Trabalhar debaixo do sol quente é uma das piores partes de ser arqueólogo. Sim, eu ainda estou cursando a faculdade, mas já atuo em pesquisas. Sou assistente do professor Garrett, que não estava presente hoje… é claro. O trabalho pesado sempre fica pros estudantes.

"Ei, Ben." Quem chamou foi um colega meu da universidade, nós dois estávamos procurando e catalogando itens em um sítio arqueológico de Richmond Town. "Já tá escurecendo, bora embora?"

"Pode ir na frente, vou ficar mais um pedaço. Ainda tem alguns itens aqui e hoje é o último dia disponível que temos."

"Cê que sabe, mas não devia perder tanto tempo trabalhando pros outros." Ele saiu logo após dizer isso, sem esperar por uma resposta. Não sou do tipo que faz as coisas pelos outros. Eu ajudo, mas só porque quero ajudar ou pra me beneficiar. Ter meu nome na pesquisa do professor Garrett vai ser ótimo pro meu currículo, e ele pode me indicar pra ótimas vagas no futuro. Apesar disso, a verdade é que eu só gosto muito do meu trabalho. É muito divertido estudar e desvendar o passado do mundo… mesmo quando são só um cacos de porcelana e utensílios rudimentares meio sem graça.

O céu estava completamente escuro quando eu finalmente terminei de catalogar e guardar os itens no armazém arqueológico. Era uma noite sem lua. O horário de visitação também já tinha acabado então o centro histórico tava completamente vazio. A maioria acharia esse lugar a noite bem assustador, com suas construções históricas bem preservadas, vazias e sem vida. É o cenário perfeito para um ataque de vampiro ou lobisomem que, caso você não saiba, são riscos bem reais aqui em Nova York. Sabe-se lá porque, mas essa cidade parece reunir tudo de bizarro que existe no universo. Às vezes eu me sinto como se vivesse em Gravity Falls.

Por sorte nenhuma aberração apareceu pra me atacar e eu pude aproveitar minha caminhada noturna. Pelo menos até avistar uma estrela cadente, ou o que eu pensei que fosse uma. Era um brilho estranho que surgiu no céu escuro, ao mesmo tempo que reluzia, parecia escuro e ofuscado. A confusão fez eu não me ligar que ele tava crescendo e chegando perto demais de onde eu tava. Quando finalmente me virei pra fugir só tive tempo de dar alguns passos antes de ser atirado pra longe pela onda de choque do impacto.

Depois de recuperar o fôlego eu me esgueirei até a cratera recém criada para ver o que diachos tinha caído ali. Imaginei que poderia ser um meteorito mesmo ou algo do tipo, mas quando a poeira baixou o que vi foi bem mais estranho, era uma… espada? Mais ou menos. Sabe quando você tá andando por um lugar cheio de árvores e encontra um graveto muito daora que parece uma espada? Essa coisa tinha esse formato, só que ao invés de madeira era feita de algum material totalmente preto.

De cara eu exitei em me aproximar, com tudo que existe nesse mundo essa coisa podia tanto me dar superpoderes quanto me matar instataneamente. A escolha acabou não sendo minha, pois o chão sob meus pés cedeu devido ao impacto e eu escorreguei ficando de cara com a espada. Num momento, sem pensar muito, eu estiquei meu braço e agarrei o cabo. A princípio ele era firme, mas logo que eu toquei se tornou em uma gosma que começou a cobrir meu braço. Assustado eu gritei e sacudi ele freneticamente, tentando me livrar da coisa, só que foi em vão. Antes que eu conseguisse sequer sair da cratera a gosma cobriu meu corpo completamente e foi aí que eu apaguei.

Onde eu estou?

Quem sou eu?

Quem é você?

Quem somos nós?

FWUOOOOOOOOOOOUHN

O estrondo da buzina foi o primeiro som que eu ouvi, seguido por um grito gutural bizarro. Diante dos meus olhos o chão molhado. Eu estava de joelhos sobre uma poça de algum líquido escuro e com as mãos na cabeça. Desorientado eu olhei em volta tentando entender onde eu estava. Era um beco. Atrás de mim havia uma rua vazia, a buzina provavelmente foi de algum caminhão passando por ali. Entre mim e a rua estava uma mulher assustada segurando uma bolsa com as duas mãos.

"Onde nós-"

Logo que eu abri a boca para perguntar onde estávamos ela gritou e saiu correndo.

Levou um minuto para meus sentidos voltarem totalmente e eu notar o homem morto na minha frente. Um corpo decapitado. Na verdade, essa não é a melhor forma de descrever. Acontece que a cabeça dele não foi cortada, tava mais pra arrancada pela mordida de algum animal muito grande. O líquido escuro no chão era uma poça de sangue.

Também notei outra coisa, havia outras pessoas no beco. Um grupo de quatro homens mal encarados, carregando tacos de metal e pedaços de madeira. Apesar de estarem em choque pelo cadáver morto do amigo, isso não bastou para fazer eles fugirem, eles só ficaram mais irritados e vinheram na minha direção.

Dessa vez fui eu quem gritou e correu.

Ainda era noite, provavelmente madrugada, e eu estava de volta no meio de Nova York. Não sei onde, mas as ruas estavam desertas.

Tive alguma vantagem até um dos caras me acertar na cabeça com um taco e me jogar na parede. Fugir não ia funcionar, eu precisava brigar se quisesse escapar. O cara do taco girou pra me acertar de novo e eu ergui meu braço pra tentar segurar a arma. Foi quando meu braço ficou preto outra vez, coberto por aquela gosma. Ela se estendeu a partir dos meus dedos formando uma espada. Não era o mesmo graveto estiloso de antes, agora era uma espada de verdade. O guardapunho se projetava da minha mão e a lâmina negra brilhava sedenta. Num movimento involuntário para me defender eu cortei o taco de metal em dois, e levei junto a mão do que me atacava. Caindo de bunda no chão ele chorava e berrava desesperado, segurando o pulso ensanguentado com a mão restante.

Antes eu estava assustado e perdido, mas agora meu sangue fervia. Eu me sentia preste a estourar.

"Lute." Uma demanda ecoou em meus ouvidos.

"O que?"

"Lute!" A voz ficou mais insistente, ao mesmo tempo uma ordem e uma súplica.

"Seu merdinha!" Um dos outros caras do beco gritou, chamando minha atenção, e veio pra cima junto dos dois amigos restantes.

Um pedaço de madeira se estraçalhou na minha cabeça, e mesmo assim eu não senti quase nada. Com auxílio da luz fraca da rua, vi meu reflexo na vitrine de uma loja. Meu corpo coberto por um tipo de traje preto, com meu olhos envoltos por lentes brancas e a espada no lugar da minha mão direita.

Quando o segundo cara avançou meu braço se mexeu sozinho e cortou ele no meio, espirrando sangue para todos os lados.

Entendendo que não eram páreos, os dois caras que ainda estavam inteiros pegaram o amigo maneta e partiram em disparada.

"Vai atrás deles! Eu quero mais sangue!" A voz berrava na minha cabeça.

Era a mesma voz que tinha dado aquele grito gutural quando eu ouvi a buzina.

"Quem é você? Sai da minha cabeça!"

Por algum motivo pareceu que a voz me atendeu. Quando eu gritei ela se calou e o traje preto se retraiu, como se rastejasse para dentro dos meus poros.

O que era aquela gosma? Aquela espada que caiu do céu?

Eu tinha muitas perguntas, e a polícia também teria se me encontrassem ali com um corpo fatiado e uma mão decepada.

Então eu fugi. Parecia que era isso que todos estávamos fazendo.

Sob a luz da estação de metrô, há alguns quilômetros dali, fitei minhas mãos perplexo. Elas estavam limpas, mas o mundo ao meu redor era vermelho sangue.