Capítulo: Cansados, mas Não Sozinhos

Tonks chegou a Grimmauld Place à luz ténue da manhã, quando o sol começava a erguer-se preguiçoso no horizonte. A casa dos Black permanecia mergulhada numa penumbra constante, mesmo de dia, como se recusasse qualquer vislumbre de luz ou calor. A mansão tinha esse ar sombrio, repleta de segredos e memórias há muito enterradas. Estava exausta. A última missão para a Ordem tinha-se prolongado bem mais do que o previsto, e o peso da fadiga parecia querer arrastá-la para o chão. Mas antes de se render ao cansaço, arrastou-se até à cozinha, um local que sempre lhe trazia alguma sensação de conforto, apesar do ambiente pesado da casa.

Encostou-se a um canto, sem forças sequer para se sentar. As pálpebras pesavam-lhe e, antes que se apercebesse, adormeceu de pé, num equilíbrio precário.

Foi então que sentiu uma mão suave a tocar-lhe no ombro. Ela sobressaltou-se de imediato, o instinto de Auror a assumir o controlo. Empunhou a varinha, virando-se pronta para enfrentar quem quer que fosse que tivesse ousado abordá-la.

- Calma! Sou só eu. – A voz calma e rouca de Remus Lupin soou, carregada de exaustão, mas também de um leve tom divertido. Ele ergueu as mãos num gesto de rendição, embora com algum esforço visível no braço esquerdo.

Tonks baixou a varinha e suspirou aliviada.

– Remus! Assustaste-me!

Lupin deixou escapar um pequeno sorriso, aquele sorriso cansado mas sempre bondoso que lhe era tão característico.

– Imagino. Devo estar com péssimo aspeto. E nem foi das noites piores.

Tonks ficou subitamente vermelha. Tinha-se esquecido completamente. A lua cheia. Aquela tinha sido uma das noites de transformação para Lupin. Ele estava, nesse momento, a chegar de horas de dor e isolamento, a lutar contra a maldição que carregava desde criança. Como pudera esquecer-se?

- Desculpa! – Apressou-se a dizer, envergonhada. – Não era isso que eu queria dizer… não estás com mau aspeto.

Ela sabia que estava a mentir. Remus, envolto numa capa que mal disfarçava o seu estado, tinha o rosto marcado por profundas olheiras e os cabelos despenteados, dando-lhe um ar mais frágil do que o habitual. Lembrou-se que ele levantara o braço com dificuldade. Ainda assim, ele riu suavemente.

- Não precisas de mentir, Tonks. Mas acredita, já estive bem pior. Esta noite foi até bastante tranquila. Bendita poção. – O tom dele suavizou-se. – Desculpa se te assustei.

Ela sorriu de volta, sentindo o calor daquela preocupação sincera.

– Estás com cara de quem precisa de um chá e de umas boas horas de sono. Na verdade, estás como eu. Também devo estar com um aspeto terrível.

Sem esperar pela resposta dele, dirigiu-se para a cozinha, mexendo a varinha para preparar o chá da forma mais prática e rápida possível. Ao seu lado, Lupin seguiu-a, tentando não demonstrar o cansaço que sentia. Apesar do ar exausto, ele não conseguia deixar de reparar que Tonks, mesmo cansada, não parecia ter o aspeto horrível que mencionara. Na verdade, até com aquele ar de quem precisava desesperadamente de descansar, ela tinha algo de encantador.

- Estás apenas cansada. Nada mais. – disse ele, de forma cavalheiresca.

Ela lançou-lhe um olhar agradecido, sem conseguir disfarçar um pequeno sorriso. Colocaram as duas chávenas na mesa da cozinha e sentaram-se no sofá, que parecia chamar por eles como um oásis no meio do deserto.

Remus suspirou, mexendo ligeiramente o braço que Tonks notou estar dorido.

- Magoaste-te no braço? – Perguntou ela, com um toque de preocupação na voz.

Lupin assentiu com uma expressão resignada.

– Dei um jeito enquanto... – Deteve-se. Não gostava de relatar pormenores sobre o que acontecia durante as suas transformações. – Não foi nada de grave, e já está melhor.

Tonks, sem dizer nada, aproximou-se e, com um movimento simples da varinha, lançou um feitiço curativo sobre o braço dele. Remus sorriu, agradecido, sentindo um leve alívio.

- Obrigado. És uma mulher de muitos talentos, Nymphadora Tonks.

Ela revirou os olhos ao ouvir o seu nome completo, mas o cansaço era tão grande que nem se deu ao trabalho de protestar. Em vez disso, simplesmente deixou-se afundar no sofá, sentindo o calor do chá a afastar, por breves momentos, a exaustão. Os dois conversaram um pouco sobre as últimas notícias da Ordem, trocando palavras cansadas, até que Tonks, sem perceber, começou a piscar os olhos pesadamente.

Lupin percebeu quando a cabeça dela começou a tombar levemente para o lado, o cabelo naquele momento dourado a cair sobre o ombro. Sem forças para a acordar e sugerir que fosse para a cama, muito menos para a levar para o quarto, ele próprio sentiu-se a ceder ao cansaço. Não seria a primeira vez que adormeceria no sofá, e no estado em que se encontrava, não conseguia encontrar energia sequer para se levantar.

Depois de um longo suspiro, Lupin deitou-se também no sofá, ao lado dela. O corpo exausto exigia descanso imediato. E, embora soubesse que não era propriamente apropriado, não tinha sequer forças para se preocupar com isso. Deixou-se envolver pelo calor que emanava da presença de Tonks e, pouco depois, o cansaço venceu.

Duas horas depois, o som de passos ecoou pela casa. Sirius Black, com o habitual ar desleixado e malicioso, entrou na sala e encontrou a cena à sua frente. Tonks e Lupin estavam deitados no sofá, ambos profundamente adormecidos. Com um sorriso desbocado, Sirius inclinou-se sobre eles.

- Ora, ora... mas o que temos nós aqui?

O comentário de Sirius foi o suficiente para acordar Tonks, que abriu os olhos com um sobressalto, corando ao perceber a situação em que se encontrava. Tentou levantar-se rapidamente, mas estava tão cansada que os seus movimentos eram desajeitados. Remus, por sua vez, demorou um pouco mais a acordar, piscando os olhos com dificuldade.

- Sirius, - começou Tonks, a voz ainda embargada pelo sono – Isto não é o que parece…

Sirius riu-se, trocista.

– Não, claro que não. Dois colegas da Ordem a dormir juntos num sofá apertado, exaustos... absolutamente inocente.

Antes que pudesse continuar com as suas piadas, Molly Weasley entrou na sala, com as mãos na cintura.

- Sirius Black! – Exclamou ela, com um olhar severo. – Deixa-os em paz. Não vês que estão exaustos?

Sirius encolheu os ombros, ainda divertido, mas deu um passo atrás.

- Molly, - continuou ele, com um sorriso – só estou a apreciar a cena. Mas, se insistes, suponho que lhes posso dar uma mãozinha a chegar aos quartos.

Molly, com um olhar firme, acenou em concordância. Sirius, ainda a sorrir, ajudou Remus a levantar-se, enquanto Molly cuidava de Tonks, guiando-os gentilmente até aos seus respetivos quartos.

Quando finalmente se deitaram nas suas camas, a última coisa que Tonks pensou antes de adormecer de novo foi no sorriso de Lupin e no calor da sua presença ao seu lado. Talvez, apenas talvez, a solidão não fosse o destino de ambos, afinal.