Naquela noite, depois de tanto evitar o inevitável, fui ao bar. Era o lugar que costumávamos ir, Olivier e eu, quando o mundo parecia menor e as noites não tinham fim. Sentei no mesmo canto de sempre, pedi algo forte - qualquer coisa que queimasse mais rápido do que meus pensamentos. A música preenchia o vazio, mas não conseguia calar o peso das lembranças.
Foi quando a porta se abriu, e ele entrou. Sozinho. Olivier, com aquele jeito que sempre carregava o espaço, mesmo sem querer. Não estava com Isabel. O que fazia ali, tão tarde, tão sozinho? Ele veio até mim, sem hesitar, e sentou ao meu lado.
- Finalmente você apareceu! - disse, um sorriso tão falso que parecia gritar por socorro.
Olhei para ele. Havia algo errado. Aquilo não era Olivier. Não o Olivier que eu conhecia.
- Quem é vivo sempre aparece, não? - respondi, a ironia servindo de escudo, mas sentindo meu próprio sarcasmo ferir mais do que proteger.
Ele pediu uma bebida, mas não disse nada. Baixou a cabeça, pensativo, como se as palavras pesassem mais do que o silêncio. Tirei um cigarro do bolso, tentando acendê-lo, mas o isqueiro falhava miseravelmente. Frustrado, joguei o objeto no lixo. Foi quando ele tirou um isqueiro do bolso e me ofereceu. Reconheci de imediato: era o isqueiro que eu tinha dado a ele anos atrás. Intacto. Ele nunca o usara, claro - Olivier não fumava.
Ri, um riso seco. Ele sempre foi assim, meticulosamente cuidadoso, até com as coisas que nunca precisaria. Peguei o isqueiro, acendi o cigarro. A primeira tragada veio como um soco nos pulmões.
- Quando voltou a fumar? - perguntou, guardando o isqueiro no bolso.
- Não faz muito tempo. - menti. Nunca tinha parado, só escondi dele.
- Você sabe que vai morrer de câncer, não?
- Sei. - Dei outra tragada, olhando para ele através da fumaça. - Vou morrer de qualquer jeito. Só estou agilizando o processo.
Ele balançou a cabeça, mas não respondeu. O silêncio voltou a crescer entre nós, espesso, desconfortável. Olivier estava estranho. Mais calado, mais cansado, como se a vida estivesse pesando demais nos ombros dele.
- Você quer dizer algo? - perguntei, o tom casual, mas sentindo a tensão ferver por baixo da superfície.
Olivier hesitou. Girava o copo nas mãos, o olhar perdido. Quando finalmente falou, sua voz saiu tão baixa que precisei me inclinar para ouvir.
- Eu acho que cometi um erro.
Meu coração deu um salto, mas mantive a calma, a neutralidade que vinha com anos de prática.
- Que tipo de erro?
Ele respirou fundo, como se cada palavra exigisse um esforço descomunal. Então, pela primeira vez naquela noite, me olhou diretamente.
- Eu não deveria ter me casado tão rápido.
As palavras pairaram no ar, pesadas, afundando tudo ao redor. Não era isso que eu esperava ouvir. Não assim, não dele.
- Por que acha isso?
Ele apertou o copo, o olhar voltando para o vidro como se ali houvesse alguma resposta.
- Porque acho que nunca parei de te amar, Daves.
Aquilo. Aquilo me atingiu como um soco. Eu não sabia o que responder. Ele tinha esse poder - me desarmar completamente com uma única frase.
- Simon... - comecei, mas as palavras me escaparam.
O silêncio entre nós se prolongou. Eu precisava dizer algo, qualquer coisa. Mas como? Como responder a isso, depois de tanto tempo?
- Por que está me dizendo isso agora?
Ele desviou o olhar, a voz saindo quase em um sussurro:
- Porque não consigo mais viver com isso.
Quis rir. Rir de nervoso, de raiva, de tristeza. Ele jogava aquilo em mim agora, como se fosse simples. Como se fosse apenas uma questão de palavras, de confissões tardias.
- E o que você espera que eu faça com isso, Olivier?
Ele abaixou a cabeça, derrotado.
- Eu só precisava que você soubesse.
Eu me levantei, apagando o cigarro no cinzeiro, sem olhar para ele.
- Eu não entendo! Se tinha dúvidas, por quê casou-se!? Por quê não veio a mim e disse o que sentia?
- tive medo. Medo de magoar a você, a ela! Medo de não ser o quê você realmente precisava.
Ele disse, palavras tão falhas quanto carregadas. Por um breve vislumbre, pensei: talvez tenha tido uma discussão com ela, talvez ele tenha sido infiel, ou quem sabe ela tenha sido... nunca saberei seus motivos, suas razões, ou talvez saiba, mas era tarde demais pra dizer que me ama.
- você não pode! Não agora, depois de tudo! Eu vi você subir naquele altar com um sorriso grandioso no rosto, parecia se sentir o dono do mundo! E agora me diz essas palavras... isso deveria significar alguma coisa, não? Você deve se achar o rei da honestidade agora... Mas não é a mim que sua sinceridade implora!
Saí do bar sem olhar para trás. Deixei Olivier ali, sentado à mesa, o isqueiro entre os dedos como se fosse uma âncora, um objeto que ele segurava para não se perder completamente. O mesmo bar onde, anos atrás, rimos juntos, fizemos planos que nunca seriam cumpridos. Agora, ele estava só. Talvez fosse justo. Talvez fosse seu karma, como alguns diriam, por ter mentido tão cruelmente para Isabel.
Mas quem mente assim sem querer acreditar? Ele deve ter acreditado, ao menos por um instante, que a amava, não? Ninguém diz eu te amo sem sentir algo, sem ao menos desejar que fosse verdade. Mas isso importa agora? Não sei. Talvez ele mereça exatamente o que lhe dei: o vazio da rejeição, o peso de ser deixado sozinho com suas próprias escolhas.
Pensei nisso enquanto andava, as mãos enterradas nos bolsos, o frio da noite quase reconfortante. Era o que ele queria, não? Uma chance de aliviar a culpa, de colocar a responsabilidade sobre mim. Mas não podia dar isso a ele. Não agora.
- Ninguém merece isso - murmurei para mim mesmo, mas a voz soou sem convicção.
Ele mentiu para Isabel, mentiu para si mesmo. Talvez tenha até mentido para mim, todos esses anos, com seus olhares e gestos que agora me pareciam tão óbvios, tão claros em sua hesitação, em sua covardia.
Olivier. Sempre tão cuidadoso, tão meticuloso, até mesmo com as mentiras. E agora? Agora ele queria se libertar às custas de quem? De mim? Ele não percebe que, ao dizer: "eu nunca parei de te amar", estava abrindo uma ferida que eu já tinha me esforçado tanto para fechar?
Talvez ele achasse que estava sendo honesto. Mas e eu? Onde fico nessa confissão? Ele acha que pode simplesmente despejar tudo isso em mim, depois de anos, como se eu pudesse resolver por nós dois?
Continuei andando, a cabeça cheia de perguntas que não tinham resposta. Talvez ele merecesse meu perdão. Talvez eu devesse ter ficado. Mas, naquela noite, tudo o que consegui fazer foi deixá-lo ali, segurando o isqueiro como quem tenta segurar algo que já se perdeu.
