Chegara mais um outubro, mais um entre tantos outros em 26 anos desde a Batalha de Hogwarts, e sua vida mudara completamente. Respirando fundo, Hermione Granger-Weasley observava os pingos pesados da chuva caindo sobre a lápide, mas não conseguia realmente enxergar o que estava à sua frente. Era triste constatar que até mesmo o céu compartilhava a sensação de vazio e desesperança que sempre invadia seu coração ao visitar aquele lugar abandonado.
Mais uma vez, estava ali, parada, imóvel, com as lágrimas se misturando à chuva. O tempo não havia amenizado a dor. O tempo não fora capaz de apagar em seu coração o nome gravado no frio mármore negro – um presente póstumo e reconhecimento dos Malfoy ao fato de que fora aquele homem o responsável pela preservação da alma de Draco intacta. "Severus Snape". Mais do que um nome, ele ainda representava uma imagem vívida de sentimentos conflitantes que Hermione desejava ter compreendido a tempo. Vivências e desilusões que gostaria de ter experimentado e que lhe foram roubadas antes de poder lutar por elas. Agora, tudo que restara parecia se unir em uma única e devastadora dor.
Fechando os olhos, as memórias surgiram, como se estivessem aguardando o momento exato para virem à tona. Sem pedir licença, os meses em que ficara presa em seu quarto, submersa nas águas profundas do luto surgiram diante de seus olhos. Muitos médicos trouxas, psicólogos e curandeiros, passaram por aquele cômodo repetindo que o que sentia nada mais era do que estresse pós-traumático e que se seguisse as recomendações conseguiria viver de forma saudável e normal.
A verdade é que após aquele fatídico maio de 1998, a vida parecia um amontoado de dias velozes que se somavam e desapareciam como areia em meio à tempestade. Talvez fosse isso que sua existência se tornara após a guerra. Enquanto muitos se concentravam em reconstruir suas vidas, ela mesma havia se jogado cegamente na conclusão dos estudos, no trabalho, no casamento e na criação de filhos – tudo que pudesse segurar com as duas mãos, qualquer coisa que lhe desse forças ou a afastasse de seus pensamentos. Sepultando, ou tentando enterrar, qualquer resquício de emoção sob a montanha de responsabilidades que tomara para si. Entretanto, no silêncio de sua casa, quando tudo ficava muito quieto e a solidão a cercava, a única certeza que tinha era a de que se sentia sufocada pelos pensamentos que não conseguia controlar.
Horas mortas e longas. Dias inumeráveis e sem fim. Emoções não convidadas, que no início pareciam insignificantes, mas que com o passar dos anos começaram a queimar por dentro. A imagem dos olhos negros e profundos de Snape, sempre penetrantes, tornava-se cada vez mais vívida. As poucas palavras que ele dissera – enigmáticas e carregadas de significados – surgiam com novas interpretações. Muitas delas, que na época Hermione decidira desprezar como sarcasmo, agora apareciam com sutilezas mais amáveis do que ela imaginara. Cada recordação trazia à tona a certeza do quanto falhara, tanto com ele quanto consigo mesma.
Abrindo os olhos, Hermione tentou enxugar as lágrimas. O breu úmido da noite que se aproximava trazia consigo uma nova reflexão. Em sua mente, o anoitecer era um convite para enxergá-lo como realmente fora, despido das máscaras que usara e das mentiras que contara para se proteger do mundo. Snape se redimira, tornara-se um herói, mesmo sem querer ser visto como tal. Era o homem que ela, agora, percebia ter amado. Certamente de forma inconsciente e platônica, ainda assim intensamente, como todo amor que é o primeiro.
No fundo, Hermione fora muito consciente das camadas de complexidade que o compunham. Ele era fascinante, talvez justamente por não ser fácil de compreender. Era essa dificuldade que a encantava. Uma alma misteriosa e dilacerada que, no entanto, com um olhar atento, podia ser notada em momentos de vulnerabilidade. Por mais forte que fosse, ainda era humano, sujeito a fraquezas e passível de também se deixar levar por sentimentos.
Contudo, do que adiantava pensar em tudo aquilo, em refletir a respeito do que poderia ter sido feito de outra maneira, agora que já estava claro que era tarde demais? O tempo se esgotara, e a vida seguira em frente como se tudo não passasse de poeira. Talvez, quando Snape lhe dissera que até mesmo as rochas poderiam sucumbir ao tempo, apenas estivesse tentando prepará-la para perceber que haveria um momento em que seria tarde demais para confessar o que sentia. Hermione não tinha dúvidas de que ele não a amava e que, muito menos, estaria disposto a retribuir seus sentimentos. Não se permitiria sonhar com algo tão absurdo quanto isso. Apesar disso, ainda poderia considerar que, quem sabe, apenas quisesse e esperasse que ela fosse sincera consigo mesma, para evitar o martírio do arrependimento e do amor não correspondido.
Quase três anos depois daquele dia, o destino foi implacável, arrancando qualquer chance de redenção para os sentimentos que carregava. Ali, 26 anos depois, naquele cemitério solitário, cercada apenas pela solidão e pelos fantasmas adormecidos, o som da chuva era sua única companhia. Hermione olhou para o céu, contemplando as nuvens carregadas, refletindo sobre como todos seguiram em frente, enquanto ela continuava estagnada. Existiria uma fórmula ou feitiço que a fizessem superar um amor que nunca teve a chance de florescer? Se houvesse, certamente Snape teria sido o primeiro a usá-la para se libertar de suas próprias correntes.
Com essas poucas dúvidas e muitos entendimentos, ela se ajoelhou diante da lápide, girou a varinha e conjurou lírios ao redor da pedra. Com os dedos trêmulos, tocou a superfície fria. Tantas palavras fugiam, permaneciam presas em sua garganta. Tantos anos haviam afogado algumas e feito outras perderem seu significado original. No meio da quietude perturbadora, algo dentro de Hermione se partiu. Pela primeira vez, aceitaria dizer o que o seu coração exigia e sua mente negava.
– Eu te amei, Severus... e, talvez, até o fim da minha vida eu ainda te ame.
No meio da chuva, tão perto que parecia real, ela quase pôde ouvir... ou será que seu coração desesperado e sem esperanças apenas desejava ouvir? Era tão sutil quanto um sussurro, porém, por um momento, teve a estranha impressão de ouvir a voz dele, a voz de Snape, murmurando de volta, tão próxima ao seu ouvido:
– Eu também te amava, Hermione.
