Uma batida leve na porta. Sirius Black levantou a cabeça dos documentos que examinava, fixando-os na madeira escura por alguns instantes.

- Entre.

Logo em seguida, a figura de Alphard surgiu, e ele fez uma ligeira mesura com a cabeça antes de entrar no escritório do patriarca, aproximando-se da mesa dele e parando em pé de frente para o homem.

- Acredito que já tenha uma ideia do porquê de eu ter lhe chamado aqui.

Alphard sentiu o canto dos lábios tremerem, como se fosse sorrir. Sim, ele sabia porque fora chamado ali. Era claro que a história de como ele agarrara Marguerith na frente de Walburga e Betelgeuse se espalharia como rastilho de pólvora entre os membros da família... E o fato de Marge ter ido embora junto com ele também não passaria desapercebido pelo patriarca.

Era ridículo o papel a que estava se prestando. Como ridículo era aquele homem a sua frente, com suas tentativas de controlar tudo e todos ao seu redor. Mas ele não tinha outra alternativa além de enfrentá-lo, se quisesse se provar digno de ter Marguerith para si.

-Quem lhe contou? – o rapaz perguntou um pouco mais agressivo do que planejava.

-Sua irmã. – Sirius disse, seco.

Alphard trincou os dentes. Isso não o surpreendera. Walburga sempre desejou ser a favorita do patriarca, faria qualquer coisa para agradar ao velho.

-Eu quero me casar com Marguerith. – o rapaz falou, determinado.

Sirius levantou-se, sério, dando a volta na mesa, até parar diante do sobrinho.

- E eu quero que você saia da Inglaterra.

Dessa vez, Alphard não pôde se impedir de sorrir.

- Receio que não possa fazer sua vontade, tio Sirius. Eu amo Marge, ela me ama. Nós vamos ficar juntos.

Os olhos do homem faiscaram, raivosos, mas seu semblante permaneceu impassível.

- Nós dois sabemos que você é a ovelha negra da família da sua geração. Seu futuro é desgraçar a si mesmo na menor oportunidade.

- Eu agradeço pela preocupação, tio. Mas, vou provar que está errado. Agora, se isso era tudo...

Ele deu as costas ao patriarca, preparando-se para sair, mas foi impedido pelo ressoar grave da voz do patriarca.

- Você não serve para minha sobrinha, Alphard.

Dessa vez, o rapaz não conseguiu se controlar. O riso dele sobrepôs-se ao silêncio, enquanto ele se voltava novamente para Sirius, os olhos azuis escuros brilhando em desafio.

- Pois muito bem, se você acha que eu não sirvo para ela, vamos saber o que Marguerith pensa dessa história toda.

A ironia daquelas palavras foi quase como um tapa. Sirius não estava acostumado a ser contrariado. Mas, dominando-se, ele somente o encarou mais uma vez.

- Marge vai achar aquilo que eu desejar que ela ache.

Com passos largos, Alphard percorreu novamente a distância que os separava, encarando o homem diretamente nos olhos, em desafio.

- Eu também sei ser frio, senhor. Também sei ser cruel. Não ouse se meter nisso. Eu não vou admitir que você continue estragando a vida de Marguerith.

Foi a vez de Sirius sorrir.

- Eu posso apaga-lo da tapeçaria, priva-lo do resto da sua herança. E daí, você verá que amor não é o bastante.

Alphard voltou a encará-lo, o semblante sério.

- Não foi à toa que Lycoris fugiu daqui. Você não apenas passa por cima de todos para conseguir o que quer, tio. Mas também joga extremamente baixo. - ele voltou-se para a porta - Eu tenho pena de você, Sirius Black. Porque eu vou tirar Marguerith da sua influência. Você tem inveja da gente, pois sabe que ninguém te ama, nem mesmo tia Hesper. Talvez o poder possa compensar de alguma forma o vazio de sentimentos que você é.

E, com isso, Alphard deixou o escritório para trás, caminhando, decidido. Ele e Marge ficariam juntos, nem que para isso precisassem ir embora de Londres. Contudo, o rapaz não tinha plena consciência do inimigo que conseguira para si. Em sua raiva cozida a fogo brando, Sirius Black já planejava a sua vingança.


Os longos cabelos... As mãos pequenas... A maneira como ela o correspondia quando ele lhe roubava um beijo... Alphard sonhava acordado na cama do seu apartamento, lembrando-se do último encontro que tivera com Marguerith.

Ele não podia deixar que o tio lhe roubasse aquilo, que destruísse aquele amor que lhe era tão precioso.

Nesse momento, ele escutou passos ecoando na saleta do apartamento. Ele levantou-se, dirigindo-se até lá, encontrando a noiva. Marguerith piscou os olhos, apreensiva ao vê-lo com um semblante tão carregado.

Marge colocou a bolsa que trazia a tiracolo sobre a mesa, e permaneceu de pé, encarando-o silenciosamente por algumas segundos, sentindo o coração ligeiramente acelerado.

- Alphie, o que aconteceu? Qual o problema? - ela perguntou, sem disfarçar a ansiedade.

- Eu estive com tio Sirius agora há pouco. - ele observou - Ele quer que eu termine com você e saia do país.

A gêmea sentiu o sangue sumir-lhe da face ao escutar as palavras dele. Seus sentimentos mudaram para uma mistura confusa de incompreensão e medo.

Não conseguia entender a reação da tio. Qual seria a razão do patriarca querer tomar uma atitude tão drástica? Era verdade que Sirius nunca aprovou o espírito livre do sobrinho, mas, do ponto de vista de Marguerith nada justificava uma aversão tão intensa. Ela sempre acreditou que se conversassem com ele, o tio não se oporia ao noivado.

Ao mesmo tempo, a moça sentia no peito uma aflição começando sufocar-lhe. Não podia perder Alphard também... Não suportaria vê-lo partindo... Não agora, quando tinham finalmente encontrado seu lugar um ao lado do outro.

- E você não aceitou o pedido dele, aceitou? - perguntou, tentando manter a voz firme, embora um leve tremor denunciasse sua preocupação.

- Infelizmente, para nosso tio, eu não sou o tipo de pessoa que aceita ser mandado com tanta facilidade - ele respondeu. - Sinceramente, Marge, Sirius Black é um pé no saco.

-Talvez eu possa pedir tia Hesper ou Bete para nos ajudar. - Marguerith falou, tentando racionalizar a situação e encontrar uma saída.

-Acha mesmo que ele vai dar o braço a torcer?- Alphard resmungou, olhando para o teto, como se dali pudesse surgir alguma resposta para seu problema.

Marguerith suspirou, apreensiva, o que fez com que o noivo abaixasse a cabeça e voltasse novamente sua atenção para a moça. Ela desviou o rosto do olhar de Alphard por alguns segundos, apertando, nervosamente as mangas do casaco que usava. Ela nunca antes enfrentou Sirius Black, nunca foi contra os desígnios do grande patriarca. O mero pensamento de desafiar o tio lhe aterrorizava. Contudo, ela queria ser feliz, ela merecia aquilo. Apesar dos pesares, aqueles meses amando Alphard a fizeram perceber que havia uma parte dela que queria sair da sombra de Sirius... E ela não estava mais sozinha... Tinha Alphard.

- Vale a pena tentar... - ela voltou a fitá-lo.

Ele meneou a cabeça, antes de puxá-la pela cintura, fazendo com que ela praticamente caísse em cima dele.

-Se ele não aceitar, podemos nos casar. Somos maiores de idade, não precisamos da aprovação de ninguém.

-Eu não queria chegar a esse extremo - Marge comentou, deixando-se aninhar no peito de Alphard.

-Pelo menos não precisamos mais nos esconder.

A gêmea nada disse, apenas ergueu o rosto, depositando nos lábios dele um beijo como resposta.