Nos dias que se seguiram, uma rotina completamente diferente se instalou na velha casa da rua dois. Todos os dias Remus levantava, fazia café da manhã e não abria a livraria, que continuava fechada para investigações. Ao invés disso, pegava uma bandeja, subia as escadas e tomava seu café ao lado do moreno que agora ocupava o quarto de cima. Nos últimos dias, tinha se tornado especialista em preparar panquecas, café da manhã preferido de Sirius, e até acreditava que elas podiam ser melhores que as torradas que normalmente comia, mas não sabia ao certo se pelo gosto ou pela companhia.
Com a barriga cheia, Remus ajudava Sirius a descer as escadas e os dois passavam o dia inteiro fazendo alguma coisa boba. Em uma tarde ficavam jogando conversa fora na sala, em outra assistiam filmes antigos que ele nem lembrava que tinha. No terceiro dia, Sirius achou um álbum de fotos antigas.
- Que filhote fofinho você era. – Disse o moreno, pegando Remus de surpresa. – Quantos anos você tinha aqui?
- Acho que uns dois ou três. – Respondeu Remus, largando os pratos do almoço que ia levar para a cozinha. – Tinha ganhado uma caixa de chocolate inteira só para mim.
- Quem dá uma caixa de chocolate inteira para uma criança? – Sirius riu, virando a página para encontrar uma foto muito antiga. – Esses são seus pais?
- Sim... – Remus apontou para o casal que se abraçava feliz na foto. – Foi logo depois do casamento deles.
- Sua mãe era muito bonita. – Os olhos de Sirius pousaram em outra foto, dessa vez com o mesmo bebê da primeira abraçando um grande cão preto. – E esse é?
- Sou eu e Padfoot... – Remus riu ao ver o olhar confuso de Sirius. – Quer dizer, o Padfoot original. Meu cachorro, eu tinha cinco anos.
- Achei que seus pais não te deixassem ter animais.
- Bom, eles não deixavam, depois de Padfoot. – De repente a expressão feliz de Remus deu lugar a uma nostalgia triste. – Minha mãe disse que ele me mordeu um dia e eles tiveram que manda-lo pra fazenda do meu tio. Fiquei só com a cicatriz e as lembranças. James diz que é por isso que eu ajudo todo bicho que encontro na rua.
- Bom... Ninguém vai conseguir tirar esse Padfoot do seu lado a menos que você queira.
A cada segundo em silêncio, Remus ficava mais e mais vermelho. Talvez fosse pela determinação nos olhos de Sirius, talvez pela certeza de que ele definitivamente não queria que Sirius fosse embora. Quando o silêncio já estava insuportável e Remus tinha certeza de que ia explodir se não escutasse uma palavra, apontou para uma foto muito mais atual na página ao lado.
- Olha o James. – Disse, apontando para um garoto cheio de espinhas e com o cabelo bagunçado que abraçava um Remus consideravelmente mais novo. – Isso foi no ensino médio, acho.
- Ele realmente melhorou com o tempo. Essa é a Lillian?
- Sim. – Na foto que agora observavam, Lillian sorria. – James subornou uma amiga dela para conseguir essa foto.
- Temos que admirar a persistência dele. – Disse Sirius rindo. – E o que é esse... clube do maroto?
Dentro do álbum, ao lado da foto de James e Remus havia um papel aonde se lia nitidamente a frase "juro solenemente não fazer nada de bom" abaixo da logo do falado clube do maroto desenhada a lápis.
- É uma besteira que eu e James inventamos quando crianças, uma espécie de clube. – Remus apontou para a frase no papel. – Esse era o nosso lema, que James sempre seguiu muito melhor do que eu.
- E o que aconteceu com o clube?
- Bom, um clube de duas pessoas não é nada mais que uma amizade normal, e não conhecíamos ninguém legal o suficiente para entrar. – Remus fechou o álbum que já estava chegando ao final. – Chega das lembranças do Remus, que tal trocarmos esses curativos?
Entre protestos, Remus guardou o álbum na estante de onde Sirius o havia retirado. As escadas já não eram um esforço tão grande para Sirius, que conseguia subir quase sem ajuda nenhuma. Sentado na cama, Sirius observava enquanto Remus retirava uma por uma as ataduras que cobriam seu peito.
- Já está bem melhor. – Disse, retirando a última atadura e revelando a pele rosada que começava a cobrir a área machucada. – Você tem uma regeneração realmente impressionante.
- Desde pequeno, acho que é o sangue de cachorro. – Sirius segurou o pote de pomada, enquanto o loiro aplicava uma grossa camada na ferida. – Quando eu vou poder me transformar em Padfoot novamente?
- Eu não sei, nesse ritmo em dois ou três dias. – Remus fechou um novo curativo, orgulhoso de seu trabalho. – Ah, eu nunca te perguntei. Eu te chamei de Padfoot sem saber seu nome canino de verdade.
- Nome canino? – A visão de Remus tentando se explicar fez Sirius rir. – Remus, você foi o primeiro a me dar um nome.
- Sério? – O loiro parecia genuinamente surpreso. - Achei que alguém... ou... Bom, eu escolhi sem pedir sua opinião. Você pode escolher um novo nome se quiser, eu não vou ficar chateado.
- Eu gosto de Padfoot, mesmo sendo de segunda mão. – Sem aviso, Sirius lançou uma piscadela discreta para o amigo. – Eu sou Padfoot, seu cão, e não quero ser nada mais.
E sem saber como ou porque, o que restava de Remus se perdeu em uma confusão de emoções que ele não sabia controlar ou compreender enquanto pegava o resto dos curativos e saia do quarto murmurando palavras sem sentido.
Levou dois dias para que Sirius conseguisse descer as escadas completamente sem ajuda e mais dois para que Remus autorizasse a retirada do curativo. Sirius nunca tinha passado tanto tempo como humano e até mesmo o loiro já estava notando a inquietude do amigo. Era um belo sábado de sol quando Remus anunciou que, finalmente, transformações estavam liberadas contanto que Sirius não aprontasse demais.
- Tente não forçar ou vai abrir o ferimento de novo.
- Ok!
- Ah, outra coisa... – Encabulado, Remus segurava uma sacola que tinha trazido do mercado mais cedo. – Acho que você deve querer ir para casa, né? Mas, se não quiser, eu pensei que talvez a gente pudesse dar uma volta hoje à tarde... Você como Padfoot...
- Parece ótimo! – Respondeu um Sirius animado pelo convite. Era muito raro que Remus tomasse qualquer iniciativa desse tipo. – O que tem em mente?
- Bem... – Remus abriu a sacola, revelando uma coleira azul com uma grande guia tamanho cão gigante.
Por um segundo, Sirius achou que o amigo estava brincando. No segundo seguinte, se deu conta de que não era uma brincadeira e toda a diversão se transformou em incredulidade.
- Remus, eu não vou usar isso!
- Qual é, Sirius, é a única forma de andarmos juntos com você como Padfoot. – Remus suspirou, já havia previsto aquela conversa. – Eu não quero ficar me esgueirando por becos escuros e as pessoas não vão levar muito bem a ideia de um cão gigante andando por aí sozinho. Você é meio assustador, sabia?
Sirius parou, considerando suas opções. Se não fosse Remus ele nunca cogitaria andar com aquela coisa por aí, era desmoralizante demais. Mas uma tarde inteira como Padfoot acompanhado do loiro fazia valer a pena.
- Tudo bem. – Disse, arrancando a coleira da mão de Remus e entrando no banheiro. – Mas eu vou querer algo em troca depois.
- Querer oqu... – Antes que pudesse argumentar, a porta do banheiro se fechou com um estrondo.
Quando Remus ouviu o som das garras arranhando a porta de madeira, sabia que Padfoot estava pronto. Ao abrir, descobriu um grande cão negro, particularmente emburrado com o novo acessório.
- Ficou ótimo. – Disse, tentando encaixar a guia. – Eu vou levar roupas se você quiser voltar a Sirius.
Com roupas, água, curativos extras e lanches colocados em uma mochila, era hora de ir. Foi preciso que Remus praticamente arrastasse Padfoot porta afora para que o passeio começasse, mas, assim que sentiu o ar fresco no focinho, o cão esqueceu-se da coleira e foi preciso muita força para que Remus não fosse arrastado até o parque.
O lugar escolhido para o passeio era exatamente o mesmo parque aonde eles tinha ido à feira de diversões só que, dessa vez, ao invés de feira havia famílias e cestas de piquenique. Andaram bastante, Padfoot se deliciando com cada novo cheiro, até encontrar um grande gramado razoavelmente vazio. Era o lugar perfeito para que o canino esticasse as pernas correndo.
Assim que Remus se abaixou para retirar a guia do cão, um barulho chamou sua atenção.
- Mãe, olha o cachorro!
De mãos dadas com a mãe, um garotinho ruivo apontava para Padfoot, maravilhado. Do outro lado da mãe, um segundo garotinho, idêntico ao primeiro, tentava correr em direção a eles. Era uma família grande, a mãe com quatro filhos, todos ruivos como o fogo. Ao notar o interesse dos garotos, Remus acenou, encorajando a família a se aproximar.
- Que cachorro bonito. – Disse o garoto mais velho, estendendo a mão para acariciar Padfoot. O menino devia ter mais ou menos 11 anos.
- Você não pode sair por aí fazendo carinho no cachorro dos outros, Bill. – Repreendeu a mãe, segurando os gêmeos que já faziam menção de agarrar o cão. – Me desculpe.
- Tudo bem, ele não morde e gosta bastante de carinho.
Apreensivo, Bill estendeu a mão novamente e Padfoot prontamente a lambeu. Em poucos segundos, o cão tinha as quatro crianças acariciando e puxando seu rabo e orelhas, correndo e voltando em torno dele.
- Sou Molly, Molly Weasley. – Disse a senhora. Era pouco mais velha que Remus e exibia um barrigão como o de Lillian. – E esses são Bill, Charlie, Fred e George.
- Sou Remus Lupin. – Cumprimentou. – E o nome dele é Padfoot.
Ao ouvir o nome do cão, os gêmeos começaram a repeti-lo, correndo pelo gramado. O movimento chamou a atenção de outras crianças e, em pouco tempo, Padfoot tinha uma verdadeira creche que se revezava para brincar de pique pega com ele e fazer carinho em sua barriga.
- Seu cachorro parece ser muito bom com crianças. – Disse Molly, enquanto observavam os gêmeos cavalgando Padfoot pelo gramado. – Eu nunca vi esses dois passarem tanto tempo sem destruir algo.
Molly tinha razão, era impressionante como Padfoot conseguia dar atenção a tantas crianças sem deixar nenhuma esquecida, como se a visão do grande cachorro hipnotizasse os pequenos. Só podia ser talento natural.
Quando até mesmo os gêmeos começaram a cambalear de cansaço, já haviam se passado horas e o sol começava a ir embora. Uma a uma as crianças, cansadas ou resmungando por serem paradas em plena brincadeira, foram sendo levadas embora pelas mães.
Depois que a última criança se foi, Remus se viu sozinho com Padfoot novamente. Sem explicar, o cão andou em direção ao banheiro mais próximo, arranhando a porta. Se certificando de que ninguém estava por perto para ver, Remus colocou a mochila dentro da cabine e fechou a porta para o cachorro. Poucos segundos depois, Sirius saiu, com a mochila nas costas.
- Isso foi cansativo. – Disse, sorrindo para Remus. – Sanduiches?
- Parece ótimo!
Escolheram um lugar aonde pudessem ver bem o pôr do sol, na beira do lago. Separaram dois sanduiches de atum que Remus tinha preparado e sentaram no gramado.
- Parece que você gosta muito de crianças... – Remus tentou puxar assunto.
- Elas são legais. – Disse Sirius, com um sorriso contagiante. – Quando eu ainda morava com meus pais, nas festas eu ficava cuidando dos meus primos. Às vezes eu sinto saudades deles...
- Desculpe, eu não sabia... – A última coisa que ele queria era trazer lembranças tristes ao moreno.
- Tudo bem, Remmy. Na verdade... Obrigado, – Sirius parecia muito sério, tirando o plástico do sanduiche. – por me mostrar que humanos podem ser legais.
De repente, todas as palavras do mundo sumiram. Remus nunca tinha pensando dessa maneira. Provavelmente ele era o primeiro amigo que Sirius tinha em décadas. Mesmo ele que não falava com ninguém e vivia com seus livros e sua poeira tinha James e Lillian.
Tentou imaginar como seria não ter absolutamente ninguém, não ter família ou amigos, ser rejeitado por todos que você já amou. Parecia horrível, muito pior do que qualquer coisa que ele já havia vivido.
- Só queria que você soubesse que tem amigos agora, ok? – Disse, estendendo um braço por sobre o ombro do amigo. – Você não vai mais estar sozinho.
Comeram o resto do sanduiche em silêncio, aproveitando o brilho laranja do pôr do sol. Na volta, encontraram os gêmeos se preparando para ir embora e Remus teve que inventar uma complexa historia sobre Padfoot ter voltado para casa sozinho. Quando alcançaram a porta da frente de casa, Sirius mau se aguentava em pé de cansaço.
Antes de dormir, Remus fez questão de verificar se o machucado continuava fechado depois de todo movimento da tarde. Enquanto examinava o peito do moreno, Sirius apagava, sentado na cama.
- Ah, eu quase esqueci. – Falou, depois de acordar de uma cochilada mais longa. – A minha recompensa pela coleira.
Antes que Remus pudesse formular qualquer frase, Sirius passou uma mão por trás do pescoço do loiro, puxando o rosto em direção ao seu e roubando o selinho mais longo da história.
- Perfeito! – Adicionou Sirius, mal conseguindo abrir os olhos. Por fim, deitou-se de lado na cama. – Boa noite, Remmy.
Sem reação e com as orelhas de um roxo quase preto, Remus se arrastou porta afora, sem conseguir formular qualquer frase. Quando caiu de costas no sofá, sabia que teria uma noite de longos pensamentos. O que isso significava? O que diabos estava acontecendo? Remus não fazia idéia, só sabia que, o que quer que fosse, era bom.
N/A: Yei, capítulo 6 finalmente.
É impressionante que esse capítulo tenha realmente saído com a gripe em que eu me encontro. Nesse momento, esse capítulo me rendeu uma cesta de lenços usados e um nariz muito vermelho. Mas valeu a pena, por todos vocês que escreveram reviews e que incentivaram a história. Muito obrigado.
Como sempre, reviews são muito muito bem vindos, fazem meu dia mais feliz e me dão vontade de continuar a fic! Quem gostou, deixe um comentário, nem que seja um "po, tá ok". =)
Respondendo aos reviews do capítulo passado:
Ly Anne Black: Obrigada pelo review gigante, foi um dos grandes motivos desse capítulo ter saído tão rápido! Acho que ainda teremos mais alguns capítulos pela frente, ainda tem muita história para rolar. Continue lendo, o Remus vai continuar ficando envergonhado e acho que o Sirius tá começando a gostar disso...
Wolfizzie: Fico feliz que tenha gostado, é um grande desafio tentar manter o nível de um capítulo para o outro. Quando alguém que acompanha a fic a tanto tempo quanto você diz que estou no caminho certo me dá muita segurança para continuar escrevendo! Muito obrigada mesmo!
Caribbean Black Potter: Não foi dessa vez que o James e a Lillian descobriram, mas ainda temos muitas novidades para o futuro *música de suspense*. Muito bom saber que você continua acompanhando a fic, fico feliz sempre que tem review seu! Muito obrigada por ser uma leitora tão assídua, vou tentar não atrasar os capítulos.
Blackverdammt: Acho que você não chegou nesse capítulo ainda, mas eu quero agradecer pelos reviews que você deixou nos capítulos anteriores, foi muito lindo, eu também sou absolutamente apaixonada pelo POE. Espero que continue gostando e que chegue até esse capítulo!
Por enquanto é isso, gente.
Se a gripe me deixar viva até a semana que vem, provavelmente teremos novos capítulos, fiquem de olho!
