"Sete homens foram brutalmente espancados na noite de ontem no bairro de JacobVille. Os sete foram encontrados pela polícia com os punhos amarrados em um corrimão de uma escadaria depois de uma ligação anônima. Os homens alegaram que foram atacados pelos vigilantes. Aparentemente trata-se de uma dupla que atua de maneira criminosa pela cidade. No entanto, testemunhas disseram que os vigilantes teriam agido depois que um casal foi encurralado e ameaçado pelos homens..."

"Desliga isso!" Finn ordenou para ninguém em específico.

Kurt não questionou o irmão, e pegou o controle remoto para desligar a televisão. Ele olhou o ambiente com aflição. Finn estava parado de pé no canto do quarto, quase paralisado, ao passo que Kurt estava sentado ao lado da cama hospitalar e se sentindo terrivelmente impotente. Em cima dessa cama estava Rachel Berry. A estudante dormia devido a forte sedação para ajudar o corpo dela a se recuperar mais rapidamente de uma série de agressões. O braço dela estava engessado, o rosto estava desfigurado. Rachel passou por uma cirurgia para deter um sangramento interno, além de precisar se recuperar da agressão sexual que sofreu. Ela foi brutalizada de maneira terrível, mas isso não foi noticiado e tão pouco cairia na boca da impressa se depender das ações de Burt Hummel à pedido o enteado e do filho.

"Não sei porque as pessoas estão idolatrando esses bandidos." Finn resmungou.

"Porque eles estão fazendo o que as pessoas gostariam, mas têm medo." Kurt disse sem realmente entrar no mérito.

"Eles não salvam ninguém. Eles espancam e vão embora. São falsos."

"Eles salvaram Tina depois de acabar com um braço inteiro da máfia."

"Eles não salvaram Tina. Ela só estava no meio do caminho. Eles nunca salvariam Rachel." Finn gritou e deu um soco na mesa de alimentação do paciente.

Kurt se levantou em alerta. O barulho chamou a atenção de um enfermeiro.

"Está tudo bem por aqui?" O enfermeiro perguntou de olho nos dois jovens homens. Não era incomum haver descontroles por parte de pacientes ou das pessoas que acompanhavam. Por isso era importante ficar atento e estar disposto a chamar a segurança sem hesitar.

"Não foi nada. Só estamos chateados." Kurt procurou justificar, uma vez que Finn não estava em condições de racionalizar com ninguém.

"Certo... da próxima vez em que se sentirem chateados dessa maneira, é melhor que seja fora daqui, ou nós chamaremos alguém para deixar vocês chateados lá fora."

"Não vai acontecer de novo." Kurt prometeu.

O enfermeiro aproveitou e checou rapidamente os sinais vitais de Rachel, fez algumas anotações e se retirou do quarto prometendo retornar em meia hora para aplicar medicamentos. Kurt apenas olhou para Finn, que foi obrigado a recuar. O ex-quarterback se aproximou da cama hospitalar e segurou a mão da namorada.

"Eu falhei contigo." Finn limpou uma lágrima do rosto. "Eu deveria ter ido te ver cantar e ter esperado você sair. Eu falhei contigo."

"Todos nós falhamos." Kurt tentou consolar o irmão, mesmo sabendo que isso seria infrutífero.

Um homem negro adentrou o quarto da enfermaria. Ele não disse nenhuma palavra aos outros dois rapazes, e foi direto a lateral da cama de Rachel. Esse senhor que aparentava estar na faixa dos 50 anos abaixou a cabeça e segurou delicadamente a mão dela. Kurt e Finn ficaram em silêncio por um minuto, respeitando o espaço e o momento daquele homem.

"Como isso aconteceu?" Ele perguntou a ninguém em específico.

"Sr. Berry..." Kurt disse com cautela. "Eu sinto muito."

O homem revirou os olhos. Sr. Berry? Ele não era o senhor Berry! Hiram era o sr. Berry. O sobrenome de Leroy era Jameson. Ele fingia não se importar de ser chamado sr. Berry enquanto esteve casado com Hiram, mas definitivamente aqueles garotos nunca se atentaram para tal detalhe.

"Como?" Leroy repetiu com mais energia.

"Rachel foi atacada praticamente à porta da nossa casa. Um homem que trabalha na loja de conveniência do nosso quarteirão a encontrou no beco ao lado. A gente não sabe ao certo, mas achamos que mais de uma pessoa fez isso."

"Pessoa não." Leroy Jameson disse entre os dentes, tentando conter a própria dor. "Monstros! Apenas monstros são capazes de fazer isso com a minha garotinha."

"Eu concordo." Kurt disse em tom baixo.

"Sr. Berry." Finn tentou se aproximar.

"Não fale comigo, rapaz." Hiram fez sinal para que Finn sequer se aproximasse. "Você quebrou a sua promessa. Você me garantiu que não aconteceria nenhum mal a ela."

Finn baixou a cabeça diante do pai de Rachel Berry. Sim, ele havia quebrado a promessa. Não precisava muito para lembrar do momento exato. Rachel era nativa daquela metrópole, porém ela e seus amigos moravam no confortável subúrbio. Rachel nunca se interessou sair daquele mundinho enquanto esteve na escola. Nem mesmo quando Hiram Berry e Leroy Jameson se separaram: Rachel escolheu morar com Leroy, o pai adotivo, em detrimento ao pai biológico.

Assim que Rachel, Finn e Kurt se formaram no ensino médio, mesmo não sendo aceitos na Universidade Estadual ou nos institutos de arte que desejavam, eles decidiram morar mais próximos do centro da cidade, fora da casa dos pais. Leroy não aceitou muito bem tais planos. Ele se viu sozinho e abandonado, mesmo que racionalmente ele bem soubesse que a saída de Rachel de casa era um movimento natural do processo de crescimento dela rumo à vida adulta. Isso fez com que a mudança de Rachel não fosse ideal. Finn, ao testemunhar a briga entre pai e filha na saída dela de casa, encarou Leroy e disse para não se preocupar, pois ele garantia que nada de mal aconteceria a Rachel. Essa promessa ia completar três anos.

Infelizmente, Finn não tinha uma inteligência emocional muito bem desenvolvida, e as palavras amarguradas daquele senhor o atingiram como uma facada no coração. Finn saiu de modo tempestivo do quarto de enfermaria. Ele precisava respirar, não apenas pela acusação de Leroy Jameson, mas também porque ele próprio se sentia miserável. A raiva no peito era tão pulsante, que Finn acreditava que poderia explodir caso não gritasse ou chutasse alguma coisa. Ele escolheu uma lixeira em frente a entrada do hospital, para extravasar a raiva.

"Ei, cara. Tudo bem contigo?"

Finn olhou em direção à voz masculina. Era um jovem homem oriental que o abordou.

"Não, cara, eu não estou. Mas isso não é da sua conta."

"Okay." O homem oriental levantou as mãos. "Óbvio que isso não é da minha conta, mas quem é a pessoa que você se importa e que está no hospital?"

"Minha namorada."

"Grave?" Ao ver que Finn não responderia, o jovem homem se apresentou. "Olha, o meu nome é Mike Chang. Eu sou voluntário neste hospital, sabe? Uma vez por semana eu venho aqui para brincar com as crianças internadas na ala pediátrica. Então, eu conheço um monte de pessoas aí dentro. Talvez eu possa te ajudar."

"Não é preciso." Finn se acalmou um pouco mais. "O estado da minha namorada é grave, eu acho. Mas o médico que a tratou disse que ela está estável."

"Estável é bom."

"Eu acho que sim."

"Posso perguntar o que aconteceu?"

"Ela foi espancada."

"Oh... isso é terrível. Eu sinto muito."

Finn apenas acenou para o jovem que procurava ser prestativo. Por melhor que fosse a intensão de Mike ao se solidarizar com um estranho, a verdade era que Finn precisava ficar sozinho. A vontade de gritar ou de chutar mais alguma coisa passou em parte. Ele caminhou pelo quarteirão onde ficava o único hospital público da cidade. O maior prédio da vizinhança era, obviamente, o próprio hospital, que ocupava uma área expressiva. Naquela vizinhança havia um prédio comercial onde funcionavam diversas clínicas médicas, farmácias e laboratórios. No quarteirão bastante movimentado, havia também diversos prédios menores com escritórios, pequenos comércios e pequenos apartamentos. Finn percorreu as ruas sem necessariamente prestar atenção no movimento. Ele não gostava daquela região da cidade justamente por causa do grande trânsito de veículos e de pessoas. A culpa o corroía, mesmo que ele não tivesse responsabilidade sobre o ataque que Rachel sofreu. Ele deu voltas e mais voltas no quarteirão a fim de expurgar a dor. Sua mente estava tão distante, que ele mal reparou no celular tocando.

"Ela acordou." – Kurt.

O coração de Finn acelerou e, de onde ele estava, apenas mudou de direção e saiu correndo de volta ao hospital. Finn não estava exatamente em forma, mas o passo acelerado fez com que ele quase tivesse um embate com um dos seguranças da entrada do hospital, que exigiu que ele se identificasse e desacelerasse o passo.

Quando retornou ao quarto, encontrou o médico e o enfermeiro retirando o tubo de respiração em Rachel. Foi preciso Leroy e Kurt entrarem na frente dele, para que Finn não atrapalhasse o trabalho. Ele esperou ansioso o médico e o enfermeiro realizarem alguns testes triviais em Rachel.

"Tudo parece em ordem, dentro do que é possível. Você vai sentir desconforto na garganta, por isso evite tentar falar pelo resto do dia. Se você compreendeu pisque." O médico disse para Rachel, que obedeceu ao comando. O médico então se dirigiu aos três homens no canto do quarto. "A parte neurológica de Rachel está em aparente ordem, os batimentos estão bons, a oxigenação idem. Ela está sem febre. Obviamente que o trauma que ela sofreu vai precisar de tempo para curar, mas eu posso dizer que clinicamente ela está estável e fora de perigo."

"Tem previsão de quando ela poderá ir para casa?" Leroy perguntou.

"Ainda é preciso tirar o dreno e realizar mais alguns exames para se ter certeza de que não deixamos passar nada. Se o quadro continuar a evoluir positivamente, Rachel poderá voltar para casa em dois ou três dias."

Os três cumprimentaram o médico, agradecidos por ele ter salvo a vida de Rachel. Então Finn se desvencilhou do pequeno grupo e foi em direção à cama hospitalar. Rachel estava com os mesmos hematomas horrendos que desfiguraram o rosto dela, porém os olhos estavam abertos e ela não estava mais entubada. Aquele aparelho horrível foi substituído pelo fino tubo de oxigenação colocado no nariz.

"Oi." Finn disse baixinho, segurando a mão não engessada da namorada.

"Oi." A voz de Rachel saiu rouca, cansada, irreconhecível.

"Ei, não tente falar agora." Leroy chamou atenção da filha. "Você ouviu o doutor: o tubo machucou a sua garganta." Ele explicou procurando ser delicado e racional. "Sei que é difícil para você, mas procure não falar por enquanto. Você precisa se curar, meu docinho. Isso é a coisa mais importante agora."

Finn continuou segurando firme a mão da namorada. Ele queria poder algo doce e reconfortante, mas tudo que ele fez foi chorar. Chorou pela condição da namorada, chorou por não poder fazer nada, chorou por aquilo ter acontecido em primeiro lugar.

...

"A peça está cancelada." Schuester anunciou para o elenco.

"Por que?" Mercedes questionou.

"Porque aconteceu uma tragédia. Rachel foi vítima de uma agressão, e não vai se recuperar tão cedo."

Santana e Mercedes se encararam. Elas não sabiam de nada, mas aparentemente o resto do elenco estava sabendo e alguma coisa.

"Schuester, ela se machucou tanto assim?" Mercedes ficou preocupada.

"Quebraram o braço dela e a espancaram." Schuester disse procurando controlar as próprias emoções. "Finn e Kurt estão a acompanhando no hospital."

"Será que poderemos vê-la?" Sam questionou.

"Kurt disse que isso não seria adequado. Rachel não quer receber visitas além do pai dela, de Finn e de Kurt. O que podemos fazer é esperar que ela se recupere e que sinta confortável o suficiente para nos ver."

"Desculpe parecer insensível com a tragédia..." Santana levantou a mão já se pronunciando. "Mas Tina não é a substituta de Rachel?"

"Sim." Schuester respondeu.

"O show não deveria continuar?"

"Oh meu deus!" Tina reprovou. "Você é diabólica."

"Eu entendo que Rachel é importante para vocês e tudo mais. Eu sou solidária a ela e a família. Por isso mesmo a gente não deveria prosseguir exatamente para honrá-la?"

"Olhando por esse lado, eu até que concordo com Satan." Mercedes colocou a mão no ombro da melhor amiga em demonstração de apoio. Tudo porque ela conhecia Santana tão bem, que entendia que a dificuldade que Santana tinha em expressar as emoções diante de estranhos algumas vezes a fazia parecer ser indiferente ao próximo.

"Santana, nós não somos atores profissionais. Não estamos ganhando um centavo para estar aqui. Sabe disso."

"Essa peça não tem o patrocínio do pai do Kurt?" Santana questionou.

"Sim, é verdade. Mas esse dinheiro é para pagar a produção, não é para salários. Por isso não temos a obrigação de continuar quando um dos nossos cai ferido. Além disso, Rachel não pegou um resfriado. Ela está em um leito de hospital neste momento."

"Mas não existem despesas e contratos? O que você vai fazer com tudo isso?"

"Tudo é manejável, Santana."

"Vamos fazer uma votação." Mercedes sugeriu. "Levante a mão aqueles que são favoráveis a continuar com o show."

Apenas as forasteiras daquele grupo, em outras palavras, Santana e Mercedes levantaram a mão. Todo o resto discordava.

"O grupo decidiu." Schuester bateu o martelo.

"Rachel, Finn e Kurt não estão aqui para votar." Santana argumentou.

"Exato, eles não estão." Matt resmungou.

"Eu vou ceder os nossos horários e reservas para o grupo de April Rhodes, e vamos nos reunir no próximo mês neste mesmo palco." Schuester encerrou o debate. "Precisamos ser solidários neste momento. Um dos nossos está no chão por um motivo realmente sério. Por isso, precisamos dessa pausa."

Santana e Mercedes não comentaram com o grupo sobre o voto vencido de ambas. O argumento de Schuester era sólido no sentido de que aquele era um grupo amador. Mas Santana sabia que Rachel estudava para se tornar uma profissional dos palcos, por isso ela não tinha tanta certeza se a atriz gostaria que o show paralisasse. Não que Santana estivesse empolgada com a peça, uma vez que ela estava ali por causa de Mercedes.

"Os vigilantes falharam desta vez." Tina comentou casualmente na saída do teatro. "Eles me salvaram, mas não salvaram Rachel."

"Quem deveria cuidar da segurança dessa cidade é a polícia. Infelizmente ela não faz o trabalho que deveria. Por isso existem vigilantes por aí." Mercedes argumentou com a colega.

"O que você sabe a respeito disso?" Sam questionou.

"Não mais do que vocês sabem. Mas isso não é lógico? Duas pessoas decidiram fazer o trabalho que uma força policial inteira deveria fazer. Ainda assim, me parece uma missão ingrata, pois uma cidade como essa é muito grande para apenas duas pessoas."

"Você defende muito esses vigilantes." Sam fez uma careta de desdém. "Parece até porta-voz deles."

"Eu defendo o que eu acredito."

"Cedes." Santana segurou a mão da amiga. "Deixa para lá. Esse assunto não é mesmo importante."

Mercedes encarou Sam com certo desdém. Ela achava que Sam era o menos irritante entre os homens do grupo. Ele tinha mais talento artístico do que Finn, Matt ou do cara irlandês, em contrapartida, era o último em inteligência. Não que os demais se saíssem bem nesse setor.

Samuel Evans, ou simplesmente Sam, era um nerd não muito inteligente, porém com invejável habilidade atlética. Kurt contou certa vez que Sam desbancou Finn Hudson da titularidade como quarterback durante o ensino médio. Nenhum dos dois seguiu carreira na universidade com bolsa de estudo por causa do esporte. Consequentemente, nenhum dos dois ingressou em alguma. Finn era mecânico de automóveis, e Sam tinha uma carreira modesta como modelo, além de ser auxiliar técnico de futebol na antiga escola em que estudou. O teatro foi só uma maneira que Sam encontrou para continuar em contato com a antiga gangue da escola. É claro, também havia Matt, que era o membro beta do grupo: o sujeito que nunca dizia nada, mas queria estar sempre por perto.

"Vocês gostariam de sair com a gente?" Sam perguntou especificamente para Mercedes. "Nós vamos tomar um café agora."

"Um dia quem sabe. Só não hoje." Mercedes suspirou.

"Tudo bem, eu entendo."

Sam acenou para Mercedes e Santana, e o grupo se dispersou. As amigas caminharam até o carro velho de Santana sem realmente conversar. Estavam cansadas, frustradas e impactadas com a tragédia que se abateu sobre o grupo. Mesmo que Rachel fosse uma figura irritante e estranha aos olhos delas, nenhuma das duas desejaria que acontecesse esse tipo de mal para a atriz ou para qualquer outra pessoa.

...

Quinn olhou a fila do dia mais uma vez e estranhou. O movimento na cafeteria estava normal, mas algo estava faltando. Alguém. Ela reconheceu Kurt, que passava ali perto. Sabia que ele era o amigo de Rachel que não gostava de tomar muito café, mas que às vezes a acompanhava na fila. Quinn pediu para Joe segurar o trabalho sozinho por 10 minutos, aproveitando que o movimento não estava grande. Ela correu até o jovem da qual nem o nome sabia.

"Ei você." Quinn tocou no ombro de Kurt, que parou sua trajetória até a sala de aula.

"Sim?"

"Você é o amigo de Rachel Berry, certo?"

"Sim, eu sou."

"Desculpe, mas faz dias que não a vejo. Você sabe o que aconteceu?"

Kurt apertou os lábios, como se estivesse dúvidas sobre dizer ou não o que havia acontecido a garota que vendia café na faculdade comunitária. Rachel não quis mídia sobre as agressões que sofreu. Nem mesmo quando um repórter entrou em contato para pegar uma declaração sobre o horrendo ataque que ficou sabendo por meio do boletim de ocorrências emitido pela polícia aos jornalistas especializados. Tudo que foi publicado foi uma nota a respeito de um ataque a uma jovem de 20 anos que foi agredida e violentada. O nome seguiu em sigilo, tal como era a natureza da investigação.

"Rachel foi assaltada e se machucou muito." Kurt se limitou a informar.

"Oh, isso é terrível. Eu espero que ela possa se recuperar o mais rápido possível."

"Sim, é o que eu também espero."

"Quando a ver, por favor, diga que Quinn Fabray, da cafeteria, lhe mandou desejos de recuperação rápida."

"Obrigado."

Kurt seguiu o caminho dele, ao passo que Quinn voltou a fazer o trabalho dela. Kurt era um estudante de negócios na faculdade comunitária. Ao contrário da melhor amiga, ele não tinha muitas ambições na carreira artística. Kurt tinha plena consciência das próprias qualidades como cantor e como ator. Mas ele também tinha plena consciência de quem era: um home gay de voz fina e gestual afeminado. Que chances ele teria em uma carreira artística em papeis que não envolvessem o estereótipo? Por isso que ele usava o teatro amador como um hobby, mas mirava em uma carreira que poderia fazer sucesso: o mundo da moda. Kurt desejava ser dono da própria butique, e como plano B, ele também considerava ser um personal stylist, especialmente se for de alguém famoso.

Kurt assistiu as classes do dia e, tal como Rachel, ele correu para um emprego que pagava a parte ele no aluguel. Não era exatamente por necessidade, uma vez que Kurt Hummel poderia se considerar alguém privilegiado economicamente falando. O pai, Burt Hummel, era um vereador, e também um empresário bem-sucedido, dono de uma rede de oficinas mecânicas (e Finn trabalhava em uma das unidades). Burt poderia muito bem dar uma mesada ao filho, mas Kurt era consciencioso o suficiente para saber que alguém em idade adulta, com ele, só deveria recorrer aos pais em caso de necessidade. Por isso, enquanto não concretizava os próprios sonhos, trabalhava como atendente em uma loja de departamento de roupas e de acessórios.

Chegou ao local de trabalho, colocou o uniforme que odiava e acessou as tarefas prioritárias do dia que deveria executar em paralelo as tarefas cotidianas.

"Lady lips." Kurt ouviu a voz conhecida vinda por de trás, enquanto ele organizava as peças de roupas.

"Se não é Satan em pessoa?"

"Não sou eu quem aparece sempre nos lugares mais inesperados?" Santana sorriu, mas seu rosto logo ficou sério quando uma jovem mulher se aproximou e mostrou a Santana uma peça de roupa.

"O que acha dessa aqui?"

"Hum, eu não tenho certeza."

A jovem mulher franziu a testa e se afastou para procurar outra peça. Isso permitiu que Santana voltasse a atenção novamente para Kurt.

"Sua namorada?" Ele perguntou.

"Não... é só uma garota da faculdade. Eu não sabia que você trabalhava aqui."

"Eu não sabia que você vinha aqui. Você não se parece com alguém que compra em lojas de departamento."

"Você acha que eu sou rica por um acaso? Okay, eu evito lojas de departamento por não terem muita personalidade."

"Onde você dá vazão à sua personalidade?"

"Tem aquela rua de brechós na avenida Oak que eu gosto muito."

"Oh, eu sei bem onde é. Adoro aquele lugar. Você sempre encontra peças interessantes." Kurt sorriu por um instante.

Santana retribuiu com outro breve sorriso, e o rosto ficou sério novamente. "Como ela está?"

"Rachel?"

"Quem mais?"

Kurt quis dar uma resposta atravessada, mas pensou duas vezes. Santana sempre demonstrou nos ensaios que ela não gostava de Rachel, e sempre destinava a ela comentários bem maldosos. Porém, diante das circunstâncias, não fazia sentido Santana querer provocar.

"Ela está se recuperando." Kurt finalmente disse.

"Fico feliz em saber. Você sabe... Berry e eu não somos compatíveis, mas se eu pudesse fazer algo para que isso nunca acontecesse com ela ou com nenhuma outra mulher, eu o faria."

"Obrigado."

Santana acenou e foi ao encontro da suposta colega de faculdade. Kurt, por sua vez, suspirou e continuou a trabalhar. Os dias que sucederam o ataque de Rachel estavam se tornando cada vez mais difíceis. Ele, Leroy e Finn se reversavam nos cuidados a ela, mas não era uma situação fácil. Kurt não sabia se Rachel poderia se recuperar, mesmo depois de muita terapia. Tudo que ele poderia fazer era ter um pouco de esperança.

...

Rachel olhou pela janela do quarto dela. Todas as janelas do apartamento em que ela dividia com Kurt tinha vista para a avenida. Ela podia ver da janela do quarto o exato ponto em que foi atacada. Felizmente, o quarto em que ela estava naquele momento era outro, e a janela tinha outra paisagem. De certa maneira, era um alívio não ter que encarar certos traumas tão cedo. Bastavam aqueles que estavam marcados no corpo.

Rachel evitava se olhar no espelho, mas na semana seguinte ao ataque, ela já conseguia caminhar, mexer os dedos do braço quebrado, não doía tanto para falar, assim como as demais dores físicas estavam controladas com o auxílio da medicação. Seu rosto ainda tinha cores pretas, arroxeadas e verdes, mas o inchaço melhorou a ponto de agora ser possível reconhece-lo como o de Rachel Berry.

A atriz e cantora ainda teria muitas coisas a superar não apenas na reabilitação física. Leroy tirou uma licença no trabalho como professor de música e maestro da banda da escola para cuidar da filha. Hiram estava a caminho. Disse que chegaria no fim de semana, mesmo que não pudesse ficar por muito tempo em circunstância a agenda de trabalho. Finn e Kurt também se reversavam nos cuidados com Rachel, apesar de nenhum dos dois estarem hospedados na casa suburbana. Kurt não poderia por causa dos estudos e do trabalho, e Finn foi vetado por Rachel, que não queria o namorado na mesma cama ou no mesmo quarto. Rachel se sentia sufocada quando via Finn, o que não era um bom sinal. Eram coisas que certamente ela teria e trabalhar em conjunto com a psicóloga que a tratava desde criança.

"Rachel, docinho, os detetives chegaram." Leroy anunciou batendo à porta do velho quarto em que Rachel passou a infância e a adolescência.

"Um minuto, por favor."

Ela olhou para as próprias roupas para ver se estavam apropriadas. Rachel sempre usou uma moda estranha, com blusas de decotes conservadores e saias curtas, além das meias três quartos. Ela diria que era um estilo baseado no japonês, com um toque ocidental. Os alunos da escola, em especial as líderes de torcida, diriam que era apenas um estilo horroroso. Kurt concordava com as líderes de torcida, e Finn adorava a parte que envolvia as saias curtas que a namorada vestia. Mas, naquele momento, Rachel pensava apenas em cobrir o corpo o melhor que podia. O estado emocional dela estava tão abalado que talvez consideraria vestir hijab. Na ausência de um, achou que a calça de moletom e a camisa básica estava e bom tamanho. Rachel saiu do quarto e viu a detetive e o pai dela sentados no sofá da sala.

"Senhorita Berry." A detetive Sarah Porter se levantou do sofá para cumprimenta-la. "Espero que esteja se recuperando bem."

"Obrigada." Rachel a cumprimentou e se sentou na poltrona.

"Estou aqui, senhorita Berry, para pegar o seu depoimento sobre o caso e para te atualizar sobre as investigações."

"Esse foi o combinado..." Rachel disse desanimada.

Sarah Poter era a detetive designada para casos de violência contra mulheres e minorias. Ela tinha uma ampla experiência nisso e o jeito direto e franco de se expressar veio fruto dos anos trabalhando nesses casos: vítimas de violência não queriam palavras doces e tapinhas nas costas: elas queriam justiça e papo reto. A detetive Porter abriu a pasta que trazia e a mostrou para Rachel.

"Senhorita Berry."

"Me chame de Rachel, por favor."

"Certo... Rachel, os exames realizados por nossa perícia constaram positivo para sinais de agressão sexual em sua vagina. Ou uma relação sexual mais enérgica, por assim dizer. Achamos traços de sêmen de uma pessoa, mas que não correspondiam ao tempo do ocorrido."

"Meu namorado e eu tivemos relações sexuais no dia anterior. E nós somos bem básicos nesse sentido."

"Isso explica a parte do sêmen, o que nos permite fazer algumas eliminações. Isso levanta também uma hipótese de que o agressor usou preservativo. A perícia achou um pacote de camisinha no local do crime, e uma digital parcial que não fez muito por nós. O material que coletamos debaixo de suas unhas não apontaram material genético. A pressa para salvar a sua vida fez com que outros indícios que poderiam ser encontrados, como pelos pubianos ou de cabelo, fossem perdidos. Desculpe."

"Não acharam a camisinha?" Leroy perguntou aflito.

"Não." A detetive foi categórica. "O cenário nos mostra que se trata de alguém que tinha objetivo certo do que queria fazer. Esse sujeito fez alguma pesquisa para evitar que a perícia o pegasse. Com certeza é um homem inteligente, e estatísticas mostram que é possível que ele te observou por algum tempo antes de te atacar."

"Eu posso conhecer esse sujeito?" Rachel se assustou.

"Não necessariamente. Pode ser que estamos lidando com alguém ainda no início da exploração das próprias sociopatias. Por isso Rachel, já que não conseguimos evidências biológicas, é muito importante que você nos conte o que aconteceu sob o seu ponto de vista."

"Não há muito o que dizer."

"Por favor, tente. Pela minha experiência, pelo cenário que encontramos, o seu agressor pode fazer outras vítimas."

Rachel olhou para a detetive de relance e fechou os olhos por um momento. A detetive perguntava justo o que ela mais queria esquecer.

"Eu estava chegando em casa do trabalho e um homem mascarado disse ser o vigilante..." Rachel se permitiu um minuto de pausa, e a detetive respeitou o tempo dela. "Ele era um homem alto, mas não tão alto quanto Finn. Era um homem em forma, eu acho, desses tipos magros e fortes. Ele me disse para eu sair da rua, porque havia perigo, e me puxou para o beco, me segurando por trás e colocando a mão na minha boca."

"Você acreditou?" A detetive perguntou.

"Por um minuto sim... até ele apertar o meu seio e começar a se pressionar contra o meu corpo. Foi quando eu comecei a lutar para sair dali... daquela situação. Eu vi outro homem passando pela rua, e gritei por ajuda, mas a minha voz não saiu como deveria. Esse homem não me escutou... Então esse vigilante começou a me espancar. Eu tentei revidar, mas ele era muito mais forte. Quando ele quebrou o meu braço, eu perdi as forças por completo. Foi quando eu soube que eu não tinha como evitar. Eu não tive mais certeza se ficaria viva. Ele... teve o tempo dele. Ele foi bruto, e ele não estava com pressa. Quando ele terminou, eu desmaiei. Só acordei no hospital." Rachel limpou as lágrimas e levantou-se do sofá. "Desculpe, detetive, eu não consigo mais."

"Tudo bem, querida. Você nos ajudou muito."

Rachel voltou para o quarto dela. Por mais que racionalmente ela entendesse a necessidade de prestar o depoimento, emocionalmente aquilo era como outra agressão, uma vez que a fazia reviver o que ela implorava para esquecer.