"Você está de brincadeira?" Quinn esbravejou no telefone. "Como assim o grão aumentou 10%? Você disse que conseguiria segurar o preço até o final do semestre!"

Enquanto o fornecedor se justificava ao telefone, Quinn estava fazendo cálculos de cabeça. Ela trabalhava em uma cafeteria que servia o público universitário. Não o da elite cheia de dinheiro no bolço que poderia pagar por um café ruim superfaturado, desde que ele seja de uma marca da moda. O aumento da matéria prima dos negócios que ela conduzia significava que teria de repassar o aumento para os clientes: justo aqueles que não apenas não tinham dinheiro sobrando como também seriam capazes de organizar um protesto a respeito. O repasse dos custos adicionais poderia ser feito de duas maneiras: ou Quinn mantinha o preço e diminuía a quantidade de café, ou ela aumentava o preço. Mesmo que fosse na faixa dos centavos, os clientes sempre reparavam. Não fazer nada significava que ela teria 10% a menos na faixa de lucro.

Os anticapitalistas iriam chamar Quinn de mercenária. Mas os mesmos anticapitalistas não entendiam bulhufas em como manter um negócio era complicado. Quinn e Joe pagavam um monte de impostos para o governo, o aluguel do espaço, as taxas de consumo de energia e de água para manter tudo funcionando, a matéria prima, todos os descartáveis e o material para manter a higiene do lugar. O lucro não era simplesmente dividido em dois. Mesmo sendo os proprietários do negócio, Joe e Quinn tinham um salário mínimo. O lucro real era o pouco que sobrava de todo esse montante, isso é quando sobrava algum. Mesmo assim, o que era chamado lucro era depositado no caixa da empresa para que se tivesse algum dinheiro para manutenção, imprevistos e até mesmo para futuros investimentos.

Dez por cento a menos na média de lucro poderia significar uma diminuição do salário de Quinn, o que poderia comprometer a capacidade dela em se manter na cidade e sustentar a filha. Ela também tinha que pagar o aluguel do apartamento em que morava, os impostos, a comida e demais despesas, como transporte. Sem mencionar o vestuário para Beth, que crescia a toque de caixa.

Quinn desligou o telefone, e os passos dela tornaram-se pesados. Enquanto ela caminhava de volta para casa no meio daquela noite, mal reparou na aproximação de um sujeito nada bem intencionado.

"Fica quieta e passa o celular e a bolsa." O homem se encostou nela. "Passa logo ou leva um tiro."

Em pânico, ela entregou o que o ladrão pediu. Era a regra número um certo? Não reagir.

"Por favor, só não me faça mal." Ela disse com a voz trêmula. As pernas dela ficaram bambas.

O homem teve o que queria, mas não parecia se afastar como se tivesse mudado de ideia. Nesse momento, Quinn temeu acontecer com ela o mesmo que aconteceu com Rachel Berry. Suas mãos começaram a ficar frias, e a umidade do ambiente fez com que uma delicada e frágil camada de cristais de gelo se formasse sobre a pele dela. De repente, o assaltante caiu. Quinn olhou para trás e viu o homem no chão, levando a mão à cabeça, sangrando e completamente atordoado. Próximo a ele, havia um tijolo. Quinn aproveitou para recuperar o celular e a bolsa. Ela chutou as bolas do assaltante e correu para o apartamento, que se localizava no quarteirão seguinte. A curiosidade sobre de onde surgiu o raio do tijolo teria de ficar para depois. Se aquilo foi providencia divina ou a obra de um benfeitor, ou os dois, era um mistério que ela não estava disposta a decifrar no momento em que o coração dela estava acelerado e a adrenalina era o que a movia até o apartamento onde morava.

Na entrada do prédio, Quinn não percebeu que havia outra pessoa indo à mesma direção e acabou esbarrando nela.

"Ei!" O homem tentou absorver o impacto, mas acabou indo ao chão juntamente com a bela garota loira. O conteúdo da sacola que o homem carregava se espalhou pelo chão, tal como a bolsa e o celular de Quinn.

"Me desculpe... me desculpe!" Quinn disse em pânico.

Ela segurou o braço do homem, que arregalou os olhos ao sentir o contato. Era como se o braço dele estivesse congelando, e a fonte do frio intenso subido era aquela mulher. O homem puxou o braço para si, se desvencilhando daquela jovem e atraente mulher. Ela se levantou rapidamente e procurou não encostar em mais nada a não nas próprias coisas.

"Porra, você congelou o meu braço?" O homem se levantou e começou a sacudir o braço na esperança de voltar a revivê-lo da súbita dormência.

"Desculpe... eu..." Quinn começou a rir nervosa. "Eu sou desastrada." Ela tentou correr portaria a dentro.

"Espera um pouco! Respira por favor." O homem levantou as mãos e deu um tempo para que Quinn se controlasse mais. "Por favor se acalme por um minuto. O que aconteceu contigo? Você parece aflita, e não é por causa do nosso acidente."

"Tentaram me assaltar, mas um tijolo me salvou."

"Um tijolo te salvou?"

"Eu não sou louca."

"Ninguém te chamou de louca." O homem viu que a agitação de Quinn não teria fim tão logo. "Você mora aqui?" Ele apontou para o prédio e Quinn confirmou. "Ótimo. Eu também quero entrar nesse prédio, sabe? Minha irmã mora aqui. O nome dela é Marley Rose. Você a conhece?"

"Marley... sim... ela... nós moramos no mesmo andar."

"Sério? Isso é uma ótima coincidência. Meu nome é Grant Fish. Qual é o seu nome?"

"Quinn Fabray."

"Ótimo, senhorita Fabray. Podemos fazer o seguinte. Você me ajuda a pegar essas coisas que foram derrubadas e nós vamos juntos até o andar em que você e a minha irmã moram. O que acha?"

"Tu-tudo bem."

Grant recolheu os objetos caídos e fez o prometido, procurando manter distância da jovem mulher. Pegaram o elevador e, ao chegar no andar correto, Quinn foi até a porta do próprio apartamento, ainda muito trêmula, ao passo que Grant se encaminhou até a porta de Marley e Unique. Por coincidência, Unique estava no apartamento de Quinn tomando conta de Beth. A cantora e performer estava, inclusive, um pouco impaciente pois ela precisava correr para trabalhar na boate.

"Babe!" Unique se levantou imediatamente do sofá ao ver o estado em que Quinn chegou em casa, esquecendo, inclisive, das ironias que pensou em dizer devido ao atraso. "O que aconteceu?"

"Tentaram me assaltar, mas está tudo bem. Eu acho que eu fui salva por alguém..."

"Sério?" Unique foi até a pia e encheu um copo de água para a amiga.

"Não precisa." Quinn sequer pegou no copo.

"Tem certeza?"

"Sim. Como está Beth?"

"Ela tirou um cochilo agora a pouco."

"Okay, melhor assim. Unique, será que a gente poderia se falar depois? Eu te pago amanhã."

"Claro, querida." Unique tentou dar um abraço de despedia na amiga, mas Quinn deu um passo para trás.

"Desculpe, eu... por favor, eu só preciso respirar, okay. Eu prometo que conto tudo para você amanhã."

Unique acenou e deixou o apartamento. Quinn olhou para as próprias mãos. Elas estavam frias como gelo. Não só as mãos. O ambiente estava frio, como se aquele apartamento estivesse com o ar condicionado ligado. Porém, aquele apartamento não tinha um aparelho dessa natureza, e estava fazendo calor lá fora.

...

"Finn, você é idiota ou é o quê?"

Kurt criticou o irmão assim que viu as mensagens postadas em redes sociais.

"Eu quero acabar com esse sujeito. O que ele fez com Rachel precisa ter uma punição." Ele disse enquanto dirigia.

"Chamar o cara para uma briga em uma mensagem de rede social vai dar certo?" Kurt revirou os olhos. "Você vai acabar atraindo um bando de bullies imitadores. Nunca vai encarar o tal vigilante e menos ainda o cara que machucou Rachel."

"Alguma coisa precisa ser feita."

"O quê? Você sair no braço com um vigilante? Com o sujeito que anda espancando bandidos dia sim e dia não, de acordo com o noticiário local?"

"Isso porque no dia em que ele não está espancando bandidos, ele está estuprando mulheres."

"A gente não sabe, Finn. Qualquer pessoa pode usar uma máscara para cobrir o rosto e dizer ser um vigilante."

Kurt deu tapinhas no ombro do irmão, tentando ser compreensivo quanto ao desespero que ele sentia por causa da condição da namorada. Rachel ainda estava na casa de Leroy, e se recuperava bem. Ela tirou o gesso do braço e teria de fazer algumas sessões de fisioterapia para acelerar o processo de cura. A recuperação da parte física de Rachel estava indo muito bem, e até melhor do que o esperado. O problema residiria todo na parte mental.

Kurt e Finn estavam a caminho dos subúrbios, mas antes eles passaram na universidade para buscar Tina. O melhor amigo de Rachel sempre foi Kurt, mas Tina podia dizer que era a amiga mais antiga, pois as duas se conheceram no primeiro na do ensino médio. Antes disso, não é que Rachel tivesse criado laços com alguém além de Kurt Hummel, o vizinho obviamente gay e única pessoa não adulta que conhecia os musicais da Broadway e sabia dizer o nome de cinco grandes atrizes do meio.

A visita foi negociada por um tempo. Rachel estava começando a se sentir como uma pessoa novamente. Ela já não tomava mais analgésicos e anti-inflamatórios, apesar de precisar do comprimido para conseguir dormir. Seu rosto estava quase sem marcas, assim como as manchas roxas pelo corpo dela também já estavam sumindo. Rachel não sentia nenhuma dor física, a não ser no braço comprometido. Fisicamente, Rachel Berry estava inteira. Emocionalmente, ainda não. Rachel sabia que o isolamento agravaria a depressão, por isso era preciso voltar a ver pessoas. Permitir a visita de Tina talvez fosse um bom começo. Kurt e Finn estacionaram o carro próximo ao dormitório da amiga universitária, e tiveram uma surpresa quando viram que ninguém menos do que Mercedes Jones estava a acompanhando.

"Tina..." Kurt quis brigar ao mesmo tempo em que não queria ser indelicado com Mercedes.

"Ela insistiu muito." Foi tudo que Tina disse ao entrar na caminhonete.

"Tina mencionou que iria visitar Rachel, e eu pedi para ir junto."

"Mercedes, não queremos jornalistas importunando Rachel." Finn disse de maneira grosseira.

"Eu não estou indo como jornalista. Isso é uma missão de paz. Eu falo sério. Eu me importo com Rachel, okay?"

"Ainda assim..." Finn achava que estava firme.

"Ou vocês me levam ou eu vou bater à porta do pai de Rachel junto com Santana Lopez!"

"Pode entrar no carro." Kurt suspirou. O encontro dele com Santana na loja dias atrás foi amistoso, porém Rachel poderia ter uma reação negativa se visse a garota com quem nutria uma grande antipatia. Mercedes era amiga de Santana, verdade, porém ela tinha melhores habilidades sociais.

O percurso do campus universitário até o subúrbio onde residia Leroy Jameson era de meia hora quando as avenidas não estavam engarrafadas. Particularmente naquele dia, uma pequena retenção na ponte fez com que a quase viagem durasse 45 minutos até chegarem ao bairro de classe média alta.

"Eu morei nesta casa." Kurt apontou para uma casa de dois andares que não tinha um estilo muito diferente do resto da vizinhança.

"Seu pai não mora mais aí?" Mercedes perguntou.

"Não, ele vendeu a casa e comprou um apartamento em Elwood. Meu pai disse que Carole e ele estão velhos demais para lidar com uma casa enorme. Que o apartamento é muito mais prático." Kurt explicou.

"E a minha mãe é alérgica a pólen."

Mercedes achou que isso até que fazia algum sentido, já que Elwood era um bairro próximo ao centro da cidade, que era altamente urbanizado da mesma proporção que era pouco arborizado. A casa de Leroy Jameson ficava na rua seguinte. Finn estacionou o carro, e os quatro caminharam calmamente até à porta. Quem os atendeu foi uma afoita Rachel Berry.

"O que ela está fazendo aqui?" Rachel disse de maneira ríspida, se referindo a Mercedes Jones.

"Eu trouxe biscoitos." Mercedes sorriu. "Acho que são veganos."

Rachel olhou para o namorado e para os amigos, que fizeram gestos para que ela os perdoassem. Por fim, Rachel suspirou e permitiu que os amigos entrassem em casa.

"Vocês gostariam de algo para beber? Água? Refrigerante? Eu beberia uma tequila ou algo mais forte, mas ainda são três horas da tarde." Rachel disse, mostrando sinais de ansiedade.

"Eu posso buscar para você?" Tina logo se ofereceu.

"Ah, eu gostaria de um copo de água, Rachel. Obrigada." Mercedes disse atropelando Tina. "Você pode buscar um para mim, por favor?"

Rachel a encarou por um instante e acenou.

"Rachel, eu..." Kurt procurou acompanha-la.

"Gente, a cozinha e logo aqui do lado. Acho que eu consigo pegar um copo de água para a visitante."

Kurt ficou constrangido, mas Rachel viu na atitude de Mercedes um refresco. Ao menos a estudante de jornalismo não estava a tratando a projeto de diva como uma pobre coitada que não pode nem mais andar. Rachel estava sinceramente cansada de ser forçosamente paparicada e de receber tudo em mãos, como se ela fosse uma inválida. Ela pegou a água fresca e a levou até Mercedes.

"Obrigada!" Mercedes agradeceu. "Eu não sei de onde saiu todo esse calor."

"Então não sou só eu?" Rachel se sentou ao lado de Finn.

"Dificilmente. O tempo está mesmo abafado. Ontem eu tive que tomar dois banhos, o que diz volumes considerando que o meu dormitório só tem banheiro unissex, e eles não são muito limpos. Tem um cara nojento no meu andar, que mija e toca a punheta no chuveiro. Quem entra imediatamente depois no box em que ele estava acaba se ferrando."

"Isso deve ser horrível." Tina fez cara de nojo. "No prédio do meu dormitório, nós temos banheiros masculinos, femininos e um unissex. Eu nunca uso o unissex por esse mesmo exato motivo: homens são nojentos no banheiro, mesmo os gays."

"Kurt é cuidadoso, mas Finn é um desastre. Se algum dia eu for morar com ele, vai ter que ser em um lugar com dois banheiros!" Rachel disse sem pensar muito, e nem reparou que a confissão pegou o namorado de surpresa. A namorada dele estava dizendo para quem quisesse ouvir de ele, Finn, era um porco.

"Eu agradeço por a gente morar em nosso próprio lugar, Rach. Eu odiaria dividir locais que supostamente deveriam ser privados com um monte de gente." Kurt balançou a cabeça para afastar a possibilidade.

"Você nunca usou o vestiário da escola ou de uma academia?" Mercedes questionou.

"Eu paguei o meu primo, e ele me enviou um laudo para que eu pudesse ser dispensado das aulas de educação física." Kurt deu uma risadinha lembrando do caso. Ele depositou 200 dólares ao primo que era universitário à época, que conseguia falsificar esse tipo de coisa. "Eu gosto de malhar, mas os garotos da escola pegavam no meu pé por eu ser super gay. Eu vivia recebendo trote. Por isso que eu dei um jeito de não usar mais o vestiário na escola. Por outro lado, eu nunca tive problemas em academias. Foi lá que eu dei o meu primeiro beijo naquele que não deve ser mencionado."

"Quem?" Mercedes ficou curiosa.

"Blaine Anderson." Tina e Rachel disseram ao mesmo tempo.

"Meu ex. Gay alfa da nossa escola, popular, lindo, irritantemente talentoso e totalmente pillow princess." Kurt elaborou para Mercedes, seguido de risadas por parte de Rachel e Tina.

Finn ficou perplexo em como aquela conversa entre Kurt e as garotas estava progredindo. Ele não esperava por isso. Finn se retirou da sala, dando desculpa que iria dar uma olhada em um defeito na caminhonete. Ao final, os quatro estavam falando sobre tudo, menos sobre o assalto de Rachel, o que foi feito com ela e sobre os vigilantes. Pela primeira vez desde o ocorrido, Rachel se sentiu como uma pessoa normal. Finn não entendia isso da mesma maneira. Ele estava obcecado com o vigilante e com a agressão a Rachel a ponto de ele não conseguir pensar em outra coisa.

...

Quinn continuava na rotina estafante da cafeteria. Joe, que tinha uma mentalidade hippie, achava que o pai pastor cobriria os 10% de prejuízo, e que eles poderiam deixar tudo exatamente como estava. Quinn era bem mais realista. Diminuir a quantidade e manter o preço era uma atitude covarde na opinião dela, então ela decidiu reajustar o preço do café. Quando o último cliente daquela primeira parte da manhã foi atendido e saiu correndo atrasado para o início da classe, Quinn pensou que teria um momento de folga. Foi quando viu se aproximar um potencial e inesperado cliente.

"Bom dia." Grant apontou para a tabela de produtos oferecidos. "Tudo parece bom. O que vocês recomendam?"

"Para hoje? Nesta onda e calor? Um frapê de pêssego. É o sucesso da casa." Joe respondeu com jovialidade.

"Então eu gostaria de um, por favor."

Joe recebeu o dinheiro e Quinn preparou a bebida com uma agilidade ímpar, adquirida pela prática do trabalho. A bebida foi entregue ao jovem homem elegantemente vestido, mesmo em um traje informal. Grant usava uma camiseta lisa, de tecido tecnológico, calça jeans de uma marca muito cara e tênis que deveriam custar mais do que a licença semestral que Quinn e Joe pagavam para a administração da faculdade comunitária. Ele experimentou o frapê e sorriu de maneira educada. Grand era um sujeito que havia experimentado bebidas do tipo nas melhores cafeterias do mundo. Se ele quisesse ser mesquinho, teria dito que o frapê tinha gosto de meia suja com essência de pêssego e açúcar. Porque, para o paladar dele, era o gosto da bebida de uma cafeteria barata que estava licenciada para funcionar nas dependências da faculdade comunitária. No entanto, os planos dele eram outros.

"Quinn, certo? Espero que você se lembre de mim. Eu sou Grant Fish, irmão da Marley, sua vizinha. A gente se esbarrou faz uns... três dias, certo?"

"Sim, eu me lembro bem." Quinn respondeu seriamente.

"Você está melhor?" Grant perguntou e Joe estranhou porque não sabia do que se tratava. Quinn não havia mencionado a ele sobre o assalto.

"Sim, obrigada."

"Quinn, eu vim aqui porque eu gostaria de te fazer uma proposta. Será que poderíamos conversar em particular?"

"Eu estou em horário de trabalho."

"Eu cubro o prejuízo. Olha, eu só quero conversar contigo ali mesmo." Apontou para a entrada do prédio. "O seu colega pode ficar e olho em nós daqui mesmo, se você se sentir melhor."

Quinn relutou por um momento em aceitar a proposta de Grant, porém a curiosidade falou mais alto. Ela tirou o avental e acompanhou Joe até fora do prédio, onde era possível ver o edifício histórico, o estacionamento e o grande pátio que os estudantes usavam para caminharem entre um edifício e outro. Grant, como o prometido, não quis caminhar com Quinn para outro lugar fora dali. Eles ficaram no pátio observando por um minuto o movimento reduzido de pessoas ali.

"Fabray, eu sou uma pessoa franca e por isso não vou fazer rodeios. Eu sei que você é uma pessoa especial."

"Todas as pessoas são especiais." Quinn disse quase que automaticamente.

"Nem todas as pessoas conseguem congelar o braço de outras pessoas."

"Olha, eu vivi uma situação de estresse naquele dia, okay? Um cara tentou me assaltar naquela noite. Um assalto para você pode ser só um grande susto. Mas para mim, perder o dinheiro do meu aluguel que estava na minha bolsa naquele dia, seria um desastre. Eu mal consigo tirar o dinheiro do meu aluguel com a cafeteria e, ainda por cima, os preços dos fornecedores tiveram alta." Quinn extravasou a irritação. "E daí se as minhas mãos estavam geladas naquele dia?"

Grant acenou para ela, e sorriu e uma maneira a mostrar de que ele não comprava a história dela. Então ele pegou algumas pedras do chão, e testou o peso delas.

"Está vendo aquela placa ali?" Apontou para uma sinalização que deveria estar de 30 a 40 metros de distância deles. "Quer apostar quanto que eu consigo acertar ela com essa pedra nesta exata distancia?"

"Você me tirou do meu trabalho para que eu ver você atirando pedras em placas?"

"Você aposta ou não?"

"Okay!"

Grant sorriu e atirou uma pedra, que bateu certeira na placa.

"Sorte?" Quinn comentou ainda não impressionada.

"Quer uma melhor de três?"

Grant mostrou as pedras a Quinn e atirou uma a uma na mesma placa, acertando o objeto sempre no centro dele. Okay, havia uma coisa diferente acontecendo ali, mas Quinn não queria dar o braço a torcer. Ela se considerava uma pessoa inteligente e racional, por mais que fosse também capaz de agir por impulso. Quinn não disse nada a Grant, mas ela sabia exatamente de onde ele vinha, não apenas por causa das conversas com Unique (ela e Marley não eram próximas), mas também porque ela trabalhou como faxineira na firma de advogados das famílias Fish e May. Quinn nunca cruzou com Grant na época em que ela trabalhou lá, por alguma razão, mas ela sabia perfeitamente que os Fishes eram poderosos, e que representavam outras figuras igualmente poderosas. Quinn sabia que Grant era muito inteligente, e que ele percebeu a condição especial que Quinn tanto procurava esconder das pessoas. Agora ela precisava saber o que Grant gostaria de fazer com essa informação.

"Sabe Quinn." Grant pegou mais algumas pedrinhas no chão e começou a atirá-las na mesma placa sem errar enquanto conversava. "Algumas pessoas desenvolvem habilidades extraordinárias. Não se sabe exatamente a razão. Um pianista prodígio, um físico revolucionário. De tempos em tempos aparecem certos gênios em diversas áreas. Sócrates, Pitágoras, Newton, Marie Curie, Einstein, Mozart... todos grandes cérebros. Mas existem algumas pessoas que são extraordinárias em outras habilidades que não necessariamente remetem ao cérebro. A gente costumava chamar essas pessoas de atletas geniais. Só que na nossa geração para cá... alguma coisa mudou. Há pessoas que estão nascendo com habilidades que vão além de um grande cérebro ou com habilidades atléticas excepcionais."

"O que você quer dizer com isso?"

Grant parou de atirar pedrinhas na placa e sorriu para Quinn.

"Eu fui uma criança bem comum, até chegar a puberdade. Os meninos costumam ser desengonçados entre os 12 e 13 anos, mas no meu caso, eu simplesmente fiquei ótimo. Eu fiquei bom nos esportes, passei a ganhar campeonatos de judô com facilidade, e até joguei futebol por um tempo como quarterback. Minha escola ganhou o estadual de maneira invicta por três anos consecutivos. Eu lançava a bola com perfeição e não era atingido pelos meus adversários. Três anos jogando futebol sem nenhuma lesão séria, sem nenhum osso quebrado. Isso aconteceu não foi porque eu treinava mais que os outros. Isso era natural para mim."

"Você está querendo me dizer que atirou aquele tijolo na cabeça do assaltante com sua extraordinária habilidade de lançar coisas em um alvo?"

"Que bom que você ligou os pontos." Grant sorriu.

"Se você veio aqui por um agradecimento, obrigada Fish."

"Eu não quero seu agradecimento."

"Por que está me contando isso? O que quer?"

"Quinn, eu recebi bolsa de estudo para estudar nas melhores universidades. Eu recusei todas, o que deixou o meu pai louco. Ele tinha dinheiro para pagar os meus estudos sem problemas, mas uma bolsa de estudos devido a minha alta performance esportiva faria com que ele economizasse alguns milhares de dólares. Quer saber por que eu deixei a minha carreira de atleta brilhante no final do ensino médio?"

"Por quê?" Quinn perguntou para que Grant continuasse o jogo dele.

"Porque eu entendi que estava trapaceando quando eu conheci um cara extraordinário que, assim como eu, desenvolveu poderes a partir da puberdade, mas diferente de mim, esse cara passou a ter capacidade de restaurar o tecido do corpo. Se você tivesse um corte nas mãos, por exemplo, ele conseguia cicatrizar esse corte com uma projeção energética que saía das mãos deles. Eu percebi que a precisão dos meus movimentos não condizia a de um ser humano comum. É por isso que eu sei também que a sua mão gelada capaz de congelar o meu braço não se trata de uma reação de estresse."

Quinn ainda não sabia o que pensar a respeito de toda aquela história. Ela não era burra e entendeu perfeitamente o que Grant queria dela naquele momento. Ele queria que ela estivesse ciente de que o segredo que ela tanto trabalhou em esconder havia sido decifrado. A questão era: o que ele queria dela a curto/médio prazo? Qual era a agenda dele? Grant tinha a intenção de fazer mal a ela, ou pior, à Beth?

"Olha Fish..."

"Por favor, me chame de Grant."

"Okay, Grant. Eu sei que você deve ser um cara bacana. Eu agradeço se você me livrou daquele assalto com a sua pontaria precisa. Mas eu preciso trabalhar. Eu tenho problemas demais, eu tenho uma filha pequena para cuidar e não posso ficar aqui de bobeira."

"Eu não esperava que você fosse se abrir no primeiro encontro." Grant sorriu e colocou a mão no bolso, puxando um cartão de visitas. Depois pegou uma caneta e anotou um telefone. "Eu posso te ajudar, Quinn. Eu posso te ajudar a lidar com o poder que você tem. Se tiver interessada, me ligue."

Quinn ficou observando Grant ir embora. Ele foi ao estacionamento e entrou em um Porsche. Saiu dirigindo sem estardalhaços, como se fosse uma pessoa normal apesar do carro de luxo. Quinn guardou o cartão com o telefone anotado, e voltou a cafeteria. Joe estava curioso e talvez um pouco enciumado por ver um homem rico e bonito procurando por Quinn. Não que isso fosse improvável, afinal, Quinn era a mulher mais bonita que ele conhecia.

"O que ele queria?" Joe não queria ser direto na pergunta, mas aquilo foi obra do ciúme e da curiosidade.

"Ele veio aqui para me pedir um favor sobre a irmã dele, que é a minha vizinha. Só isso."