-Infelizmente eu não posso fazer o saque até que o senhor Thorne regularize o pagamento do empréstimo que fez conosco – o empregado de Gringotes respondeu, lançando um olhar frio para a mulher que estava parada diante dele.
Ignorando o goblin, Marguerith arqueou a sobrancelha, intrigada com aquela afirmação. Pericles não havia lhe falado nada sobre empréstimo. Precisariam ter uma conversa franca quando chegasse em casa.
-Poderia, então, pegar a quantia do meu cofre particular? – ela perguntou, empertigando-se.
O goblin anuiu, descendo da bancada e indo para o interior de Gringotes. Marge ainda possuía uma quantia considerável de dinheiro que havia herdado dos pais e também de Sirius, contudo, não era nada comparado com que Pericles, supostamente, deveria ter. Era, entretanto, algo que poderia sustentar a ela e os filhos por algum tempo caso fosse necessário.
Não demorou muito para que o goblin voltasse com um saco cheio de galeões e entregasse para a mulher, que guardou em sua bolsa, saindo elegantemente para fora de Gringotes.
-Você não fez a transferência do dinheiro que prometeu, Angelica – Pericles falou para a cabeça que lhe observava pela lareira.
Não demorou muito para que o riso dela ecoasse pelo aposento como uma sinfonia de cristais.
-Você realmente achou que eu ia te ajudar porque cedeu aos meus caprichos? Eu não te perdoei, Perry. Você foi só um corpo quente para me distrair do tédio.
-Um corpo quente para distrair do tédio? – a voz de Marguerith se fez ouvir logo atrás de Pericles.
O homem se virou assustado, em direção à esposa no mesmo instante que Angelica desaparecia nas chamas.
-Marge... Eu posso explicar... – o ruivo balbuciou.
-É bom mesmo – ela disse, cruzando os braços, levantando o queixo – Acabei de voltar do Gringotes. Que empréstimo você fez? E quem é essa mulher?
Pericles suspirou, não havia mais como esconder toda a confusão na qual se metera.
-Nós estamos falidos. – ele assumiu, resignado – Eu fiz alguns maus negócios, perdi muito dinheiro. Giordano me deu um pouco, mas não o suficiente. Angelica me daria outra parte...
-Em troca você dormiu com ela. – Marge retorquiu, seca. Seus dedos comprimiam com força o encosto da cadeira em que se apoiou para que não perdesse a calma.
-Eu fiz isso pela nossa família. A sua mãe...
-Não ouse falar da minha mãe. – Marguerith quase gritou – Mesmo que seja verdade, ela não teve muita escolha. Iam nos matar. Eu quase morri. Você fez por orgulho... Não por sobrevivência. Podíamos ter pedido ajuda para Aribeth... Você podia ter pedido ajuda para mim!
A mulher abaixou a cabeça, apertando ainda mais o encosto da cadeira até seus dedos doerem, sentindo que não conseguiria conter a raiva que ardia dentro dela. Contudo, entremeio à fúria, ela percebeu que não conseguiria permanecer passiva diante daquela crise financeira.
-Eu quero que nosso contador traga os livros caixa para ver o que podemos salvar. – ela disse, levantando o rosto novamente.
-Tudo bem... – o homem concordou, cabisbaixo.
-E quero que saia daqui. Não me importa se vai para um hotel ou para Wallsburg ou se vai voltar para a Itália. Eu só não quero você perto de mim!
Pericles deixou a sala calado, não havia o que argumentar... Falar de Rosette foi a gota d'àgua para a tolerância de Marguerith. Ele deveria saber disso... Assim como deveria ter evitado todos esses problemas se tivesse confiado na esposa desde o começo. Não tinha certeza se um dia ela iria perdoa-lo.
Marge sentiu os olhos ardendo. Ela os esfregou tentando fazer com que o incômodo passasse um pouco. Ela ficou o dia inteiro envolta com os livros caixa, contas e anotações. Realmente Pericles havia acumulado vários negócios mal sucedidos no decorrer daqueles anos. O rombo no patrimônio deles era considerável. Felizmente nem tudo estava perdido. Porém, se quisesse prover os filhos, não poderia usar sua herança para conter aquela sangria financeira. Contudo, apesar do grande valor sentimental, teria que abrir mão da casa em Cheshire que Sirius havia deixado para ela. Um dos primos poderia comprá-la. Arcturus, talvez. O marido também possuía vários imóveis tanto na Inglaterra quanto em outros países do continente, além de alguns artefatos mágicos que poderiam vender. Aribeth certamente os auxiliaria, Betelgeuse também, se necessário. O dinheiro cedido por Camposanto também era uma grande ajuda.
Deveria ter se inteirado dos negócios do marido desde o começo do casamento. Não cometeria mais esse erro. Demoraria meses, mas com algum esforço, os planos dela poderiam salvá-los. E, quem sabe, com os investimentos certos, em alguns anos, ela conseguiria recuperar a fortuna deles. Rosette e Hesper não a haviam criado para ser uma inepta.
A mulher suspirou, cansada. Seus olhos acabaram pousando no convite para o aniversário de Walburga. Apesar de sua prima ser intragável, talvez Marguerith pudesse aproveitar a ocasião para relaxar. Depois de um dia de trabalho duro, boa comida e bebidas refinadas fariam com que ela se sentisse muito melhor.
Marguerith sorveu a taça de champagne, enquanto observava, através dos janelões da sacada os demais familiares se confraternizando. Estava errada em ter decidido ir, continuava se sentindo miserável. E levemente bêbada... Por isso ela preferiu se isolar ali, sentada naquele banco de pedra. Ela devia ir embora, mas ainda não confiava ter sobriedade suficiente para aparatar. Tão concentrada em si mesma ela estava que não escutou passos se aproximando.
-Desculpa, não sabia que estava aqui. Vou deixá-la sozinha. – uma voz masculina se fez ouvir.
Marguerith se virou notando que era Alphard quem lhe dirigia a palavra. Talvez fosse o efeito da bebida ou a mágoa que estava sentindo por Pericles, mas uma parte dela quis que o ex-noivo não partisse.
-Pode ficar... Imagino que esteja dando um tempo da festa também...
Ele concordou, ainda mantendo distância de Marge, preferindo se apoiar na amurada da sacada.
-É um pouco cansativo responder a mesma pergunta a todo mundo. "O que fez nesses anos?" ou "Por que voltou?"
Alphard passou a mão pelos cabelos, pensando consigo que não deveria ter falado aquilo. Provavelmente Marguerith tinha essas mesmas questões e ele não conseguiria mentir que voltara por causa dela, mas que foi incapaz de destruir a vida feliz que ela provavelmente construiu com o marido e os filhos.
A gêmea realmente tinha aquelas dúvidas, mas estava cansada demais para remexer em feridas mal cicatrizadas.
-Acturus vai passar Grimmauld 12 para Orion e Walburga – ela mudou propositalmente o tópico da conversa – Ele e Melania querem voltar para o interior.
-Você está chateada com isso? – Alphard perguntou, afinal aquele havia sido o lar de Marge durante muitos anos.
Ela fixou os olhos em Walburga no interior da casa, a prima ria de alguma coisa que mãe havia lhe falado.
-Agora não, mas confesso que tive vontade de estupora-la por se vangloriar disso.
-Se quiser, eu posso arrumar alguns vermes cegos e jogar no cabelo dela de novo – ele disse, sorrindo, em parte aliviado por Marguerith ter mudado de assunto.
A morena virou o rosto, correspondendo o sorriso. Por um segundo quase imperceptível, o coração de Alphard falhou. Era a primeira vez que ela sorria para ele desde que se reencontraram. Até então ele não tomara consciência do quanto realmente sentira falta do sorriso dela.
- Eu me lembro dessa vez... Do verme cego, eu digo. - Marge observou, tomando um gole da bebida – A gente tinha o que? Nove anos? Walburga ficou furiosa.
- Não entendo até hoje por que ela se zangou tanto. – Alphard riu - Afinal, muco de verme cego é bom para amaciar o cabelo.
Marguerith não conseguiu se conter, soltando uma gargalhada.
- Foi uma cena memorável. Eu tive a sorte de estar na sua casa no dia.
A mulher levantou-se, ainda sorrindo. Sentindo-se um pouco mais sóbria, notou que conseguiria voltar, enfim para casa.
-Obrigada, Alphard. Eu estava precisando rir.
Antes que o homem pudesse responder, ela aparatou. Alphard ainda conseguia aspirar o perfume de rosas dela no ar. Naquele instante se sentiu absurdamente egoísta pela decisão que acabou de tomar. Depois de ver o sorriso dela e escutar aquelas risadas, ele precisava que ela soubesse que ele nunca a abandonara, isso se tornou um sentimento insuportável de se manter em seu âmago.
