Quando Remus acordou na manhã seguinte a rotina da casa tinha sido quebrada pelo cheiro de panquecas e suco de laranja fresco. Ele não sabia que horas eram, nem quando tinha conseguido finalmente pegar no sono e muito menos a última vez que acordara com o cheiro de café da manhã pela casa.
Assim que passou pela porta da cozinha, foi surpreendido por uma mesa posta, uma pilha de panquecas que alimentariam um horda de orcs famintos e um Sirius extremamente animado em frente ao fogão.
- Bom dia. – Disse o moreno, sorrindo. – Achei que eu ia ter que te acordar.
- Que horas são? – Murmurou Remus, sonolento, tentando não reparar no modelo short/avental que Sirius considerava apropriado para cozinhar. – E porque você não me acordou?
- São 10 horas. – Respondeu, fazendo sinal para que Remus se sentasse. – E se eu tivesse te acordado você ia querer fazer tudo sozinho. Achei que era hora de retribuir um pouco os dias de internação.
Pela quantidade de panquecas que Sirius tinha feito, ele já devia estar ali há horas. Como Remus não tinha acordado com o barulho? O moreno não parecia estar fazendo nenhuma questão de ser silencioso.
Remus se sentou, enchendo um grande copo de suco de laranja e tentando colocar os neurônios adormecidos para funcionar.
- Come. – Sirius despejou uma panqueca fumegante no prato a frente do amigo com um sorriso. – Não sou tão bom quanto você cozinhando, mas passei muito tempo fazendo as minhas próprias panquecas.
Sirius tinha razão, as panquecas estavam longe da perfeição culinária de Remus, mas, nem por isso, menos deliciosas. Depois de anos comendo as mesmas panquecas, aquele era, sem dúvida, o café da manhã mais gostoso que ele já havia provado.
- James ligou. – Adicionou o moreno, tirando o avental e se sentando ao lado de Remus. – Queria saber como você estava.
Depois de todo esse tempo, morar com Sirius parecia tão natural que Remus tinha esquecido como devia soar estranho para os outros quando o moreno atendia seus telefonemas. Com certeza teria que aguentar muitos olhares e risadinhas de James a próxima vez que se vissem.
- Ah, e têm mais uma coisa... – Sirius tirou do bolso do short um pequeno envelope branco. – Um policial veio entregar hoje de manhã. Parece que você pode finalmente reabrir a livraria.
Livraria... livraria... livraria. A palavra soava como um passado distante, um outro Remus em uma outra vida. Um Remus que morava sozinho em uma casa velha e passava seus dias organizando livros antigos, um Remus que esse Remus tinha esquecido.
Essas últimas semanas tinham sido as suas primeiras férias, com direito a novos amigos, olhares caninos, transformações inexplicáveis e até um beijo que o loiro evitava se lembrar para não ficar da cor dos morangos que Sirius tinha habilmente empilhado no centro da mesa. Era difícil ter que abrir mão disso tudo e voltar à rotina solitária da livraria.
- Acho que está na hora de acordar o velho Remus então. – Disse, terminando de ler a carta e abaixando os olhos para o prato vazio. – Muitas coisas para arrumar antes de poder reabrir.
- Eu posso te ajudar! – Adicionou Sirius, sorridente, recolhendo os pratos.
- Não, Sirius... Você já fez muito. – Disse, olhando para a cicatriz que cobria o peito de Sirius. – É a minha herança e eu quase te deixei morrer por ela.
- Mas e se eles voltarem? Ainda não pegaram o responsável e...
- Se eles voltarem eu vou dar um jeito, Sirius. Eu sempre dei. – Remus tentava parecer o mais impassível possível. – Você não é um cachorro que eu posso simplesmente adotar, Sirius, você tem a sua vida e as suas coisas, não pode simplesmente desistir de tudo por mim.
- E se eu quiser desistir de tudo por você?
Era impossível não se sentir abalado pela expressão de determinação no rosto de Sirius. Tudo que Remus queria era poder ficar preso naquele último mês para sempre, cuidando de Sirius, batendo papo e cozinhando. Mas a livraria estava ali à espera, como estivera à espera de seu pai e de seu avô e ele não podia simplesmente ignorá-la. Manter a livraria tinha sido sua missão de vida desde sempre e não a de Sirius. Quando isso tinha mudado? Como ele deixara uma pessoa cair de paraquedas na vida dele e bagunçar toda a sua realidade assim? Ele, que sempre fora tão fechado, tão independente. Ele que nunca gostou de ninguém.
É verdade que Sirius não era a primeira pessoa a demonstrar interesse por Remus. De alguma forma o jeito misterioso e calado do loiro parecia atrair atenção, mesmo quando ele não queria. No fundo Remus gostava dos livros, da solidão e da quietude e não estava disposto a abrir mão de tudo aquilo por outra pessoa. Nunca seria capaz de arrastar alguém para aquele mundo cinza e cheio de poeira.
Primeiro foi aquela garota loira da mesma série que fingia gostar de poesia para se aproximar, mas Remus sabia que não valia a pena. Depois Corin, o menino mais velho que inventava desculpas para encontrar Remus no caminho da aula. Por fim Tonks, a garota muito mais nova que ficava vindo à livraria puxar assunto.
Todas essas pessoas foram fáceis de afastar, mas Sirius era diferente. Alguma coisa dentro de Remus não queria voltar às corredores vazios e escuros e isso era assustador. Essa era toda a realidade que Remus conhecia e ele não gostava de mudanças.
Como seu pai, Remus sabia que a vida seria muito mais fácil se ele pudesse simplesmente afastar as pessoas, voltar à vida pacata em que nada de diferente acontece, e a única forma de voltar era sem ter Sirius por perto o tempo todo.
- Sirius, vai ficar tudo bem, sério, é melhor você voltar para casa.
Era fácil entender que seria inútil continuar aquela discussão. Remus estava absolutamente decidido e Sirius sabia disso.
- Se você quer assim... – A expressão de Sirius era comparável a de um cão sendo abandonado ao relento. – Eu preciso pegar algumas coisas.
Quando Remus finalmente conseguiu colocar tudo no lugar, já havia se passado mais de uma semana desde que Padfoot saíra pela porta, mordendo um saquinho cheio de coisas e deixando a casa novamente vazia.
A rotina tinha voltado a ser exatamente a mesma: acordar, trabalhar, jantar e dormir. Acordar de novo e repetir tudo, a mesma rotina que ele tinha enfrentado durante anos e que agora parecia vazia e sem cor.
Na última semana, vários vizinhos tinham aparecido na livraria, preocupados com Remus, mas foi somente naquela tarde, quando ele colocou o último livro de volta na prateleira, que uma visita realmente inusitada apareceu. Parado junto à porta estava Lucius Malfoy.
- Remus, nós precisamos conversar.
Parado em choque, Remus não conseguia se decidir entre ódio, surpresa e indignação ao ver o homem loiro. Depois de todos esses dias pensando, Remus tinha certeza absoluta que tinha sido o pai de Lucius, Abraxas Malfoy, o responsável pela tentativa de incêndio na livraria, mesmo que a polícia não tenha conseguido encontrar nenhuma prova.
- Como você ousa?
- Remus, eu sei o que você está pensando...
Sem pensar, com uma velocidade que só a adrenalina é capaz de gerar, Remus encurralou o homem contra a parede, a mão em sua garganta, pronto para apertar até o fim.
- Vá em frente. – Disse Lucius, uma gota de suor escorrendo pelo canto do rosto. – Mas eu não sou o meu pai e nem aprovo o que ele fez.
- Você sabe o que ele fez? – Sem tirar a mão da garganta de Lucius, Remus tentava processar o peso que aquelas palavras tinham.
- Bom, eu não posso provar nada, mas você não parece o tipo que faz muitos inimigos. – Ele tinha razão, Abraxas era a única pessoa que desejaria qualquer tipo de mal a Remus. – Olha, eu acho que meu pai está perdendo a cabeça e isso pode ser perigoso.
Dando um passo para trás, Remus soltou Lucius, que tossiu algumas vezes antes de recuperar a elegância natural. De certa forma, ele não parecia estar mentindo.
- Podemos conversar ou você pretende me matar de alguma outra forma criativa?
Sem tirar os olhos do loiro, Remus apontou para uma poltrona de leitura no canto da livraria e se sentou em um banquinho usado para alcançar as prateleiras mais altas.
- Como eu disse, tenho motivos para suspeitar que meu pai esteja envolvido nos recentes acontecimentos. – Lucius tinha marcas vermelhas aonde às mãos de Remus apertaram a sua garganta. – Acho que isso está chegando a um nível crítico. Nós temos acionistas, sabe? Acho que eles não vão ficar muito felizes se esse tipo de coisa começar a acontecer envolvendo o nome da empresa.
- E o que você sugere?
- Bom, a melhor solução seria você vender a sua livraria. – A expressão no rosto de Remus era toda a resposta que Lucius precisava. – É, achei que você fosse fazer essa cara. Bom, temos outra solução. Se eu conseguir provar que meu pai não tem condições de continuar no cargo antes de termos um desastre público talvez eu consiga retirá-lo da administração da empresa e passar o cargo a alguém mais qualificado. Achei que talvez você pudesse me ajudar com... Provas, depoimentos. Qualquer coisa que ajude a ligar meu pai ao seu pequeno desastre.
Remus parou por um instante, tentando medir cada sentido oculto que as frases de Lucius carregavam. Se Abraxas fosse afastado do seu cargo, com certeza Lucius assumiria. Remus podia apostar que essa era uma motivação muito mais forte do que a preocupação com ele e com a pequena livraria.
- E porque eu deveria te ajudar?
- Bom, Remus. – Lucius olhou em volta, com o sorriso triunfante de quem sabe que já ganhou essa batalha. – Eu não tenho interesse nenhum nesse depósito que você chama de livraria.
- Então, se eu te ajudar, você me deixa em paz?
- Garoto esperto. – Lucius se levantou e andou até a porta. – Qualquer coisa, você têm o meu número. Vou te manter informado.
E sem esperar por uma confirmação, Lucius Malfoy saiu porta afora. Com certeza essa era uma proposta boa demais para se recusar.
Naquela noite, enquanto arrumava a mesa para o jantar, Remus não conseguia parar de pensar nas palavras de Lucius Malfoy. Depois de anos sofrendo com as ameaças de Abraxas, seria realmente bom ter um pouco de descanso. E Sirius... Como queria que Sirius estivesse aqui para ajuda-lo a pensar. Ele era uma das únicas três pessoas em quem Remus confiava, junto com James e Lillian, que não podiam sofrer nenhum tipo de pressão agora que o bebê estava para nascer a qualquer momento. Mas Remus não tinha qualquer notícia de Sirius a mais de uma semana. Todas as manhãs ele olhava para o papel que o moreno tinha deixado, com telefone e endereço, e se perguntava se deveria ligar. E toda vez ele se convencia de que era assim mesmo, de que uma hora ia parar de doer.
Remus não tinha pensado que voltar a viver sozinho ia ser tão ruim, mas todo dia ele se deitava em uma cama que ainda tinha o cheiro de Sirius e sonhava com o moreno. Uma noite eles estavam no parque, a outra em algum lugar desconhecido e em várias delas naquela mesma cama. E nessas noites Remus acordava suando, muito embora fizesse uma temperatura negativa lá fora. Depois ele levantava e olhava para o papel até decidir se enfiar no trabalho para esquecer.
- REMUS!
- Oi? - Assustado, Remus quase deixou cair a pilha de pratos que carregava.
- Você colocou um prato a mais.
Sobre a mesa haviam quatro pratos metodicamente arrumados, muito embora só houvesse três pessoas na sala. Resmungando, Remus começou a retirar os utensílios para o quarto convidado invisível.
- Está um pouco frio aqui. – Disse Lillian, que se sentava no sofá, exibindo o maior barrigão que Remus já vira. - Amor, você pode pegar o meu casaco no carro?
Quando James fechou a porta da sala atrás de si, Remus sabia que um interrogatório ia começar. Lillian era a única pessoa que conseguia ver através dele e era impressionante a capacidade que ela tinha de adivinhar quando alguma coisa estava errada.
- Então, você vai me contar porque Sirius não está aqui ou eu e Harry vamos ter que ir aí te torturar?
Remus esboçou um sorriso ao pensar na ideia de Lillian tentando persegui-lo com aquela barriga. Definitivamente o superprotetor James não ia gostar.
- Não precisa. Ele teve que ir para casa.
- Teve que ir ou foi mandado? – Era impossível mentir para Lillian. – Remmy, nós somos amigos já faz algum tempo, não somos? Sabe o que eu pensei a primeira vez que eu te vi com James?
Remus balançou a cabeça, negativamente.
- Como alguém tão esperto pode ser amigo de alguém tão idiota? – Lillian deu um sorriso divertido. – E caso você esteja se perguntado, o esperto era você.
A lembrança de um James adolescente tentando se mostrar para a maravilhosa Lillian fez Remus rir de verdade pela primeira vez naquela semana.
- A verdade é que todo mundo tem qualidades e defeitos. Depois eu descobri que James não era só idiota, mas também leal e carinhoso. Eu sempre me considerei uma boa observadora de pessoas. E quer saber o que eu descobri sobre você?
O loiro balançou a cabeça afirmativamente, mesmo sem saber aonde isso ia dar.
- Descobri que você não era só esperto, mas gentil e sensível. No começo eu tinha medo que você me afastasse, mas acho que James impediu isso. Sempre me perguntei por que alguém tão legal e com tanto amor era tão sozinho.
- Lillian, eu...
- Deixa eu terminar. A verdade é que isso nos leva ao seu pior defeito, sua autoestima. De alguma forma, você acha que é amaldiçoado ou coisa assim, que quem ficar perto de você vai ter uma vida terrível. – Lillian se acomodou novamente no sofá, ajustando uma almofada. – Bom, eu e James estamos ao seu lado a bastante tempo e até onde eu sei somos bem felizes.
- Eu não acho que Sirius precisa viver assim, Lilly.
- Eu acho que Sirius é um garoto grandinho que pode muito bem escolher como quer viver, Remmy. Você acha que você vai tornar a vida do Sirius pior, mas, na verdade, ele que vai melhorar a sua. Eu sei como você foi criado, Remus e conheço seu medo de mudanças. Mas algumas mudanças são boas e você nunca vai saber como poderia ter sido se não deixar elas acontecerem.
- Eu sei, mas é tão assustador...
- A maioria das mudanças é, Remmy. James está aterrorizado com a ideia de ser pai, eu não posso nem espirrar que ele já vem correndo com um kit de primeiro socorros achando que isso vai adiantar de alguma coisa. Mas eu tenho certeza que ele vai se encontrar e tudo vai dar certo no final.
- Eu não sei, Lilly...
- Remus, eu vi como Sirius olha para você e, confie em mim, se alguém te olha daquele jeito o mínimo que você tem que fazer é dar uma chance para essa pessoa. Não tem nada de errado em querer ser feliz.
Era difícil de admitir, mas Lillian sempre tinha razão. Tanta coisa tinha acontecido nos últimos meses, porque Remus não podia tirar uma mudança boa de tudo aquilo? O que ele tinha a perder? Para que coisas boas aconteçam na sua vida às vezes é preciso dar um salto no escuro. E Remus não conhecia nenhum motivo melhor para dar esse salto do que Sirius.
- Você tem razão, eu... ele... ender...
- Só vai. – Disse Lillian, sorrindo ao ver o grande casaco de inverno que um James descabelado trazia ao entrar na sala.
- A comida está na cozinha. Vocês podem deixar os pratos aí que eu lavo amanhã, e a chave está na porta. – Remus pegou o próprio casaco e o papel que Sirius deixara, parando ao lado do sofá e dando um beijo na testa de Lillian. – Obrigado.
Correndo no meio da ventania e sem olhar para trás, Remus dava o seu salto no escuro, sem saber aonde isso ia levar, mas com a sensação gostosa de estar pelo menos tentando.
N/A: Antes de tudo, peço mil desculpas pela demora absurda na postagem desse capítulo. Tive vários problemas por aqui e só consegui parar para escrever agora. Como desculpa, tentei fazer um capítulo mais longo para vocês. Espero que tenha fica bom, mesmo depois de tanto tempo parado.
Em segundo, muito obrigado a todos que comentaram no último capítulo, que teve recorde de review. É bom saber que vocês estão gostando. =)
Por último, como sempre, reviews são muito bem vindos, me deixam feliz e me dão vontade de escrever!
No próximo capítulo: Remmy vai conhecer a casa do Sirius. Como será o reencontro dos dois?
Ly Anne Black: Como sempre, aqui me incentivando a escrever. Muito obrigada moça e eu sinto muito mesmo pela demora em postar essa capítulo. Espero que tenha gostado. Prometo que vou tentar não atrasar os próximos e espero que você tenha ficado mais feliz com a notificação de capítulo novo do que vontade de me matar pela demora. =)
LaahB: Obrigada por continuar por aqui! Vamos rumo ao final dessa história!
Shakinha: É, o Remus fica se fazendo de difícil mas todo mundo sabe que ele curte um cachorrão, né? Muito obrigada pelo review!
Caribbean Black Potter: Mil desculpas pela demora, mas está aqui! Quando começarem a vender Padsirius eu vou comprar um estoque. *O*
Wolfizzie: Desculpa a demora, vocês podem me xingar se quiserem ( =( ). O Remus é difícil de se conquistar, mesmo com um cachorrão gato que nem o Sirius. Muito obrigada por continuar lendo a fic, me deixa muito feliz. =)
Blackverdammt: Muito obrigada pelo incentivo! É, eu sempre imaginei o meu Remus como loiro escuro (quase castanho). E, pra mim, a Molly é bem mais velha que eles, já que tem os irmãos mais velhos do Ron e tal. Continue acompanhando e comentando, espero que tenha gostado do capítulo. =)
