Sophie estava trancando a loja à noite, o último cliente já havia saído há muito tempo, e a tranquilidade da cidade parecia envolvê-la com uma paz conhecida. A decisão de ficar sozinha para terminar o expediente não a preocupava, Tracy tinha um compromisso de família e precisava sair mais cedo. "Qualquer problema você pode me ligar, ok? Obrigada mesmo por quebrar esse galho", disse Tracy ao se despedir. "Curta sua noite, tenho tudo sob controle! E mande um beijo pra sua mãe", respondeu Sophie já se afastando enquanto organizava os produtos na prateleira, sentindo-se confortável em seu espaço. Aquela era uma cidade pequena e pacata, onde quase todos se conheciam e a criminalidade parecia ser um conceito distante. Mas essa sensação de segurança era enganadora, pelo menos para ela.

Algumas horas depois, ao sair pela porta dos fundos, Sophie se encontrava em uma viela apertada e escura. A luz fraca do poste próximo a ela mal iluminava o caminho. Essa parte era apenas usada como atalho, o que explicava a falta de movimento ao redor. Como isso fazia já parte de sua rotina, Sophie mal prestava atenção nos detalhes. Ela não esperava que essa noite seria diferente de todas as outras, porém, um frio estranho percorreu sua espinha, mas rapidamente se convenceu de que era apenas a brisa noturna.

De repente, Sophie sentiu uma presença atrás de si, os sentidos em alerta. "O que foi isso?" murmurou, a tensão no ar crescia, como se algo invisível se aproximasse. Virando-se rapidamente, ela viu uma mulher muito mais alta e musculosa, o tipo de corpo que só é alcançado com muitos anos de treino, se lançando sobre ela. A mulher trazia consigo uma corda de um vermelho muito intenso e o pânico tomou conta de Sophie, enquanto tentava pensar em uma rota de fuga. Ela foi lançada contra a parede, o choque fazendo seus ossos vibrarem de dor, Sophie tentou gritar, desesperada para entender de onde vinha aquela força. Logo ela sentiu a corda apertando em volta de pescoço e cortando sua respiração, a dor era tão agonizante que queimava sua garganta e fazia sua cabeça girar freneticamente. Suas mãos agarraram o ar, tentando se defender de um ataque que parecia invisível, enquanto seus pés tropeçavam, lutando para manter o equilíbrio.

Era a primeira vez que algo físico a atacava assim, mas, no fundo, ela sabia que aquilo estava ligado às memórias fragmentadas que surgiam em sua mente. Era como se algo quisesse impedi-la de lembrar, de conectar as peças de um quebra-cabeça que estava incompleto há séculos. Sophie lutou desesperadamente, suas mãos se movendo para tentar remover a corda, ela precisava fazer qualquer coisa para sobreviver. Com um movimento brusco, ela derrubou várias de latas de lixo, fazendo um barulho estrondoso que ecoou pela viela deserta. Os gritos de Sophie escapavam em intervalos onde conseguia afrouxar o sufocamento durante a luta corporal. A mulher, percebendo que estavam chamando muita atenção intensificou o ataque de forma aflita.

Felizmente, o barulho alertou um vigia noturno que estava fazendo a ronda nas proximidades. Ele se aproximou rapidamente, a lanterna em mãos iluminando a cena, "Quem está aí? Espero que não estejam aprontando nada", gritou ele. A mulher que atacava Sophie hesitou, ainda a segurando. "Merda!", ela sussurrou, ficando imóvel durante alguns segundos, porém, decidiu correr, levando a corda vermelha consigo. Sophie, atordoada e assustada, caiu de joelhos, tossindo violentamente, lutando para recuperar o fôlego. As bordas de sua visão se desfazendo em um borrão de escuridão, ela estava tremendo, ofegante. O vigia se agachou ao seu lado, preocupado, "Meu Deus, você está bem?", ele perguntou, ajudando-a a se estabilizar.

Sophie mal sentia as dores da briga, se concentrava em fazer seu pulmão voltar a funcionar no ritmo certo, mas as lágrimas começaram a descer por seu rosto. Após alguns momentos ela finalmente conseguiu falar com a voz rouca. "Fui atacada. Estava sozinha. Fechando a loja. Não parecia um roubo", disse ela pausadamente, com seu fôlego comprometido, enquanto contava ao vigia o que havia acontecido.

Ele imediatamente a acompanhou até a delegacia, para que ela pudesse prestar queixa. Sophie fez o melhor que pôde para detalhar a situação, mas tudo tinha sido muito rápido e escuro. "Não sei quem era ela, aquele maldito capuz não mostrava nada! Não sei também o porquê alguém iria querer me matar, só sei que ela tentou muito!", Sophie sabia que deveria tentar controlar suas palavras, mas não encontrava nem força e nem vontade para isso. Os policiais a ouviram com atenção e prometeram investigar o caso, fazendo o melhor que podiam para acalmá-la, mas era claro para todos que não haviam pistas a serem seguidas. Com o coração pesado, mas aliviada por ter se livrado do ataque, Sophie foi liberada após ser avaliada e medicada. Um policial mais velho e de aparência gentil, lembrava que seu nome era Harold, a levou de viatura de volta para casa.

Ao chegar, tentava decidir se ligaria para seus pais se imediato, achou melhor fazer isso o mais rápido possível, precisava do conforto de sua família. A conversa foi rápida, mas intensa, estava tentando poupar o que sobrara da sua voz. "Você precisa sair daí imediatamente, filha, seu pai vai preparar o carro pra te buscar, podemos chegar em poucas horas!", eles estavam em choque e insistiram para que ela fosse para a casa deles em outra cidade, onde estaria mais segura, "E se essa pessoa voltar?". Sophie hesitou, relutante em deixar seu lar, mas sabia que precisava considerar a sugestão deles. "Eu preciso de alguns dias para me organizar" ela disse, tentando transmitir calma, mesmo que seu coração estivesse acelerado, "Eu moro aqui desde o fim da faculdade, não posso só abandonar as minhas coisas". "Sua vida vale mais do que qualquer outra coisa que você tenha, filha", retrucou seu pai, ele sempre sabia o que dizer. Ela queria contar sobre os sonhos bizarros, a sensação de perseguição, mas não queria assustá-los ainda mais, poderia esperar mais um tempo. Após mais um pouco de conversa, ela desligou o telefone com a promessa de que iria juntar suas coisas e, dentro de alguns dias, seus pais iriam até lá.

Sophie sabia que precisava arrumar um jeito de descansar, sentia que se não fizesse isso logo, iria perder a sanidade. Ela foi se despindo no caminho da sala ao banheiro, jogando as roupas sem se importar. O banho foi rápido, ela queria tirar a sensação de quase morte, o cheiro de suor e resíduos da rua (após rolar no chão com aquela estranha e limpar os machucados. Tudo ardia, até a sensação dos seus próprios dedos era áspera na sua pele. Após cerca de 15 minutos, ela saiu do chuveiro enrolada na toalha, parando apenas para escovar os dentes rapidamente. Evitando a qualquer custo olhar para o espelho, "Tenho medo do que vou ver aí". Entrando no quarto, colocou a primeira roupa que encontrou no armário e deitou, puxando a coberta até o queixo e virando de lado, com as costas na parede, se sentia mais segura assim. Contra tudo o que via em filmes, o sono a atingiu rápido, ela nem percebeu quando dormiu, aquela foi uma noite sem sonhos.

Sophie acordou com uma dor latejante na cabeça, uma sensação que parecia vir de dentro de sua mente, forçando-a a reviver fragmentos de algo perdido no tempo. Ela sentou-se na beira da cama, pressionando os dedos contra as têmporas, enquanto os flashes da noite anterior vinham à tona. O toque frio da mão daquela mulher, o som das respirações arfadas de ambas, a figura indistinta espreitando nas sombras... Seus olhos se apertaram, tentando segurar essas imagens fugazes, mas era como tentar agarrar a água entre os dedos. Levantando-se lentamente, Sophie caminhou até a janela de seu quarto, esperando que algo fosse ficar diferente. Porém, ao encarar o próprio reflexo no vidro, foi como olhar para uma estranha. Havia algo nos seus olhos — uma sombra que não pertencia à vida que ela lembrava. Ela ficou ali, por alguns minutos, absorvendo o peso dessa percepção, ela era alguém que mal reconhecia. O silêncio da casa parecia esmagador, preenchido apenas pelo som do seu coração pulsando.

Ao caminhar pelas ruas da cidade em direção ao trabalho, Sophie notou que todos estavam comentando sobre o que havia acontecido. Cochichos surgiam ao seu redor, e ela podia sentir os olhares curiosos e cheios de pena direcionados a ela, especialmente para o machucado em seu pescoço. Era como se, de repente, a segurança que a cidade havia lhe proporcionado se desfizesse, e ela se sentia exposta e vulnerável. Com um suspiro profundo, Sophie seguiu em frente, determinada a enfrentar o dia, apesar da sombra do medo pairando sobre ela. Se ela iria mesmo embora, precisava resolver algumas pendências antes, não poderia apenas se esconder, o peso das responsabilidades da vida adulta a acompanhavam. Era com esse pensamento que iria encontrar forças para continuar seus próximos passos, estava tão envolvida em pensamentos, que levou alguns minutos para perceber que já estava parada em frente à porta da loja onde trabalhava.