25 de outubro de 1935:
Tem semanas que não vou até ele, tudo pela minha dignidade.
Não farei aquele garoto assinar esse papel, não vou mesmo, ainda mais que já estávamos presos devido aquele feitiço e mesmo que eu saiba que poderei pedir divórcio, não farei isso.
Não sou idiota, ainda.
Olhei o papel em minhas mãos e o amassei, rasgando em vários pedacinhos.
Realmente queria ajudar aquele garoto a ter sua herança mais cedo, mas posso ajudá-lo de outra forma, posso aumentar a quantidade que coloquei no seu cofre, mas me casar com ele... Nunca!
Faço o pergaminho evaporar no ar e suspirei, tudo está bem agora, nada está me prendendo a ele, apenas um feitiço e só isso.
Levantei-me da cama e calcei meus sapatos.
Não posso fugir dele para sempre, tenho que entregar a chave para ele e dizer adeus.
Prometi que iria vê-lo até agosto, mas não posso fazer isso, porque ele tinha razão, acabaria me viciando em estar ao seu lado.
Ao lado de uma pessoa que posso contar tudo e que não teria medo de me olhar com aqueles olhos.
O odeio, o odeio tanto, mas a pessoa que odeio é a única que me entende e que me faz bem, mesmo que me irrite em várias ocasiões.
Vai entender esse mundo louco.
Observo meu quarto e vou até a mesa de cabeceira, retirando da bolsa a chave e a colocando no bolso da calça.
Como não estou saindo, acho melhor usar calças, ainda mais que está esfriando.
Passo a mão nos meus cabelos e sinto que estavam presos, o que me faz tira o elástico.
_ Vocês se comportem. - Digo, antes de sair do quarto e descer a escadaria.
_ Princesinha. - Por quê? Por que vocês tinham que chegar justo hoje?
Parei no último degrau, observando aquelas pessoas paradas que me examinavam, quase me fazendo correr para o segundo andar para me trancar até que dormissem.
Mas não poderia fazer isso, então, a única alternativa era continuar o meu caminho, mesmo que amanhã tivesse várias perguntas.
_ Papai. - Sorri e fui até ele. _ Chegou agora? - O abracei e vou até a mamãe. _ Mamãe. - Abraçou-me.
_ Mon bijou, como tem passado? - Perfeitamente bem.
_ Bem, dentro do possível.
_ Kenny me informou que você assinou os papéis, fico aliviada por isso. - Segurou minhas mãos e as apertou.
_ Só fiquei um pouco chateada de saber que sou sua herdeira pela boca de outra pessoa. - Papai parece já saber sobre isso.
_ Mon bijou, não sabia como dizer isso. - Ela nos levou até a sala e nos sentamos. _ E seu pai me disse em cima da hora que tínhamos que viajar. Me perdoe, deveria ter conversado com você primeiro.
_ Por que você está colocando a culpa em mim? - Estava sentado no sofá a nossa frente e Penny entregava uma xícara de chá a ele.
_ Porque a culpa é do senhor. - Gostei disso, acho que a viagem a fez bem. _ Chamei o Kenny para nos visitar naquele dia, mas você me disse que teríamos que viajar e nem deu tempo para escrever uma carta avisando para cancelar.
_ Não discutirei. - Realmente a viagem fez bem.
_ Está tudo bem, o Kenny me explicou tudo e assinei. - Olhei para a porta, pensando em como sair daqui.
_ Não achou estranho e apressado?
_ Não, foi tudo no tempo certo e obrigada por me fazer a sua herdeira. - Beijei suas mãos.
_ Não precisa agradecer, tinha que achar alguém, já que não queria dar a minha herança para a família principal. - Arrumou a saia plissada. _ Dou até para aquela mulher...
_ E falando nela, ela voltou? - Papai me perguntou.
_ Ela não apareceu aqui, então não sei como responder essa pergunta. - Nem sabia se ela sabia dessa casa.
_ Agora me diga, como passou o mês? - Como vou dizer que passei quase um mês inteiro apenas pensando em um casamento de mentira?
_ Bem, como falei, não fiz muitas coisas. - Penny me olhou e tentou ir até a cozinha.
_ Penny, por que você olhou para a nossa princesa com esse olhar julgador? - Papai, seja burro como foi naquele dia.
_ Nada, meu senhor. - Suspirei.
_ Não brigue com ele, estou saindo quase todos os dias e é por isso que ele me olhou.
_ Saindo? - Perguntaram.
_ Sim, saindo e tenho que ir. - Obrigada, Penny. _ Não posso me atrasar. - Levantei-me.
_ Atrasar? Com quem você está saindo? - Levantou-se perplexo demais para dizer algo coerente.
_ Com um psicopata, mas não se preocupe, ele não vai me matar. - Sorri e saio da sala, correndo até a porta de entrada.
Saio da mansão e aparato na rua do orfanato, porém, poderia aparatar no quarto dele, mas acho que faria muito barulho.
Caminhei até aquele lugar que nunca saia da minha cabeça e bagunço meus cabelos, lembrando que não precisava retirar o feitiço já que meu corpo estava completamente coberto com uma blusa de frio.
Era outubro, afinal de contas, e chovia quase todos os dias, mas não estava muito frio, estava um clima ideal para ficar na cama e não sair mais dela, o que poderia estar fazendo agora.
Porém, esses pensamentos se foram, me lembrando que deveria fazer minha magia confirmar se alguém estava acordado.
Mas dessa vez não faço isso.
Abro a porta da frente e não me importei com a escuridão, sabia que no segundo andar tinha um quarto com duas velas acesas e que teria um pirralho dizendo que estou atrasada.
Isso me fez sorrir e fechar a porta, subindo a escadaria. Enquanto seguia meu caminho, passei olhando em volta e mesmo no escuro, sabia o quão perturbador esse lugar poderia ser...
Abro a porta e vejo o garoto que adorava me perturbar, que logo abaixou o livro e ficou me observando.
_ Quase um mês sem vir aqui, pensei que tivesse morrido. - Fechou o livro e se sentou. _ Mas aí, me lembrei que se você tivesse morrido, também teria.
_ Sim, estou atrasada. - Fecho a porta e faço o Abaffiato. _ Tenho os meus motivos para não vir aqui.
_ Quero todos. - Concordei.
_ O primeiro é sobre o cofre que fiz para você. - Peguei do meu bolso a chave e o entreguei. _ Essa chave é do seu cofre em Gringotts, você vai conhecê-lo quando for comprar os seus materiais no Beco Diagonal.
_ Mas como vou me lembrar de ter um cofre se você vai retirar as minhas memórias? - Sorriu, balançando a chave.
_ Vou retirar a minha presença de suas memórias, mas não as informações úteis que dei. - Sentei-me ao seu lado. _ No cofre contém 200 milhões de galeões, espero que isso seja o suficiente para dois ou três anos.
_ Acho que posso sobreviver a minha vida toda com 200 milhões de... - Tentou se lembrar. _ De que mesmo?
_ Galeões.
_ Isso, e qual é o número do cofre? - Fiquei pensativa e me lembrei:
_ Zero, sete, um, sete. - Riu e fiquei sem entender.
_ É o seu aniversário. - Caspra! _ Você também tem um cofre? - Concordei. _ Qual é o número?
_ Um, dois, três, um. - Não tinha nada de mais nele.
_ Meu aniversário. - Espera, o quê? _ Você gosta tanto de mim, que até o seu cofre tem o meu aniversário. - Posso sufocá-lo com o travesseiro? _ Mas você demorou esse tempo todo para me dar essa chave e vir aqui?
_ Tem o segundo motivo e ele que me fez ficar sem vê-lo, fui ao banco e fiz um contrato de casamento. - Apertou a chave em sua mão.
_ Você vai se casar? - Sua voz estava baixa, como se não acreditasse em minhas palavras. _ Você me disse que não gostava de ninguém e que preferia viver sozinha.
_ Não me casei e não vou me casar, era um contrato de casamento para me casar com você. - Ficou surpreso. _ Mas achei estranho e achei como se estivesse nos prendendo novamente. - Suspirei. _ Não gostei dessa sensação, então fiquei pensando se era uma boa ideia assinar o meu nome naquele pergaminho para você conseguir sua herança mais rápido.
_ Herança? Tenho herança? - Concordei.
_ Você é rico, mas só poderá ter a sua herança com 17 anos, ou se uma pessoa responsável por você passasse sua herança mais cedo, e não quero ser sua mãe. - Fui simples.
_ Você está falando no passado, isso quer dizer que você já fez a sua decisão.
_ Às vezes a sua cabeça inteligente é irritante.
_ Tento o meu melhor.
_ Sim, tomei a minha decisão e não, não vou me casar com você. - Estranhou. _ Você é apenas um garoto de oito anos.
_ Farei nove. - E daí? Continua errado.
_ Você não deveria estar preso em um contrato de casamento e com isso, rasguei o pergaminho.
Não queria prender uma criança em algo desse tipo, como passei anos da vida pensando que a minha mãe tinha feito o juramento de magia comigo.
_ Se você acha que isso está certo, não vou reclamar. - Deu de ombros.
_ Você poderia brigar comigo, me sentiria melhor.
_ Por quê? Você queria se casar comigo? - Sorriu de lado. _ Sei que sou muito bonito... - Ajoelhei-me na cama e o sufoquei com o travesseiro. _ Estou... - Apertei o travesseiro em seu rosto. _ Brincando! - Parou de se mexer.
_ Idiota. - Retirei o travesseiro do seu rosto. _ Falei no sentido de brigar comigo por pensar em fazer algo desse tipo. - Abracei o travesseiro, o vendo recuperar o fôlego, mas acabou rindo.
_ Mas você tinha que ver a sua cara, foi hilário. - Ria com vontade. _ Acho que achei a minha diversão. - Continuou deitado e me deitei ao seu lado.
_ Qual? - Já sabia qual era.
_ Irritar você, essa é a minha melhor diversão. - O travesseiro tinha um cheiro bom.
_ Ué, você tem outras?
_ Tenho, mas essa não posso contar. - Estranhei, ele sempre me contava tudo.
_ Por quê? Você mata pessoas? - Cutuquei sua bochecha. _ Pode contar. - Pegou minha mão.
_ Não, ainda não. - Brincou com ela. _ Talvez futuramente, quem sabe? - Compreendia o que tentava dizer, então mudei para um assunto que ninguém gostava de tocar, mas acho que ele gostaria, ou não.
_ Sabia que quanto mais fundo você enterrar um corpo, mais rápido ele se decompõe? - Ficou me olhando.
Será que ele ainda não gostava...
_ Sério? - Deitou-se de lado e ficou esperando que falasse, o que me fez ficar mais à vontade nesse lugar. _ Sabe de mais alguma curiosidade que não sei?
_ Não podemos jogar o corpo na água, porque se não boiar, a baixa temperatura e a pressão do fundo, conservará o corpo.
_ Devo riscar isso do meu caderninho. - Ri e concordei.
_ Bom, fiquei quase um ano em 993, e não vi ninguém torturar pessoas. - Além de mim. _ Mas vi em uma das minhas visitas à feira, algo que poderia servir para torturar.
_ E o que era? - Não soltou minha mão.
_ Aspersor de chumbo. - Franziu o cenho. _ Isso era como um regador, bom, era um regador, só que ao invés de regar plantas, regavam pessoas.
_ Com água, ou...
_ Poderia ser com água quente, óleo quente, ou qualquer coisa que pudesse queimar. - Seus olhos brilhavam.
_ Como você sabe dessas coisas?
_ 993 era muito chato, mas tinha ótimos livros e fiquei lendo nas horas vagas. - Lembrei de algo. _ Em 993, assassinei uma pessoa, ele vendia elfos e estuprou uma elfa. - Voltou a brincar com os meus dedos.
_ E o que você fez com ele? Torturou da pior maneira possível? - Seu sorriso era contagiante e me fazia querer falar de cada tortura ou morte que já fiz.
Era bom sentir essas coisas.
_ Bom, sim e não, já que as cobras entraram no homem e acho que elas comeram algumas partes. - Dei de ombros. _ Mas gostei mesmo foi quando giraram na cintura do homem e o cortaram no meio.
_ Queria ter visto. - Sorriu enquanto falava, mas seu olhar nunca saia do meu.
_ E descobri que meu sangue queimava se desejasse machucar a pessoa. - Amei aquela parte. _ Foi tão satisfatório ver a carne queimar e vê-lo tentar tirar a própria língua. - Meu sorriso não parava de crescer. _ Mas não deixei, como se fosse deixar. - Parecia ter gostado dos meus relatos.
_ Ah, sei de uma. - Esperei que falasse. _ Se você esfaquear uma pessoa no pulmão, ela não poderá gritar, já que o pulmão não terá capacidade de inflar e desinflar.
_ Nossa, sim! - Sorrimos e me lembrei de outra coisa. _ Vendi pessoas.
_ E ganhou muito com isso?
Realmente era diferente falar com ele, porque mesmo sabendo que deveria receber palavras duras, essa coisinha apenas me deixava continuar e não me repreendia.
Era isso que sempre quis, que alguém me entendesse e tivesse as mesmas curiosidades, ou que não me privasse da liberdade. Então por que tinha que ser justo ele?
_ Sim. - Engoli esses pensamentos para um lugar que não pudesse surgir. _ As pessoas gostavam muito de carne humana. - Excêntricos. _ E bom, as outras pessoas devem ter virado escravos sexuais ou apenas escravos, mas libertei um.
_ Por quê?
_ Ele me lembrava a uma pessoa. - Apertei sua mão. _ Então refiz as memórias dele, o curei e o fiz ir embora, mas nunca mais o vi.
_ Mas você tem certeza de que conseguiu refazer as memórias dele?
_ Não ligo muito, já estou nos livros de história mesmo e tenho até apelido. - Pisquei.
_ Você é fantástica. - Uma coceirinha estranha se fez na minha garganta, mas não me importei.
_ Obrigada. - Sorri. _ Ah, não devo mais voltar aqui. - Ficou sem entender. _ Acho que você tinha razão.
_ Sempre tenho razão. - Nem sempre.
_ Vou me viciar em ficar em sua companhia e isso não pode acontecer. - Mesmo já acontecendo.
_ Você vai tirar as minhas memórias agora? - Esmagou meus dedos com os seus, mas não doeu.
_ Sim.
_ Tem certeza? - Levantou minha mão e me fez olhar para ela. _ Você está cruzando os dedos e muitas crianças fazem isso para mentir. - Merlim! Como ele... Ele... Não!
_ Não sou uma criança.
_ Você não desmentiu a minha teoria. - Ele venceu. _ Você é fácil demais de desvendar, anjo.
Meu corpo tremia por dentro, contraindo todos os meus órgãos, mas apenas tentava não sentir medo de onde isso tudo me levaria.
_ Ou é você que sabe demais sobre mim? - Sussurrei, cansada de me sentir assim, confusa.
_ Não sei, talvez seja isso. - Deu de ombros e continuou brincando com a minha mão. _ Apenas use esses meses que ainda temos para você saber se sou importante para você.
_ Mas você é importante para mim. - Ele sabia disso.
_ Para você ou para a sua sobrevivência?
