Capítulo 4

Ao desaparatar diante da casa Harry quis imediatamente voltar. Ela era linda, grande com três andares, arquitetura impecável de deixar as outras casas mais próximas com inveja. Trazia em seus mínimos detalhes a riqueza da família Zabini, que não era tão grande quanto a dos Malfoy, mas tinha igual prestígio perante boa parte da comunidade bruxa. Entretanto, não adiantava a casa ser linda e perfeita, pois para Harry ali era nada mais nada menos que uma prisão, um local vazio e sem vida onde era obrigado a estar. Jamais poderia chamar aquilo de lar como Hogwarts ou a Toca. Ah que saudades sentia da Toca, da casa pequena, amontoada e cheia de tralhas, mas que continha o calor amoroso da senhora Weasley e as alegrias de seus muitos filhos subindo e descendo as escadas tortas, se trombando por aqui e ali, além da imensa curiosidade inocente do senhor Weasley perguntando sobre os artefatos trouxas e se encantando com os detalhes mais simplórios que pudesse contar de sua vida com os trouxas.

Aquela casa não era a Toca. Nunca poderia ser.

Era grande demais, arrumada demais, vazia demais.

Sabendo que não poderia ficar mais tempo do lado de fora apenas pensando em como não queria entrar naquele lugar, Harry adiantou-se e abriu a porta da frente adentrando a uma bela sala de estar com uma lareira acesa e quentinha cujo o fogo esquentava Blásio devidamente sentado em sua poltrona marrom com o jornal do Profeta Diário em mãos. Ele poderia ser o homem perfeito se quisesse, era bonito com feições finas e longas, um corpo musculoso que brilhava quando a luz batia em sua pele negra. Ele poderia, se quisesse, mas Blásio escolhia ser desprezível e Harry precisava engolir.

- E então, como foi? – Perguntou Zabini fechando o jornal e olhando para Harry que franziu a testa com a pergunta. Zabini não era de falar consigo, normalmente o deixava quieto em seu quarto até querer algo de si. Aquela pergunta tinha uma razão de ter sido feita, Zabini estava desconfiado de algo.

- Era uma aula com Snape, não foi agradável. – Respondeu revirando os olhos.

- O que fizeram?

- Ele me mandou ler alguns livros chatos sobre magia e feitiços antigos.

- Só isso?

Harry olhou atentamente para Zabini e pensou em dizer a verdade já que ele acabaria descobrindo, mas por um momento se lembrou das palavras que Snape lhe dissera sobre a ligação por meio da dominação e preferiu tentar uma meia verdade. Se não desse certo tudo que aconteceria consigo não seria muito diferente do que já acontece.

- Ele me insultou quando não consegui lançar um feitiço decente.

- Ah! – Exclamou o sonserino se levantando e aproximando-se de Harry. – Snape sempre foi um homem sagaz.

E então sem esperar Harry se sentiu prensado contra a parede, segurado pelas mãos firmes e fortes de Blásio em seus braços o imobilizando.

- O que está fazendo? – Perguntou Harry ao sentir o nariz de Zabini afundar em seu pescoço.

- Snape é um traidor. O único motivo de deixá-lo ter essas aulas com ele é devido a ajuda que ele dera a mim no Ministério para que não fosse preso em Azkaban junto com os seguidores do Lord das Trevas. Assim como ele se sente em dívida com você, eu me sinto com ele. Então dessa forma eu quito minha dívida com e ainda saiu vangloriado caso você consiga enfim ter glória em alguma coisa, o que acho que não acontecerá.

Enquanto explicava o motivo de atacar Harry daquela forma, Blásio cheirava cada canto de Harry, seu pescoço, sua nuca, seus braços, suas costas e pernas. Chegou até mesmo a enfiar o nariz na virilha do outro.

- Por que está me cheirando assim?

- Porque Snape é um Alfa e pelo que eu saiba ele nunca se deitou com alguém ômega, não quero que ele tente pegar o que é meu. – Rosnou puxando o cabelo de Harry para trás e segurando o rosto virado com a mão no maxilar.

- Deixa de ser louco! – Disse Harry com os dentes cerrados devido o aperto da mão em seu queixo. – Acha mesmo que Snape iria querer alguma coisa comigo? Ele me odeia.

- Eu também te odeio.

Era verdade e Harry não podia negar, o ódio de Blásio para si era mais do que nítido, era sentido em sua pele. Fora o ódio e orgulho ferido que fizera Zabini o marcar naquele dia no Ministério, a sede de vingança gritara alto quando trombou com ele naquele corredor vazio. A humilhação era a arma que Zabini mais gostava de usar contra si todos os dias. Derrubar o grande Harry Potter, resumi-lo a sua cadelinha de estimação. A um nada.

- Snape jamais me marcaria, jamais iria me querer perto dele tanto tempo. Se não fosse por essa dívida que ele quer quitar, jamais iriamos nos ver. – Disse Harry baixando a voz enquanto falava sentindo o peso de cada letra. – Ele não só me odeia, ele me despreza.

- Bom mesmo. – Zabini soltou Harry após dar um aperto tão forte em seu maxilar que o Grifinório pensou que quebraria. – Agora vá para o quarto e tome um banho.

Tomar um banho, Harry entendia muito bem o que era essa ordem.

- Blásio, por favor. Hoje não.

- Hoje não? – Questionou Zabini baixinho se aproximando e olhando perigosamente para Harry. – Você acha mesmo que eu iria te deixar na companhia de outro Alfa e quando chegasse em casa não iria te deixar marcado com minha essência? Você acha que pode exigir ou pedir qualquer coisa? Você vai me obedecer.

E nesse momento as pernas de Harry enfraqueceram, a marca em seu pescoço ardeu tanto quanto a cicatriz em sua testa doía quando Voldemort compartilhava algum sentimento consigo. A cada passo que ele dava mais perto de si suas pernas se dobravam até que o joelho batera no chão. Poderia resistir, tentar se erguer, mas já fizera isso tantas vezes sem um único resultado além de seu corpo fraco e desgastado no chão quase sem conseguir respirar, pois a força do Alfa em si era absurda, que nem mesmo valia a pena tentar de novo. Ele não era nada perante uma ordem como aquela.

Lembrou-se da voz de Snape no momento em que sua testa tocou o chão gelado e tentou imaginar como seria a relação em que a ligação fosse pelo chamado da magia de ambos e não pela dominação de um. Lembrou-se das mãos de Snape em seus braços o segurando e transmitindo calor ao invés de dor como as de Zabini faziam.

- Você vai fazer o que mandei ou terei que te obrigar? Eu gosto mais dessa forma, mas normalmente você desmaia rápido demais acabando com minha brincadeira. – A voz de Zabini era repleta de desprezo.

- Vou fazer. – Sussurrou Harry sentindo o poder da ordem do seu Alfa o comprimir e pesar. – Eu vou! Eu vou! – Disse mais alto quando a dor ficou insuportável.

- Que bom.

Assim que Zabini lhe dera as costas Harry respirou fundo sentindo o corpo livre daquele peso opressor. Queria poder pegar a varinha, mas sabia que ao sequer tocar nela Zabini usaria essa força para o desarmar, da mesma forma que ele fizera nas tantas vezes que tentara, e se caso conseguisse, para onde iria? A ligação faria Zabini o achar e sua ira seria muito maior, por isso apenas subiu as escadas e foi para o banheiro de seu quarto.

Poderia escorregar por ela e chorar sentado no chão, mas quantas vezes antes já não fizera isso e de nada adiantara? Agora nem mesmo tinha lágrimas para colocar para fora, seu corpo estava seco, vazio e oco. Era nada mais que uma casca. Uma casca que deitou-se nu na cama olhando para a lua através do vidro da janela e apenas aguardou a porta que fora aberta e o homem que postou a mão firme em sua cintura o puxando para ser usado como sempre acontecia. E como sempre Harry fechou os olhos.

Os olhos negros abriram-se de repente em meio ao sono, sem saber ao certo por qual motivo se despertaram. Snape franziu a testa, algo estava errado, algo o incomodava ao ponto de o trazer do inconsciente, algo que não conseguia dizer o que era. Não era dor, mas parecia pulsar em seu peito e irradiar ao corpo todo. Não era bom, não era confortável.

Era como... sujeira.

O homem se levantou e caminhou até o banheiro onde olhou-se no espelho. Não havia nada ali, nada em sua pele pálida de sempre, estava tão limpo como quando saiu do banho, mas a sensação estava ali, a sensação de que estava sujo, errado. Nem mesmo outro banho tirou aquele sentimento estranho de si. Por um tempo ficou olhando para suas próprias mãos, abrindo e fechando-a em punho, passando os dedos pelo corpo, pensando tentando raciocinar o que era aquilo. Mas nenhuma resposta foi dada, nem mesmo quando a sensação de sujeira deu lugar a um vazio gritante. Muito maior do que o vazio que estava acostumado a sentir, muito mais profundo do que já conhecera. Era cruel, era quase tangível. Mas de onde vinha aquilo?

Novamente não houve respostas as suas perguntas. Tudo que lhe restara era pensar no que estava sentindo, arquivando em sua memória para buscar uma resposta depois. Não demorou muito para que a sensação finalmente acabasse, ainda era madrugada quando finalmente aquelas sensações passaram.

No entanto, no dia seguinte houve outra sensação que vinha a si em momentos de distração como quando esperava os alunos terminarem suas poções, ou no meio do almoço e até mesmo em meio a um banho relaxante e só conseguiu entender o que era quando o dia de encontrar-se com Harry Potter chegara e tudo que conseguia pensar era em chegar logo o horário combinado e a resposta desse sentimento veio no comentário feito por Minerva.

- Parece ansioso, Severus. Novamente não comeu nada do seu almoço.

Ansioso, estava ansioso. Desde quando Severus Snape ficava ansioso com qualquer coisa? Nem mesmo no auge da segunda guerra bruxa, quando sabia que Hogwarts seria atacada houve um pingo de ansiedade, tudo que havia em seu corpo, sangue e mente era controle, mas ali estava ele querendo que o menino aparecesse logo na porta do grande salão, quase contando os segundos do relógio para vê-lo. Ver Harry Potter. Desde quando isso acontecera?

Snape não respondeu a anciã, apenas se levantou de seu lugar e saiu por uma porta lateral indo diretamente para seu escritório, precisava endireitar a mente, controlar seus impulsos e entender o que estava acontecendo consigo. Ao se encontrar sozinho pousou as mãos em sua escrivaninha, fechou os olhos e respirou fundo, já fazia um tempo desde quando precisara trabalhar sua mente pela última vez, ultimamente apenas a deixa livre como deveria ser, sem amarras, sem muros para esconder pensamentos e sentimentos que os outros não poderiam descobrir. Não tinha de quem esconder, pois as garras daquele que lia sua mente de forma cruel e violenta rasgando os tecidos que encobriam memórias estava morto. Mas agora precisava de organização e mais do que tudo controle.

Não demorou muito para que escondesse todos os pensamentos que tivera sobre Harry nesses três dias, as dúvidas e teorias que formaram-se nas noites mal dormidas. Quando o menino bateu a porta a sombra de ansiedade tinha se dissipado.

- Entre. – Disse se sentando em sua cadeira e apenas observando o jovem adentrar ao local.

- Com licença, Snape.

Harry entrou devagar observando Snape em sua mesa, o rosto impassível, os olhos ferinos e duros, as feições fechadas. Três dias se passaram desde quando o viu e durante três dias se perguntara o motivo que querer vê-lo de novo sendo que o homem demonstrava claramente que sua presença não era algo agradável. Acontece que dentro de Harry fervilhara dúvidas que provavelmente não seriam sanadas. Dúvidas partidas da sentença que ele mesmo dissera antes de abandonar essa sala há três dias.

E se fosse Snape naquele dia no Ministério? Será que o professor o marcaria? Sentiria seu cheiro e desejaria tomar posse de suas vontades e corpo? Seria Snape tão cruel como Zabini o fazendo de brinquedinho ao seu bel prazer? Usaria seu corpo como era usado agora? Zombaria de si a cada momento em que estivesse entediado ou apenas o largaria em um canto como um troféu que ganhara e jamais tirara o pó?

Como seria ser ômega de Severus Snape? Perguntara-se ao encarar os olhos negros bem diante de si, separados apenas por uma mesa de madeira.

- Pensativo hoje, senhor Potter?

- Um pouco.

Snape franziu a testa e apoiou os cotovelos na mesa cruzando os dedos das mãos e observando Harry com atenção, os olhos afiados dentro das esmeraldas brilhantes.

- Por favor, não faça isso. – Pediu Harry, Snape apenas estreitou os olhos. – Eu sei que pode ler minha mente sem usar uma varinha, apenas olhando para mim, mas eu peço que não faça isso. Eu não quero que veja o que tem aqui dentro.

- Deveria aperfeiçoar sua Oclumência, então.

- Acho que já sabemos que não sou bom nesse quesito, professor. Da última vez que trabalhamos com isso não foi bom.

- Está falando da vez que o senhor invadiu minha mente e viu detalhes da minha infância e adolescência? Fatos que com certeza o fizeram rir muito junto com seus amigos.

A voz de Snape não era acusatória ou ferina, estava baixa e era quase como uma conversa apenas, mas Harry conseguiu sentir um leve tremor nas palavras ditas por ele e ao olhá-lo, realmente olhá-lo percebeu que ainda que o encarasse com um rosto de pedra, havia ali os traços de quem sentia vergonha do que estava se recordando. Ele poderia até mesmo debochar daquele momento, mas Harry conseguia saber a verdade de seu deboche e seu medo.

- Eu não contei a ninguém, nem nunca contarei. – Sussurrou aproximando-se da mesa e postando a mão no tampo quase encostando na de Snape. Os olhos negros não se desviaram enquanto o via se aproximar. – Esse sempre será nosso segredo.

- Não sou homem de ter segredos com uma criança.

- Não sou mais criança, Snape.

E realmente não era, Harry já não trazia em seu rosto a fragilidade de um menino, seus traços davam lugar ao amadurecimento de um adulto. O queixo mais quadrado, as maçãs do rosto mais pronunciadas, a barba por fazer, os ombros largos e braços com leves músculos masculinos visíveis abaixo do pano de sua blusa, ganhos pelos anos jogando como apanhador no time da Grifinória.

- O tempo está passando e não estamos aqui para jogar conversa fora. – Disse Snape se afastando e levantando-se, aquela conversa estava levando-o para lugares que não queria explorar. – Separei mais alguns capítulos que quero que leia.

- Sobre nossa espécie?

- Não, sobre magia elementar. Sabe o que é isso?

- Não.

- Como era de se esperar, provavelmente não deve ter prestado atenção quando o professor Binns explicou logo nas primeiras aulas em seu primeiro ano.

- As aulas dele são muito chatas.

- Se tivesse prestado atenção teria entendido que a magia não se originou do nada, ela evoluiu através da natureza, crescendo conforme o mundo se criava, fortalecendo-se a cada mudança de estação, a cada era de destruição e renascimento. É preciso ter esse conhecimento para que a magia interna, que vem de sua força vital possa ser fortalecida. Todo grande bruxo tem esse conhecimento e busca nos elementos da natureza a força que necessita para desenvolver sua magia.

- Como se pega essa força?

- Ela não pode ser pega, senhor Potter. Não é uma pedra no chão. – Disse Snape revirando os olhos. – Ela tem que ser entendida e sentida, verdadeiramente sentida. Hoje você lerá os conceitos e depois mostrarei como se encontra essa magia.

Harry assentiu e pegou os livros na carteira separada para si. Durante uma hora leu os capítulos que Snape indicara. Era tão estranho, mas ali era confortável, mesmo com a cadeira dura e o ambiente frio, era bom apenas sentar e ler aqueles textos ouvindo apenas a respiração baixa de Snape que também lia algum livro em sua mesa o aguardando. Por um momento desviou os olhos da página amarelada e postou no homem sentindo talvez pela primeira vez, simpatia por ele. Snape não era adorável, mas os dias em que se encontraram desde o jantar até aquele momento foram de alguma forma bons. Se lembrou do professor na torre dizendo as palavras certas para si, duras, mas certas. As palavras que o fizeram descer e voltar para o chão, a mão quente que o segurou, o homem que o apoiou independe de sua escolha. Quem era Snape agora? Quem era aquele homem de negro que levava o dedo ao queixo enquanto lia um livro apoiado na perna cruzada? Quem era aquele Alfa?

- Pelo tempo parado olhando para meu rosto, acredito que terminou sua leitura. – Dissera Snape fechando o livro e se levantando. Harry piscou algumas vezes sem perceber que ficara encarando-o tanto tempo.

- Sim, eu terminei. – Ou pelo menos quase terminara, faltavam algumas páginas, mas lera o suficiente para caso Snape perguntasse algo e se não soubesse responder pelo menos o insulto que ouvira não seria nada mais do que já estava acostumado em seu dia a dia.

- Me siga.

Harry pensou que Snape sairia pela porta do escritório que dava no corredor da Sonserina e já estava se encaminhando para ela quando percebeu que o homem fora para o fundo da sala onde estava uma tapeçaria negra que ao chegar perto conseguia visualizar uma árvore grande e majestosa toda em prata, ela brilhava e parecia se mexer conforme o professor a afastava mostrando uma porta escondida. Snape a abriu e deu espaço para que Harry passasse. O jovem adentrou a um túnel escuro e que ficara em completo breu quando a porta fora fechada com um baque. O silêncio foi sufocante, sentiu como se seus ouvidos fossem completamente tapados e seus olhos vendados, nem mesmo conseguia ouvir seu coração batendo ou o som da respiração saindo por seus lábios, e nem a de Snape.

- Snape? – Chamou baixinho com a voz trêmula e os olhos indo de um lado a outro tentando enxergar algo, mas apenas a escuridão o abraçava. – Snape? – Agora sua voz não passava de um sussurro temeroso.

Não houvera uma resposta rápida, por muitos segundos Harry sentiu-se sozinho e aquela sensação em meio a escuridão o levara para certas lembranças que gostaria de não as trazer à tona. Sentindo o pânico atacá-lo Harry fechou os olhos com força e respirou fundo tentando trancar de volta aquelas imagens que eram impulsionadas para fora.

- Pensei que fosse um bruxo, senhor Potter. – Disse Snape alfinetando o garoto antes de iluminar o ambiente com a varinha erguida em sua mão.

O homem estava pronto para debochar mais do jovem, era deliciosamente saboroso ver os olhos esmeraldas cheios de revolta, com o fogo que era tão característico dele. Mas naquele momento, quando as esmeraldas o encararam tudo que havia ali era o pânico da lembrança, um tipo de pânico que Snape conhecia muito bem, pois lhe fazia companhia quase todas as noites. O pânico de rever lembranças há muito guardadas, de sentir dores há muito sentidas e trazer de volta o que deveria estar morto. Rapidamente aproximou-se de Harry postando a mão em seu rosto, segurando-o com força para que não desviasse o olhar.

- Não. – Pediu Harry com a voz embargada. – Não veja.

- O que tanto quer esconder?

- Tudo aquilo que me levou até a torre. – Sussurrou postando a mão no braço de Snape e apertando-o, o professor não se moveu, permaneceu segurando-o firmemente, o rosto dele encaixado perfeitamente na palma de sua mão. – Só quero esquecer de novo. Me ajuda.

O pedido foi baixo, quase um nada, mas que Snape ouviu com atenção enquanto sentia o garoto tremer em suas mãos. Seu braço foi novamente apertado, as unhas de Harry apertando sua carne sobre o tecido do sobretudo, ele fazia muita força, a mesma força que já fizera em si mesmo enquanto estava sozinho lutando com o mesmo que ele lutava. Poderia deixá-lo enfrentar aquilo sozinho, fora assim que acontecera consigo, não havia apoio, não havia palavras amigas ou acalentadoras, apenas o frio, vazio e os tremores até que conseguisse trancar todas as lembranças bem longe da superfície.

- Agarre-as. Com suas mãos, prenda-as como se esmagasse em seu punho fechado. – As mãos de Harry apertaram mais ainda seu braço, Snape não se afastou, pelo contrário, aproximou-se um passo deixando seus corpos mais pertos, podia sentir a respiração rápida dele em sua pele, ouvir o bater acelerado do coração dentro do peito. – Agora as leve para baixo, para o fundo de si, para sua maior profundeza e as enterre em um baú lacrado com correntes e cadeados. Jogue a terra por cima e pise nela. Enterre tudo isso que está aqui. – Levou o dedo até a testa do menino passando de leve em sua pele até encostar na cicatriz em forma de raio. – Deixe lá.

Harry cerrou os dentes, mas não fechou os olhos, os deixou abertos encarando os olhos de ônix, se prendendo neles até que conseguisse fazer o que ele dissera e então as mãos afrouxaram o aperto e os olhos se fecharam em um alívio quase instantâneo. O jovem respirou fundo e apenas respirou, completamente ciente da mão de Snape em seu rosto, os dedos levemente enterrados nos fios de seus cabelos, o rosto dele perto do seu e seus olhos tão negros como aquele túnel o encarando, apenas aguardando. Quando abriu os olhos sentiu um solavanco no peito, era tão estranho, tão esquisito como naquele momento sentia que era o certo estar ali diante daquele homem, sentir sua mão em sua pele, sua respiração misturando-se a sua.

Mas a marca em seu ombro o fez lembrar-se que não era o certo, ainda que sentisse ser. Piscando algumas vezes e pigarreando Harry deu um passo para traz fazendo as mãos de Snape se afastarem e o professor endireitar a postura segurando a varinha acesa.

Snape não disse nenhuma palavra, apenas se virou e seguiu pelo corredor sabendo que Harry o seguia de perto, podia sentir a presença dele, mais do que isso sentia seu cheiro invadindo seu nariz e inebriando seus sentidos. Estava errado. Não podia sentir isso.

Enquanto caminhava com passos duros para o fim do túnel tentava raciocinar o que estava sentindo e a única conclusão que chegava era que estava enlouquecendo.

- Onde estamos indo?

Não houve resposta, Snape apenas apressou-se ouvindo os passos trôpegos do garoto atrás de si. Finalmente após mais alguns momentos caminhando chegaram a uma outra porta que Snape dessa vez abriu após recitar um feitiço. Ao passar pela porta Harry teve que fechar os olhos devido a claridade do local. Era meio da tarde, mas parecia que o sol estava exatamente em cima deles jogando seus raios em seus olhos. Demorou para conseguir se acostumar com a claridade e quando finalmente seus olhos se abriram o suficiente, não havia fôlego para o que via.

O lugar não era lindo, era exuberante. Tão bonito que parecia saído de um conto de fadas. A campina onde estavam tinha grama baixa e de um verde intenso como se os raios do sol carregassem cada folha com seu brilho. Havia um riacho a sua esquerda com água cristalina e árvores que escondiam aquele local fazendo uma barreira tão fechada que um desavisado poderia passar por ali sem nunca encontrar aquele lugar.

- Tire o sapato. – Ordenou Snape.

Era uma ordem estranha e Harry franziu a testa, mas obedeceu e quando seus pés tocaram aquela grama brilhante uma exclamação malcriada saiu de sua boca junto com um largo sorriso. Sentia cosquinhas em sua pele enquanto mexia os dedinhos, era quente, macio e prazeroso.

- Fique quieto. – Ordenou Snape novamente. – Sinta o poder chegar até você, sinta a magia que vem da terra adentrar sua pele. Sinta o ar encher seus pulmões, a água pura que irriga as folhas que lhe tocam. Sinta o calor que aquece sua pele. Sinta essa força.

O som da voz de Snape foi diminuindo até sumir. Tudo que Harry ouvia agora era o pulsar de um coração abaixo de seus pés, era como se aquele local tivesse vida e pulsasse magia a cada batimento, magia que sentia entrar por seus poros, pela boca, nariz e olhos. Sentia na palma de suas mãos, nos arrepios da coluna e nos fios de cabelo. Era uma magia intensa e forte. Sentiu o fortalecer e o curar.

- Por Merlin, Snape, o que é isso? – Perguntou abrindo os olhos que nem percebera que fechara e abrindo um sorriso largo.

- Isso é o poder da magia mais profunda que existe. – Respondeu sentindo um calor ao ver o sorriso se alargar mais ainda quando o menino abriu os braços e respirou fundo ainda o olhando, ainda o encarando como se olhasse para a coisa mais preciosa que já vira, sendo que olhava apenas para si. – É belo. – Comentou não sabendo mais ao que se referia.

Harry permaneceu apenas mais alguns minutos naquele local, Snape o explicara que a magia da natureza deveria ser respeitada e não sugada ao bel prazer. Ela dava apenas o que era necessário.

- Como descobriu esse lugar? – Questionou enquanto colocava os sapatos.

- Dumbledore me mostrou em uma ocasião.

- Quem mais sabe?

- Apenas eu.

- E agora eu. Por que me mostrou? Duvido que isso caia em qualquer teste de auror e se caísse, apenas a teoria seria necessária. – Questionou Harry dando um olhar intrigado para Snape. – Você não tinha motivo para me mostrar então porque me trouxe?

- Um enigma que deixo para o senhor descobrir.

Sem mais Snape abriu a porta que levaria novamente ao túnel escuro, mas dessa vez Harry não sentiu o medo que sentira antes, era como se seu próprio peito fosse feito de luz, o suficiente para que iluminasse o local e seus olhos pudessem ver seu destino. Assim que Snape fechou a porta o local enterrou-se em escuridão novamente. Harry ficou parado e Snape franziu a testa vendo a silhueta do menino e percebendo que em nenhum momento ele pegara ou sequer dera a entender que pegaria a varinha.

- Use sua varinha, senhor Potter.

- Lumos. – Disse Harry acendendo a varinha que tirara do cós do jeans. – Desculpe, é que as vezes nem lembro mais que tenho uma varinha. – Snape andava a sua frente e enquanto olhava para as costas largas do professor e sentia o poder da magia elementar em sua pele Harry sentiu-se confortável o bastante para apenas continuar falando. – Blásio não permite que eu use a varinha em casa, na verdade em lugar algum. Eu posso andar com ela, mas há uma ordem de não usá-la, segundo ele um bruxo não é nada sem sua varinha e acho que é isso que ele quer que eu seja, um nada.

- Então está na hora de aprender a fazer feitiços sem varinha. – Disse Snape parando antes de abrir a porta que levava de volta ao escritório. Harry passou por baixo de seu braço diretamente para a o recinto iluminado. – E talvez trabalhar seu medo de escuridão.

- Eu não tenho medo da escuridão, professor. – Disse Harry virando-se para Snape. – Eu tenho medo do que vem junto com ela.

- E o que vem junto? – Perguntou Snape cruzando os braços diante do peito e o encarando com aqueles olhos firmes.

- Eu acho que você sabe. – Sussurrou Harry dando um sorriso fraco e se virando indo em direção a porta.

O jovem tocou a maçaneta, mas novamente não a virou. A verdade era que não queria ir embora, havia algo, alguma coisa que o puxava para trás que o fazia desejar permanecer ali. Por um momento obedeceu a essa vontade e se virou encontrando Snape parado bem atrás de si, tão perto que chegou a bater o rosto em seu peito entortando os óculos. Óculos arrumados pelas mãos de Snape enquanto o mestre de poções o olhava intensamente.

- Três dias, professor?

- Três dias, senhor Potter.

Harry se virou e saiu da sala rapidamente deixando a porta bater atrás de si com um baque seco deixando Snape parado no mesmo lugar sentindo o peso da solidão novamente e mais ainda o peso da verdade que aos poucos chegava aos seus olhos, a verdade que negava veementemente.

- Por Mérlin! – Exclamou sentindo o cheiro doce do menino impregnado no ar. – Não o Potter.