Fecho a porta e vou até o meu quarto, precisava mudar de sapato, ou poderia muito bem ir assim... Estou brincando.
Corro até a escadaria, subindo os degraus em dois, em dois, não me importando se estava quasse morrendo quando o corredor extenso me foi apresentado, que continha jarros de flores e uma janela ampla no final do corredor.
Apenas dei alguns passos e entrei no meu quarto, vendo que os dois brincavam na minha cama.
_ Vou sair, se comportem.
_ "Miau". - Sentei-me na cama e comecei a colocar o sapato.
_ Não, não posso levar vocês e vocês têm que ficar aqui, protegendo a casa, conseguem fazer isso, não conseguem? - Olharam-se e se abraçaram. _ Isso, vocês são fortes e protegerão muito bem onde a gente está vivendo.
Levantei-me da cama e cutuquei os dois, logo saindo do quarto.
_ Penny? - Chamei o elfo e ele apareceu. _ Os biscoitos ficaram prontos? - Desci a escadaria, parando no primeiro andar.
_ Sim, Penny colocou os biscoitos em um saquinho, quer que Penny traga para a senhorita?
_ Sim, obrigada. - Estalou os dedos e dois saquinhos apareceram. _ Obrigada, Penny. - Abaixou as orelhas. _ Vou sair, qualquer coisa você sabe como me encontrar.
_ Penny sabe. - Ele era o único que sabia sobre isso.
_ Até. - Saio da mansão e aparato para a rua do orfanato.
Um vento gostoso bateu na minha nuca e continuei caminhando, iria encarar mais uma vez o meu medo.
Mas já tinha alguns dias que não estava me importando tanto quanto a última vez.
E pensar que não tenho mais a mania de dormir abraçada com a minha bolsa, bom, troquei essa mania por um travesseiro, mas é muito mais confortável.
Abro o portão do orfanato e continuo caminhando, parando na porta para fazer a minha magia ver se alguém além daquele garoto estava acordado. Não queria ser presa.
Porém, conseguiria perceber isso se não tivesse desligado esse pequeno e inútil interruptor em meu corpo, sentir demais era exaustivo e nada libertador.
Mas que foi muito eficaz em várias situações, apenas que esse mundo, essa época, tinha mais pessoas que me faria ficar doente se conseguisse sentir suas magias.
Então, prefiro me privar, sabendo que a minha magia poderia sair do meu corpo – algo que nem todos conseguem–, para fazer o trabalho sujo em meu lugar.
Todavia, depois de alguns segundos minha magia voltou e a sinto me dizer que não tinha ninguém acordado, apenas o garoto irritante.
Abro a porta da frente e a fecho devagar, subindo a escadaria e indo até o final do corredor sem precisar de luz.
_ Você está atrasada. - Revirei os meus olhos e fechei a porta atrás de mim.
_ Quantos minutos dessa vez? - Faço um lumos e o Abaffiato.
_ Dois, dois minutos. - Continuou na mesma posição, sentado, olhando para a parede.
_ Melhorei, na última vez me atrasei por cinco minutos. - Sentei-me ao seu lado. _ Toma e espero que você goste. - Entreguei os biscoitos e ele ficou olhando para um lugar fixo.
_ Você quem fez? - Olhei para as minhas mãos que estavam com os band-aid ainda. _ Foi doloroso?
_ Não, não foi doloroso. - Pegou um dos saquinhos. _ E sim, fui eu que fiz, espero que não estejam ruins.
_ Você sabe que se estiver, vou falar, não é? - Infelizmente.
_ Você não tem compaixão e nem empatia. - Tombou a cabeça.
_ O que é isso? É de comer? - Zombou. _ E estão bons. - Comeu mais um. _ Quer?
_ Aceito. - Peguei um e o coloquei na boca.
Tirei os meus sapatos e me encostei na parede, o que fez colocar os pés em cima de mim.
_ Você é muito folgado. - Tentei empurrar seus pés, mas ele não deixou.
_ Sou uma criança, tenho que ter o melhor dos confortos. - Revirei os olhos. _ Você revira muitas vezes os olhos.
_ Brigará comigo por causa disso? - Será que posso sufocá-lo com os biscoitos?
_ Não estou brigando, só comentei um fato. - Onde que daria para enterrar o corpo?
_ Você é tão chato. - Peguei outro biscoito.
_ Mas sou o único que a compreende. - Merlim, por que tinha que ser ele? Justo ele?
_ Até o momento.
_ Não existirá outro, sou único. - Ele tinha razão nisso, ele era o único que conseguia me tirar do sério em segundos.
_ Você vai matar a pessoa? - Zombei, ele não tinha nem tamanho, imagina matar alguém.
_ Você está sendo muito extrema. - Debochou. _ Só disse um fato e você já quer me colocar como assassino. - Suas palavras podem ser "confiáveis", mas o seu sorriso o entregava.
_ Você vai virar um. - Pontuei, comendo um biscoito. _ Somos assassinos, um brinde. - Peguei outro biscoito e bati no seu.
_ Um brinde. - Continuou comendo. _ Prefiro você com cabelos soltos. - Coloquei a mão na cabeça e percebo que estava de coque. _ E prefiro ver as suas marcas, por que as esconde?
Isso não o contei, achei que não era apropriado contar no segundo dia de nossas conversas.
_ Você tem que parar de fazer perguntas.
_ Você estava com elas quando veio pela primeira vez.
_ Naquele dia estava morrendo por sua causa. - Deu de ombros. _ E elas são horríveis e as pessoas iriam comentar sobre duas cobras e um vira-tempo em minhas costas, e está fazendo calor e não posso usar blusa de frio.
Ele não sabe da terceira cobra e continuará assim.
_ Você liga para as pessoas? Pensei que fosse mais dona de si. - Acho que posso acabar com esse pirralho sem levantar suspeitas.
_ As palavras não ferem tanto quanto antes, mas elas... - Respirei fundo, tentando saber o porquê continuo falando, se minha cabeça dizia para matá-lo. _ Elas ainda machucam.
_ Já fui chamado de muita coisa e ainda me chamam. - Retirou os seus pés da minha perna e segurou minha mão. _ Mas não ligo mais.
_ Duvido muito, você quer que todos eles morram. - Sorriu de lado.
_ Isso é verdade. - Apertou minha mão.
_ Então você ainda liga para o que dizem.
_ Somos estranhos. - Riu e era uma risada fofa. _ Mas gosto de sermos estranhos, não nos faz únicos? - Insistiu e não pude discordar.
_ Bom, faz. - Acho que agora entendo o porquê continuo falando. _ Um dia terei orgulho de ter essas marcas...
_ Mas não tenho orgulho de suas marcas. - Estranhei. _ Tenho orgulho de você. - Sinto meu nariz pinicar e meu coração aquecer de uma maneira estranha.
_ Obrigada, todos dizem que estarão sempre comigo, ou que aceitam como sou, mas nunca me disseram isso. - Acho que só precisava disso.
_ E essas pessoas estão com você?
_ Não, elas se foram. - Fechei os olhos. _ Algumas eu que deixei ir, as outras foram tiradas de mim. - Também tirarei ele da minha vida.
_ Nunca diria nada desse tipo se não soubesse o que aconteceria comigo.
_ Mas você não sabe. - Acenou. _ Você sabe?
_ Não, infelizmente, mas você sabe e poderia me contar para ver se posso dizer certas coisas para você. - Não diga, não faça esse coração bater novamente por esperança.
_ Tipo o quê? Que você morre em 1998? - Zombei, ela sempre foi a minha aliada nesses momentos.
_ Sim, e que me ajude a não morrer em 1998. - Se não tivesse esse juramento, deixaria mais uma vez.
_ Serei a sua consultora do futuro?
Bom, ele não é burro, infelizmente. Ele acabaria chegando na conclusão que vim do futuro, uns dos motivos que foi a primeira coisa que contei.
_ Acho que consultora do futuro é um nome meio merda. - Esqueci que essa criança era estranha. _ Mas podemos dizer que somos parceiros de negócios.
_ Amigos com benefícios? - Sorriu.
_ Até o momento, sim. - O que ele quis dizer com isso?
_ O que essa cabecinha está tramando? - Cutuquei sua testa. _ Não pense em coisas estranhas.
_ Mas não estou e apenas concordei com suas palavras. - Colocou o saquinho na cama e se ajoelhou nela, tirando o elástico dos meus cabelos. _ Muito melhor.
Meus cabelos caíram em uma cascata e uma grande parte caiu no meu rosto, o que o fez retirar do meu rosto, como todos os dias que fez isso.
_ Você apenas me vê, anjo. E apenas vejo você. - Arrumei os meus cabelos. _ Queria saber o seu nome.
_ Não.
_ Injusto.
_ Já disse, a vida não é justa. - Peguei o último biscoito do saquinho e o comi.
_ Então farei que a vida seja justa para nós. - Sei que era possível, mas apenas para si.
_ Ok, esperarei por isso. - Tirei o feitiço do meu corpo. _ Está feliz?
_ Sim. - Alisou minhas cicatrizes esbranquiçadas do braço. _ Sei que foram pessoas que fizeram isso, mas quais sãos os nomes?
_ Foi apenas um homem que quero matar. - Potter era o culpado principal.
_ Perguntei o nome e não o que você vai fazer com ele. - Irritante. _ Sim, sou irritante.
_ Harry, Harry Potter. - Vejo seus olhos perderem o brilho e suas mãos estavam cerradas. _ O que foi? Vai pegar as minhas dores para você? - Seu semblante parecia frio e isso me deixou surpresa.
_ Por quê? - Se pudesse, já estaria com as mãos nos meus ombros, me sacudindo. _ Por que ele fez isso com você?
_ Já falei... - Acho que era capaz de matar qualquer com seu olhar. _ Porque tenho coisas que podem prejudicar o mundo das trevas, o mundo que ele abomina. - Prestou muita atenção. _ Ele queria os nomes das pessoas que ajudaram o Lorde, e eu tinha todos os nomes que achavam a...
_ Sou o Lorde? - Não disse? Não falei que ele era inteligente?
_ Sim, você é o Lorde, o futuro Lorde das Trevas.
_ Você protegeu as pessoas que me seguiam? - Estava lisonjeado.
_ Sim, mas não foi por você, tinha coisas importantes na bolsa e fui torturada por ele, torturada por doze anos. - Não via pena em seus olhos e nem tristeza, apenas raiva. _ Ele pensava que me torturando iria falar os nomes.
_ E por que não falou?
_ Não conseguia, fiz uma barreira em minhas memórias e algumas memórias são tão nebulosas que nem me lembro delas. - Bufou, quase se jogando para trás.
_ Você deve se odiar muito.
_ Sim, mas também o odeio e muito. - Deu batidinhas no meu ombro.
_ Farei você parar de me odiar. - Como se isso fosse possível.
_ Impossível. - Abri o outro saquinho de biscoito. _ O odeio há bastante tempo, não tem como parar de odiar uma pessoa em poucos meses.
_ Mas esse ódio não pode virar outro sentimento? - Alguma coisa com um significado bom? Nunca!
_ Não, não vou deixar. - Revirou os olhos e continuou alisando minhas cicatrizes.
_ Vou crescer e farei você ficar ao meu lado.
_ Vou esperar sentada, porque em pé cansa. - Riu. _ Não quero estar ao seu lado, Tom. - Ficou sério. _ Não quero nada com você.
_ Então por que está aqui? Ao meu lado. - Tinha resposta para isso.
_ Para saciar a minha curiosidade. - Simples, não?
_ Você tem certeza de que quando você se for e nunca mais aparecer aqui, estará saciada? - Tenho, preciso ter. _ Anjo, sou a única pessoa que você pode contar tudo, sou a única pessoa que a entende. - Neguei.
_ Não, terá outra pessoa. - Seu olhar ficou questionador.
_ Quem?
_ Meu futuro marido. - Uma pessoa que não quero conhecer, mas ele não precisava saber. _ Você não é o único que existe no mundo.
_ Mas sou o único que você pode contar tudo agora, já que você vai apagar as minhas memórias. - Falou monótono, mas saiu vitorioso nessa conversa.
_ Isso você tem razão.
_ Então você vai me contar tudo. - Ficou esperançoso, quase pulando em cima de mim.
_ Estou com preguiça. - Não perdeu a animação.
_ Vamos falar sobre os nossos medos. - Neguei, mas ele continuou falando. _ Tinha medo do escuro, mas comecei a me sentir confortável com ele. - Quem fica confortável com ele?
_ Comecei a ter medo do escuro quando fiquei naquele lugar, apenas no escuro, escutando uma música na minha cabeça.
_ E você venceu o medo? - Acho que escondi muito bem o meu medo naquele dia.
_ Ainda odeio o escuro, mas não acho ele tão abominável, porque sei que ele sumirá se acender a luz, mas antes não podia fazer isso. - Tudo é tão estranho.
_ Então fiz bem em ter uma vela naquele dia. - Estava orgulhoso. _ Porém, todas às vezes que você vir, terá uma vela ali. - Apontou para a sua mesa de cabeceira.
_ Por quê?
_ Para você não ter medo. - Foi simplista. _ E para você saber que mesmo passando por tudo isso, estou aqui, estou aqui para você. - Alisou meu rosto e tombei minha cabeça para o carinho. _ Estou fazendo certo?
_ Está. - Fechei meus olhos. _ Sua mão parece a patinha do meu gatinho.
_ Levarei isso como um elogio. - Mas é um elogio, infelizmente. _ O que mais você tem medo?
_ Das pessoas me abandonando, das pessoas me esquecerem ou de acordar e ver que continuo naquele lugar.
_ Que lugar?
_ Na cela do ministério. - Ficamos em silêncio. _ Você não é uma ilusão, não é? Você não é apenas a minha cabeça me pregando peças para me confortar, não é? - Segurei sua mão, a apertando.
_ Sou real. - Abro os meus olhos e o vejo.
_ Sim, você é real. - Naquela noite contei tudo sobre o ministério e ele não me julgou com aqueles olhos que tanto apreciava.
