Já passava de meia noite quando um barulho na livraria tirou Remus de seu sono. Não era a primeira vez que ele acordava daquela forma e sempre parecia ser pelo mesmo motivo, alguma coisa desmoronando na livraria. Remus tentava manter tudo da melhor forma possível, mas boa parte da loja precisava de uma reforma urgente que a falta de clientes não conseguia bancar. Essa noite ele suspeitava da prateleira bamba da estante três.

Se levantou, colocando os pés descalços no chão frio com um gemido baixo. Só precisava descer, juntar todos os livros e voltar antes mesmo que Padfoot notasse o que estava acontecendo e logo logo poderia estar deitado novamente em sua cama quentinha.

Tomando cuidado de não acender a luz ou acordar Padfoot, Remus saiu do quarto, descendo as escadas na maior velocidade que seu sono permitia. Mesmo que tentasse manter o silencio, os degraus velhos da escada faziam um barulho engraçado enquanto Remus descia. Ainda bem que Padfoot tinha um sono pesado.

Ao entrar, a cena que Remus encontrou não correspondia exatamente a que ele esperava. Sim, o barulho tinha sido causado por algo caindo. Não, não era a prateleira bamba da estante três. Ao invés disso, encontrou dois homens encapuzados derramando galões de gasolina por todo o chão da preciosa loja de Remus.

Antes que ele fosse capaz de formular qualquer palavra, uma mão tapou a sua boca e outra segurou seus braços pelas costas incapacitando-o totalmente.

- Eu falei que você ia acordar alguém com esse barulho. – Disse o homem que segurava Remus. – Termina de espalhar isso aí, a gente apaga ele e damos o fora daqui. Vai parecer que ele morreu no incêndio.

Mesmo que Remus tentasse se soltar de todas as maneiras, era impossível se libertar da chave que o homem aplicava. Tudo que ele podia fazer era observar enquanto os dois destruíam tudo que ele amava, agora sem a menor preocupação em manter o silêncio, o que, Remus sabia, era um grande erro.

Sem aviso, uma nuvem preta de pelos e presas passou correndo pela porta, voando no braço que tapava a boca de Remus e fazendo com que o dono dele ganisse de dor. Institivamente, o homem agarrou o braço machucado, deixando Remus livre para correr.

- Isso é um cachorro, não falaram nada sobre cachorros! – Ainda gemendo, o homem com o braço machucado fez sinal para o outro. – Pega ele!

Do outro lado do balcão, Remus assistiu enquanto o homem sadio avançava para cima de Padfoot com o galão firme na mão. Sem pensar, agarrou o primeiro objeto pesado que encontrou, um dicionário de capa dura, e arremessou na cabeça do homem, acertando em cheio e espalhando sangue por todo lado. Com certeza isso devia deixa-lo pelo menos zonzo.

Traído pela alegria da vitória, Remus só pode observar enquanto o primeiro homem, com o braço encolhido, acertou um chute certeiro em Padfoot, arremessando o cão na parede e saindo porta afora com o companheiro semi-desacordado, deixando Remus completamente paralisado não pelo chute, mas pelo que veio depois.

Deitado no chão, completamente desmaiado em cima do balcão de vidro estilhaçado aonde deveria estar o grande cão preto estava Sirius.


Quando Sirius finalmente acordou estava deitado na cama de Remus, completamente nu, com o peito enfaixado e uma forte dor na cabeça. Levou um tempo para que o quarto voltasse ao foco e, com ele, a figura loira que o esperava sentado no outro canto do cômodo.

- Remus?

- Você acordou! - Remus se levantou de um salto, acordando no susto, uma frigideira firmemente agarrada entre as mãos.

- É, acho que sim... – Sirius apontou para o objeto que Remus segurava. – Pra que isso?

- Nada. – Respondeu de prontidão, mas, mesmo assim, não largou a frigideira.

- Você não tinha nada melhor para me ameaçar? Vai precisar de mais do que isso pra me derrubar. – O moreno suspirou, como se já tivesse tido aquela conversa um milhão de vezes em um milhão de situações diferentes. – Olha, eu não vou te machucar.

Remus parou, considerando se devia ou não desistir da arma. É verdade que Sirius nunca tinha feito qualquer menção de machuca-lo mesmo com um milhão de oportunidades para isso. Ainda assim, Remus não fazia ideia do que estava acontecendo ou em que universo paralelo havia entrado. Talvez tivesse finalmente enlouquecido, talvez tivesse morrido na noite anterior e o além fosse um grande livro de ficção. Quem poderia garantir que Sirius não ia perder a sanidade, se transformar no cão preto e ataca-lo? A ideia de Sirius se transformando em um animal ainda era bastante surreal, mas aqueles olhos eram os mesmos que tinha acompanhado no parque ontem e Remus confiava neles. Sem saber bem por que, largou a frigideira.

- Como você está? – Perguntou, ainda mantendo a distancia.

- Você que me diga. Eu só me lembro de você acertando a cabeça de um cara ontem e depois dor. E aí eu acordei aqui. – Disse, examinando os vários curativos que tinha espalhado pelo corpo. – Belo arremesso, por sinal.

- Bom, você levou um chute. – Remus apontou para o grande curativo que cobria todo peito de Sirius. – Fez um corte, nada muito grave mas bem grande. Depois você desmaiou e...

- E voltei a ser eu? – O silêncio foi a confirmação que Sirius precisava. – Tudo bem, não tem problema. Acho que é melhor eu ir indo.

O que exatamente era "eu" em Sirius, Remus não sabia dizer, mas tinha salvado sua vida. Se Padfoot não tivesse aparecido, provavelmente ele seria somente um corpo carbonizado agora.

- Fica aí. – Mandou, fazendo sinal para que Sirius se sentasse. – O que diabos está acontecendo, Sirius?

E Sirius contou tudo. Contou como tinha nascido com um dom estranho, mesmo em uma família tão antiga quanto os Black. Contou como desde muito pequeno conseguia se transformar em Padfoot sem saber muito bem como. Contou como, às vezes, sentia necessidade de ser cão tanto quanto de ser humano. Contou como isso envergonhava sua família e como tinha sido expulso de casa por não conseguir ser somente Sirius.

- E porque você não me contou isso antes?

- Remus... – Começou Sirius, cansado. – Como você acha que eu ia trazer esse assunto a tona? "Oi, eu sou Sirius Black e eu consigo virar um cachorro, por um acaso aquele mesmo que você ajudou ontem.". Não dá, cara...

Sirius tinha razão, provavelmente Remus teria expulsado o moreno da livraria, talvez até achado que ele fosse maluco. Não, com toda certeza ia achar que ele era maluco.

- Tá, mas... Porque eu?

- Porque você me ajudou. – Respondeu Sirius, instintivamente apertando o braço que tinha machucado na noite em que se conheceram. – Normalmente as pessoas me ignoram, na verdade, eu tenho sorte quando elas me ignoram. Cada uma dessas cicatrizes tem uma historia e nenhuma delas é muito feliz.

Sirius apontou diretamente para a cicatriz que tinha ficado em seu braço exatamente aonde tinha se machucado naquela noite.

- Você era interessante, eu achei que podia me aproximar um pouco mais, te conhecer melhor. Eu não planejava ficar, mas eu não consegui te esquecer.

E pela primeira vez, Sirius corou. Era o mesmo Sirius que Remus conhecera, com todas a beleza e falhas de um ser humano. Não era um animal sanguinário, mas o amigo que tinha feito nos últimos dias. Mesmo assim, ainda era um pouco difícil liga-lo diretamente ao cão ladrão de coxas de peru.

- Peraí... Isso quer dizer... – Remus parou, encarando Sirius incrédulo. – Que eu dei banho em você?

- Bom, acho que sim. – Sirius riu pela primeira vez, enquanto Remus enfiava a cabeça entre as almofadas que tinha recolhido, tentando esconder as orelhas que agora estavam vermelho pimentão. – Mas, olha, eu não consigo me transformar vestido, as roupas rasgam. E parece que alguém me trouxe até aqui.

Parecia impossível, mas as orelhas que antes estavam vermelhas agora estavam praticamente roxas com a afirmação. Tinha levado muito tempo para que Remus conseguisse transportar Sirius da biblioteca até o quarto e mais tempo ainda para que ele conseguisse olhar para o corpo do moreno.

- Eu não tinha escolha. – Disse, desistindo de se esconder atrás das almofadas. – Não ia te deixar jogado no meio de uma cena de crime sangrando.

- Agradeço! Ah, falando nisso, você não devia estar falando com policiais e coisas assim?

- Eu já falei. Eles fecharam a livraria, mas não parecem ter provas suficientes para incriminar ninguém. James e Lilly também estiveram aqui. – Remus parou de repente, como se tivesse se lembrado de algo. - Sirius, você dormiu por quase 24 horas.

Para Sirius, definitivamente não parecia ter sido tanto tempo assim. Mas fazia sentido, já era noite lá fora e, com certeza, Remus tinha levado bastante tempo para por tudo em ordem. Certamente isso explicava porque ele parecia ter um buraco negro aonde deveria estar o seu estomago.

- Você não come nada desde ontem. – Acrescentou Remus, adivinhando os pensamentos de Sirius. – Melhor prepararmos algo para você. Ah, acho melhor você não se transformar em... Padfoot... por enquanto ou vamos ter que refazer todos esses curativos.

Remus ajudou Sirius a se levantar, se perguntando se isso era realmente uma boa ideia. Depois de revirar o armário, Remus encontrou uma muda de roupas que James esquecera e que ficava só um pouquinho apertada em Sirius. Mais branco do que nunca, Sirius precisava se apoiar completamente em Remus para tudo e descer as escadas foi uma tarefa particularmente difícil. Mesmo assim, o moreno insistia em ajudar, mesmo Remus garantindo que conseguia fazer tudo sozinho.

Depois de acomodar o moreno em uma das cadeiras da cozinha, Remus começou a empilhar ingredientes em cima da mesa. Era melhor não fazer nada muito pesado para não forçar o estomago de Sirius, mas precisava de algo que mantivesse o amigo em pé. Decidiu por um simples sanduiche quente.

Enquanto Remus manuseava panelas com uma pericia impressionante, Sirius observava. Primeiramente tinha pensado em ajudar, mas tinha medo de levantar e acabar desmaiando. De toda forma, Remus parecia estar se virando muito bem sozinho.

- Sabe... Você não foi a primeira pessoa a saber.

- Não? – Remus olhou curioso enquanto adicionava queijo ao pão na frigideira.

- Não. – Sirius deitou a cabeça na mesa, tentando conter a tontura. – Na escola, quando eu era adolescente, havia essa garota, Marlene.

Uma pontada de ciúmes atingiu Remus que errou a força e estraçalhou um ovo entre os dedos.

- Mas ela não aceitou muito bem. – Continuou, levantando a cabeça para observar enquanto Remus limpava o resto do ovo que tinha caído no chão. – Disse que nunca mais queria me ver e nunca mais falou comigo.

- Eu não entendo. Quer dizer, você se transforma em um cachorro, e daí? Tem gente que consegue mexer as orelhas, tem gente que precisa viver em uma bolha por ter alergia a tudo. Você vira um cachorro. – Remus riu, largando o pano cheio de ovo em cima da pia e virando para Sirius. – Quer dizer, eu sei que não é bem assim. Mas você é um cachorro legal e um cara legal, então...

E com essas palavras, Remus conseguiu focar toda a atenção de Sirius em si. De repente o cão rejeitado que ninguém queria tinha um amigo. Antes que Sirius notasse, havia um sanduiche fumegante em um prato a sua frente.

Esse, com certeza, tinha sido o sanduiche mais delicioso que Sirius já havia provado. Com ovos, queijo, presunto e todas as coisas deliciosas que Remus achou na geladeira, não demorou muito para que Sirius estivesse com o prato vazio e a barriga cheia. Mesmo aquele pequeno esforço tinha desgastado o moreno ao máximo e foi preciso o dobro de tempo para que os dois conseguissem subir escada acima.

- Você pode dormir aqui hoje. – Remus ajudou o moreno a se deitar novamente. – Eu vou estar lá embaixo.

Pegou uma coberta e um travesseiro reserva e se encaminhou para a saída. Apagou as luzes, deixando a porta só um pouco aberta para que Sirius fosse capaz de chamar caso precisasse de alguma coisa. Naquela noite, enquanto esperava o sono de duas noites atacar, Remus relembrou tudo que acontecera mil vezes em sua mente, sempre chegando a mesma conclusão: devia a vida a Padfoot.


N/A: Ok, mais um capítulo e em tempo recorde!

Esse é pequenininho, mas importante.

Finalmente o Remus descobriu, foi como vocês imaginavam?

Como sempre, Reviews são muuuuito bem vindos

Agradeço a todos que deixaram reviews no capítulo anterior e a todos que leram essa fic. Obrigada, gente, espero continuar atendendo as expectativas de todos!

Vamos as respostas dos reviews do último capítulo:

Ana Beatriz / Caribbean Black Potter : Tá aí o próximo capítulo da Fic, bem rapidinho. Espero que goste, foi escrito com carinho. Muito, muito obrigada por acompanhar a história, ainda tem muita coisa pela frente. =)

Ly Anne Black: Tadinho do Remus, essas coisas só acontecem com ele, né? Então, as atualizações na verdade não tem dia certo para ocorrer, eu meio que escrevo e já posto. Muito obrigada por acompanhar a fic, vocês que me fazem querer escrever o próximo capítulo.

Shakinha: Que bom que está gostando! Espero que continue acompanhando e dizendo o que achou, quero que cada capítulo seja melhor que o anterior. Muito obrigada pelo review, fiquei muito feliz.

Então é isso, até a próxima, espero que tenham gostado desse capítulo!