Neste capítulo, trago cenas de "O Prisioneiro de Azkaban", tanto do livro quanto do filme, só que do ponto de vista do Sirius.

Divirtam-se!

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Capítulo 10 - Descoberta indesejável

You've got a heart of glass or a heart of stone

Você tem um coração de vidro ou um coração de pedra

Just you wait till I get you home

Espere só até eu te levar em casa

We've got no future, we've got no past

Nós não temos futuro, nós não temos passado

Here today, built to last

Aqui hoje, feito para durar

In every city, in every nation

Em cada cidade, em cada nação

From lake Geneva to the Finland station (how far have you been?)

Do lago Genebra à estação Finlândia (quão longe você foi)

In a west end town, a dead end world

Num bairro do extremo oeste, um mundo sem saída

The east end boys and west end girls

Os garotos do extremo leste e as garotas do extremo oeste

(West End Girls, "As garotas do extremo oeste", Pet Shop Boys)

Remo Lupin, seu velho amigo, estava ali parado. Não podia distinguir muito bem suas feições pela distância, mas o seu cheiro era único. Por Merlin, o que faria? Torcia para que ele não notasse seu odor, apesar de saber que os sentidos do lobisomem só eram apurados quando ele estava, no máximo há sete dias antes da lua cheia e ainda faltavam dezesseis. Mesmo assim, Sirius sentia a inquietação de ser descoberto. Por precaução, escondeu-se de novo no vão entre as duas lojas.

O que Remo fazia ali no Beco Diagonal? Bom, era um amante da leitura; se as circunstâncias fossem outras e Sirius o apresentasse à jovem bruxa que protegia, os dois se dariam muito bem. Lupin devia estar ali para comprar livros, embora esse pequeno gasto fosse um luxo para ele que não tinha condições financeiras para se sustentar. Pelo menos, foi assim há anos depois que ele se formou e seus pais já estavam falecidos.

Por ter sido mordido e virado um lobisomem desde criança, Remo escondia sua condição do Mundo Bruxo; porém, era impossível arrumar emprego entre os bruxos, já que despertaria suspeitas ao ter que se ausentar por uma semana por conta da influência da lua cheia. E revelar isso no Mundo da Magia era sinônimo de segregação. Quanto ao mundo trouxa, ninguém acreditaria e mesmo que considerassem verdade, aí sim que o mandariam longe. Por isso, o bruxo foi sustentado durante um tempo, tanto por Tiago quanto por Sirius.

Como será que Remo havia se arranjado com a perda dos dois amigos? Sirius arriscou a dar nova espiada para observá-lo melhor. Notando suas roupas um tanto surradas, talvez não houvesse mudado muito sua condição; Lupin também parecia estar mais envelhecido.

Um dos lojistas encontrou Sirius no vão e empurrou-o com uma vassoura.

- Sai, bola de pêlos! Sai!

Black rosnou. O maldito ia chamar a atenção de Remo sobre ele!

Merda.

Porém, o diabo do homem não se impressionou com seu tamanho, pegou a varinha e ameaçou enfeitiçá-lo. Sirius zuniu como uma flecha para o outro lado, dentro de uma loja de chapéus. Felizmente, a dona atendia um casal e seus três filhos para se ocupar de expulsá-lo. Ele aspirou o cheiro de Remo e percebeu que este se distanciava; deu mais uma olhada e viu que, de fato, seu amigo – ou ex-amigo – se ia carregado com, pelo menos, cinco livros.

Uma dor se instalou no peito do cachorro. Imagens de risos com Remo, Tiago e mesmo Pedro afloraram em sua mente.

Por que tudo acabou?

Maldito seja, Rabicho! Você estragou isso!

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A bruxa saiu pouco depois de Sirius. Tinha hora marcada com o locatário do chalé; antes, foi se distrair em Hogsmeade, pois havia se apaixonado pelo vilarejo.

Sirius havia aparatado com ela lá antes, próximo a uma caverna onde não poderiam ser avistados. Mesmo assim, ele usou um manto preto para se cobrir e não se permitir ser reconhecido, caso estivesse alguém nas cercanias no momento da aparatação. Felizmente, não havia ninguém, ele se transformou e acompanhou-a pelas principais ruas e locais; havia lhe comentado antes sobre tudo que o que tinha. Fê-la percorrer, em especial, o local onde costumava se alugar chalés. Nessa primeira visita, não abordaram ninguém; foi apenas para conhecer o lugar para as próximas idas e vindas da bruxa sem a presença do Maroto.

Aquela era sua sétima ida à Vila e, com certeza, não seria a última porque agora ficariam definitivamente por lá. Ou, pelo menos, até Sirius conseguir o que queria. A jovem entrou no Três Vassouras e foi logo pedindo uma cerveja amanteigada à Madame Rosmerta, como das outras vezes. Achava a mulher bastante simpática e acolhedora, embora fosse um pouco enxerida. Contudo, a estalajadeira se habituou com o jeito taciturno de sua nova cliente, já que a serviu e não lhe fez mais perguntas sobre sua vida pessoal.

O proprietário do chalé ainda demoraria um bom tempo antes de chegar, por isso, a moça pegou o exemplar de Hogwarts: uma história e começou a lê-lo; estava quase terminando.

Já não se importava em circular sozinha com medo de ser pega por seus atacantes, fosse pelo Beco Diagonal ou em Hogsmeade. Além de feitiços defensivos, Sirius a havia ensinado um de transfigurar sua aparência, mudando algumas pequenas características: havia mudado os fios de seu cabelo castanho em um tom preto; escureceu também suas sobrancelhas, além de engrossá-las um pouco; comprou óculos sem graus e um chapéu grande que lhe permitia esconder o rosto. Além disso, era ela quem agora ficava na maior parte do tempo com a varinha que dividia com Sirius.

Sirius.

Suspirou e deixou o livro de lado. Eles quase haviam se beijado e, se não fosse pelo bêbado da madrugada, sabe-se lá o que teria acontecido. Queria mesmo beijá-lo ou era carência?

Não, não podia enganar mais a si mesma. Talvez no começo fosse mais uma necessidade de sentir protegida; mas agora tinha certeza de que o desejava como homem.

Ainda que o aspecto de Sirius fosse um tanto sombrio, começava a ver alguns traços de beleza nele; sua aparência havia melhorado bastante. O homem ainda estava magricela, porém, menos que na primeira vez que o viu. Aquela palidez inicial havia sumido e ele estava com mais cor nas faces e na pele; o emaranhado de cabelos e barbas também havia desaparecido, deixando-o com o rosto mais aparado e os cabelos mais curtos e tratados, embora um pouco desgrenhados.

No fim de uma tarde em que a bruxa voltou de uma ida na livraria Floreios e Borrões, ela o viu com apenas um cavanhaque no rosto e o cabelo curto, que ele próprio havia cortado. Embora os fios não estivessem exatamente no mesmo comprimento não foi um corte ruim. Ela se espantou um pouco ao vê-lo, pois estava habituada com sua barba grande e cabelos, porém, aprovou sua nova aparência. Até o elogiou, arrancando um sorriso convencido dele.

Contudo, o que mais continuava a lhe atrair no homem era a inteligência dele e suas conversas. Na verdade, era a bruxa quem mais falava, comentando os assuntos dos livros que estava lendo; Sirius escutava e até respondia, quando não estava mergulhado nos próprios pensamentos. Embora evitassem tocar em assuntos pessoais da vida dele, o diálogo entre os dois havia melhorado; o bruxo estava até sorrindo mais, sem aqueles traços de demência.

Passou a reparar também no jeito de Sirius, em como andava, gesticulava e sentava-se, em uma postura confiante e segura, um ar aristocrático, como de alguém que sabia se impor, mas sem ser forçado ou enfadonho; era algo natural dele mesmo. Considerando o que havia lhe dito de pertencer a uma família nobre no meio bruxo, não era de se espantar. Nos primeiros dias, a bruxa não havia notado essas particularidades, talvez porque o Maroto ainda se comportava meio como um lunático; agora, ele agia como se começasse a recuperar uma parte de si.

Descobriu também que sua voz a arrepiava. Um tom de barítono, firme, impostado e grave, que se suavizava às vezes. Quando ele sussurrava, o tom ganhava uma nota sensual, que a deixava sem fôlego.

Eram os olhos dele que, sem dúvida, mais lhe atraíam. Não era nem pela beleza do tom cinza deles, mas o mistério que guardavam. Podiam ser frios, escondendo qualquer tipo de emoção; ou intensos, revelando o que lhe ia na alma. O desejo por ela, por exemplo.

Um arrepio percorreu seu corpo. Sim, era cada vez mais nítido que Sirius a desejava. Por mais de uma vez, sentia os olhos dele a seguindo no quarto compartilhado, mesmo que não o mirasse de frente. Ele nem tentava disfarçar quando flagrava seus olhares; simplesmente escondia a intensidade deles e desviava como se não fosse nada.

Não era ruim ele desejá-la; era que ela estivesse gostando cada vez mais de ser alvo da cobiça dele.

Havia complicações para sequer considerar a possibilidade de se relacionar com Sirius Black: ele ainda era um completo estranho e um homem procurado pela justiça com quem não tinha futuro algum. Além disso, por estar sem memória, ela não sabia se era livre para ter alguém, ainda que fosse uma relação sem compromissos.

E se fosse casada? Não tinha uma aliança, mas talvez esse tipo de objeto fosse uma tradição apenas no mundo dos trouxas – ela não teve coragem de perguntar a Sirius a respeito. Mesmo que não fosse, poderia ter alguém, seja um noivo ou apenas um namorado e não usaria sua amnésia como desculpa para transar com Black sem incorrer em culpa.

Oh, Merlin! Ela havia usado a palavra "transar"? Seus pensamentos estavam indo tão longe com relação ao fugitivo? Sim, estavam.

Antes de ficar confinada com ele, aquela leve atração que sentia não lhe dava asas à imaginação além do que um simples desejo de estar junto e abraçá-lo, talvez até beijar. Mas não mais do que isso, eram sensações de uma garota no início da sua puberdade. Porém, agora… era como se seus hormônios começassem a esquentar. Nunca havia visto Black nu (ainda bem que ele tinha esse cuidado desde a estadia na cabana), mas pôde vislumbrar uma parte do seu peito descoberto por causa daquela roupa esfarrapada com que o encontrou. E viu as tatuagens… três pelo menos. Por Merlin, o que era aquilo? Desconfiava que ele tinha várias, porém, mesmo as que viu, às vezes, faziam-na vagar. Desenhar o contorno delas com seus dedos e...

Colocou as mãos na cabeça.

Merlin, que depravada! Será que eu era assim? Por favor, que eu não seja!

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Somente perto do horário do almoço que Sirius chegou em Little Winging. Estava cansado, havia caminhado por quilômetros desde Londres para chegar àquela cidade, embora fosse bem próxima à capital. Como ele nunca havia estado na localidade, não tinha um ponto de referência para aparatar. De qualquer jeito, havia deixado a varinha com a bruxa.

Agora precisava chegar à tal rua em que morava os Dursleys, segundo as parcas informações que tinha. Em breve comprovaria se era verdade que Dumbledore havia entregado à guarda de Harry para eles.

Foi uma sorte ter guardado na memória o nome do cunhado de Lilian; sua amiga vira e mexe reclamava dos encontros em família nos Natais e nas férias de verão.

Petúnia, a irmã de Lílian, havia se casado e piorou o gênio que já era ruim por influência do idiota do marido, segundo as palavras da bruxa.

- Válter vai ser promovido a qualquer momento! Ah, eu sou uma mulher de sorte porque casei com um homem que tem uma profissão decente – Lílian imitava a irmã, fazendo os Marotos rirem quando se encontravam – Válter isso! Válter aquilo! - ela explodia – Há! Não aguento mais nada de Válter Dursley!

Sirius zombava e achava o sobrenome do homem uma piada e, com as várias ridicularizações que sua amiga fazia tanto do indivíduo quanto da irmã, não foi difícil memorizar o sobrenome. Lílian também havia mencionado em mais de uma ocasião o nome da cidade em que residiam, mas o mago teve que fazer um esforço maior de memória para evocar a recordação, E naqueles dias em que estava escondido na hospedaria do Beco Diagonal, aproveitou para investigar com uma telefonista se havia algum Válter Dursley em Little Winging. O bruxo agradecia mentalmente por ter convivido com uma bruxa nascida trouxa e com Remo, pois aprendeu certos mecanismos do mundo trouxa, dentre eles, saber como usar uma cabine telefônica, embora no começo teve certa dificuldade para se lembrar de como fazer.

E agora que tinha a informação era só ir até o endereço indicado.

Rua dos Alfeneiros, número 4.

Teria que retomar a forma humana e ver as instruções que havia anotado de como chegar mais rapidamente no local; assim o fez na esquina de uma rua deserta. Verificou as indicações e percebeu que a forma mais rápida seria por metrô, um dos meios de transporte dos trouxas. Entraria furtivamente em uma estação e pegaria um, claro, na sua forma canina.

Antes de ir ao metrô, Sirius precisava comer; o problema é que não tinha o dinheiro dos trouxas e, mesmo que tivesse, corria o risco de ser reconhecido ao entrar em um estabelecimento. Em vários pontos da cidade abundavam cartazes com seu rosto. Por mais que fosse de quando ele era mais jovem e não tinha sequer um cavanhaque, seria possível reconhecê-lo.

Se ao menos houvesse trazido a varinha...

Pensou na Sereia. Não, era melhor que ela ficasse com o objeto. Estava mais preocupado com a bruxa circulando sozinha do que sua própria segurança. Ele podia se virar, fora treinado bem antes de Azkaban para isso.

Deu de ombros; agiria como um cachorro e saquearia o que pudesse das latas de lixo.

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A bruxa fechou o negócio do aluguel do chalé. O locatário lhe entregou as chaves e ela assinou o contrato com o nome com que se apresentou: Marlene Evans. Mesmo com um nome falso, o que valia era sua assinatura para selar a mágica no documento. Depois que o homem se foi, a moça ficou mais um tempo no Três Vassouras, pois pretendia almoçar no estabelecimento. Em seguida, iria para o chalé dar mais uma olhada.

Estava feliz! Teria um espaço mais amplo, reservado e tranquilo e um quarto só seu. Dividir o mesmo cômodo com Sirius estava se tornando cada vez mais difícil. Pensar nele lhe causou borboletas no estômago.

Ele quase me beijou.

Não parava de pensar nisso. O cheiro dele, as mãos quentes e fortes lhe envolvendo a cintura, sua respiração rouca... e aqueles olhos. Oh, Merlin! Aqueles olhos rasgando sua alma por dentro.

Sim, quanto antes saíssem daquele quarto compartilhado menos risco de ambos cometerem uma loucura.

Madame Rosmerta se aproximou para anunciar o almoço e entregar o cardápio com as opções variadas.

- Então a senhorita vai viver aqui em Hogsmeade? – perguntou ao anotar seu pedido

- Sim – ela forçou um sorriso, incomodada pela mulher ter pescado sua conversa com seu locatário – Me apaixonei pelo lugar

- Hum... sozinha?

- Com meu cachorro de estimação... e mais ninguém. Será que pode me trazer um suco de abóbora junto? – perguntou mais para mostrar que não toleraria perguntas

- Aham... claro. E seja bem-vinda à nossa Vila – a matrona abriu um largo e genuíno sorriso que a jovem não pôde deixar de corresponder – Com licença

Outros clientes começaram a chegar e a estalajadeira foi os acomodando em seus lugares.

Depois de algum tempo, a jovem bruxa foi servida com uma deliciosa carne de cabrito com batata assada acompanhado de uma sopa de legumes e salada. Estava tudo muito delicioso! A moça estava quase terminando e indecisa se pediria sobremesa ou não, quando escutou um grupo de três homens na mesa ao lado conversando:

- E Sirius Black? - começou um jovem de cabelos pretos e cacheados e nariz um pouco grande – Nenhuma novidade?

- Até agora nada. - retrucou outro mais idoso e careca – Meus ossos tremem só de pensar que ele está por aí.

- E tem toda a razão para tremer – declarou outro bruxo de cabelos grisalhos – Se o cara foi capaz de entregar os próprios amigos, matar um e ainda explodir doze trouxas que nada de mal fizeram a ele, não teria motivo pra ele não cismar com qualquer um que tivesse o azar de cruzar seu caminho.

A bruxa engasgou e quase deixou o copo que segurava cair. Estava tensa desde que começaram a falar sobre Sirius, mas escutar o que ele havia feito a abalou.

- Espero que o peguem logo e o mandem de volta para Azkaban.– continuou o terceiro bruxo – Ou melhor, que o explodam igual ele fez com os trouxas.

- Ouvi dizer de uma fonte que trabalha no Ministério que ele pretende matar Harry Potter – declarou o rapaz

- Sério? - retrucou o velho – Mas por quê?

- Completar o trabalho de Você-Sabe-Quem e vingar o seu mestre.

- Ah, lorota! - redarguiu o sujeito de cabelos grisalhos

- Não é não! – o jovem ergueu a cabeça altivo – Essa informação eu soube de alguém que trabalha no escritório do próprio Ministro Fudge

- Se é mesmo verdade, só mostra o quanto Black é um bastardo miserável! - tornou o idoso – Matar uma criança inocente!

- Mas se ele tentar, tomara que Harry Potter faça com ele a mesma coisa que fez com Você- Sabe-Quem! - concluiu o jovem

Os três homens acenaram e fizeram um brinde a essa declaração com suas canecas de cerveja amanteigada; passaram depois para outros assuntos.

A bruxa estava chocada! Sirius Black era um declarado assassino em massa! E pretendia matar o tal Harry Potter que era apenas uma criança!

Não, não pode ser.

Levantou-se toda atrapalhada e quase saiu sem pagar pelo almoço, apenas se lembrando quando Madame Rosmerta a chamou; ela se desculpou enquanto acertava a conta, mas a mulher não pareceu zangada, talvez notando seu estado de espírito; porém, não lhe fez perguntas.

A jovem saiu transtornada pelas ruas. Não era possível o que havia escutado. Estava em parceria com um criminoso de verdade? Por Merlim, o que faria?

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Sirius estava desde o início da tarde diante da casa quatro da Rua dos Alfeneiros. Ele não teve oportunidade de saber se Harry realmente morava ali ou não porque o garoto não havia saído nenhuma vez. Apenas viu os tios: um sujeito alto e corpulento, com enormes bigodes, cujo pescoço parecia nem existir (pela descrição de Lílian, devia ser Válter); e uma mulher magricela e loira (Petúnia com certeza); também avistou outra trouxa, tão corpulenta quanto o Dursley (devia ser uma irmã).

Black decidiu que se não visse o afilhado até o jantar, daria um jeito de invadir a casa para verificar, mesmo que o expulsassem depois como um cão sarnento. Ao chegar a hora, estava prestes a fazer o que pretendia quando, por fim, viu algo que o deixou confuso: a mulher corpulenta, que supunha ser irmã de Válter, saiu pela porta da sala inchada como um balão; mesmo com as tentativas do Dursley ela não voltou para baixo e logo voou para o céu. O homem retornou furibundo para a residência.

Aquilo claramente era magia! Então Harry vivia lá; só não entendia o que havia acontecido. Será que o garoto realizou um feitiço errado? Se bem que ele não poderia, já que ainda era menor de idade e era proibido pelo Ministério um menor usar magia em casa. O Maroto isolou os ruídos à sua volta e apurou sua audição para tentar escutar no interior da habitação, mesmo na distância em que estava.

- Volte aqui! – uma voz grossa, do Dursley, bradou – Volte aqui e faça-a voltar ao normal!

- Ela mereceu! – gritou uma voz juvenil depois de alguns ruídos que fez – Ela mereceu o que aconteceu. E o senhor fique longe de mim. – passos ecoaram até se aproximarem da porta da frente – Vou-me embora. Para mim já chega.

Sirius viu um adolescente sair da casa com um malão, a raiva estampada no rosto. Pelo que viu e entendeu da conversa, alguma coisa havia acontecido entre aquela mulher e o garoto para fazê-lo ir embora sem sequer se preocupar com a velha saindo pelos ares.

Tiago.

Siris sentiu um arrepio. O garoto era a imagem viva de seu melhor amigo e até usava óculos como ele; pelo visto, herdou seu gênio também e a tendência de fazer o que era contra as regras. Teve vontade de ganir ao achar graça com o que ele havia feito com a mulher, mas se segurou.

Seguiu o menino a certa distância para que este não o percebesse. Ele estava indo embora para algum lugar; Black decidiu que ficaria por perto até vê-lo seguro e esperava que o Nôitibus viesse apanhá-lo. Depois de algumas ruas, o adolescente se sentou em um muro baixo de uma rua curva com prédios geminados e permaneceu um bom tempo mexendo e remexendo em seu malão.

Black se aproximou mais um pouco e ficou entre o vão de uma garagem próxima e uma grade atrás do afilhado. Como se sentisse a presença do Maroto, Harry se virou de repente, acendeu a varinha ao murmurar Lumus e direcionou-a no local onde Sirius se encontrava.

O menino tropeçou na mala e caiu do muro junto com a varinha. Black se amaldiçoou por tê-lo assustado, ia verificar se estava bem, mas nesse momento, surgiu um ônibus de três andares. O cão se afastou. Ali estava o Nôitibus, o transporte que ele usou por várias ocasiões quando saía furtivamente da casa dos pais, a última vez quando os deixou para morar com os Potter.

Sirius não se afastou por completo; escondeu-se em um arbusto e aguardou que seu afilhado subisse no veículo; só quando este partiu é que, finalmente, também se foi.

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A bruxa andava de um lado para outro no quarto da hospedaria; nem havia solicitado jantar, pois havia perdido a fome. Estava quase pensando em abandonar Sirius, mas achou melhor confrontá-lo. Não acreditava que ele teria coragem de atacá-la já que poderia gritar em um local onde havia vários bruxos.

Ele matou doze trouxas em céu aberto. Por que ele se ia deter diante de uma bruxa?

Bem, ela não estava indefesa, já que portava sua varinha. Se ele tentasse alguma coisa, iria se arrepender, por mais experiência que tivesse em combate. Black havia lhe ensinado alguns feitiços defensivos e outros ela havia se lembrado de que já sabia realizar. Se ele esperava que ela não fosse capaz, havia lhe subestimado.

A jovem se sentou mais uma vez na cama e, por fim, não pôde segurar as lágrimas que saíram. Não podia acreditar que havia se deixado enganar por Sirius ao acreditar que ele foi injustiçado. Mas essa parecia a verdade.

Depois que saiu do Três Vassouras, foi comprar exemplares do Profeta Diário no Beco Diagonal tanto da edição atual, quanto das passadas desde a primeira sobre a fuga de Black. Foram expostos os detalhes sobre as ações do bruxo que culminaram em sua prisão. É claro que ela já havia escutado antes comentários sobre a fuga de Sirius em vários lugares, inclusive no saguão da hospedaria, mas nunca se deteve para saber as minúcias; tampouco quis saber o que falavam dele nos jornais, apesar de sua curiosidade. Confiou em sua intuição que lhe dizia que Sirius era inocente seja qual fosse o crime pelo qual foi preso e que ele lhe diria com o tempo. Mas nunca imaginou que ele fosse acusado de mais de um crime. Ela esteve esse tempo todo enganada. Não, ela foi manipulada a se deixar enganar.

Sirius Black era um psicopata e manipulador! Ele a usou para conseguir ter acesso ao Cofre pessoal para sacar dinheiro e ficar em um lugar mais confortável. Se a salvou e cuidou dela, não foi por se importar de fato, mas para utilizá-la. Toda aquela conversa de que não pretendia levá-la porque atrapalharia seus planos era pura encenação. Ele soube fingir muito bem!

Merlin, não queria acreditar nisso! Mas o que poderia pensar de um homem que sequer confiou nela, apesar de seu juramento? Por que a recusa em lhe dizer do que era acusado? Só podia porque tinha culpa no cartório. Pensando bem, era uma sorte ela não ter sido morta por ele até agora.

Porque ele ainda precisa de mim. E porque me deseja. Ele quer meu corpo. Até que eu não sirva mais para ele.

Era muito duro chegar a essa conclusão, mas não conseguia se livrar desses pensamentos. A dor no peito e o choro aumentaram.

Como desejou mais do que nunca se lembrar de quem era! E ir embora! Ansiava muito estar com sua família, se ainda tivesse alguma.

Mãe! Pai! Quem são vocês? E onde estão?

Sua cabeça começou a doer. Fragmentos de uma cena ressoavam.

Estava na cozinha da casa e olhava para a mesa com uma bandeja onde sabia que estavam os bolinhos de chocolate que sua mãe havia preparado para receber uma amiga. Por que fazia doces para os outros e lhe proibia de comer? Vivia dizendo que era porque a filha estragaria seus dentes. Mas não era justo! A menina queria comê-los! Se pudesse apanhá-los…

Só que a mesa era alta e não conseguia alcançá-la por mais que estendesse a mão. Choramingou. Ela queria os doces!

Na mesma hora, a bandeja se mexeu e voou pelos ares, caindo no chão aos seus pés e derrubando as iguarias

A menina ficou olhando com espanto; tinha certeza de que não poderia ter feito a travessa voar, sequer havia conseguido tocá-la com a ponta dos dedos.

- O que está acontecendo aqui? - sua mãe irrompeu pela cozinha, talvez atraída pelo som da queda da bandeja. Ela olhou para o utensílio com espanto e direcionou o mesmo olhar para a filha agora com uma expressão de zanga enquanto colocava os braços na cintura – H...J…G… o que você fez?

A bruxa arfou com a lembrança. A mulher que via com as mesmas características físicas que ela era sua mãe. Ela tinha um rosto! E uma voz. Uma voz suave e linda, apesar da bronca. E havia dito seu nome completo, mas ela não conseguiu captar, a não ser os sons das iniciais. Por Merlin, tinha que se lembrar!

Antes que fizesse uma tentativa, escutou um arranhar de patas na porta e um pequeno latido. Era Sirius.

Seu coração deu um solavanco. Não! Justo agora? Queria confrontá-lo, mas não neste momento em que sua mente parecia querer colaborar. Ele havia dito que talvez só voltasse no dia seguinte, mas pelo visto havia conseguido terminar o que foi fazer. Estremeceu. Esperava que não, mas de qualquer jeito, ele estava de volta. Black tornou a latir e a arranhar a porta

Era melhor abrir e terminar o quanto antes com aquele confronto. Caminhou trêmula, girou a maçaneta, permitiu que ele entrasse e afastou-se para o canto mais distante do quarto.

- E então, Sereia? Acertou o aluguel do chalé? – perguntou ele assim que se transformou – Quando podemos ir para lá?

- Você... conseguiu voltar hoje. – ignorou as perguntas dele

- Usei o metrô na volta desde Little Winging. Consegui despistar os trouxas que vigiam o metrô e entrei de penetra. E nenhum dos passageiros teve coragem de expulsar um cachorro grande com ar ameaçador de dentro do vagão. – ele sorriu – Desci no centro de Londres e não tive que andar muito até aqui. É muito rápido esse meio com que os trouxas viajam. Eu só usei uma vez antes, mas...

- Como foi com seu afilhado? – interrompeu-o para se concentrar na informação que desejava e que temia a resposta – Você conseguiu… o que pretendia?

- O que você tem, Sereia?

- Responda à pergunta, por favor.

- Sim, eu o encontrei – ele abriu o largo sorriso – Demorei um pouco, mas consegui achá-lo e…

- Você o matou? - ela indagou com uma pontada no coração

- O que disse? - Sirius estreitou os olhos

- O que você escutou. Perguntei se você matou seu afilhado... se é que ele é seu afilhado mesmo.

- Que merda é essa que você está falando? - ele se aproximou ameaçador, mas se deteve quando ela apontou a varinha

- Fique longe de mim, infeliz! Não dê nenhum passo ou eu juro que te lanço um feitiço!

- Qual o seu problema, mulher? - ele esbravejou – Perdeu a memória e agora perdeu a razão de vez?

- Eu já sei de tudo! Eu descobri o que você fez! - a expressão confusa do bruxo se desfez e assumiu uma máscara fria – Já sei sobre sua traição a Tiago Potter, pai de Harry Potter. Já sei sobre a morte dos doze trouxas e de outro bruxo! Descobri a verdade sobre você.

- Ah, descobriu – ele emulou um sorriso cruel e bateu palmas – Meus parabéns!

- E agora você diz… com essa tranquilidade… que… - O cinismo e o sarcasmo dele a feriram. Tentou conter o choro, mas este saiu por entre sua voz. – que… foi capaz de matar um garoto… apenas para se vingar… por lealdade a um bruxo perverso…

- Não fale do que você não sabe… Sereia – ele falou espremido com as mandíbulas quase cerradas

- Não me chame de Sereia!

Sirius pensou em retrucar, mas se calou; ela também não disse mais nada. Ambos permaneceram segundos sem trocarem palavras enquanto se encaravam com raiva. Lágrimas deslizavam pela face da bruxa, mas ela não se importou. Súbito, a memória de sua mãe lhe veio na mente outra vez.

H...J…G… o que você fez?

A jovem esqueceu por alguns segundos do bruxo apenas para se concentrar na última fala de sua mãe a nomeando. Sirius notou que algo lhe passava por sua expressão, mas não se aproximou, tanto pela atitude defensiva dela como por suas acusações.

H...J…G… o que você fez?

H... Jean…G… o que você fez?

Jean… o que você fez?

Jean.

- O meu nome é Jean.

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Bom, a Hermione se lembrou de parte do nome, o segundo, pelo menos. E é daqui em diante que ela vai ser chamada assim por Sirius, embora ele não vai deixar de lado o apelido de Sereia, só para implicar com ela.

Não fiquem bravas com a bruxinha. Sirius e ela vão esclarecer as coisas no próximo capítulo. Ah, o primeiro beijo está chegando, não no próximo, mas está perto.

Comentem, viu? Até a próxima!