O sol brilhando lá fora e as flores desabrochando no jardim, que serviam de vista para a sua janela, não combinavam com o humor de Lydia naquele dia, e em quase todos os outros. Ela observava os raios de luz entrando pelo vidro e formando diversos arco-íris em seu quarto, refletindo em como as coisas haviam mudado nos últimos seis meses após a partida de Beetlejuice, depois de tudo o que havia acontecido ela pensou que seria mais fácil seguir em frente. A vida parecia estar voltando aos trilhos, mas, no fundo, uma parte dela sentia falta do caos que ele trouxe. Não era só a aventura, mas aquela amizade bizarra que, de algum jeito, tinha significado algo para ela. "Você enganou ele", Lydia sussurrou para si mesma, enquanto um leve sentimento de culpa surgia, claro, foi engraçado como ele seguiu seu plano sem desconfiar de nada, e toda sua nova família ajudou como pôde, se sentia orgulhosa por isso, mas ainda sim, ver o olhar desamparado dele ao perceber que havia sido morto (novamente) era triste. Embora ela soubesse que ele não era uma boa influência, sentia falta da diversão que ele trouxera, a distraia da falta que sentia de sua mãe, havia algo reconfortante naquela loucura. Ela o enganou para salvar sua família, o que não parecia errado, mas algo dentro dela dizia que havia mais sobre ele que ela ainda não entendia e que deixava saudades, um tipo estranho de conexão que só ele podia oferecer. Algo sobre Beetlejuice estava mal resolvido e Lydia não conseguia se livrar da sensação de que era sua obrigação ajudar.
Ela desceu as escadas devagar, tentando organizar os pensamentos, a casa estava tranquila e silenciosa, com cada morador, sendo ele vivo ou morto, envolvido em sua própria rotina. Ao passar pela sala de estar, ela notou seu pai com a cabeça afundada em papéis, provavelmente projetos de melhorias para a casa ou negócios que nunca a interessavam. Delia, por outro lado, estava mexendo com seus cristais e velas, uma tentativa de trazer 'boas energias' para o ambiente. "Lydia, querida, por que você não participa da minha sessão de meditação hoje?", Delia perguntou, sem desviar o olhar do que estava fazendo, "Vai ajudar a limpar sua mente e alinhar seus chakras". "Não, obrigada", respondeu Lydia, um pouco mais ríspida do que gostaria. Ela sabia que Delia estava tentando ajudar, mas nada parecia fazer sentido ultimamente. Lydia se recostou no batente da porta, observando por um momento antes de falar, "Pai, você acha que as pessoas simplesmente nascem ruins, ou tem algo que as transforma?". Charles olhou para ela por cima dos óculos, surpreso com a pergunta, "Bem, Lyds... Isso é meio repentino, não acha? Por que a pergunta?". "Você respondeu minha pergunta com mais perguntas", Lydia disparou, ligeiramente impaciente, "É só que... eu estava pensando em Beetlejuice". Ele suspirou profundamente, colocando os papéis de lado, "Eu achei que estávamos todos seguindo em frente com isso, você não tem culpa do que aconteceu com ele". "Eu sei disso, mas não posso deixar de pensar que ele não foi sempre assim. Ele mencionou algo sobre uma mulher chamada Dolores uma vez, tem alguma coisa que não faz sentido. Eu só quero entender o que aconteceu com ele. O que será que ele passou para se tornar o que é?", a última frase saiu mais hesitante do que ela planejava. Charles coçou a cabeça incerto, "Lydia, você é muito jovem para carregar esse tipo de responsabilidade. Às vezes, as pessoas são o que são e não é seu trabalho consertá-las". Ela riu baixinho, tentando disfarçar o descontentamento, "Eu sei, pai. Mas, se eu puder consertar algo sem me casar com ele, acho que posso tentar", Lydia deu de ombros, "Eu só quero entender, e quem sabe, se descobrirmos mais sobre ele, possamos finalmente resolver tudo". Delia, sentindo a energia da casa mudar, finalmente ergueu os olhos de seus cristais. "Querida, talvez eu possa ajudar, minhas sessões de canalização de espíritos têm sido muito eficazes. As nossas energias vitais estão muito mais limpas agora". Lydia soltou uma risada sarcástica, "Claro, Delia, porque limpar a casa de más energias vai me dizer exatamente o que aconteceu com Beetlejuice séculos atrás". "Lydia, querida, você precisa se reequilibrar", Delia disse, erguendo um cristal roxo, "Tenho certeza de que esse quartzo vai te fazer maravilhas". "Ótimo, então vou usá-lo para entrar em contato com o nosso objeto de estudo ver o que ele acha disso", Lydia respondeu, sem conseguir se segurar, "Talvez o cristal o faça esquecer da nossa pequena trapaça, não acha?". Delia suspirou, sem perceber a ironia, "Sempre tão cética... Mas as energias podem ser poderosas", Lydia se contentou em apenas dar um sorriso desdenhoso antes de sair da sala.
Os Maitlands estavam na sala de jantar, desde o confronto com Beetlejuice, eles tinham se tornado mais presentes, como parte da família. Adam mexia no seu modelo em miniatura da cidade enquanto Barbara estava lendo. Eles ainda eram os mesmos fantasmas gentis de sempre, mas Lydia conseguia perceber que havia algo não dito entre todos, como uma sombra pairando sobre a casa, algo que eles fingiam não ver, mas que se tornava impossível de ignorar. "Você parece pensativa, Lydia", disse Barbara, enquanto fechava o livro, "Está tudo bem?". Lydia hesitou por um momento, não queria preocupa-los, mas sabia que se alguém pudesse entender, seriam eles. "Eu estava pensando nele", disse Lydia sem rodeios. Os olhos de Barbara se cruzaram com os de Adam, e o silêncio que se seguiu disse mais do que qualquer palavra, eles sabiam exatamente de quem Lydia estava falando. "É normal sentir falta... das coisas, depois de tudo", começou Adam, tentando encontrar as palavras certas, "Mas você sabe que ele não era... bom para você". "Eu sei", Lydia respondeu rapidamente, "Mas isso não quer dizer que eu não me sinta culpada. Eu enganei ele. Nós enganamos. E, de alguma forma, sinto que há mais sobre ele... mais que sabemos". Barbara inclinou a cabeça, curiosa "O que você quer dizer com isso?". "Eu sei que ele foi um idiota, mas e se ele é assim por algo que aconteceu? Eu não consigo parar de pensar nisso. Talvez, se eu descobrir mais sobre o passado dele, eu possa ajudá-lo de verdade, sem me envolver nenhum tipo de casamento". Adam parecia cético, "E como você planeja fazer isso? Estamos falando de séculos de traumas acumulados, não é fácil entender como isso molda alguém. E ele sempre foi tão vago sobre o passado, não acho que vá simplesmente contar tudo de bandeja.". "Talvez não. Mas ele também mencionou que foi traído antes. Talvez ele já tenha sido... diferente", Lydia admitiu. Barbara franziu a testa, visivelmente preocupada. "Você tem certeza de que quer se envolver com isso de novo, Lydia? Ele já causou tantos problemas". Lydia suspirou, "É verdade, mas sinto que algo está me puxando de volta e não é só culpa, eu quero descobrir o que realmente aconteceu com ele. Talvez até a Juno possa nos ajudar. Ela é... tecnicamente... mãe dele, certo?". Adam arregalou os olhos, "Juno? Tem certeza disso? Ela não é exatamente a pessoa mais amigável do submundo". "Eu sei, mas quem melhor para falar sobre o passado dele do que a própria mãe?", Lydia deu de ombros, "Eu sei que ela não vai facilitar, mas é óbvio que ela sabe mais do que qualquer um de nós". Charles, que havia seguido Lydia até a cozinha, entrou na conversa. "Esperem, vocês estão mesmo pensando em mexer com isso de novo? Achei que teríamos paz!". "Pai", Lydia começou, com um toque de impaciência, "Não é como se eu quisesse convidar Beetlejuice para o chá. Eu só... sinto que ainda não terminei isso. Se soubermos mais sobre quem ele foi um dia, talvez possamos fechar essa porta de vez." Delia, que ouvira a conversa à distância, também se aproximou. "Eu posso fazer uma sessão para encontrar respostas. Posso sentir as energias de alguém em sofrimento, você sabe". Lydia riu suavemente. "Obrigada, Delia, mas acho que o que precisamos agora é de mais fatos, e menos... coach de vida". Barbara interveio, preocupada com o rumo da conversa, "Lydia, se você quer mesmo fazer isso, vamos ajudar. Mas precisamos ter cuidado. Beetlejuice não é alguém fácil de lidar, e Juno pode ser... complicada". "Eu concordo", Lydia respondeu, com um brilho determinado nos olhos, "Mas eu preciso entender o que aconteceu com ele. E se ele merece uma segunda chance, quem mais pode dar isso além de nós?". Adam olhou para Barbara, como se estivesse ponderando a questão, "Bom, se vamos falar com Juno, precisaremos de um bom motivo. Ela não vai simplesmente abrir o bico. Precisamos de algo concreto, uma pista do que perguntar". Charles cruzou os braços. "Bem, se vocês estão decididos assim, pelo menos sejam cuidadosos. Não quero fazer mais uma viagem antecipada para o sobrenatural". Lydia relaxou, sentindo-se mais animada, "Pode deixar, pai. Um passo de cada vez".
Horas depois, já de volta ao seu quarto, Lydia começou a traçar um plano, ela se perguntou por onde poderia começar a investigação. Sentada em sua escrivaninha, abriu o velho diário que sempre usava para anotar suas ideias e sentimentos, a página em branco parecia zombar dela, mas então algo clicou e começou a anotar tudo o que tinha sobre Beetlejuice até agora: sabia que ele tinha uma vida antes de ser quem conheciam, mas os detalhes eram nebulosos, as únicas pistas eram fragmentos de conversas, suas próprias intuições e a insistência dele de que já tinha sido enganado antes, talvez ele estivesse falando de algo, ou alguém, de seu passado distante. Ela puxou a cadeira para mais perto e começou a escrever freneticamente, fazendo conexões que, até então, pareciam sem importância, escreveu sobre a Peste Negra, sobre Dolores, e qualquer detalhe que ele havia mencionado. As informações eram fragmentadas e confusas, mas ela tinha que começar de algum lugar. Ela se inclinou sob a mesa e alcançou um livro antigo que pegara na biblioteca há muito tempo e nunca havia devolvido, era um volume sobre histórias de fantasmas e espíritos antigos, com relatos de almas que haviam ficado presas no mundo dos vivos por causas mal resolvidas. "Talvez ele esteja preso por algo que aconteceu na época em que vivia?", ela pensou em voz alta, seus dedos deslizavam pelas páginas rapidamente, absorvendo as informações. Alguns relatos falavam de espíritos que vagavam em busca de redenção, outros sobre maldições impostas por traumas passados; enquanto lia, sua mente divagava de volta às conversas com Beetlejuice, ele não era só maluco e imprevisível — havia uma dor profunda por trás de sua fachada. Lydia podia sentir isso, afinal ela mesma já havia se sentido assim, mesmo que ele nunca admitisse. Sentindo-se ainda mais determinada, Lydia olhou para a prateleira de livros sobre o sobrenatural que tinha acumulado ao longo dos anos, "Talvez haja algo aqui que eu ainda não vi", ela pegou outro volume, desta vez o próprio 'Manual para os Recém-Falecidos', e começou a folhear as páginas. Seu plano começava a tomar forma, ela precisaria de mais do que informações rasas, precisava entender a fundo quem era Beetlejuice enquanto estava vivo, e isso significava contatar Juno. "Ela pode não gostar muito de mim, mas eu preciso tentar", murmurou para si mesma, sublinhando uma passagem sobre espíritos em sofrimento. Agora, com uma lista de perguntas e uma direção traçada, Lydia sabia o que tinha que fazer. Ao fechar o caderno, sentiu um arrepio de excitação, pela primeira vez em meses, estava prestes a desvendar algo grande, algo que poderia mudar tudo. E talvez, só talvez, trazer paz para Beetlejuice — e, por consequência, para ela também.
Na manhã seguinte, depois de uma noite quase sem dormir, Lydia desceu firmemente as escadas, precisava de ajuda. "Barbara, Adam", chamou, entrando na cozinha onde os dois estavam. "Bom dia, Lydia", disse Barbara, sorrindo suavemente. "Você parece estar bem melhor hoje". "Eu comecei a pesquisar sobre o passado de Beetlejuice", Lydia anunciou, com uma determinação que não sentia desde o confronto final com ele, "Mas vocês dois serão minhas peças principais" Adam arqueou uma sobrancelha, "Nós? Como assim, nós?". "Bem, vocês dois são fantasmas, têm acesso a informações e lugares que eu não posso ir. Além disso, vocês podem ajudar a conectar alguns pontos, acho que Beetlejuice escondeu algo grande sobre si mesmo, e nós vamos descobrir o que é". Barbara parecia aflita, "Você tem absoluta certeza que é uma boa ideia? Mexer com o passado dele pode não trazer o que você está esperando". Lydia assentiu, "Eu sei que é perigoso, mas não tenho mais como ignorar". O casal se entreolhou por um momento, claramente preocupados, no entanto, havia algo na postura de Lydia que os fez reconsiderar. "Certo", Adam suspirou, "Nós vamos te ajudar, mas precisamos ser cautelosos. Essa não é o tipo de coisa com qual se brinca". Lydia sorriu agradecida, "E é por isso que estou contando com vocês". Agora, com a ajuda dos Maitlands, a busca pelo passado de Beetlejuice começava, e as primeiras pistas sobre Sophie, a peça faltante nessa história, começariam a emergir das sombras.
