entre si.
- De toda forma, eu queria me desculpar por te atrapalhar ontem... – Completou Sirius, dando mais uma mordida no cachorro quente.
- Sobre isso, eu queria ped...
- Remmy!
Os dois se viraram ao mesmo tempo, bem a tempo de ver um sorridente James se aproximando. Ao lado dele, Lilly vinha a passos mais lentos com o mesmo sorriso do marido.
- James!
Remus definitivamente não esperava encontrar o amigo aqui. Parando para pensar, ele devia ter considerado essa possibilidade, era um domingo ensolarado, onde mais ele estaria?
- James, Lilly, esse é Sirius, meu... – Remus ainda não tinha tido tempo de pensar em como apresentaria Sirius para os amigos.
- Amigo... – Completou o moreno estendendo a mão. – Nos conhecemos na livraria. Que barrigão, já sabem o que é?
- É um menino. – Respondeu James, cheio de orgulho. – Harry.
Era extremamente agradável estar numa mesa com Sirius, James e Lilly. Era como se os quatro fossem amigos desde sempre, James e Sirius aparentemente gostavam das mesmas coisas e faziam todo tipo de piadas. O que era só um cachorro quente se transformou em um dos almoços mais divertidos que Remus já teve.
- Eu achei que Lilly precisava tomar um ar. – Disse James depois de uma piada particularmente engraçada que quase fez o garçom derrubar o refrigerante. – Achei que seria uma boa ganhar alguns ursinhos para o quarto do Harry e comer algodão doce, mas parece que vocês já esvaziaram a barraca.
- Remus. – Completou Sirius com uma pontinha de inveja. – Ele joga uma bolinha e as latinhas caem, aperta o gatilho e acerta um pino. Parece magia.
- Ah, aposto que não é nada comparado a técnica Potter. – Disse James, terminando o copo de refrigerante. – Vêm, eu te ensino.
Sem aviso, os dois levantaram da mesa e foram em direção as barracas, deixando Remus e Lilly sozinhos e confusos na mesa. Menos de uma hora juntos e os dois já eram amigos, exatamente como tinha sido com Padfoot. Ou James era uma pessoa extremamente amigável ou ele também percebia as semelhanças entre os dois. Remus achava que era um pouco de cada.
- Então... Sirius, heim? – Disse Lilly, quebrando o silêncio com a sua melhor expressão de "eu sei o que está acontecendo".
- É, ele apareceu para comprar um livro outro dia... – Remus era mestre em se fazer de desentendido, pena que dificilmente funcionava. – Ele é legal, acabamos ficando amigos.
- Ele é muito bonito.
- É mesmo? James vai ficar com ciúmes.
- Ah, Remus... – Lilly não pode conter uma risada ao imaginar James com ciúmes. Era sempre épico. – Não tente me enganar, eu consigo ver a forma como você olha para ele.
Lilly sempre fora muito boa em ler os sentimentos dos outros e, com Remus, era mais fácil ainda.
- Você sabe que eu não estou procurando nada assim no momento, Lilly.
- Não significa que você não pode achar... – Lilly abraçou o cervo de pelúcia, sorrindo. – Você não deve notar, mas ele também te olha diferente.
O que Lilly queria dizer com "olhar diferente" era um mistério. Com certeza Sirius só estava sendo simpático com Remus.
- Acho que o Harry está afetando a sua cabeça, Lilly... Provavelmente ele só gosta de livros e acha que ter um livreiro como amigo pode ser útil.
- É? Então me responda, quando foi a última vez que vocês conversaram sobre livros?
Dessa vez Lillian tinha um ponto. Desde o primeiro dia quando Sirius comprou o livro na livraria de Remus eles nunca mais conversaram sobre o assunto. Com certeza Sirius estava tentando não ser chato conversando sobre o trabalho de Remus fora do expediente. Com certeza havia uma explicação, ninguém se interessaria pelo desinteressante Lupin.
Perdido em pensamentos, Remus nem percebeu quando James e Sirius voltaram, de mãos vazias.
- Acho que a técnica Potter não funciona muito bem nesse clima. – Disse James, tirando Remus de seu transe. – Pode mostrar pra gente como você faz, Remmy?
Apesar de tudo, Remus ficou muito agradecido de ganhar um motivo para sair daquela conversa constrangedora. Não valia a pena ficar pensando nessas coisas, Sirius era apenas um amigo. Um bom amigo com quem se divertia muito.
Apertou o gatilho e, novamente, um pininho caiu na estante do outro lado do balcão. Dessa vez, Remus escolheu um grande cachorro preto de pelúcia que lembrava muito Padfoot. Inconformado, James tentou copiar a técnica de Remus mais uma vez, sem sucesso. Remus não sabia como fazia isso, somente fazia. De alguma forma, Sirius parecia se sentir melhor ao saber que não era o único incapaz de derrubar os alvos.
- Vamos na roda gigante? – Perguntou Lilly, mais para tirar a atenção de James dos bichinhos do que por qualquer outra coisa. – Eu vi uma na entrada.
Os quatro seguiram para a roda gigante no começo do parque parando somente para Remus comprar um felpudo algodão doce azul. Era uma daquelas rodas gigantes de dois lugares por vagão, que vão bem alto e param para você pode aproveitar a vista.
Lillian fez questão de ir com James, alegando que, se Harry resolvesse nascer, James poderia fazer o parto, deixando o pobre James com a cara mais aterrorizada que Remus já viu. Mesmo assim, Remus se ajeitou em um vagão roxo ao lado de Sirius.
- Acho que eu consigo ver minha casa daqui – Disse, quando a roda gigante atingiu seu ponto máximo.
O sol começava a se por, tornando a vista ainda mais impressionante. Logo logo eles teriam que voltar para casa e dar adeus ao dia, mas, por enquanto, Remus queria aproveitar tudo ao máximo.
- James e Lillian são legais. – Comentou Sirius, voltando a atenção de Remus para si. – Você tem muita sorte de ter amigos assim.
- Ele é meu melhor amigo. – Disse Remus, com um sorriso cheio de algodão doce. – Quando Lilly apareceu nos afastamos um pouco, mas eu não me importo. Ela faz muito bem para ele.
- Faz bem ter alguém com quem dividir sua vida. – Sirius parecia melancólico, os olhos fixos no horizonte.
Lilly tinha razão quando dizia que Sirius era muito bonito. Mesmo com o olhar triste, Sirius ainda tinha um tipo de brilho refletido no cinza que era muito raro.
- Sobre as desculpas... – Adicionou Remus, mudando de assunto antes que Sirius percebesse a sua cara de idiota encarando-o. – Você não precisa se desculpar, eu que te devo desculpas por sair correndo daquele jeito.
- Ah, não se preocupe com isso, foi uma noite maravilhosa. – Respondeu Sirius, com um sorriso de que está tudo bem. – Eu não vejo o tempo passar quando estou com você, Remus.
Como Sirius podia dizer algo assim completamente do nada? Sentindo as bochechas corarem, Remus tentou formar palavras para responder, mas tudo que conseguiu foi lançar algumas vogais sem sentido no ar.
- Não precisa falar nada. – Disse, por fim, Sirius, vendo a confusão do outro. – Mas eu vou continuar aparecendo na sua livraria de vez em quando, se você não se importasse.
Remus queria falar que ele definitivamente não se importava, que Sirius podia aparecer na vida dele quando quisesse, que ele nem precisava sair dela, mas se contentou com um "tá".
Depois de duas voltas, uma mão abriu a trava do vagão, indicando que o passeio tinha acabado. Do lado de fora, James e Lillian esperavam.
- Vamos indo para casa. – Disse James, passando a mão pelos ombros de Lillian. – Já passou da hora de Lilly descansar.
- Você é tão superprotetor, eu estou bem. – Respondeu Lilly, ligeiramente zangada tirando a mão de James do seu ombro. – Até mais, foi um prazer.
Depois das despedidas, James e Lilly se foram, levando o cervo que Remus tinha ganhado como um presente para o quarto de Harry. Antes que notasse, Remus e Sirius estavam sozinhos novamente no parque que já começava a esvaziar.
- Acho melhor eu ir para casa também. – Remus não queria se atrasar novamente, caso Padfoot resolvesse aparecer.
- Tudo bem. – Sirius entregou os outros dois bichinhos para Remus. – Posso passar na livraria amanhã?
- Claro!
Enquanto Remus caminhava de volta para casa, o mundo parecia completamente novo e cheio de possibilidades. Nem mesmo ele era capaz de dizer porque se sentia tão feliz. Tudo era motivo para sorrir e, se tivesse cruzado com alguém na rua, provavelmente teria beijado essa pessoa.
Deixando o lobo e o cão de pelúcia em cima da cama, Remus voltou correndo para a cozinha, esperando por Padfoot. Depois de meia hora olhando a janela, um par de orelhas pontudas apareceu por detrás de um poste e, com elas, o par de olhos que Remus tanto esperava.
- Padfoot! – Disse Remus, servindo uma porção de salsichas generosa para o canino. – Me desculpa, eu não queria te deixar do lado de fora. É que eu saí com Sirius e ele me faz esquecer do tempo e...
Ao ouvir a última frase, o canino parou de comer e levantou os olhos com atenção. O gesto fez Remus corar instantaneamente, sem nem mesmo saber direito o por que.
- De toda forma, me desculpa. – Abraçou o cão, que abanava o rabo alegremente como sinal de que estava tudo bem. – Não vai acontecer de novo, eu prometo.
Depois de comer, Remus subiu para o quarto com Padfoot logo atrás. Remus não via sentido para deixar o cão preso na cozinha e, na verdade, ele queria ter a companhia do canino o mais perto possível.
- Hoje foi um dia incrível. – Falou para o cão enquanto escovava os dentes. – Eu queria que não tivesse que acabar nunca.
Mas tinha acabado e tudo que restava para Remus era dormir e esperar por uma visita amanhã. Naquela noite, a cama sempre tão vazia de Remus ganhou a adição de dois bichinhos de pelúcia gigantes e um cachorro felpudo, e Remus, que sempre se sentia sozinho, foi dormir muito bem acompanhado.
N/A: Eita que esse capítulo ficou grande.
O Remus está começando a gostar do Sirius, mas ele não quer admitir. 3
Não percam no próximo capítulo: o Remus vai finalmente descobrir a verdade sobre o Sirius e o Padfoot... tã tã tã tã. Como será que ele vai reagir?
Muito obrigado a todos que leram e, principalmente, aqueles que deixaram reviews, vocês são uns lindos.
Ana Beatriz: Tadinho do Remus, ele não está entendendo nada mesmo... No próximo capítulo deve melhorar um pouco (ou não). Muito obrigada pelo review, continue acompanhando. =)
Wolfizzie: Não precisa se desculpar, fico muito feliz por você ter conseguido um tempinho para ler o último capítulo. Acho que daqui pra frente esses dois vão virar uma fofura só. Muito obrigada pelo review, são os leitores assíduos que fazem a história ir para a frente!
Ly Anne Black: Muito obrigada, vou tentar atualizar sempre.
Como sempre, continuem acompanhando e deixando reviews, eles me empolgam e fazem o próximo capítulo sair mais rápido.
Até a próxima!
