Preciso sair daqui, agora.
Anda, se mexe, você não pode fazer exatamente o que fez há doze anos, você precisa se mexer, por favor, colabore comigo, apenas dessa vez.
Mordi meus lábios e arranquei alguns tufos de grama e terra do chão.
Mesmo fazendo forças para o meu corpo se mexer, ele não queria.
Começo a me bater e ardência dos meus tapas, apenas me fez desejar me ferir ainda mais.
Por favor, você precisa se levantar.
Levanta-te! Você não é toda cheia de si? Você não é a pessoa que não precisa de ninguém? Que não precisa de ajuda? Então por que você não se levanta? Vai, se mexe logo!
Não posso aparatar aqui, tem barreiras e acabarei me machucando.
Preciso. Sair. Daqui.
Meu corpo estava tremendo e não sabia se era devido ao medo do escuro, ou o meu corpo dizendo que em poucos minutos estaria morta.
Não quero morrer, não quero refazer tudo de novo, por favor, reage, você é meu corpo e você não deveria me obedecer?
Nossas pernas não estão quebradas e nem as nossas costelas estão ferradas, não temos algemas de contenção de magia em nossos pulsos ou tornozelos.
Estamos livres, Leesa. Então, por quê? Por que estamos deixando o nosso corpo nos matar? Você é melhor que isso, você é melhor que essas lágrimas que estão descendo por nosso rosto.
Você tem que engolir o choro e reagir. Você não é mais a porra de uma criança, você não tem que chorar por tudo, mesmo que esteja doendo, mesmo que você esteja com medo, você tem que engolir o choro e fazer o que tem que fazer.
Esqueça que tem sentimentos, esqueça tudo e faça o que tem que fazer.
Apoiei minhas mãos no chão e as uso de apoio para me levantar. Minhas pernas tremeram e cambaleei para frente e para trás.
Sequei minhas lágrimas e o sangue dos meus lábios, dou alguns passos para a frente e mesmo meu corpo queimando de dentro para fora, tinha que aguentar, e vou aguentar.
Tinha pouco tempo, pouco tempo para sobreviver...
Enquanto caminhava, tentava vasculhar a bolsa na minha coxa. Tinha que ter algo que poderia aliviar a minha dor, a sensação da morte batendo na minha porta.
Achei um kit de primeiros socorros e vejo algo que nunca imaginei me injetar. Adrenalina.
Tudo bem, vamos lá.
Apoiei o meu corpo na grade do jardim e retiro a tampa da caneta; levantando a barra do vestido que um dia foi bonito e injeto na minha coxa o conteúdo da caneta.
Sinto um pouco de ardência pelo conteúdo entrando no meu corpo, mas isso era o menor dos meus problemas.
Retiro a caneta da coxa e a coloco na minha bolsa. Olhei para cima, vendo o céu estrelado, mas enquanto via essa bela visão tentava esquecer esse lugar escuro que me dava mais vontade de vomitar.
Faço meu sangue levar a adrenalina onde tinha que ser levada, mas um pouco mais rápido.
Não tinha tempo, pela primeira vez em todo esse tempo, não tenho tempo.
Não posso voltar no tempo e criar um loop temporal. Não posso voltar no tempo para me salvar, mas posso voltar no tempo para salvar os outros...
Então quem vai me salvar? Eu, já que não quero preocupar os outros com os meus problemas.
Respiro fundo e o ar gelado entrou em meus pulmões, os fazendo arder.
Sinto um pouco melhor e meu coração começou a bater mais forte no meu peito, doendo um pouco, mas não era desconfortável como antes.
Saio do jardim e me sinto passando pela barreira. Aparato para outro lugar e meus pés sentiram o asfalto da rua.
Continuo andando em direção daquele lugar que só visitei uma vez, mas não mudou nada, apenas ficou mais decadente.
Não me importava de como eu estava, se meus cabelos estavam se soltando do coque, se meu rosto tinha manchas de sangue, ou se tirei o feitiço do meu corpo por sentir calor demais.
Nem o frio da noite estava me fazendo melhorar.
Abro o portão e continuo andando em direção da porta de entrada, nem mesmo me importando com a grama morta ou o portão torto devido à ferrugem.
_ Procure-o. - Minha magia se partiu e entrou por de baixo da porta, indo na minha frente.
Abro a porta do orfanato e a escuridão daquele lugar me fez segurar a maçaneta com força.
Olho para trás e as luzes da rua eram confortáveis, mas aqui... Olho novamente para o cômodo escuro.
Venceremos os nossos medos, não é como se Harry Potter fosse aparecer ou Dragon me protegeria com sua vida.
Já passou, não deveria mais doer, e não dói, mas as memórias... Machucam.
Entro no orfanato e fecho a porta atrás de mim, fazendo tudo ficar completamente escuro.
Minha cabeça estava doendo e meu corpo estava vibrando, me dizendo para ser mais rápida, a adrenalina passaria o efeito e não quero me rastejar no chão para chegar no garoto.
E pensar que falei que não seria a porra do seu salva-vidas, mas o que estou fazendo agora? Salvando a sua vida, a nossa vida!
Vejo a minha magia me chamando no andar de cima e a uso como porto seguro, ela era brilhante demais e aquilo era um consolo para os meus traumas, mas não era brilhante o suficiente para tirar totalmente a escuridão.
Subo a escadaria lateral e as tábuas de madeira rangeram pelo meu peso, odeio casas antigas.
Olho para os lados e o corredor era escuro devido aos azulejos, tão deprimente, parece tanto...
Paro de pensar e vou para o final do corredor, abrindo a porta e fazendo um lumos com os dedos, não aguentaria ficar no escuro por muito tempo, mesmo a minha magia iluminando o lugar não era o mesmo.
Entro no quarto e escuto gemidos de dor e respiração ofegante.
Fecho a porta e vou até a cama, observando o garoto suando e quase fazendo um novo oceano.
Antes que colocasse minha mão em sua testa, meu pulso foi preso e apertado fortemente.
_ Q-quem? - Sussurrou e fiquei impressionada com seus olhos.
Eram tão lindos e castanhos, mas aqueles olhos tinham tanta força e determinação que só queria poder vê-los para sempre.
Era como se estivesse sendo vista pela primeira vez, sendo vista de verdade e não com as minhas máscaras.
Como se ele pudesse me reconhecer, o que é isso? Por que me sinto feliz? Sou doida? Alguns minutos atrás estava chorando de dor e agora estou hipnotizada por um par de olhos.
_ Vim curá-lo. - Estalei meus dedos e faço o feitiço Abaffiato, não queria acordar ninguém. _ Você está doente. - Riu e parecia zombar de minhas palavras.
_ Será que pedi tanto aquele Deus que essas pessoas diziam ser o salvador que acabei chamando um anjo? - Minhas bochechas ardiam e me ajoelhei no chão.
_ Não sou um anjo.
_ N-não? - Gaguejou. _ Mas parece um, é um anjo da morte? Irei morrer?
_ Não. - Faço que largasse o meu pulso e alisei a sua testa molhada. _ Você não pode morrer, não deixarei. - Franziu a testa e fiz movimentos circulares, o vendo aliviar sua tez.
_ Por quê? - Sussurrou e comecei a pegar algumas poções na minha bolsa.
_ Por que, o quê? - Não parou de me observar um minuto se quer.
_ Por que está me ajudando?
_ Quer a resposta verdadeira?
_ Será honesta comigo? - Tossiu e fechou os olhos, não queria que tivesse feito isso. _ Ninguém foi honesto comigo.
_ Nem comigo. - Nem mesmo sou honesta comigo. _ Se você morrer, eu morro. - Destampei as poções. _ Tome, isso irá melhorar.
_ Por que tomaria isso? - Revirei os olhos.
_ Você quer morrer? - Sacudiu a cabeça negando. _ Então não pergunte. - Levantei sua cabeça e o fiz beber as poções.
Quando bebeu todas as poções, dei um suspiro de alívio e comecei a chorar. Porra, quase senti a morte puxando os meus pés e dizendo: sua hora chegou.
Estou aliviada por estar viva e não precisar reviver tudo para voltar aqui novamente. Mas o alívio fez todo meu corpo tremer de cansaço, tanto mental, quanto físico.
Parece que estava em uma batalha e depois de meses, acabei vencendo o exército inimigo.
Meu sangue voltou ao normal e tossi um pouco devido a isso, fazendo o garoto observar os respingos de sangue negro em seus lençóis.
_ Não sabia que anjos tinham sangue negro, é bem bonito. - Bonito?
_ É a minha maldição, uma maldição do tempo. - Tento esconder as minhas lagrimas, mas sinto dedos em meu rosto.
_ Por que o anjo está chorando? Sempre pensei que anjos não pudessem chorar. - Ri enquanto chorava.
_ Alívio. - Falei. _ Você não morreu, estou aliviada por isso. - Secou as minhas lágrimas.
_ Sou tão importante assim para você? - Fico surpresa, em fazendo ficar por alguns minutos sem falar.
_ Sim, você é importante demais para mim. - Respirei fundo e deixo a minha testa cair no colchão fino, um pouco longe dos respingos.
Era desconfortável.
Viro o meu rosto para ele que continuou examinando o meu rosto, meu vestido sujo e para o que podia ver das minhas costas, me sentia despida, sem as minhas tão amadas armas, sem a minha zombaria.
Estava sem nada e me sentia mal por isso.
O odeio tanto...
_ Quem a feriu? - Parou de olhar as minhas feridas. _ Não quer falar?
_ Pessoas, elas pensavam que se me machucassem, poderia ser uma pessoa boa e comportada. - Deitou-se de lado e continuou me olhando.
_ Vejo que não deu certo. - Não esboçava nenhum sorriso, ele era sério e mesmo sabendo que estava doente, queria vê-lo sorrir.
_ Nunca pensei ver uma criança tão séria, por que você não dá um sorriso ocasionalmente?
_ E você? Você não expressa nenhum sorriso verdadeiro e não...
_ Já, já sorri e já fui feliz.
_ Não é mais?
_ Não, não me sinto mais feliz, apenas me sinto anestesiada de todos os sentimentos. - Por que estou falando isso com ele?
_ O que a fazia feliz?
_ Carinho, amor e conversas inteligentes.
_ Como? - Fico sem entender. _ Como é receber carinho e amor?
_ Teria que demonstrar e... - Sentou-se na cama e parecia esperar por algo. _ Você precisa ficar deitado, as poções não são rápidas. - Levantei-me com dificuldade e me sentei na cama, o fazendo se deitar novamente. _ Você precisa ser um bom menino e se deitar.
Estalo os meus dedos, fazendo sua roupa e a roupa de cama ficarem limpas, sem suor e sangue.
Faço o colchão ser mais confortável e as cobertas serem mais fofas e quentes.
_ Isso é carinho? - Pisquei algumas vezes. _ Não é?
_ É, isso é como chamamos de carinho e preocupação.
_ Comigo ou com você? - Fazia muitas perguntas.
_ Conosco, se eu morrer, você morre e se você morrer, eu morro. - Cutuquei a sua testa. _ Entendeu?
_ Por que está me contando sobre isso?
_ Porque vou retirar de sua cabeça tudo que estamos falando, você não vai se lembrar de mim. - Colocou os braços para fora do cobertor e ficou mexendo nos seus dedos. _ O que foi?
_ Nunca mais verei o anjo?
_ Sim, nunca mais vai me ver, e será melhor assim. - Minha cabeça estava zonza. _ Não posso ficar perto de você. - Digo devagar.
_ Por quê?
_ Você faz muitas perguntas.
_ Não pararei. - Concordei sorrindo e ele ficou olhando para o meu rosto.
_ Você tem um sorriso bonito, deveria sorrir mais.
_ Sempre estou com um sorriso. - Digo cansada.
_ Mas são verdadeiros?
_ Alguns deles.
_ Você ainda não me respondeu. - O empurrei para o lado para me deitar ao seu lado.
_ Se eu ficar mais tempo com você, acabarei me apegando a única pessoa que ficou comigo por todo esse tempo, e não posso, ainda o odeio por ter me privado de fazer tantas coisas. - Fechei os meus olhos.
_ Nunca a vi na minha vida, não que me lembre.
_ Sim, você não me conhece e não deveria me conhecer, você é apenas um menino, afinal.
_ Você pode me dizer o seu nome?
_ Não.
_ Isso é um pouco injusto, você não acha? Você me conhece, mas não a conheço.
_ A vida não é justa. - Continuo com os olhos fechados.
_ Você está sujando a minha cama. - Franzi minha testa e o olhei. _ Não gosto de sujeira.
_ E não gosto de você. - Sorriu de lado e disse.
_ Mas está aqui. - Revirei os olhos. _ Me ajudando e sujando a minha cama.
_ Para de ser irritante, vou matá-lo. - Continuou com aquele sorrisinho irritante nos lábios.
_ Você morrerá.
_ Não tem problema, volto depois de tê-lo matado. - Pelo menos vou ter o gostinho de ter matado ele.
_ Você vai matar um menino indefeso? - Ri na parte do indefeso.
_ Você não é indefeso, é mais fácil me matar do que o oposto.
_ Por que mataria o anjo que me ajudou? - Seus olhos ficaram mais brilhantes.
_ Não sei, você vai matar muitas pessoas apenas por eles não fazerem o que você quer.
_ Como?
_ Não direi, vai que você me mata? - Escuto uma pequena risada e o observo. _ Você riu.
_ Não, você deve estar alucinando, será que você também está com febre? - Colocou a mão na minha testa e peguei a sua mão.
Puxou minha mão e ficou a observando.
_ O que foi?
_ Pensei que sua mão fosse suave, mas é um pouco áspera em algumas extremidades, seu marido não trabalha? - Ri com essa fala.
_ Não tenho marido. - Continuou com a minha mão. _ E minha mão é assim porque construo coisas.
_ Você é inventora?
_ Acho que podemos colocar dessa forma. - Não largou a minha mão. _ Eles o machucam?
Apertou minha mão e seus olhos estavam frios como gelo, fazendo minha respiração ficar presa no meu peito. Tão bonitos.
