Hecatombe

Cambaleando, Homura se levantou. Ela havia ouvido o grito de uma criança, mas ela não podia vê-la, pois ainda havia muita fumaça da explosão.

Algo que ainda era bem visível era o foguete, que não aparentava ter recebido grande danos.

Homura conjurou um grande alfinete negro em suas mãos. Era hora de pôr um fim nisso.

Um flash de luz e calor.

De imediato, a garota de longos cabelos pretos se virou para a fonte.

Eram labaredas no ar que se dissiparam.

Homura franziu a testa, tentando descobrir o significado daquilo. Logo seus olhos se arregalaram ao se dar contar de que aquilo podia ser um chamariz. Ela se virou para trás.

No entanto, seu movimento foi interrompido por uma mão com luva preta, que agarrou a sua face.

Da nuvem de fumaça, Inquisidor deu o seu bote. Segurando a cabeça da bruxa, ele carregou o corpo dela facilmente, como se fosse uma boneca, graças a força provida pela a sua magia. Com a mesma força, o homem colidiu a cabeça dela contra a parede de concreto do silo. Como um bate-estaca, ele fez isso repetidas vezes e rapidamente, ao ponto de a parede rachar.

No entanto, não foram somente pedaços de concreto que começaram a cair. Peças de cerâmica e engrenagens de metal atingiram as botas de Inquisidor. Ele percebeu aquilo e parou o que estava fazendo, deixando sem querer a bruxa escapar de sua mão.

Homura caiu desacordada, com uma das metades do topo de sua cabeça quebrada e aberta.

Inquisidor ficou estarrecido. Não havia sangue na cabeça da bruxa, nem osso ou carne! A 'garota' era realmente um disfarce. A 'pele' era feita de cerâmica, o 'olho' danificado estava rachado como se fosse feito de vidro, e, aonde deveria haver um cérebro, estava um sofisticado mecanismo, um finíssimo trabalho de um relojoeiro, agora danificado e parado.

Havia algo mais naquele conjunto de engrenagens, algo não inorgânico, mas também longe de ser natural. Uma salamandra roxa, que parecia estar morta, mas que pulsava em um leve brilho.

Inquisidor se curvou para escrutinizar aquela coisa mais de perto.

A salamandra abriu o olho, era grande, humano.

O homem teve um sobressalto.

Nesse mesmo instante, a salamandra se esgueirou entre as engrenagens, desaparecendo para dentro do corpo da garota. Uma aura lilás envolveu as engrenagens e elas começaram a se mover. O corpo teve espasmos mecânicos, assim como olho que não estava danificado. A pálpebra se abriu, revelando apenas a esclera branca, tomando um tempo até o olho se ajustar.

Endurecendo o seu semblante, Inquisidor sacou a sua cruz.

Homura puxou ar ao recobrar os sentidos de seu corpo, se deparando com o seu carrasco prestes a dar golpe derradeiro. Veio um disparo, um flash de luz azul atrás do homem e ela o viu voar contra a parede e rolar no chão. Caído, ele estava imóvel, com largo buraco queimados nas costas. Com pequenas chamas azuis ainda consumindo a carne, era possível ver partes das vértebras da coluna dele. Então Homura olhou para o autor daquilo.

A criança estava com os olhos lacrimejados, os lábios tremendo. Ela portava um rifle de modelo desconhecido.

Vendo aquela face, Homura tinha experiência o suficiente para esperar pelo pior.

"Invasora tá morta!" Rangendo os dentes, Nano apontou a sua arma para bruxa.

Não havia tempo suficiente para desviar, Homura teria que criá-lo. Ela abriu a palma da mão para conjurar uma ampulheta.

Mas a criança foi de repente envolvida em chamas. "AAAAAAGGGGHHHHH!"

Enquanto ouvia aquele grito perturbador, Homura notou o padre se levantando.

Os gritos de dor da criança pararam e ela começou a disparar a esmo.

Com projéteis de energia mortais passando perto, Inquisidor tinha uma expressão dura, observando o resultado de sua magia.

Super aquecido, o rifle de plasma explodiu, arrancando fora os braços de Nano, sua manopla voando para longe. A criança caiu de joelhos.

Aproveitando as novas chamas, Inquisidor fez um sutil gesto com a mão, como um maestro.

Chamas azuis se tornaram dominantes, tostando até que o esqueleto de Nano se desmanchasse como um castelo de cartas.

Foi então que o homem exalou, com um semblante agora carregado de culpa. Mesmo que pudesse ser justificável, o que ele havia feito era hediondo. "Gnnn!?" Um instante depois, as cores da cena estavam mortas, exceto a bruxa que estava a sua frente agora, com um olhar condenador.

Homura estava segurando uma ampulheta na posição horizontal com uma mão, enquanto a outra segurava um alfinete negro gigante, que ela usou para perfurar o padre, exatamente onde estava a sua gema da alma.

A gema vermelha despedaçou completamente e o homem estava catatônico.

Homura continuava segurando o alfinete. Ela rangeu os dentes, ela não teve escolha, como tantas vezes foi no passado.

Contudo, o homem não caiu, ele trocou olhares.

Com a metade da testa que ainda tinha, Homura a franziu.

Enquanto a testa de Inquisidor, em ato decisivo, foi usada para golpeá-la.

O forte impacto rachou ainda mais a face de Homura e mais pequenas engrenagens voaram enquanto ela caía no chão.

As cores do mundo voltaram ao normal, assim como o tempo.

Caída, Homura olhou para o padre.

Ele estava ainda de pé, arrancando o alfinete em seu peito em um único movimento e o jogando para longe. Onde estava a sua gema, agora tinha um ferimento vertendo sangue, tingindo sua batina de vermelho. Ele cerrou os punhos e o ferimento estourou em um jato de fogo, o cauterizando imediatamente.

Homura nem tentou procurar a razão dele ainda estar vivo, pois ela viu a sua ampulheta caída no piso. Estava perto e já estava na posição horizontal, só bastaria ela tocá-lo para que o tempo congelasse. Ela rastejou até o objeto e esticou a mão, mas então algo a puxou com força.

Era um fio prateado que parecia ter vida própria.

A garota com a cabeça quebrada lutou, mas o fio metálico era forte e rápido, amarrando os seus braços e mãos junto ao seu corpo, além de suas pernas. "Não!" Com a cara no chão, ela viu a botas do homem se aproximar da ampulheta e chutá-la para longe.

Inquisidor conjurou uma nova cruz em sua mão e se virou para a bruxa.

Homura se esforçou para ficar de joelhos e ergueu a cabeça para olhar nos olhos dele.

"So che non capisci, ma..." O homem falou, "brucia, strega."

Ela esperava um golpe derradeiro, mas então sentiu que o fio enrolado em seu corpo estava esquentando rapidamente!

Eu vou morrer.

Não era a primeira vez, Homura já perdeu a conta de quantas vezes isso veio em sua mente. No entanto, não era uma bruxa, não era uma garota mágica, nem Walpurgisnatch. Era um homem, uma aberração que se recusou a morrer quando a sua gema foi quebrada. A pele dela deu lugar a uma textura dura, branca como pérola. Seu olho agora era colorido, com círculos verdes e vermelhos alternados. Sua boca cheia de dentes afiados. O desespero como última esperança.

"La sua natura sarà sempre quella della disperazione e della morte," Inquisidor afirmou, seguido por gargalhadas de crianças, como se elas haviam achado engraçado o que ele havia acabado de dizer.

Homura arregalou o olho, vendo a trupe atrás do homem.

Inquisidor pôde sentir as auras ardendo em suas costas. O peso, a energia rebelde... Eram mais de dez, com certeza. Ele segurou a cruz perto de seu peito e fechou os olhos.

Rodopiando grandes e afiados alfinetes negros em suas mãos, as bonecas gargalhavam em silêncio. Dessa vez o funeral tinha até um padre! Mas o mais engraçado era que a Inutilíssima ainda não era um cadáver, e ela teria que continuar viva para que a piada continuasse a ter sentido.

De repente, o som das gargalhadas foi abafado pelo som da combustão. Antes que pudessem agir contra o padre, as bonecas foram envoltas por intensas chamas.

Tremendo de tensão e foco, Inquisidor lentamente abriu os olhos.

O fio metálico se tornou incandescente e o vestido negro de Homura começou a pegar fogo. Ela rolou no chão para tentar apagar as chamas, mas era inútil.

Algumas bonecas tentaram lançar seus alfinetes contra o homem, mas seus corpos de cera começaram a derreter e as juntas de seus membros já não respondiam as suas intenções.

Homura sentia que seu corpo teria o mesmo fim. Contando com a sua experiência, ela sabia que poderia abandoná-lo, escapando na forma de salamandra, mas certamente seria incinerada um instante depois. Quais eram as suas opções?

Inquisidor relaxou a sua postura. Ele havia queimado muita magia dessa vez, mas ficou satisfeito em ter neutralizado aqueles poderosos lacaios da bruxa. Então ele viu o mundo a sua volta mudar.

Homura também percebeu a mudança que estava acontecendo.

Não havia mais silo, ou foguete. Eles estavam dentro de um imenso domo de vidro, com imagens de carrosséis projetados em sua superfície. Uma neve, falsa como os cavalos da máquina, caía, enquanto violinos tocavam uma música, alegre a princípio, como deve ser para um brinquedo, mas que pulava notas e desafinava, não conseguindo mascarar a ansiedade.

Uma barreira de bruxa. Inquisidor olhou para a que estava queimando.

Homura sabia o que ele estava pensando, mas aquela não era a sua barreira. Ela tinha plena certeza disso, pois ela lembrou a quem pertencia aquele mundo distorcido.

Antes de tomar qualquer ação, Inquisidor percebeu um movimento pelo canto do olho. Ele se virou e viu um monitor de tubo de raios catódicos, branco e com a tela parcialmente rachada. Com um par de longas asas negras, o eletrodoméstico desceu suavemente perto de sua posição.

Homura não conseguia acreditar no que estava vendo.

A tela do monitor alado acendeu, mostrando um brasão. Uma estrela de oito pontas com asas.

Homura reconheceu imediatamente que era o símbolo da Lei dos Ciclos.

Então a tela mudou, mostrando runas.

E Homura pôde ler, naturalmente.

H. N. Elly (K******)

Fazendo login...

Após isso, a tela mostrou a marionete de uma garota, seu corpo mostrando as juntas. Seu cabelo preto era longo, com dois longos rabos de cavalo, amarrados com fita vermelha.

Inquisidor ergueu as sobrancelhas. Apesar das diferenças, ele reconheceu aquele olhar gelado. "Invasora?"

O monitor usou uma de suas asas como um chicote, estendendo seu comprimento.

Inquisidor reagiu desviando do ataque, mas estava perto demais, tarde demais. Da altura do ombro, o seu braço direito foi amputado em um singelo corte. Contudo, ele nem pestanejou, arremessando a sua cruz contra a nova bruxa.

Com certa folga, Elly desviou da cruz rodopiante.

Inquisidor manteve seu único braço estendido.

A cruz parou em pleno ar, adquirindo tons incandescentes, e retornou, rodopiando de novo.

Dessa vez, Elly não percebeu, até que a cruz tocou uma de suas asas, a consumindo em uma explosão de chamas. "aaAaAaAAAaaaaGGgghHHGGghg!" O berro distorcido da bruxa, cheio de estática, ecoou pelo domo, enquanto ela caía com a tela contra o chão.

A cruz chegou até a mão do homem, já fria.

Homura se lembrava bem, aquela bruxa era fraca, ela não teria nenhuma chance contra aquele padre dos infernos. Sua única chance era conjurar uma ampulheta e virá-la, mas como fazer isso sem que objeto fosse pego pelas chamas em seu corpo? Como fazer isso com as suas mãos presas? A cera de seu corpo estava derretendo, interferindo nas engrenagens, qualquer movimento era cada vez mais custoso.

Vendo o monitor caído e imóvel, Inquisidor utilizou aquela breve oportunidade para arrancar o seu manto vermelho e examinar o seu ombro direito. A razão não era o braço perdido, mas a gema vermelha, com um formato de tridente, que ficava no fecho do cinto sobre o ombro. Estava manchada de corrupção, mas intacta. Após checar, ele cauterizou o grave ferimento. Ele havia perdido muito sangue, exigindo de sua gema para manter a plena consciência, mas havia duas bruxas, duas sementes para restaurar a pureza.

Os pés de Inquisidor deixaram o chão.

O homem franziu a testa. Ele estava flutuando? Foi quando viu um bando de pequenos anjos que estavam o carregando. Com sorrisos sinistros, eles tinham uma asa cada um e voavam em pares.

Ele levantou o braço para golpeá-los com a sua cruz, mas algo mais bizarro o acometeu. A cruz estava mole, algo que antes era feito de metal agora parecia ser um brinquedo de borracha. Seu braço estava mais flexível do que devia também e suas roupas, seu corpo, não tinham mais textura, tudo agora tinha apenas cores sólidas, com poucos contornos e detalhes. Ele havia se tornado um desenho animado, uma paródia visual de si mesmo! "PORCODIO!"

Ali estava a janela de oportunidade, mas Homura não conseguia se mover, só sendo capaz de observar os anjos amparando o monitor caído.

Um anjo puxou a pálpebras de Inquisidor, forçando-o a ficar de olhos abertos, enquanto outros anjos traziam telas. Nas telas haviam imagens familiares para ele.

Papà...

Uma menina entrava no quarto. Era o quarto do papai e ele estava lá. Mamãe estava ocupada na lavanderia, ela sempre estava ocupada nessa hora. Papai chamou para vir mais perto, para fazer perguntas e carinhos.

Inquisidor rangeu os dentes.

Ele aguardou, e a menina tirou a parte de cima das roupas, deixando o seu torso nu. A mão de papai deslizava sobre a pele, lisa, jovem, sem cicatrizes como os da mamãe. Ele apreciava muito isso, mas ele sempre ameaçava também pôr cicatrizes naquela pele. A menina precisava ficar quieta, enquanto Papai ficava completamente nu na cama. Havia chegado a hora, ele queria ver. Ele pegava com ambas as mãos os shorts da menina, assim como as roupas íntimas, e baixava tudo de uma vez, revelando... um pênis e um saco escrotal pré-pubescente.

A respiração de Inquisidor ficou rápida.

Deus existe. Mamãe sorri. São tantas histórias de tribulações e elas existem para que as pessoas provem ser merecedoras da recompensa definitiva. São tantos santos... Suas histórias comprovam que sofrimento é vida. A menina sonhava com Deus, um momento de paz e sem medo, ela estava destinada a isso, sua vida era uma provação, não era uma escolha. Porém, papai ria, pois ele disse a menina que ela só poderia deixar a família e estar com Deus se ela se tornasse um padre, mas somente homens podem se tornar padres, e papai provou que isso jamais seria possível ao tocar no... pênis do garoto.

Os anjos foram puxando, esticando o corpo de Inquisidor a um limite sobre-humano. A face do homem ficou deformada, mas ele parecia mais calmo. Mais certo de seu caminho.

Papai era um homem mau, ele arderia no fogo do inferno. Mamãe é uma vítima, mas uma covarde conivente, destinada as cinzas do purgatório. A menina passou a odiar Deus, como alguém que odeia uma verdade que não se deve odiar. Quando o enviado das estrelas veio oferecer um contrato, a menina sabia o que queria.

Madre, quando você disse que os milagres vêm somente de Deus, você tem razão. Para nós só nos cabe conviver com as tribulações, fortalecer o espírito, e alcançar o paraíso.

Que as chamas consumam os pecados.

Havia apenas fogo nas telas. Os anjos que carregavam Inquisidor foram incinerados subitamente e ele voltou ao normal. Girando o corpo durante a queda, ele aterrissou com os pés sobre a neve falsa da barreira. "INVASORA!"

Os anjos que estavam levantando Elly pegaram fogo e a bruxa encaixotadora novamente caiu com a tela contra o chão.

Para o desalento de Homura.

"Eu devo te agradecer, Invasora, você reestabeleceu o meu fervor." Inquisidor conjurou uma cruz em sua mão.

A paisagem da barreira entrou em chamas. Os carrosséis desabaram uns sobre os outros, se tornando lenhas para o fogaréu.

A chamas que consumiam Homura se intensificaram como nunca.

Inquisidor levantou o braço com a cruz e fogo pareceu saber interpretar o gesto. O vidro do domo começou a rachar enquanto a barreira se tornava uma sucursal do inferno. "Eu acabarei rápido por aqui e depois irei atrás de Generalíssima. É hora de pôr um fim na farsa que ela é e eu me tornar o líder da Irmandade."

Madoka.

A face de Homura derretia enquanto as labaredas lambiam seu corpo de cera. O interior do corpo havia se tornado um forno e as engrenagens ficaram presas. A salamandra roxa ressurgiu na cabeça quebrada do corpo da boneca quase destruída, observando cenário ainda mais calamitoso no lado de fora. Era os inevitáveis momentos que precediam o fim.

Me desculpe.

Os violinos pararam de tocar, assim como o intenso som do fogo. Uma parada repentina, sem aviso.

Salamandra abriu bem o seu olho humano. Tudo estava paralisado no tempo! A outra bruxa e seus lacaios, o padre com sua cruz, até mesmo as chamas que queimavam o corpo de boneca de Homura. Contudo, as cores continuavam normais.

Foi então que Homura, a salamandra, notou alguém se aproximando tranquilamente. Uma mulher alta de longos cabelos brancos, com uma tiara com uma grande gema corrompida.

Os olhos rosas de Estér brilharam momentaneamente quando ela sorriu. "Ah... Homura-chan, eu não queria vê-la nesse estado. Eu quase falhei."

Homura estava certa de que aquela era a mulher que Kyouko havia descrito. Ela não tinha nenhum traço japonês, mas falava em japonês e expressando estranha familiaridade.

A mulher ficou olhando, respirando profundamente.

Ela estava esperando uma resposta? Homura sabia que ainda podia fazer uso de telepatia, mas a situação estava tão perigosa que nenhuma palavra parecia ser segura.

"Ahh..." Estér exalou, levando a mão ao peito. "Desculpe, Homura-chan. Depois de tantas vezes... Nós finalmente estamos trocando palavras... Bem, eu acho que você não está em condição para falar. Você deve ter muitas dúvidas, sim, e eu tenho todas as respostas. Porém, primeiramente, deixe-me livrar do lixo."

Homura viu a mulher se virar para o padre.

O homem, que outrora estava congelado no tempo, voltou a se mover. Ele logo viu que as chamas não estavam se movendo e se virou para a Homura, e então notou a outra mulher. "Outra bruxa?"

"Por favor, Inquisidor," em inglês, Estér zombou, "você é mais inteligente do que isso."

Ele viu que a mulher era alta, mais alta do que ele, e tinha cabelos brancos. "Foi você quem matou Madre. Generalíssima está contigo?"

Estér afirmou, "Você achou que se fosse um homem, tudo seria diferente, mas os abusos ocorreram da mesma forma. Você reescreveu a sua história, mas não o seu destino."

Inquisidor arregalou os olhos. "Quem diabos é você?"

"Você desejou que tivesse nascido como um homem." Estér sorriu. "Eu sou aquela que fará cumprir esse desejo, literalmente." E tudo foi coberto por fogo.

Homura viu o padre conjurar uma grande coluna de fogo aonde a mulher estava. Diferente das demais, aquelas chamas se moviam normalmente. A magia que está controlando o tempo é realmente diferente da minha!

Inquisidor apontou a sua cruz para que as chamas se intensificassem.

Contrariando as expectativas, as chamas extinguiram de imediato, revelando que a mulher continuava a sorrir, sem nenhum ferimento.

Inquisidor franziu a testa.

[Sua magia é uma decepção.] O sorriso falso de Estér se fora. [Isso só me deixa com mais raiva. Você tem TODA a minha atenção.]

"Você gerou um vácuo a sua volta," Inquisidor falou.

[Então você notou.] Estér continuou a usar telepatia, pois não havia ar para propagar sons. [Sua magia causa ignição e pode ser usada como combustível, mas você ainda depende de um comburente.]

Novamente, Homura estava presenciando a interação de dois estranhos, apesar da mulher de cabelos brancos agir como se isso não fosse verdade. Ela matou um membro da Irmandade e agora estava confrontando o padre, seria ela uma aliada?

[Se mate, Inquisidor.] Estér cruzou os braços. [É a única coisa que você pode fazer para impedir que EU te mate.]

De repente, uma parede de fogo se ergueu entre o homem e a mulher alta.

A parede era alta e as chamas eram intensas. Estér ergueu as sobrancelhas. [Está tentando me cozinhar? Você esqueceu que o vácuo é um excelente isolante térmico?]

Inquisidor respondeu, atravessando a parede de fogo em uma voadora.

Os olhos de Estér arregalaram momentos antes da sola do sapato do padre conectar com a sua face. Com o nariz quebrado, ela cambaleou.

Conforme seu treinamento, o homem não desperdiçou um segundo. Segurando como um punhal, ele enterrou a sua cruz prateada no torso da mulher.

Estér abriu a boca, mas não saiu um grito e sim fogo. De suas costas irrompeu um jato de fogo, como uma solda, formando um largo buraco. Suas pernas falharam e ela caiu.

Inquisidor montou sobre ela. Segurando a cruz, com a ponta afiada e incandescente, ele ergueu o braço para desferir o golpe. Seu alvo era a gema escurecida na tiara.

Estér olhou nos olhos dele.

"AAAAHHHHH!" Com toda a força amplificada pela magia, Inquisidor acertou a gema com a cruz. O acerto foi tão devastador que a cruz empurrou a gema através da cabeça da mulher, até encontrar o chão, fazendo-o tremer. O crânio dela estourou e ele fechou os olhos com os respingos em sua face.

Silêncio.

Inquisidor só ouvia sua respiração, tragando o cheiro de queimado. Ele reabriu os olhos e constatou que, diferente da bruxa, aquela mulher era realmente feita de carne e osso. Apenas da boca para baixo havia restado da cabeça do cadáver, com a cruz que ele ainda segurava sendo o nexo daquela bagunça sanguinolenta. A extremidade quente do objeto sagrado estava mergulhada na grossa poça de sangue, cozinhando-a.

Ele olhou envolta. As chamas que queimavam a barreira continuavam congeladas no tempo. Aquilo não era magia da mulher? Talvez fosse da bruxa que conjurava ampulhetas... Contudo, Inquisidor não pôde ignora a crescente sensação de que algo estava errado, pois já havia passado algum tempo e a vestimenta de garota mágica da mulher não havia se dissipado.

Ao olhar para o cadáver, lhe veio uma sinistra descoberta. O buraco no torso se fora, o grande ferimento havia sido completamente curado! Ele olhou para a cabeça.

Um sorriso, a boca estava sorrindo! Com os dentes escancarados, a boca disse com a voz de Estér, "Você é fraco demais."

Boquiaberto, Inquisidor sentiu algo empurrando sua cruz para cima.

Emergindo da poça de sangue, a gema corrompida de Estér levitou, levantando consigo a cruz que o homem estava segurando.

Inquisidor estava ainda mais chocado, pois a gema estava intacta, nem mesmo uma trinca. Em uma tentativa absenta de raciocínio, ele pôs força no braço para empurrar a gema de volta ao chão, mas sem sucesso. Foi então que ele notou a mulher estender o braço, a palma da mão aberta dela na direção de seu peito.

E Estér proferiu, "Abjuração."

"EEEEAAAAAAGGHHHH!"

Homura ouviu o urro do homem e viu ele ser jogado para longe, envolvido em uma luz vermelha.

"GGGNNNNNNAAAHH!" Inquisidor caiu no chão com dores terríveis, mas não sendo do impacto. "Aaah... Ah..." Eram as suas costas, com um largo buraco queimado formado por um disparo de plasma. Era o seu braço, amputado e cauterizado. Sua pele, com várias queimaduras de variados graus, que ele nem estava ciente antes. Todas as dores que ele havia bloqueado. Ele quase desmaiou, apenas com a adrenalina o impedindo, como se quisesse avisar de que se ele perdesse a consciência naquela hora, ele não acordaria mais.

Se acostumando com a dor, ele reabriu os olhos e a primeira coisa que viu foi o seu braço. Ele não tinha mais manga, ele estava sem roupas? Contudo, o que mais estava errado é que seu braço estava mais fino, sua mão era menor.

Inquisidor se sentia menor.

Ele se ergueu com dificuldade, conseguindo se sentar. De fato, ele estava completamente nu. "Ahhh... Ahh...?" Porém, o seu peito estava diferente, havia um redondo, volumoso e macio par pendurado nele. Ainda havia pêlo, mas mais proeminente envolta das auréolas de seus agora largos mamilos. "Ah? Aaaahhnnn?" Em sua virilha, havia um tufo de pêlo, mas nada mais.

Homura também estava confusa com o que estava presenciando.

A gema corrompida de Estér continuava a flutuar, agora em uma posição mais alta, e o corpo sem cabeça dela se ergueu como se estivesse sendo puxado pela pedra.

Inquisidor percebeu aquilo e ela arregalou os olhos.

Primeiro veio a sangue, que estava esparramado no chão e agora estava voando, formando um fluxo até a parte sem cabeça. Então veio porções de cérebro, fragmentos de ossos, pedaços de carne, tiras de pele e mechas de cabelo branco, tudo se juntando uns aos outros como em um elaborado quebra-cabeça. Por fim, a tiara recebeu a gema e Estér reabriu seus olhos. Ela sorriu e estendeu a mão. Uma jóia em forma de ovo, com uma gema vermelha escurecida, veio voando, descendo gentilmente na palma da mulher alta.

Inquisidor rangeu os deles. Ela reconheceu que aquela era a sua gema da alma.

"Finalmente eu encontrei um bom uso para essa magia de troca de sexos," Estér comentou, "agora compreendo o porquê de seu papai ter tanto interesse em ti, você até que é bonitinha. Claro, seria bom fazer uma depilação para lidar com esse visual de mulher das cavernas."

"O QUE-" Inquisidor parou por um momento, ao ouvir sua própria voz, agora mais fina. "O QUE É VOCÊ?!"

"O que eu sou? Uma questão ridícula para um inquisidor." Os olhos de Estér brilharam. "Eu tenho a sua alma em minhas mãos e você não tem nenhum poder para mudar isso. Eu conheço o seu passado enquanto você não sabe nada sobre mim. O que mais eu posso ser nesse momento para você além de deus?"

"'Deus'?" A mulher nua, com buraco nas costas e apenas um braço, se levantou. Suas pernas tremiam, mas ela conseguiu ficar de pé com apenas da força de usa ira. "'DEUS'?!"

Estér levantou uma sobrancelha.

"Você... Você... aaa.. não é Deus." Inquisidor se esforçou para manter o equilíbrio. "Ahh... Você não me conhece. Eu nunca quis mudar o meu destino. A provação é necessária para estar mais perto Dele." Ela apontou para a mulher de cabelos brancos. "Você pode... ah... tirar a minha vida, mas a sua soberba... Ela será julgada."

"Eu sou uma condenada," Estér respondeu prontamente.

Inquisidor franziu o cenho.

"Essas foram as suas últimas palavras, tolo?" Estér assentiu. "Você me fez lembrar... Sabe quando foi a primeira vez que eu ouvi falar do seu Deus? De um bêbado, que falava sozinho e tinha alucinações. Um lunático, mas ele tinha um barco grande e o mundo que eu conhecia havia sido completamente destruído pelo Incubator."

Inquisidor ficou mais confuso.

Mas Estér continuou, "Eu tive filhos com ele, mas eu o deixei antes que ele pudesse ver a minha barriga crescer. Eu cuidei da linhagem, supervisionei ela até ela prosperar e se multiplicar. Os descendentes criaram e adoraram novos deuses, pois eu nunca os ensinei sobre o seu deus."

Homura, ouvindo a mulher exótica monologar em inglês, compreendia ainda menos. Ela escrutinizou a gema escura na tiara da mulher, com lampejos de outras cores, como trovões em uma nuvem espessa de tempestade.

"Contudo, é seu deus que ainda é lembrado hoje," Estér disse, dando de ombros, "eu devo admitir que talvez ele exista. Mas, se ele quiser me julgar, ele terá que sair de seu trono." Ela então mostrou um tenro sorriso. "Diga isso a ele por mim, angioletto. Ok?"

Ao ouvir aquele termo em italiano, Inquisidor ficou tão surpreso que esqueceu a sua dor. "O que disse?!"

Estér permaneceu em silêncio.

"Só uma pessoa me chamava dessa forma..." Todos os sentidos de Inquisidor esperavam por uma resposta, mas o seu espírito temia obtê-la.

Estér permaneceu sorrindo.

Inquisidor já sabia. "Não..." Ela entendeu. "Não, não, não..." Com um princípio de um grito, preso há tanto tempo, ela revelou uma verdade do Bastião de Nova Orleans, "MATRIAR-"

Estér esmagou a gema da alma vermelha.

O corpo feminino de Inquisidor ficou parado em pé por um instante, antes de colapsar como uma boneca pano.

A mulher de cabelos brancos assoprou gentilmente os pequenos fragmentos que ainda permaneciam na palma de sua mão. Depois, ela voltou a sua atenção para Homura.

Em sua forma de salamandra, Homura cogitou se não era mais prudente se esconder novamente dentro do seu corpo de boneca.

"Como Inquisidor conseguiu derrotar você? Será que esse breve tempo de paz lhe deixou inepta?" Estér balançou a mão. "Bem, deixe-me consertar você."

Homura se sentiu cegada por um flash e então seus olhos se abriram. Eles estavam fechados? Ela moveu o corpo e se deu conta que não era mais o seu corpo da salamandra, mas a da boneca. Ela olhou para o seu vestido negro, em perfeito estado, sem marcas de queimaduras. Seus braços de cera não estavam mais derretidos, com a superfície dura e pálida dando lugar para a textura e tom de sua pele humana.

Estér disse, "Perdoe-me, Homura-chan, eu ainda não tenho uma plena compreensão dessa anatomia híbrida que vocês têm agora. Ainda está sentindo alguma dor? Eu tenho outros tipos de magias restaurativas que posso tentar."

"Eu... estou bem..." Homura hesitou olhar para a mulher. Ela estava falando em japonês, de forma muito amigável, mas havia acabado de matar uma pessoa, e devia ser ela que havia matado Madre na entrada. O pior de tudo: Aquela mulher seria capaz de muitas coisas, inclusive manipular o tempo.

... Anomalia temporal...

... Nós devemos estar preparadas para lidar com alguém que tem agência sobre o destino...

... Eu tenho todas as respostas...

Perdida com o que estava acontecendo, Homura precisava de ao menos uma resposta, "Quem..."

"Madoka," Estér disse.

Homura olhou para ela e, tensa, ficou de pé.

Estér sorriu levemente. "Eu tinha certeza que teria a sua atenção, mas não quero ter nossa conversa aqui, com essa bagunça envolta." Ela apontou o dedo para o alto. "Me encontre na superfície, dez quilômetros ao nordeste dessa posição. Bruxas podem subverter o espaço com as suas barreiras, não deverá ser difícil para você criar uma saída." Os olhos rosas dela brilharam. "Eu estarei te aguardando, Homura-chan, não me desaponte dessa vez."

Homura não tinha obtido o que queria. "Quem é você?"

Mas a mulher já não estava mais ali.

Homura não havia nem sequer piscado os olhos, mesmo assim ela não conseguiu notar nenhum movimento suspeito. A mulher havia desaparecido instantaneamente! Ao ouvir o som intenso das chamas, ela se deu conta que o tempo havia voltado a passar normalmente.

"Akemi-san! Akemi-san!"

Homura olhou para quem a estava chamando. Era a bruxa, o monitor sendo carregado pelos anjos de uma asa.

A tela do monitor acendeu, revelando a face de surpresa de Hellen Nakamura. "O que aconteceu? Quem é essa mulher morta? Onde está o homem?"

Homura balançou um pouco a cabeça. Ela também só tinha mais questões do que respostas.

Hellen notou que a mulher morta estava com uns dos braços amputados. "Essa mulher... é ele?"

Homura comentou, "Você faz parte da Lei dos Ciclos."

"Hã? Sim," Hellen confirmou, "Madoka-san estava preocupada com as organizações de garotas mágicas que há pelo mundo e pediu ajuda. Eu fui uma que conseguiu entrar nessa organização, a Irmandade das Almas."

"Uma espiã..." Homura concluiu.

"Você pode dizer que sim." Hellen assentiu. "Eu consegui fazer uns arranjos para ser 'selecionada' para trabalhar nessa instalação secreta. Infelizmente, eu não pude informar Madoka-san com frequência sem levantar suspeitas." A imagem de Hellen na tela piscou, mostrando que ela estava mais tensa. "Hoje eu iria tentar contatá-la, pois eles planejaram eliminar vocês todas em Mitakihara. É um alívio que vocês vieram, mas através de uma falsa informação. Tem algo muito errado. Quem mais está no seu grupo? Madoka-san está aqui?"

Homura franziu a testa e pressionou os lábios.

"Madoka-san está sozinha em Mitakihara?" A imagem de Hellen piscou mais. "Oh não... Ela pode estar correndo grande perigo!"

Homura abaixou a cabeça, sua respiração inconstante.

"Nós ainda podemos avisá-la. No andar acima há um central de dados com acesso à Internet. Eu consigo enviar uma mensagem para o celular dela. Lá é onde eu também escondi dezenas de sementes da aflição. Nós precisamos resga-"

Com a palma da mão aberta, Homura conjurou uma ampulheta.

Para a surpresa de Hellen. "Akemi-san?"

Ao virar a ampulheta, Homura desapareceu.

"Akemi-san..." Hellen não podia acreditar. Comandando os seus anjos lacaios para girar o monitor, ela pode ver a sua volta, procurando por um sinal de Homura.

O que ela encontrou foi outro grupo de anjos se aproximando, trazendo consigo uma manopla parcialmente derretida. Um compartimento na manopla estava aberto, revelando uma gema intacta, porém muito escurecida.

Pedaços do domo estavam caindo, sendo engolidos pelo fogo. A barreira iria se dissipar e nada iria impedir as chamas de alcançar o foguete e seu combustível.

"Tudo bem..." Hellen sussurrou para a gema na manopla, "Tudo ficará bem."

/人 ◕‿‿◕ 人\

"Outra sala grande e vazia."

Apesar de Kyouko não estar errada em seu comentário, a sala era a maior que o grupo havia encontrado por uma ampla margem. As garotas andaram até o centro dela.

Olhando para todas as direções, Sayaka concluiu, "Não há outra saída, só por onde viemos."

Umika concordou, "Escolhemos o túnel errado nessa última bifurcação."

Kazumi era a que estava mais desapontada. "Ah... Pedra, papel e tesoura não funcionou dessa vez."

Já Kaoru estava mais interessada nas paredes. "Vocês repararam essas marcas e rachaduras no concreto? Parece que houve um combate por aqui."

"Agora que tu falou..." Kyouko olhou para uma pequena cratera no piso. "Um combate entre garotas mágicas."

"Como uma arena?" Kazumi arregalou os olhos.

"Uma sala de treinamento," Umika teorizou, "talvez não haja luta. Apenas que aqui os membros podem praticar livremente suas magias e armas."

"Seja o que for," Sayaka disse, "não é o que estamos procurando. Nós ainda temos achar quem que Oriko-san disse que estaria nesse andar." Ela se virou para a saída, sendo acompanhada pelos outros, mas ninguém sequer deu um passo.

Do túnel de saída vinha uma mulher vestindo uma camisa branca e calças com camuflagem militar. Ela tinha cabelos curtos rosa escuro, mesma cor dos olhos, e a pele morena. Ela parou, fitando o grupo com um semblante sério.

Foi um silêncio incômodo.

[Umika-chan.] Kazumi chamou.

[Sim, eu sei.] A garota mágica ajeitou os seus óculos e respirou, antes de dizer em inglês, "Olá..."

A mulher não disse nada, mantendo a mesma expressão.

"Ware... N-Nós não machucar você. Nós queremos paz..." Umika se atrapalhou com as palavras, "Diplomáticas d-desu. Apenas queremos conversar."

A mulher cerrou os punhos.

Kyouko notou aquilo e ficou ainda mais tensa do que estava.

Umika engoliu seco com a falta de uma resposta. Teria ela ter que arriscar mais algumas frases em inglês?

A mulher de nome Leona Julieta Contreras finalmente falou, "No tendré piedad de ustedes, brujas."

Kyouko não entendeu nada, mas a entonação era claramente ameaçadora. "Tá, o que foi que ela disse?"

"Ahnnn..." Umika balbuciou, "I-Isso não é inglês!"

"Hein?!" As garotas olharam para ela.

Umika continuou, "Eu acho que é em português."

Um flash de luz rosa e Leona revelou seu 'uniforme' de garota mágica, uma segunda pele, rosa escura, formada de partes que se separavam e recombinavam sucessivamente, dançando nas curvas de seu corpo esculpido.

"E-Ela tá NUA!" Kazumi exclamou.

"E bota nua nisso, hein?" Kaoru sorriu. "Ela deve trabalhar duro pra ter esse corpinho de atleta."

"Esse é um corpo de guerreira." Kyouko conjurou uma lança em suas mãos.

Trazendo uma imediata reação da Sayaka. "O QUE VOCÊ TÁ FAZENDO?"

"Se toca!" Kyouko não tirou os olhos da mulher. "Ela não se transformou pra ficar dando aula de português pra nós. Ela tá afim de fazer diplomacia pelo modo difí-" A ruiva ouviu o som de algo macio sendo esmagado, ao mesmo tempo que sentiu um respingo quente em sua face.

A mulher não estava mais ali.

Kyouko piscou os olhos, jurando que não havia piscado antes. Mesmo assim, a mulher havia desaparecido. Havia gotículas em seus lábios, e veio o gosto de sangue. A adrenalina cresceu em seu peito, pois os respingos haviam vindo de onde Sayaka estava. Ela se virou.

Sayaka estava de pé, mas a face... Não havia face, mas uma mão aberta e um antebraço, ambos cobertos de sangue.

A mulher havia atacado por detrás, atravessando a cabeça de Sayaka com o seu braço. Ela puxou o braço de volta e a garota sem face tombou no piso, não se movendo mais. Sem esboçar nenhum remorso, a mulher ficou examinando o seu braço ensanguentado.

Kyouko não estava querendo acreditar em seus olhos e olhou para as outras garotas grupo para confirmar o que estava testemunhando.

Com os olhos bem arregalados, Umika já havia conjurado o seu livro.

Fazendo um cara de choque, Kazumi soltou uma lamúria, "NÃÃÃÃOOOO!"

Kaoru era quem estava mais próxima da mulher. Impelida pelo terror, ela escolheu lutar. "CAPITANO POTENZA!" Ela desferiu um chute, com a sua perna transformada de animal, feita de metal negro.

O golpe foi rápido e a mulher ainda parecia absorta com o seu braço banhado em sangue. Contudo, quando o chute estava prestes a conectar, a mulher desapareceu.

Kaoru franziu o cenho ao perceber que estava chutando o ar.

Kyouko já havia se recuperado do choque inicial, com os seus instintos afiados por anos convivendo com perigos, sobrenaturais ou não. Ainda assim, ela não conseguiu notar nenhum movimento suspeito daquela mulher antes de ela desaparecer.

Por um mísero momento, um 'borrão rosa' envolveu a perna de Kaoru.

Kyouko semicerrou o olhar. Era incerto, mas ela podia jurar que tinha visto a imagem da mulher aplicando uma cotovelada e uma joelhada, em um golpe combinado.

A perna de metal de Karou estilhaçou em dois lugares. "AAAAHHHH!" Gritando mais de surpresa do que de dor, ela caiu no chão com a sua perna agora amputada na altura da coxa. Kaoru estava tão incrédula que deixou a perna voltar a ser de carne e a sangrar. Isso jamais havia acontecido, ao ponto de ela acreditar que a sua perna de metal era indestrutível. Então ela notou a mulher estando no mesmo lugar que estava antes, olhando para ela.

Kyouko rangeu os dentes. Mesmo prestando a máxima atenção, ela só pôde constatar que a mulher havia reaparecido instantaneamente, agindo como alguém que faz pouco caso com a realidade. Alguém que ela conhecia muito bem.

Leona olhou de relance para a ruiva.

Sentindo o intento assassino, Kyouko brandiu sua lança. A mulher então desapareceu, algo que ela já esperava. Sabendo do que tinha acontecido com Sayaka, ela girou o corpo.

De fato, a mulher estava atrás, mas antes que a lança tivesse alguma chance de atingi-la, ela desapareceu novamente.

"Droga!" Tremendo, com a respiração curta e tensa, Kyouko não tinha idéia de onde a mulher poderia estar agora.

"Ela pisou na minha armadilha!" Umika anunciou.

Kyouko se virou e viu a mulher sobre um círculo de luz no piso, com marcações rúnicas nas bordas. Grilhões mágicos seguravam ambas as canelas.

Umika não perdeu tempo. "KAZUMI!"

"Certo!" Sabendo exatamente o que precisava fazer, Kazumi pulou e aterrissou em uma plataforma flutuante de luz quente que ela mesma havia criado, enquanto conjurava o seu fiel cajado.

Apesar do show de luzes, Kyouko continuou prestando a atenção na mulher. Ela apresentava estar calma, como se não visse ameaça alguma, mesmo estando pega pela armadilha mágica. Foi então que a ruiva reparou que a segunda pele da mulher estava pulsando um brilho. Tem algo errado.

"Eu não queria fazer isso, mas não vou deixar você machucar as minhas amigas!" Kazumi levantou o seu cajado e deixou o seu corpo ser envolvido pela luz. "Meteora Fina-"

A mulher não estava mais na armadilha, ela sumiu.

Kazumi ficou tão confusa, que todo poder mágico que havia acumulado se esvaiu. "Como... Onde..."

Kaoru gritou, "CUIDADO! KAZUUUUMIIII!"

Kazumi teve a intenção de olhar para a sua amiga, mas não teve tempo de sequer virar a cabeça. Uma força avassaladora empurrou suas costas, atravessando o seu corpo. Ela buscou gritar, pela dor e choque, mas de sua boca apenas saiu um esguicho de sangue. Perdendo a capacidade sentir a parte inferior de seu corpo e suas pernas, ela olhou para baixo e viu um braço ensanguentado, que havia emergido de um grande ferimento em seu torso e estava segurando um estranho objeto também banhado em sangue, quase cilíndrico com algumas pontas.

Ela não tinha idéia, nem capacidade para pensar, o que seria aquilo, mas eram vértebras de sua coluna.

"NÃÃÃÃÃÃOOO!" Kaoru gritou ainda mais, seu desespero era tamanho que um par de chifres cresceu em sua testa.

Umika estava sem palavras, ainda tentando compreender como a sua armadilha mágica havia falhado.

Kyouko também estava em silêncio, mas mais para manter a concentração, pois ela poderia ser a próxima.

Kazumi só teve tempo de sentir ser jogada para baixo antes de sua face encontrar com o concreto. Com o nariz e ossos da face quebrados, ela levantou a cabeça e olhou para Umika, para quem ela estendeu o braço. "U... mi... ka..."

Leona já estava de pé ao lado da garota caída. Ela levantou a perna e pisoteou a cabeça da bruxa disfarçada. A cabeça rachou, formando um leque carmesin no piso.

"KYYYAAAAHHHHH!" Kaoru gritava e gritava.

Umika ficou boquiaberta e ofegante.

Kyouko rangeu os dentes, murmurando, "Ela um monstro..."

O mais aterrador era ainda o semblante da mulher, com respingos de sangue escorrendo que não abalavam a sua infinita frieza. "Estoy cansada, muy cansada..." E então, ela desapareceu.

"AAAaahhh..." Kaoru caiu em silêncio, diante da constatação de que haveria uma próxima vítima.

"Onde ela tá? Onde ela TÁ?!" Kyouko virou de um lado para o outro, jurando estar vendo 'traços rosas' no canto de seu olho, que desapareciam um instante depois. "Maldita Oriko! Ela sabia sobre essa mulher e nos mandou pra morrer!"

"Não, ela estava certa."

"O qu-" Kyouko viu um pequeno domo azulado, uma espécie de campo de força, se formar envolta dela. "O QUÊ?!"

Aquilo havia sido obra da Umika. "Agora sabemos o porquê em suas visões ela nunca ter visto vocês combatendo os atacantes em Mitakihara. Essa 'garota' mágica é uma mulher adulta, com muitos, muitos anos de experiência e luta. Se outros como ela iriam atacar a cidade, vocês nunca teriam uma chance. Ao menos, aqui, nós temos uma oportunidade de averter esse futuro."

"Tch..." Com a ponta da sua lança, Kyouko tocou o campo de força, confirmando que era bem rígido.

Kaoru também havia sido envolvida por um campo de força, mas ela viu que a sua amiga de longa data não tinha um. "O que tá fazendo, Umika?! Ela vai te atacar!"

"É assim que espero." Umika deu as costas para as outras duas garotas. "Eu ainda não sei como essa mulher se move, mas parece que ela precisa ter contato físico com as suas vítimas. Ela não usou uma arma até agora."

Kaoru arregalou os olhos. Ela havia entendido a intenção dela.

"É, eu também notei. É por isso que essa puta tá sendo cautelosa até demais," Kyouko disse, "o que for que teja planejando, deixa eu ser a isca. Eu aposto que luto melhor que tu, garota dos livros."

"Não!"

Kyouko olhou para Kaoru.

A garota com a perna decepada afirmou, "Só ela é capaz disso!"

"'Garota dos livros'?" Umika separou a capa do livro que estava segurando em duas partes, cada parte capa se tornado um dos finais afiados de uma lança. "Eu vou te mostrar..." Ela pulou e anunciou em pleno ar. "Rosso Fantasma!"

A ruiva franziu a testa. "O quê?"

Kyouko Sakura, a diaba escarlate de Kazamino. Sua magia é especializada em ilusões. Umika se dividiu em múltiplas versões idênticas de si mesma, cada uma aterrissando em um lugar diferente, mas sendo que apenas uma era real. No entanto, baseada nas recordações de Michiru Kazusa, ela nunca fez uso dessa magia. Agora que eu tive algumas conversas com ela, eu consigo entender que ela tem uma espécie de 'vergonha' em usá-la. Seria por causa da relação dela com Mami Tomoe?

Os clones se posicionaram de forma que cada um podia ver todos os demais.

Eu não posso falhar de novo. Umika redobrou a sua atenção. Ela olhou para uma das suas cópias. Eu ativei um chamariz mágico nessa 'falsa eu', fazendo parecer que eu falhei em camuflar a minha fonte de magia por um momento. Eu tenho as minhas dúvidas se isso vai funcionar contra essa mulher, mas eu preciso tentar tudo! Se eu ao menos conseguir observar como ela se aproxima e ataca, eu saberei como reagir melhor para tocá-la ou fazer com que ela me toque de uma forma não letal.

Kaoru e Kyouko continuaram assistindo em silêncio o desenrolar daquele plano. A tensão era palpável, pois a mulher assassina iria agir a qualquer instante.

Então, atrás da cópia de Umika que tinha um chamariz, um borrão rosa se formou.

É ela! Vou usar agora! Umika já tinha preparado tudo. Ela e suas cópias estenderam a mão ao mesmo tempo e uma aura roxa se formou no chão.

Kyouko ergueu as sobrancelhas. Essa magia...

Kirika Kure, tão notável por sua lealdade a Oriko Mikuni quanto por sua magia capaz de deixar qualquer coisa mais lenta. Parece ser uma forma de manipulação do tempo, pois também afeta a percepção do seu alvo. Umika respirou fundo, tentando liberar a tensão. Infelizmente, eu não posso usar a magia da Homura Akemi que eu registrei, ela requer uma ferramenta com qualidade especial que eu não consegui recriar.

O borrão se tornou nítido, revelando ser a mulher com duas peles. Lentamente, ela estava preparando dar um soco na cópia.

Funcionou! Umika conteve sua ansiedade para não se entregar. Agora eu poss-

A mulher desapareceu.

Ela notou? Como? Então Umika notou que a mulher estava atrás de outra cópia e logo desapareceu de novo, reaparecendo atrás de mais uma cópia. O que... ela está fazendo?

E assim, sucessivamente, a mulher desaparecia e reaparecia atrás de cada cópia. De repente, isso ficou tão rápido, que havia uma imagem semitransparente da mulher fazendo o movimento do soco atrás de cada cópia, e a imagem estava ficando mais e mais sólida.

Umika entendeu. Ela vai atacar todas as minhas cópias ao mesmo tempo!

"UMIIKKKAAAAA!" Kaoru gritou.

Não somente as minhas cópias! Umika se virou e seus olhos se encontraram com o da mulher. O punho dela estava quase encostando. A garota mágica de óculos deu um passo para trás, evitando o ataque. E é isso! Agora eu só preciso toc- Um golpe avassalador atingiu o lado do seu tronco e Umika sentiu, além da súbita dor, que ela estava voando, então o impacto com o chão e o mundo girou.

Atônitas e impotentes, Kyouko e Kaoru viram o corpo de Umika capotar várias vezes e então arrastar por mais uma distância.

Umika estava lúcida, olhando para o teto cinza. Eu desviei! A dor havia sido bloqueada, mas ela só estava conseguindo mover os braços e a cabeça. Como? De onde veio esse golpe? De repente, uma sombra pairava sobre ela.

Era a mulher de pé ao seu lado.

Eu vou morrer, e então as minhas amigas! E Madoka! O pânico aflorou em Umika, o instinto de sobrevivência gritava dentro de si, lhe trazendo uma opção. Espera! Essa é a minha chance! Ela estendeu o braço como um bote de uma serpente, agarrando a canela da mulher. Ao mesmo tempo, ela exclamou, compelida pela adrenalina, "Fantasma Bisbiglio!"

Satomi Usagi, membro da Santas Plêiades, minha querida amiga. Sua magia permite controlar a mente e o corpo de suas vítimas. Assim sendo, nós poderemos...

A mulher levantou a perna.

"Oh?" Umika agora estava vendo a sola do pé de sua agressora acima de sua cabeça.

Leona pisoteou, esmagando a cabeça da bruxa. Ela fez isso várias vezes, para garantir que o monstro disfarçado estivesse morto.

O campo de força se desfez em volta de Kaoru, que estava caindo em desespero. "HYYYAAAAAAAAAAAHHHHHHHH!" Porém, entre ela e a cena de sua amiga sendo brutalmente morta, uma parede de correntes vermelhas se formou. "Hã?!"

"LEVANTA!" Kyouko pegou o braço de Kaoru. "Se apoia em mim! Eu sei que tá tudo indo pra merda, mas perder o controle e virar uma bruxa não vai ajudar!"

Kaoru obedeceu, se dando conta do par de chifres em sua testa. Ela respirou fundo e segurou o choro.

"Escuta! Eu sei o que essa puta tá fazendo, ela tá mexendo com o tempo!" Kyouko explicou, "eu dividi essa sala em dois com uma parede reforçada de correntes, e nós ficamos com o lado que tem a saída. Essa desgraçada pode ficar parando o tempo o quanto quiser, ela não vai conseguir passar pela minha parede antes dela ficar sem magia." Ela olhou para Sayaka.

A garota mágica de capa estava caída sobre uma poça de sangue, imóvel.

Kyouko rangeu os dentes e disse, "Nós temos que sair e achar a Homura. Ela é a nossa única chance."

"Olha!"

A atenção de Kyouko foi chamada por Kaoru. A ruiva olhou para aonde a outra garota estava apontando.

Distante, no outro lado da parede de correntes, a mulher estava olhando para as duas garotas. Com o seu sempre frio semblante, ela preparava a execução de um soco.

Kyouko arregalou os olhos.

"O que ela vai fazer?" Kaoru perguntou, e teve um empurrão como resposta, sendo lançada para longe.

Era Kyouko que tinha feito isso, antes de também se jogar. Ela continuou olhando para mulher e ouviu um som de impacto.

A mulher havia desaparecido instantaneamente.

Ainda no ar, Kyouko se virou para a direção que havia empurrado Kaoru.

A mulher estava ali, ela havia executado o soco, e o corpo sem cabeça de Kaoru tocou o chão. Uma mancha vermelha na parede era o único indício do destino dessa parte do corpo.

De tão abismada que estava, Kyouko não tomou cuidado com a aterrisagem e bateu com força no piso. Ela se levantou rapidamente, olhando para a sua parede de correntes. Não havia nenhum buraco, nenhum dano, ela continuava intocada. Kyouko então entendeu: a magia daquela mulher não era relacionada ao tempo, mas ao espaço.

A mulher desapareceu.

"Droga!" Em um ato urgente, Kyouko bateu o solo com a ponta do bastão de sua lança. Uma aura vermelha se formou no chão envolta dela e dezenas de lanças brotaram, como o desabrochar de uma flor. Cercada por aquelas defesas, a ruiva se virou, procurando pela mulher. Para sua surpresa, ela encontrou a mulher parada, próximo da falange mágica.

A pele rosa dançava sobre a face impassível de Leona, seu olhar fixado na bruxa atrás daquelas lanças.

Kyouko pressionou os lábios e segurou mais firme a lança em suas mãos, enquanto via a mulher começar a circular envolta, seus movimentos sendo acompanhados pela legião de pontas afiadas.

Leona então parou e levantou a perna. Ela sabia exatamente o que precisava fazer.

Kyouko viu que ela iriar executar um pisoteamento. Ela sabia que teria que ser muito rápida, mas não podia se precipitar. Ela aguardou até o último do momento do movimento para então se agachar e formar uma barreira de correntes acima dela.

Um pé, com uma mistura de pele rosa e morena, pisou contra a barreira, sendo forte o bastante em perfurá-la, mas não alcançando a garota mágica vermelha.

Leona havia teletransportado, surgindo acima de onde estava a bruxa, evitando assim o círculo de lanças, e ao mesmo tempo que executou o pisão. Contudo, ela foi surpreendida pela barreira, que agora era como uma plataforma, onde seu pé ficara preso.

Kyouko tinha feito a leitura a correta. "Te peguei!" E ela não iria perder a oportunidade. O bastão de sua fiel lança se subdividiu em várias e ganhou vida. A arma agora era como uma serpente voadora, a ponta afiada como uma presa mortal. Seu alvo era o pescoço da mulher, para que tivesse o mesmo fim que havia dado para as suas vítimas. Aquela mulher não podia controlar o tempo, ela não era rápida, muito menos mais ágil que a sua lança poderia ser! Ela não iria conseguir bloquear.

De fato, Leona só teve tempo de perceber o ataque vindo, ela não levantou um braço sequer. No entanto, sua pele rosa se moveu em um padrão dessa vez, se aglomerando no lado em que viria o golpe, cobrindo inclusive o pescoço.

A cabeça da lança atingiu o pescoço e estilhaçou.

O semblante triunfante de Kyouko se fora.

A pele rosa de Leona brilhou e barreira de correntes foi como que consumida por aquela luz, desintegrando-se. Ela aterrissou dentro da pequena área cercada pelas lanças.

"Não!" E Kyouko pulou para fora da área de imediato. Confrontar aquela mulher frente-a-frente era suicídio certo! Infelizmente, ela sentiu seu cabelo ser puxado.

Leona agarrou o rabo de cavalo da bruxa com uma mão e, sem esforço algum, a rodopiou acima de sua cabeça, como se fosse um laço que iria lançar.

Para o terror de Kyouko. "AAAAHHHHHH!"

Leona planejava arremessar a bruxa contra o chão e finalizá-la, mas ela havia segurado o cabelo com tamanha que força que ele foi esmagado e quebrou, arrebentando o rabo de cavalo.

Kyouko voou e bateu contra o teto. O impacto foi tão violento, que ela imediatamente sentiu dentes quebrados ricocheteando dentro de sua boca. Ela caiu no chão e permaneceu imóvel, sem perspectivas de estar viva no próximo minuto. Era o fim, amaldiçoada seja Oriko!

Nee-san...

Uma voz de criança, uma voz familiar, uma memória dolorosa. Kyouko abriu os olhos e sentiu eles arderem com o calor, e o cheiro de cinzas. A maldição chamava.

Leona olhou para o tufo de cabelo vermelho em sua mão e para a garota caída. A bruxa disfarçada não se movia, mas certamente não estava morta. Era hora de pôr um fim nisso.

Luz, calor, dor.

Numa reação instintiva, Leona afastou a sua mão. O cabelo que ela estava segurando havia entrado em combustão espontânea. O susto passou, mas a dor permaneceu. Ela examinou a palma da mão, constatando que havia queimaduras onde não estava coberto pela a sua segunda pele. Então, uma luz quente chamou a atenção.

Era a ruiva, agora com todo o seu cabelo sendo uma chama. Ela agora também estava vestindo um opulente quimono vermelho, com belas pinturas de flores e algas. De costas para a sua adversária, ela começou a se levantar e desapareceu na neblina.

Leona olhou envolta. A espessa neblina havia aparecido de repente e tomado toda sala. As solas de seus pés também sentiam que o chão era diferente. Ela olhou para baixo e viu que eram lajotas vermelhas.

Som de cascos de um animal em uma superfície dura.

Era um som distante, mas inconfundível. A segunda pele de Leona ficou agitada, pressentindo o perigo iminente.

A luz dançante de uma chama apareceu atrás da neblina. Ela se movia rapidamente.

Leona notou que aquela luz estava circulando-a, enquanto o som dos cascos ficava mais alto. As lajotas sobre os seus pés começaram a estremecer.

Um som de um cavalo relinchando e a luz da chama estava ficando grande.

Leona cerrou os punhos, esperando a bruxa vir, mas seus ouvidos conseguiram captar outro som.

O brandir de uma lâmina.

Aquele som vinha de trás. Ela se virou e se deparou com a cabeça vermelha de uma lança, e então nada, apenas a neblina, pois Leona havia se teletransportado para outro local. Ela exalou, as batidas de seu coração haviam acelerado.

Aquilo havia sido perto demais.

O som dos cascos de cavalo continuava.

Leona procurou pela a chama, mas para a sua surpresa não havia apenas uma. Várias luzes agora dançavam e circulava por de trás da neblina. Ela tentou sentir a posição da bruxa através da fonte de magia, mas era como se toda neblina fosse a fonte.

Uma lança massiva veio voando.

Com a ajuda de sua segunda pele cobrindo o seu antebraço, Leona golpeou a arma, conseguindo apará-la. No entanto, ela não gostou daquilo. O ataque tinha sido fácil demais de deter, parecendo ter outro propósito.

Ela estava certa.

No chão entre os seus pés, uma lança emergiu com o intuito de empalá-la. Leona não conseguiu desviar, mas a lança não obteve sucesso, quebrando contra a segunda pele que sempre cobria a virilha da mulher.

Mais lanças surgiram do chão, mas elas não acertaram nada, pois o seu alvo não estava mais ali.

Com o novo teletransporte, Leona havia obtido um momento de segurança, mas a sua situação estava cada vez pior. O som dos cascos era ensurdecedor, como se uma grande cavalaria estive a circundando.

Ela estava cansada, muito cansada.

Sem esperar um ataque, ela teletransportou de novo. Destino? Uma posição aleatória. Então, ela teletransportou novamente.

E de novo, e de novo, e de novo...

De novo, de novo, de novo, de novo, de novo, de novo, de novo, de novo, de novo, de novo, de novo, de novo, de novo...

Hoje em dia, a história dos feitos de Generalíssima são dados apenas como um mito para inspirar as noviças. Uma imigrante que alcançou uma posição de prestígio na Irmandade, em uma ascensão meteórica. Derrotou Katrina no bastião de Nova Orleans sozinha, derrotou a bruxa de classe ômicron com um só golpe. Alguns estão convencidos de que isso são invencionices, inverdades.

Eles estão certos, pois ela é muito mais. Eu sei disso.

Leona é capaz de algo que até deuses invejam.

Estar em todos os lugares.

E em lugar nenhum.

O poder da ubiquidade.

Ainda assim, ela era somente uma humana. Perceber tudo, de todos ângulos, era demais para a sua mente. No entanto, naquela neblina mágica, onde os seus sentidos estavam restringidos, o impacto dessa limitação fora reduzido.

Teletransportando sem parar, Leona compreendeu a natureza da barreira da bruxa: a ilusão da escolha. Um velho truque, nenhuma das 'chamas' atrás da neblina era real, apenas eram luminescências sobrenaturais. A bruxa tinha completa maestria sobre o seu domínio, dedicando uma porção da neblina como um espesso véu para esconder sua real presença por completo.

Isso não era mais suficiente, pois Leona era capaz de ver, de todas as direções possíveis. Uma vela cerimonial trajando um quimono vermelho, segurando uma lança e montada em um cavalo branco, esmaltado de cinzas, com intricadas linhas negras. No longo pescoço do animal estava pendurado um imenso medalhão vermelho.

Ela era capaz de ver, ela era capaz de acabar com isso.

Por onde atacar? Haveria um ponto fraco? Leona não tinha mais paciência e escolheu o medalhão, mesmo se não fosse um ponto fraco, ela estaria atingindo a região central da bruxa, isso poderia ser o suficiente. Ela redirecionou uma porção de sua segunda pele ao braço que iria usar no golpe. Quando ela executou, não foi um soco, mas uma estocada com a mão aberta.

A mão de Leona facilmente perfurou o medalhão, e a neblina, o mundo, estilhaçou como um vitral.

Com a súbita parada causada pelo impacto, Kyouko foi lançada para longe das costas do animal que ela estava montando. "AAAHHH!"

Enquanto ouvia um alto relinchar de dor, Leona arregalou os olhos. Ela não esperava que seu braço acabaria dentro do peito de um cavalo de verdade, com uma pelagem de cor pêssego. Ela podia sentir o calor do sangue e o pulsar do coração da criatura viva. Não foi por muito tempo: ela puxou o braço de volta, rasgando a carne pelo caminho. Quando removeu o membro, Leona recebeu um esguicho carmesim, sendo banhada em sangue.

Não era um cavalo, mas uma égua, chamada Homura. Com um último gemido, o animal colapsou com a língua para fora.

Caída no chão, Kyouko viu aquela cena e não se conteve. "NÃÃÃO!" Mas se deu conta que isso chamou a atenção da mulher assassina com duas peles.

Com o sangue escorrendo pelas curvas de seu corpo, a mulher mostrou um intenso olhar antes de desaparecer.

Rangendo os dentes, Kyouko se levantou de uma vez e conjurou uma lança. Ela queria descontar toda a raiva naquela mulher, mas ela ainda estava ciente da força de sua adversária. "MERDA!" Frustrada, ela golpeou o chão com a sua arma, fazendo surgir muitas lanças a sua volta, como na outra vez. Ela precisava de tempo e recorreu ao único recurso que poderia lhe dar isso.

O som de um impacto, a cabeça de uma das lanças estilhaçou.

Kyouko não conseguiu ver o ataque, ela não conseguia ver a mulher. Ela se virou várias vezes, mas no máximo conseguia obter um vislumbre de um borrão cor de rosa.

Mais impactos, mais lanças destruídas.

O som dos golpes era alto e poderoso. Sentindo que poderia ser o próximo alvo, Kyouko invocou lanças sem parar, algumas gigantes, representando o tamanho de seu esforço desesperador.

Nem as lanças gigantes reforçadas com paredes de correntes resistiram a barragem de golpes.

Kyouko estava em seu limite, toda a raiva que tinha não conseguia fornecer mais magia. Mesmo com todo o desespero, ela não conseguia se transformar em bruxa novamente! Impotente, ela acompanhou a cabeça de uma de suas lanças ser arrancada do bastão.

A afiada cabeça quebrada da lança girou no ar... Até um borrão rosa a interceptar.

Kyouko arregalou os olhos, tendo um vislumbre da mulher acertando um chute de voleio na cabeça da lança. Um instante depois e ela sentiu um forte impacto no peito. Ela teve tempo de sentir que estava voando antes de suas costas encontrarem violentamente contra uma parede, seguido de um jato de sangue saindo de sua boca. "Gaak!"

O chute da mulher fez com que a cabeça quebrada da lança voasse como uma bala de canhão, atingindo Kyouko em cheio. Ela não foi atingida pela lâmina, nesse caso ela teria sido cortada pela metade, mas a pesada cabeça de metal esmagou o peito da ruiva. Ela caiu de joelhos, e sua face iria de encontro ao chão se o seu cabelo não tivesse sido puxado.

A cabeça de Kyouko foi erguida com força e ela viu que a mulher já estava a sua frente. Tão perto, mas ela não tinha mais forças.

A mulher levantou uma perna, preparando para dar uma joelhada.

Kyouko sabia que o alvo era a sua cabeça, ela teria o mesmo fim que as outras garotas. Ela fechou os olhos, amaldiçoando Oriko em silêncio.

Silêncio quebrado pelo som de uma lâmina perfurando a carne.

E o golpe derradeiro não havia chegado. Kyouko reabriu os olhos.

A mulher estava de olhos arregalados, tremendo. Sua outra mão estava segurando a lâmina de uma espada que havia atravessado o centro de seu peito, em um ponto que não estava coberto pela a sua segunda pele. Um filete de sangue descia do ferimento, misturando com o sangue seco de suas vítimas.

Kyouko começou a cair para a frente, seu cabelo havia sido solto. Surpresa, ela apoiou as mãos no chão e conseguiu ainda ter forças para evitar que sua face encontrasse com o mesmo. Ela voltou a olhar para a mulher, mas a mulher não estava mais ali.

Ela viu Sayaka. A garota de cabelos azuis estava distante, ajoelhada sobre a poça de seu próprio sangue, mas com a sua cabeça completamente curada. Ela havia usado o gatilho da empunhadura de sua espada para disparar a lâmina que acertou a mulher.

Kyouko notou que a sua amiga estava assustada, estupefata. Certamente por causa do desaparecimento da mulher. A ruiva tentou enviar uma mensagem telepática, mas estava sentindo sua consciência ir embora. O ferimento em seu peito era muito grave.

A mulher apareceu atrás da Sayaka. Ela não tinha mais o ferimento em seu peito, e uma das suas mãos estava segurando a lâmina que havia transfixado ela.

Kyouko tentou avisar, mas não tinha mais força alguma. Seus braços se renderam e ela finalmente deitou no chão.

Ainda assim, Sayaka havia notado algo no semblante de sua amiga caída, ao ponto de decidir olhar para trás. Ela só teve tempo de fazer isso.

Leona, com um golpe preciso com a lâmina que estava segurando, decapitou a bruxa, fazendo a cabeça com cabelo azul sair voando. No entanto, ela continuou golpeando o corpo, tomada por um acesso de fúria.

Sua visão estava escurecendo, mas Kyouko podia ouvir o som da carne sendo fatiada, da sua amiga sendo esquartejada.

Como qualquer bruxa, tem que bater até que ela morra. Leona seguiu isso à risca, até que a lâmina em sua mão derreteu. "Hnn!?" O corpo da bruxa também estava derretendo, tanto a carne quanto o sangue se tornando em uma gosma azul, que começou a rastejar, rapidamente subindo pelas suas pernas.

Leona se sentiu presa ao chão. A gosma era mais pesada do que parecia e estava colada à sua pele. Teletransporte não ajudaria. A gosma já havia coberto seu peito quando então, da gosma, emergiu peças de uma espécie de armadura de cavaleiro. Ao se dar conta que ficaria presa dentro daquela armadura amaldiçoada, a pele rosa de Leona começou a brilhar.

Era a manifestação do milagre de seu desejo, o desejo de liberdade.

O brilho rosa espalhou pela gosma e armadura como o fogo em palha, e ardeu como tal, pois tudo que restou foi uma névoa preta.

Liberada, Leona testemunhou a névoa preta coalescer em uma semente de aflição. A semente pousou graciosamente na frente de seus pés. Contudo, a atenção já estava voltada para a outra bruxa.

A garota de cabelos vermelhos estava caída, sem se mover. Ela parecia estar morta.

Leona não perdeu tempo. Teletransportando e pisoteando a cabeça da garota. A cabeça foi esmagada, mas Leona não estava satisfeita, ela continuou pisoteando o corpo, espalhando sangue pelo piso.

O corpo da garota finalmente foi se desfazendo, se tornando uma nuvem negra que se solidificou em uma semente.

A luta havia acabado.

"Guuuh..." Leona vomitou sangue e trouxe a mão ao seu peito. A dor estava sendo bloqueada, mas ela temia perder a consciência.

[Leona?]

Foi quando ela ouviu uma voz que ela tanto desejava ouvir, mas que agora só lhe trouxe raiva. [Estér?! Onde você está? Eu te chamei, e te chamei...]

[Eu fui perseguida pelas bruxas. Elas são capazes de me ver.]

A adrenalina estava indo embora. As pernas tremiam, e Leona lutou contra a vontade de sentar. [E isso é um problema agora? Você pode lidar com elas melhor do que eu! E mais rápida também!]

[Inquisidor estava no silo.]

Com Estér dizendo aquilo, Leona ficou paralisada.

[Eu cheguei tarde demais. Ele matou Invasora e Nano, e queimou o foguete. Ele ainda acreditava que as sementes roubadas estavam escondidas ali dentro.]

Leona ficou boquiaberta e quase perdeu o equilíbrio. Ela não conseguia pensar em nada, só havia um sentimento.

A humanidade estava condenada. Absolutamente.

[Eu o matei. Você havia me pedido para que eu não fizesse isso, mas...]

Leona recobrou a compostura e balançou a cabeça. [Não. Você fez bem.]

[Me encontre na superfície, dez quilômetros ao nordeste. Eu estarei esperando por ti.]

[Eu... Eu chegarei logo.] Leona cuspiu mais sangue e olhou para as sementes no chão da sala, um total de cinco. Ela foi coletá-los, com uma sensação de que seus olhos iriam lacrimejar.

[Generalíssima?]

Era Revenante dessa vez. Leona tentou usar magia para suprimir suas emoções, um ato instintivo e em vão, pois ela sendo um ser de liberdade puríssima, isso não era possível.

[Generalíssima?]

Leona pôs a mão sobre os seus olhos e os pressionou. Uma forma que ela se lembrou que usava para segurar o choro, nos tempos em que esteve no orfanato. [Estou ouvindo.]

[Você ainda está na central de dados?]

Sendo uma adulta, Leona não sabia se isso realmente funcionava, mas o choro não veio. O problema agora é que sangue também escorria pelas narinas. [Qual é a situação?]

[Sortuda está com as noviças, construindo uma saída. Matryoshka está com elas também. Eu estou lutando contra uma bruxa.]

[Continuem.] Tudo isso era em vão agora. Leona pegou a última semente.

[Bem, você ainda vai levar muito tempo? Eu derroto essa bruxa, sem problema, mas se você vier dar uma mãozinha, isso acaba bem rápido.]

A telepatia de Revenante chegou para ninguém, pois Generalíssima se fora.

/人 ◕‿‿◕ 人\

Oriko desviou de mais uma sequência incansável de ataques, providenciados pela mulher negra. A loira reconheceu que a batalha já era demasiada longa, tanto devido as habilidades defensivas de sua adversária, quanto ao fato dos ataques dela serem simples e direto. Eles até estavam ficando mais lentos.

Enquanto isso, Revenante aguardava uma mensagem telepática.

Ela veio, mas era outra voz. [Revah! Como você está? Eu sei que você está lutando! Eu senti a magia de alguém aí.]

[Sim, mas é apenas uma bruxa,] Revenante respondeu para a Sortuda, [eu estou bem, graças as suas balas que você enfiou em mim.]

[Que bom, mas o efeito delas devem reduzir com tempo.]

[Você já me disse isso.] Revenante deu uma firme estocada com a sua azagaia contra a bruxa, que desviou facilmente. [Como anda o plano da Matryoshka?]

[É por isso que te chamei. A parede desmoronou! Agora o resto do caminho até a superfície será com a minha bala perfuratriz king size!]

Revenante suspirou, aliviada. [Então, o que você está esperando? Saia.]

[Primeiro, eu vou aí te ajudar.]

[Não precisa, criatura.] Revenante pressionou os lábios, ao mesmo tempo que preparava um novo ataque. [Eu já chamei a Generalíssima.]

[Generalíssima?]

[É, ela ainda está ocupada com a central de dados, mas ela vem logo.]

[Mas enquanto você está sozinha, eu posso...]

[As noviças são prioridade!] Revenante rangeu os dentes. [Tira as porras das crianças daqui! AGORA!]

Não houve uma resposta.

No entanto, Revenante conhecia Sortuda o bastante para saber que isso não significava que ela estava convencida. [Você está me ofendendo agora. Você acha que eu não posso lidar com uma bruxa sozinha?]

[Desculpa,] Sortuda disse,[nós vamos para o oeste. Matryoshka disse que há algumas fazendas para lá.]

[Ela sabe disso?] Revenante ficou um tanto surpresa, mas ela não tinha tempo para ficar distraída. [Bom, mas fique de olho nela. Eu alcanço vocês. Agora VÁ!]

Enquanto isso, entre um desvio e outro, Oriko analisava a situação.

Essa mulher está querendo ganhar tempo por ora, senão ela estaria irritada por não conseguir mais me pressionar com a sua velocidade. Porém, ela tem que me derrotar se pretende escapar com os outros.

Ela olhou para colar de ossos de sua oponente negra, mais especificamente para gema branca que estava camuflada ali.

A gema dela ainda está bem pura, mesmo após se curar de ferimentos tão graves. Yuma precisaria purificar a sua gema se fizesse algo semelhante.

Oriko nunca testemunhou tamanha eficiência no uso da magia.

Se eu ainda tivesse uma gema da alma, minha magia já teria esgotado a esse ponto.

Em mais uma esquiva, a loira encarou de perto os olhos cor de mel de sua adversária, em uma tentativa de decifrar o que ela estaria planejando.

Eu não gosto disso. A invulnerabilidade dela deve ser temporária, ou ela já teria se ferido a muito tempo atrás com a sua própria arma para que não fossem utilizadas contra ela. Mas por quanto tempo? Se for uma hora, já é demais.

Oriko precisava tomar uma decisão.

Eu ainda tenho um ataque que ela não recebeu. Se eu o usar direto na gema dela, eu posso matá-la, mas então quem matou Madre terá conseguido o que quer.

Ela sabia o que precisava fazer.

Quem conspira por essa guerra não irá me superar. Eu preciso ver mais longe! Eu vou descobrir o resultado desse duelo.

Ela se concentrou. Seus olhos pararam de mover, pois agora era o futuro que viria até eles.

Então a dor.

Era uma dor distante, uma dor que ainda viria. Oriko olhou para a fonte da dor e viu que seu abdômen estava empalado por uma azagaia.

Ela irá me acertar? Mas como...

Ela ouviu uma folha de papel sendo levada pelo vento. Oriko então se deu conta que estava no meio do deserto.

Seus olhos acompanharam a folha de papel. Era uma página de jornal, que subiu até o céu azul e começou se transformar em algo metálico, um objeto circular prateado. Uma moeda.

Oh não. Eu perdi o controle, eu estou vendo muito além.

A moeda rodopiante iria cair sobre a face de Oriko, mas então o objeto refletiu a luz do Sol, cegando a garota.

Não! Não! Eu preciso parar!

Flashes de imagens desconexas vieram acompanhadas de muitas vozes.

... sua alegada força, é a sua maior fraqueza...

... Por que eu ainda choro?...

... Você nunca irá vencer...

... você não merece Homura...

... você está só...

... NÃO, MADOKA! NÃO FAÇA ISSO!...

PARE! PARE!

Oriko rangeu os dentes e abriu bem olhos, desafiando a luz cegante. No entanto, ela viu que agora estava em um corredor de um prédio.

O espaço era bem iluminado, graças as janelas, que eram grandes painéis de vidro. No lado de fora havia o centro de uma movimentada cidade.

Oriko reconheceu a paisagem. "É Mitakihara..." Ela chegou mais perto da janela, seus dedos trêmulos tocando o vidro. "Quando... Quando foi a última vez que eu vi o futuro da minha amada cidade sem ela estar em ruínas?" Seu coração estava angustiado, temendo ser cegada pelo o segundo Sol, e toda a destruição que se seguia. O tempo passou, sem que nada disso ocorresse. "Então nós conseguimos, Akemi-san, nós impedimos a tragédia que nos assola."

Oriko reparou que não havia reflexo seu no vidro. Eu não estou realmente presente nesse momento no futuro.

Mas por que estou aqui?

Com esse pensamento em mente, ela se virou. "Que lugar é esse?" Baseado em sua experiência, ela só estaria ali se um evento importante estivesse prestes a ocorrer.

No outro lado do corredor havia uma parede de cor clara, com portas intercaladas com painéis com vários panfletos sobre saúde e prevenção.

"Esse lugar parece ser um hospital..."

Ao ver que um dos panfletos era um calendário, Oriko se aproximou imediatamente. Aquilo era como um tesouro valioso para uma vidente. "O quão longe do futuro estou."

Contudo, o que ela leu gelou a sua espinha. "Isso... Isso é impossível! Esse calendário tem que estar errado. Se ele não está, então eu não estou tendo uma visão do futuro, mas do passado!"

Havia um dia marcado naquele calendário. Oriko fez um rápido um cálculo. "Se isso for hoje, falta em torno de um mês e meio até Walpurgisnacht. Por que esse dia é tão importante?"

Ela olhou para a porta vizinha ao painel. Na superfície da porta estava instalado um suporte com alguns documentos. Esses documentos continham informações sobre o paciente que estava naquele quarto.

O nome do paciente escrito no documento fez com que Oriko parasse de respirar por um momento:

Homura Akemi

"Hm, hmm, hm, hm! Hmhmm~"

Oriko ouviu alguém cantarolar. Era uma enfermeira que vinha pelo corredor, empurrando um carrinho com vários potes e caixas de isopor. Ela tinha uma aparência jovem e baixa, sem volume no busto, o que podia dar a ilusão que era uma pré-adolescente. Ela não era asiática, com a pele clara, e olhos de um azul intenso e atraente. Seu cabelo loiro era como fios de ouro sob a luz do dia que vinha pelas janelas, um tanto longo, abaixo da linha dos ombros.

Oriko engoliu seco ao sentir uma certa familiaridade. "Essa enfermeira..."

A enfermeira parou com o carrinho na frente do quarto de Homura. Ela bateu na porta, falando em um japonês fluente, "Yuuhuuu! Homura-chan~~ Você já acordou? Eu trouxe sorvete~"

A mão que bateu na porta tinha um anel prateado no dedo do meio. Quando Oriko viu aquilo, ela teve certeza. "É ela! É a garota da minha visão! A que está segurand-"

Um flash de luz.

Oriko fechou os olhos instintivamente e ouviu o som do vento, e de chamas crepitando.

Não...

Ela reabriu os olhos e viu cercada por ruínas esturricadas.

Não, não...

O céu tomado por nuvens escuras. Uma chuva de cinzas cobria os corpos.

Não, não, não...

Mitakihara estava morta, e sua lápide era uma montanha de tentáculos negros, a forma amaldiçoada de Madoka Kaname.

"O futuro não mudou!" Oriko cerrou os punhos com força, sentindo suas unhas cortando a pele. Era o seu esforço para que não caísse em desespero. Ela precisava manter a razão.

Havia uma diferença, que ela não havia percebido antes devido ao choque inicial. Havia uma mulher de costas para Oriko, olhando para a bruxa de Madoka. Ela era alta, seminua, com cabelos brancos muito longos. A pele dela era marrom, mas estava manchada com veias negras.

Essa mulher se parece com quem Sakura-san descreveu. Foi ela que matou Madre? É claro que ela iria participar no ataque.

"Mas por que ainda há este ataque?" Oriko contesta o seu próprio raciocínio, "nós encontramos a base deles e eles fugiram. Mesmo que se reorganizem a tempo, eles iriam entender que o plano deles foi descoberto, ou ao menos eles iriam considerar que perderam o elemento surpresa. Isso deveria ter sido o suficiente para eles evitarem continuar com o plano... ou não?"

Com vento da desolação em seus ouvidos, a vidente teve uma ponderação aterradora, "E se o que estou presenciando não for o ataque planejado que Madre mencionou, e sim uma retaliação imprudente devido a nossa visita? Será que a nossa intervenção é a razão dessa mortandade? Em uma espécie de profecia autorrealizável?"

"É mesmo?"

Oriko ficou boquiaberta após ouvir a mulher. Eu estou aqui? Ela olhou para o chão, mas viu que a sua presença não estava projetando sombras. Então ela voltou a olhar para a mulher, ainda mais estarrecida.

A mulher de cabelos brancos se virou. Suas irises rosas brilhavam, enquanto suas escleras estavam cheias de veias negras. A mulher sorriu, e entre os seus dentes escorria uma gosma preta, o mesmo líquido viscoso escorria pelas narinas e ouvidos. Na tiara em sua testa, uma grande gema corrompida, soltando faíscas, ameaçando estourar a qualquer momento.

Oriko estremeceu diante de um velho pesadelo.

"Eu estou muito agradecida, Oriko Mikuni-san." A mulher abriu os braços, olhando para as ruínas e para o céu bloqueado pela fumaça dos mortos. "Sem você, esse amanhecer jamais seria possível."

"Eu?" Oriko abaixou o olhar, agora mais certa disso. A pessoa com agência sobre o destino... Era eu desde o princípio.

"Eu creio que seria uma falta de educação minha em não te recompensar," a mulher continuou a falar, "portanto, eu vou sugerir que você dê um passo para a direita."

Oriko voltou a olhar para a mulher, confusa.

A mulher ainda tinha um grande sorriso, enquanto as veias negras espalhadas pelo seu corpo pulsavam em demasia. "Agora."

A vidente ergueu as sobrancelhas ao se dar conta do que poderia. A pesadelo chegaria a um abrupto fim, e ela fez o melhor que pôde, praticamente se jogando para a direita.

Uma azagaia atravessou o seu abdômen, sendo o sinal de que havia sido tarde demais.

Revenante estava segurando a arma firmemente, em júbilo. "HAHAHAAH! TE PEGUEI, CADELA!"

"Acknn..." Oriko segurou a azagaia perto de onde havia perfurado seu corpo, sentindo o sangue quente escorrer entre os seus dedos. Aquilo era o presente e ela iria morrer.

Ela não podia morrer, não agora.

Em um ato de comando, Oriko estendeu sua mão em direção à sua adversária. Dezenas de orbes surgiram acima da loira, seus cristais emitindo um brilho ameaçador.

O semblante de Revenante mudou na hora, rangendo os dentes. Ela recuou rapidamente, puxando a azagaia de volta.

Oriko já havia bloqueado a dor, mas podia sentir seu uniforme ficando encharcado de sangue mais rápido. Ela não entendeu a reação da mulher negra, ela deduziu que a mulher iria tentar mais golpes. Isso não importava, pois a luta tinha que terminar com aquele ataque, mesmo que aquela mulher morresse.

Revenante parou de recuar e sua saia de metal se levantou. A saia ficou armada, formando um disco em volta de sua cintura. No vão que havia na parte frontal da saia, ela deixou a sua azagaia na posição vertical, fincando no chão. O metal da azagaia reagiu com a borda metálica da saia, gerando faíscas brancas.

Instantes depois, os orbes disparam raios de luz mortíferos. Oriko foi cegada pelo bombardeio, mas contando que a sua adversária não poderia resistir àquele poderoso ataque inédito.

Os raios das esferas dissiparam, após dispararem toda a magia acumulada nelas.

E Oriko desejou estar alucinando. A saia da mulher negra havia gerado um campo de força esférico, com um aspecto leitoso e transluzente. O mais bizarro é que a superfície interna do campo de força estava disparando os mesmos raios disparados pelas esferas, mas mais fracos, apenas o suficiente para queimar a pele da mulher.

"Eu iria usar isso quando estava incapacitada, mas você não me atacou..." Revenante desfez o seu campo de força, sua saia desceu para a posição original. Apesar das queimaduras, ela sorria com satisfação.

Oriko sabia muito bem por quê.

"Eu senti o desespero nesse ataque," Revenante disse, "então esse é o teu melhor."

Oriko observou as queimaduras da mulher descascarem, revelando a pele curada embaixo. Ela então olhou para a sua saia ensanguentada. Ainda que abundantes, seus recursos estavam esgotando e sua oponente estava cada vez mais invulnerável. Sua mente correu em busca de um plano, ou Madoka iria morrer, e o futuro com ela.

Revenante estendeu a mão em direção à bruxa. "Deixa eu tentar..."

Oriko sentiu luz vindo acima dela. Ela olhou e viu que eram as suas esferas que estavam se preparando para disparar de novo, mas ela não desejado isso!

As esferas emitiram os raios de luz contra a loira. Ela nem reagiu, seu corpo sendo queimado e desintegrado em um instante.

E então ela piscou.

Revenante estendeu a mão em direção à bruxa. "Deixa eu tentar..."

Oriko tinha pouco tempo! Ela balançou desesperadamente, comandando todas as suas esferas para evaporarem.

"Ah, você viu isso também."

Ouvindo o comentário da mulher negra, Oriko olhou para ela com surpresa.

Revenante estava em uma postura relaxada, com um leve sorriso.

"Você sabe que eu vejo o futuro?" Oriko perguntou.

"Tu falas como se isso fosse difícil de perceber." Revenante jogou fora a azagaia que estava segurando, e a arma evaporou em uma brilhante névoa verde. "Bem, o aquecimento acabou."

Oriko viu a mulher conjurar uma cruz prateada em uma de suas mãos. O objeto não parecia pertencer a ela, pois não combinava com o tema de suas vestimentas. Contudo, a mulher conjurou um objeto ainda mais bizarro na outra mão, uma espécie de brinquedo peludo branco, com orelhas de coelho.

E a mulher apontou aquele brinquedo para a bruxa como se fosse uma arma de fogo.

Dessa vez Oriko não previu, seus instintos vieram em primeiro. Ela correu para lado, e pendeu a cabeça para a mesma direção, antes de ouvir o primeiro estampido. Uma sensação queimante cortou através do topo de seu ombro.

Revenante continuou a disparar com a sua arma.

Com gestos rápidos, Oriko criou as suas esferas para bloquear as balas. Em um primeiro momento as esferas permaneceram estáticas, mas então elas voaram contra a garota, colidindo com ela com violência. Ela já havia evitado a dor, mas estava indefesa, vendo as suas próprias esferas dando voltas e acertando o seu corpo repetidas vezes. Com os inúmeros impactos, ela foi lançada ao ar e rodopiou, até que finalmente a sua face encontrasse com o piso.

"Bolas legais." As esferas voaram até a mulher negra e ficaram flutuando envolta dela. "Aliás, eu sou Revenante. Eu tenho esse nome porque eu faço os meus inimigos terem um gostinho de seus próprios venenos."

Oriko não tinha idéia se algum osso seu estava quebrado, se ela podia ficar de pé. Ela tentou, mas então as suas pernas foram enroladas juntas com firmeza, fazendo-a cair de novo.

Era a cruz que Revenante estava segurando, que ela havia tornado em um chicote de metal. "É uma pena. Eu queria que as suas amigas viessem pra que eu pudesse brincar mais com a sua arma. E quem sabe expandir a minha coleção."

A loira continuava caída de bruços, sem reação.

"Por ora, obrigada pela a sua semente." Obedecendo a vontade de Revenante, as esferas flutuantes começaram a brilhar.

De uma vez, a garota caída se virou, olhando para o seu carrasco. 'Olhando' não era o melhor termo, pois ela não tinha olhos. Era como se eles tivessem sido arrancados, sangue escorria das órbitas oculares vazias como lágrimas.

Tal vista deixou até mesmo a veterana irmã perturbada. "Mas que porra?" Então algo atingiu a sua face e a cobriu. "Merda!" Revenante foi rápida em remover e viu que era uma folha de jornal, mas estava escrita com runas e o papel estava furado onde deveria estar os olhos das pessoas nas fotos.

Ela sentiu um peso no ar, como se ele estivesse mais grosso. Ela não estava mais no dormitório, mas em uma imensa paisagem composta de folhas de jornais com a mesma característica da qual ela estava segurando.

A garota caída não estava mais ali, ao invés disso havia uma espécie de morro coberto por um manto branco danificado e manchado com sangue.

"Então mostrou a sua verdadeira face, bruxa." Logo em seguida, Revenante sentiu a dor de muitos dentes cravando em suas costas. "Ah! Seu merdinha!" Ela se virou, certa de que era um lacaio.

De fato, havia um enxame do que seriam os olhos que deveriam estar nas páginas dos jornais. Alguns olhos viraram, mostrando que suas costas eram feitas de carne e essas partes se abriam como flores, revelando uma boca forrada de dentes e olhos.

Revenante abriu fogo com o seu revólver peludo e comandou as suas esferas para interceptar os monstros. Isso foi suficiente para fazer o enxame recuar e dispersar. "Covardes como a sua mestra!" Ela criou mais esferas, que dispararam raios de luz contra o lacaio que ainda estava em suas costas, o incinerando. Ela também flexionou os seus músculos ao extremo para expulsar os dentes que ainda estavam presos em suas feridas. "APAREÇA!"

Um rugido. Ela se virou para o morro.

Não havia mais o manto o cobrindo, revelando que aquilo era uma titânica aglomeração de carne viva, com centenas de bocas com dentes afiados e milhares de olhos, sendo o suporte de uma belíssima pérola branca de tamanho similar.

"Hein? Você acha que isso iria me assustar? Isso só fez o meu sangue ferver mais." Ela se desfez do revólver e da cruz, e comandou as suas esferas a se juntar.

As esferas fundiram umas com as outras, resultando em uma massa de cristal maleável. A massa foi se alongando, se tornando em uma azagaia de cristal gigante.

Com a grande arma flutuando ao lado dela, Revenante não perdeu mais tempo. "Morre, desgraça!" Com a mulher apontando para o abominável morro, o cristal da azagaia começou a emitir um brilho forte.

Como um raio de luz, azagaia voou e perfurou o morro de carne, o atravessando por completo. A bocas lamentaram desesperadas, enquanto o morro era sugado pela trilha de luz deixada pela arma. Por fim, o morro colapsou, sendo esmagado pela pérola que ele sustentava.

Para o deleite de Revenante. "Vai tarde!"

Veio o silêncio, enquanto uma poça de sangue imensa crescia sob a pérola, encharcando as folhas de jornais.

Contudo, a barreira não dava sinais que iria se desfazer. Revenante já havia abandonado a alegria.

Oriko pousou graciosamente no topo da pérola gigante. Ela ainda tinha ferimentos de batalha, especialmente o que estava em seu abdômen, mas ela estava muito viva.

"Como?!" a mulher negra rangeu os dentes, proferindo uma pergunta retórica, "o que eu matei não era você?"

A loira respondeu, com um sorriso educado e curvando a cabeça, "Eu sou Oriko Mikuni. Foi um prazer te conhecer, Revenante."

"Foi um prazer? TEU CU!" Revenante iria falar mais insultos, mas um forte brilho repentino mudou os seus planos.

Era a pérola a gigante, que disparou um massivo raio de luz.

Revenante não teve como reagir, sendo engolida pelo raio. No entanto, ela nada sofreu, pois, apesar do tamanho, o ataque era essencialmente o mesmo que ela já havia recebido de outrora. O único problema é que o raio continuava sendo disparado e Revenante não conseguia enxergar com toda aquela luz. "Maldita bruxa!"

Como se não houvesse impedimento algum, a mulher negra começou a correr através do raio. O objetivo era seguir em frente e chegar na pérola. Se a bruxa estava contando que ela não resistiria aquele ataque, ela teria uma amarga surpresa.

Para a surpresa de Revenante, o raio dissipou. A cegueira causada pela luz foi diminuindo e ela pôde ver que estava correndo em direção a pérola. Então ela viu a garota loira, Oriko, aterrissar na frente da pérola dessa vez e ficar parada, aguardando.

Aquilo era mais uma armadilha? Revenante decidiu não parar, na outra vez isso lhe custou o seu corpo ser empalado pela a sua própria arma. Era muito improvável que a bruxa tivesse um ataque mais poderoso, ela estava certa disso.

Oriko tinha uma expressão calma, apesar do estado de suas vestes e de seu corpo.

Era um blefe, para ganhar tempo, tinha que ser! Com essa idéia em mente, Revenante conjurou sua fiel azagaia em uma de suas mãos. Ela também iria conjurar esferas para auxiliar no ataque, caso a bruxa se limitasse a apenas desviar. Revenante já esperava que Oriko soubesse disso devido a clarividência que bruxa possuía. Ela queria ver o semblante da bruxa no momento que ela se desse conta da inevitabilidade de sua derrota. "Você não tem como escapar!"

Oriko continuou parada.

Revenante alcançou a bruxa, desferindo um golpe certeiro em direção à cabeça de sua inimiga.

Oriko não pulou, nem deu um passo para o lado. Dessa vez, ela apenas moveu o braço e segurou a ponta da azagaia com firmeza, parando a estocada.

"O quê?" Revenante sentiu a força que a bruxa estava exercendo, apesar da calmaria em sua conduta. A mulher negra contraiu os seus músculos para empurrar a azagaia.

No entanto, Oriko torceu a azagaia com a mão, até que arma de metal quebrasse.

"O-O... quê?!" Revenante perdeu o equilíbrio e viu o outro braço da bruxa rapidamente alcançar o seu colar de ossos. Com os olhos arregalados, ciente do que a bruxa buscava, ela segurou o braço da sua inimiga, mas ela não conseguiu impedir a bruxa de puxar o braço de volta.

Revenante caiu de joelhos. Suas pernas falharam, enquanto ela se deu conta da intensa fadiga e um vazio frio crescendo em seu peito. "Ah... quê...?"

"Eu subestimei a sua inteligência."

Revenante olhou para cima, para a face de Oriko e para a mão fechada dela.

"E é isso que você espera de suas oponentes," a loira continuou, "você tem ciência da imagem de 'cabeça dura' que você passa. Alguém que é simples, honesto e direto. Se você não tivesse me revelado de que fingiu que não sabia da minha habilidade de ver o futuro. Eu ainda estaria acreditando nisso."

Revenante estava com o corpo tremendo, lutando para não cair, mas ela ainda tentava conjurar uma outra azagaia. "Não sei... do que tu tá falando..."

"Sua alegada força, é a sua maior fraqueza," Oriko respondeu, "portanto, era vital para você que eu confiasse na sua sugestão de que a melhor forma de te derrotar seria utilizando ataques diferentes e decisivos enquanto, na verdade, um ataque poderoso e contínuo seria o bastante."

Revenante testemunhou a bruxa abrir a mão, revelando uma gema da alma corrompida. Então, luz. Ela fechou os olhos momentaneamente, sentindo calor e uma brisa, quando os reabriu, ela viu que estava na superfície, no deserto.

"Sua invencibilidade requer magia, e você não tem controle sobre isso," Oriko concluiu, "e parece que você não é capaz de copiar coisas que não te prejudique fisicamente, ou você teria previsto esse resultado."

"Tá, tá..." Revenante sorriu. "Terminou de ficar se gabando? Acaba logo com isso, sua arrogante de merda."

Oriko ficou com um semblante mais sério e revelou a palma da outra mão, onde então emergiu uma semente da aflição.

Revenante pressionou os lábios e respirou fundo.

Oriko aproximou um pouco a gema à semente, e um filete de escuridão deixou a gema e adentrou no outro objeto. Com isso, a loira contraiu os músculos da face em uma expressão de dor.

Enquanto Revenante franziu o cenho. Ela sentia seu corpo mais leve, com um pouco da força retornando.

Oriko afastou a gema, que ainda estava escurecida. "Você tem o seu pai como inspiração... Nós duas temos algo em comum." Ela ofereceu a gema para a mulher negra. "Tome."

Ofendida, com uma bruxa mencionando o seu pai, e cheia de desconfiança, Revenante indagou, "Que diabos você tá fazendo?"

"Vá, encontre as outras da Irmandade." Oriko absorveu a sua semente. "Diga a elas que uma bruxa deixou você viver, pois ela nunca quis que essa luta começasse."

Revenante pegou gema que estava sendo oferecida e examinou a jóia. Depois ela voltou a olhar para a bruxa, semicerrando o olhar. "Com você me seguindo? Nem fudendo!"

"Eu já previ que se eu for para o oeste, eu encontrarei os outros membros da sua organização" Oriko deu um leve sorriso. "Um deles tem orelhas de coelho. É dela que você copiou aquela arma peluda, não é?"

Revenante ficou em silêncio, mas as suas sobrancelhas ficaram erguidas.

"Não se preocupe." Oriko apontou para uma direção. "Eu pretendo ir para o nordeste."

"Tem uma fonte de magia por lá," Revenante comentou.

"Ah, você também sentiu. Está se afastando rápido, mas eu consegui sentir uma familiaridade nela." Oriko abaixou o tom de voz, falando consigo mesma, "ela deve ter encontrado algo."

Os músculos da face da mulher negra continuavam tensos.

Com um semblante desapontado, Oriko se virou para a direção que ela pretendia ir. "É difícil para você confiar em mim, mas eu quero que você me escute. A covarde que matou Madre é a mesma pessoa que quer destruir minha amada cidade e o nosso futuro."

"Nosso futuro?" Revenante disse com desdenho.

"Sim. Pode ser tarde demais, mas eu não quero desistir, pois eu acredito em milagres." Oriko começou a andar, mancando. "Portanto, pense bem no que vai fazer, há pessoas que se importam contigo."

Após um momento sem ouvir mais palavras da bruxa, Revenante ficou de pé com um pouco de esforço. Ela voltou a examinar a sua gema da alma em sua mão e depois olhou para as costas da bruxa.

Oriko continuou se afastando lentamente.

Revenante fez aceno com a cabeça, como se estivesse concordando com algo, e criou uma azagaia em sua mão livre.

Oriko continuou andando.

Rangendo os dentes, a mulher negra segurou a sua arma com força, enquanto ela lançava a sua gema para o alto. O pequeno objeto quase desapareceu no fundo azul do céu limpo da manhã, mas ela sabia que não iria errar.

A imagem de uma jovem mulher sardenta e sorridente veio em sua mente.

Seus olhos ameaçaram lacrimejar, ela não tinha mais tempo. Com gema caindo até ela, Revenante deu a sua última e precisa estocada contra a sua própria alma.

Então o som de impacto e faíscas. Algo havia desviado a trajetória de seu golpe! "Hã?" Um soco doloroso, que ela já havia sentindo antes, atingiu o seu abdômen. "Uuoogh!" E outro acertou o seu joelho, o fraturando. "AAAGH!" Ela caiu, beijando o solo árido, e ali permaneceu, vendo a sua gema quicar e rolar até os pés da bruxa.

Oriko pegou o objeto corrompido, dizendo, "Eu guardo as esperanças de que estarei errada na próxima vez." Ela virou e voltou a se afastar.

Compelida pela raiva, Revenante vociferou, "Você não vai me usar para convencer ninguém a se juntar a vocês! Ninguém vai se tornar uma bruxa por causa de mim!"

Oriko não respondeu.

"Tá me ouvindo?" Vendo que ela estava mais distante, Revenante levantou a voz ainda mais. "ELES IRÃO VINGAR A MINHA MORTE! A IRMANDADE VAI ENCONTRAR UMA MANEIRA DE ACABAR COM TODAS VOCÊS!"

Oriko continuava mancando.

Se dando conta, Revenante proferiu, "Merda..." Ela tentou ficar de pé, mas a dor em seu joelho era demais, e havia pouca magia para bloqueá-la. "Aah! Porra! Porra! Porra! CARALHO!" Ela começou a se arrastar o mais rápido que podia. "Volta aqui! Vem me matar, SUA COVARDE!"

A imagem de Oriko estava tão longe, que tremulava devido ao calor do ar.

"VOLTA AQUIIIII!" Revenante estendeu o braço para aquela imagem. "AAAAAHHHHHH-"

O corpo de Revenante ficou flácido, sem movimentos. Seu uniforme de garota mágica se fora, com ela agora vestindo uma camisa branca e calça militar. Logo, insetos se sentiram seguros para pousarem e andarem nos olhos sem vida da mulher.

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"Крольчи́ха?" Matryoshka estava no deserto junto com os outros membros da Irmandade. Eles haviam caminhado uma boa distância, sem contratempos, mas Sortuda havia parado e olhado para trás. "Há alguma coisa?"

"Não," Sortuda respondeu, com um certo pesar, "eu não sinto nada, eu não sinto mais ela."

"Nós já estamos longe," Matryoshka disse, "mas se você quer voltar..."

Sortuda olhou para ela e depois para as noviças.

As jovens garotas e as crianças não protestaram, mas seus semblantes apreensivos diziam tudo.

Sortuda sorriu, puxando suas orelhas de coelho. "Nah! Se eu fizer isso, Revah vai arrancar as minhas orelhas fofinhas!"

"Generalíssima vai ajudar ela, não é?" Matryoshka assentiu. "Ela deve ser o suficiente."

"Claro! Ela vai trazer a Revah consigo." Sortuda sorriu mais para as noviças. "E Madre também e... Invasora e Nano."

Os semblantes das noviças não mudaram.

Matryoshka respirou fundo.

Nada que abalasse o entusiasmo da garota mágica coelhinha. "Vamos!" Ela tomou liderança do grupo, segurando o braço da garota mágica russa. "Mostre o caminho!"

"C-Claro," Matryoshka disse, surpresa com a energia da irmã.

"Nós somos a Irmandade das Almas!" Sortuda anunciou para todas. "Não podemos nos dar ao luxo de perder, o mundo depende disso!"


Próximo capítulo: A pomba e o leão